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PARTE GERAL
INTRODUÇÃO À PARTE GERAL
A ESTRUTURA DO CÓDIGO
PRINCÍPIOS
DAS PESSOAS
Sujeito de direito é o ente referido pela norma jurídica como sendo o titular ou o possível
titular de direitos e obrigações. Como ensina Fábio Ulhoa Coelho, “sujeito de direito é o centro de imputação
de direitos e obrigações referidos em normas jurídicas”.
Saliente-se, desde logo, que nem todo sujeito de direito é pessoa, embora a maioria da
doutrina utilize as expressões como sinônimas.
Considerando-se que direito subjetivo é o poder de agir atribuído a um sujeito ou titular,
força convir, como assevera Washington de Barros Monteiro, que, presente determinado direito, há de
existir forçosamente um sujeito que lhe tenha a titularidade.
Modernamente, entende-se que esse sujeito pode ser de duas categorias: personalizados e
despersonalizados.
Os sujeitos personalizados são os dotados de personalidade jurídica. Significa que podem
praticar a maioria dos atos e negócios jurídicos. Esses sujeitos são: a pessoa física e a pessoa jurídica.
Os sujeitos despersonalizados, por sua vez, como revela Fábio Ulhoa Coelho, “podem
praticar apenas os atos inerentes à sua finalidade (se possuírem uma) ou para os quais estejam
especificamente autorizados”. Esses sujeitos são: o nascituro e as chamadas quase pessoas jurídicas
(espólio, massa falida, herança jacente, condomínio edilício e pessoa jurídica sem registro). Esses entes
não desfrutam de personalidade jurídica, mas, como veremos, podem figurar em algumas relações jurídicas.
PERSONALIDADE JURÍDICA
CONCEITO
COMORIÊNCIA
Comoriência é a morte de duas ou mais pessoas, na mesma ocasião, sendo elas herdeiras
entre si. Em não se apurando a ordem cronológica dos óbitos, o art. 8.º do CC presume a comoriência,
independentemente de sexo, idade ou estado civil, considerando-os simultaneamente mortos.
Assim, enquanto a premoriência, isto é, a morte precedente, e a pós-moriência, isto é, a
morte subseqüente, devem ser comprovadas, a comoriência é presumida. Na dúvida sobre quem tenha
falecido primeiro, o Código presume o falecimento conjunto.
O efeito da comoriência é o seguinte: os comorientes não herdam entre si. Não haverá
transmissão de bens entre os comorientes.
Imagine, por exemplo, um casal sem descendentes e ascendentes, em que o único herdeiro
do marido, além da sua esposa, seja um primo, e, por sua vez, a única herdeira da varoa, além do marido,
seja a sua irmã. Se o casal falece no mesmo evento, podem ocorrer as seguintes situações:
a. apura-se que o marido pré-morreu à esposa. Esta recolhe a herança daquele,
transmitindo em seguida à sua irmã. Haverá dois fatos geradores do imposto causa mortis.
b. apura-se que a mulher pré-morreu ao marido. Este recolhe a herança daquela,
transmitindo em seguida ao seu primo. Igualmente, incidirão dois impostos causa mortis.
c. não se apura quem morreu primeiro. Nesse caso, presume-se a comoriência, sendo certo
que os comorientes não herdarão entre si.
Assim, a herança do marido será transmitida para seu primo; a herança da esposa, para a
sua irmã. Em cada herança, incidirá um único imposto causa mortis.
Ao lado da pessoa natural e da pessoa jurídica há um ente intermediário que pode figurar
em algumas relações jurídicas. É a chamada quase pessoa jurídica ou ente despersonalizado.
Com efeito, trata-se de determinados patrimônios especiais ou órgãos públicos que,
conquanto destituídos de personalidade jurídica, titularizam alguns direitos e obrigações. Não podem ser
reduzidos à coisa nem alçados ao status de pessoas.
Esses entes despersonalizados são de duas ordens:
a. patrimônios especiais: assemelham-se às pessoas jurídicas de direito privado, mas não
se revestem dessa natureza jurídica, pois não constam no rol do art. 44 do CC. É o caso do espólio, massa
falida, herança jacente, condomínio edilício e pessoa jurídica sem registro. Esses entes têm legitimação ad
processum, pois podem ser autor e réu nas ações patrimoniais (art. 12, incisos III, IV, V, VII e IX, do CPC),
mas não desfrutam de capacidade aquisitiva. Com efeito, não podem adquirir bens, figurando, por exemplo,
como beneficiários de um contrato de doação ou então em testamento, porquanto não gozam de
personalidade jurídica, inviabilizando-se, destarte, o registro do imóvel alienado. Abre-se uma exceção ao
condomínio edilício, pois o § 3.º do art. 63 da Lei 4.591/1964 permite-lhe a adjudicação da unidade do
adquirente remisso. O aludido dispositivo legal só permite essa adjudicação na fase de construção,
atribuindo direito de preferência ao condomínio nas vinte e quatro horas seguintes à realização da segunda
praça. No Estado de São Paulo, contudo, o magistrado Venício Antonio de Paula Salles, titular da 1.ª Vara
de Registros Públicos da Capital, conferiu ao condomínio o poder de adjudicação ou arrematação de bem
imóvel em execução movida em face de condômino por não pagamento da taxa condominial, mesmo após
o término da construção. Acrescente-se ainda que o espólio pode alienar bens com autorização judicial, por
força do art. 992, I, do CPC. Igualmente, a massa falida. Não podem, porém, figurar como adquirentes de
bens, pois, como frisado, não desfrutam de personalidade jurídica.
b. órgãos públicos: são os componentes de uma pessoa política, isto é, da União, Estados-
membros, Municípios e Distrito Federal. Exemplos: Câmara dos Vereadores, Assembléia Legislativa,
Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça,
Ministério Público, Secretarias de Governo etc. Esses entes podem, porém, impetrar mandado de
segurança para a defesa de suas atribuições institucionais, por força do art. 5.º, LXIX, da CF. A Mesa do
Senado e a Mesa da Câmara dos Deputados ainda podem mover a ação direta de inconstitucionalidade,
conforme preceitua o art. 103, II e III, da CF. O Ministério Público, como é sabido, pode propor as ações
penais públicas e ações civis para defesa de interesses individuais indisponíveis, difusos ou coletivos. Afora
essas exceções, nenhuma outra ação pode ser ajuizada por esses entes. Jamais poderão figurar no pólo
passivo de uma relação processual, sob pena de carência de ação, salvo quando se tratar de mandado de
segurança ou habeas data. Não se pode, por exemplo, mover ação trabalhista contra a Câmara dos
Vereadores nem ação de indenização contra o Tribunal de Justiça ou o Ministério Público. Também não se
pode vender ou doar bens a esses órgãos, pois, não sendo eles pessoas, inviabiliza-se o registro do bem.
NASCITURO
A lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2.º do CC). O nascituro é
pessoa condicional, pois a aquisição da personalidade depende do nascimento com vida. A rigor, o
nascituro, à exceção do direito de nascer, não tem direito adquirido, mas apenas expectativas de direitos
(direito in fieri).
Todavia, o nascituro pode figurar em algumas relações jurídicas, a saber:
a. a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal (art. 542 do
CC);
b. o testamento pode ser feito em favor de nascituro (art. 1.798 do CC);
c. o nascituro pode ser reconhecido pelos pais (parágrafo único do art. 1.609 do CC).
Esses três atos mencionados acima só produzirão efeitos se sobrevier o nascimento com
vida. Tratando-se de natimorto, opera-se a caducidade desses atos, porquanto elaborados sob condição
suspensiva.
Não se pode, a propósito, vender bens para o nascituro, porque as hipóteses previstas no
Código Civil relativas a direitos do nascituro são exaustivas, não os equiparando em tudo ao já nascido. O
nascituro é representado pelos pais. Dar-se-á, porém, curador ao nascituro se o pai falecer estando grávida
a mulher, e não tendo esta o poder familiar (art. 1.779 do CC). Se a mulher é capaz, ela mesma exerce o
poder familiar sobre o nascituro; nesse caso, não há falar-se em nomeação de curador. Se a mulher estiver
interditada seu curador será também curador do nascituro, por força do instituto da curatela prorrogada (art.
1.779, parágrafo único, do CC).
Portanto, dá-se curador ao nascituro apenas quando presentes três requisitos:
a. que o pai faleça estando grávida a mulher;
b. que esta não tenha o poder familiar;
c. que ela ainda não esteja interditada.
O interesse em se nomear curador ao nascituro ocorre quando houver expectativa de
recebimento de alguma herança, legado ou doação.
A jurisprudência tem reconhecido o direito de alimentos em favor do nascituro, legitimando-o
a promover a ação de alimentos. De fato, se a lei põe a salvo os seus direitos, desde a concepção, nada
mais justo do que lhe atribuir o direito de ação. De nada adiantaria essa salvaguarda dos seus interesses se
ele não pudesse mover as ações judiciais destinadas à defesa desses direitos.
Por outro lado, o nascituro ainda pode figurar no pólo passivo de uma relação processual.
Tal ocorre, por exemplo, na ação anulatória de doação ou testamento feitos em seu favor.
Finalmente, o embrião in vitro não é sujeito de direito, mas apenas objeto de direito. Com
efeito, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2.º do CC). A expressão
concepção deve ser entendida como sendo a fecundação in utero ou então a implantação do embrião in
vitro no útero. À míngua de legislação disciplinando o assunto não há como anteciparlhe a personalidade
para o momento da fertilização laboratorial, mesmo porque a sua posterior implantação no útero subordina-
se ao puro arbítrio dos pais, que podem perfeitamente revogar a autorização anterior. A implantação no
útero, portanto, é um ato sob condição puramente potestativa, que é vedada por lei, no art. 122, segunda
parte, do CC, e, por isso, não se lhe pode atribuir qualquer efeito antes da concretização dessa implantação
in utero. O assunto, porém, não é pacífico. Fábio Ulhoa Coelho, por exemplo, salienta que se os genitores
manifestaram a vontade por escrito de ver um ou mais dos embriões fertilizados desenvolverem-se como
seres humanos, os seus direitos devem ser preservados desde a fertilização in vitro, caso a criança venha a
nascer com vida, ainda que já esteja morto um dos pais.
É pacífico, porém, que o embrião in vitro ainda não implantado no útero é apenas objeto de
direito. Após essa implantação ganha o status de nascituro e os seus direitos devem então ser preservados.
Para uns, a preservação desses direitos ocorre a partir da implantação no útero; outros, ao
revés, sustentam que essa preservação deve retroagir à data da fertilização laboratorial, na hipótese de os
genitores terem manifestado por escrito sua vontade de ver um ou mais embriões fertilizados
desenvolverem-se como seres humanos. Essa última solução, a meu ver, gera insegurança jurídica, além
de atribuir efeito à condição puramente potestativa, que é repudiada pelo art. 122, última parte, do CC.
QUESTÕES
CONCEITO E ESPÉCIES
Na representação, o incapaz não esboça a sua vontade em relação à decisão pela prática
ou não do ato ou negócio jurídico, pois esta é tomada pelo representante legal, ao passo que na assistência
o próprio incapaz decide se pratica ou não o ato ou negócio jurídico, esboçando, portanto, a sua vontade,
limitando-se o representante legal a apenas presenciá-lo durante a celebração do ato.
Em suma, na representação, o ato é praticado pelo representante em nome do incapaz.
Este último sequer participa do ato. Na assistência, o ato é praticado pelo próprio incapaz, mas na presença
do representante legal.
Saliente-se, ainda, que todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração
mediante instrumento particular, conforme preceitua o art. 654 do CC. A contrario senso, os incapazes
devem outorgar a procuração por instrumento público. Interpretando esse dispositivo legal, que corresponde
ao art. 1.289 do Código de 1916, pacificou-se a jurisprudência de que a procuração do absolutamente
incapaz pode ser por instrumento particular, porquanto outorgada por pessoa capaz, qual seja, o seu
representante legal.
Em contrapartida, tratando-se de relativamente incapaz, a procuração deve ser por
instrumento público, pois é outorgada pelo próprio incapaz sob a assistência de seu representante.
Recentemente, a jurisprudência vem amenizando esse entendimento, salientando que a
procuração “ad judicia” do relativamente incapaz também pode ser outorgada por instrumento particular,
com base no art. 38 do CPC, exigindo-se o instrumento público apenas para a procuração “ad negocia”.
O substituto processual é aquele que defende em nome próprio um interesse alheio. Tal
ocorre, por exemplo, quando o cidadão ajuíza a ação popular ou então quando o Ministério Público promove
as ações civis públicas.
O representante legal, ao revés, não age em nome próprio, mas sim em nome da própria
pessoa, cujo interesse defende.
A autorização é a permissão dada por um terceiro para que o ato ou negócio jurídico possa
ser realizado. Tal ocorre, por exemplo, quando o cônjuge deseja alienar bem imóvel. Ainda que este seja de
sua exclusiva propriedade, exige-se a autorização do outro consorte, exceto no regime de separação
absoluta (art. 1.647, I, do CC). Igualmente, na venda de ascendente para descendente é necessária a
autorização dos outros descendentes (art. 496). Acrescente-se ainda que o menor, a partir dos 16 anos,
pode se casar, mediante autorização do representante legal.
Cumpre observar que a autorização é exigida antes da prática do ato, podendo a sua falta
ser suprida por decisão judicial. A assistência, ao revés, é dada durante o ato, e, se for negada, não poderá
ser suprida judicialmente.
Finalmente, a autorização é exigida até para as pessoas capazes, ao passo que a
assistência é inerente aos relativamente incapazes.
A enfermidade mental é uma doença que acomete a pessoa mentalmente sã, privando-a do
necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil. Tal ocorre, por exemplo, com a depressão
profunda.
A deficiência mental, por sua vez, consiste na alteração da capacidade psíquica,
comprometendo-se o nível de inteligência da pessoa.
Sobre a distinção entre a enfermidade mental e a deficiência mental, convém destacar três
aspectos.
Primeiro, a enfermidade mental é uma doença psíquica que se desenvolve em pessoa
mentalmente sã; a deficiência mental pode ser congênita ou então atingir abruptamente a pessoa sã, como,
por exemplo, o traumatismo craniano.
Segundo, a enfermidade mental normalmente é transitória; a deficiência mental, ao revés,
normalmente é permanente.
Terceiro, o enfermo mental só pode ser interditado como sendo absolutamente incapaz,
quando não tiver o necessário discernimento para prática dos atos da vida civil, mantendo-se, destarte, a
capacidade plena quando esse discernimento estiver apenas reduzido, ao passo que o deficiente mental
pode ser interditado como sendo absolutamente incapaz ou relativamente incapaz, conforme o seu
discernimento esteja suprimido ou reduzido.
Vale a pena observar, também, que o deficiente mental, cujo discernimento encontra-se
preservado, é tido como capaz, sendo, pois, vedada a sua interdição.
A pessoa que não pode exprimir a vontade, ainda que por causa transitória, é tida como
absolutamente incapaz. Exemplo: pessoa em coma.
O artigo 1.767, inciso II, do CC, porém, só admite a interdição da pessoa que, por causa
duradoura, não puder exprimir a sua vontade. Se a causa for transitória, não obstante a incapacidade
absoluta, prevista no art. 3º, III, do CC, o Código é silente sobre a possibilidade da interdição, aliás,
implicitamente acaba vedando-a à medida em que só a admite para as causas duradouras. Se houver
necessidade, cremos que o juiz poderá nomear um curador quando a causa de incapacidade for transitória,
aplicando-se o art. 1780 do CC. Esse curador poderá ser nomeado para cuidar de todos ou alguns de seus
negócios ou bens.
No tocante ao surdo-mudo, o assunto é polêmico. Para Miguel Reale, os surdos-mudos são
considerados como relativamente incapazes, enquadrando-se como excepcionais, sem desenvolvimento
completo, previsto no art. 4º, inciso III do CC. Renan Lotufo, por sua vez, salienta que os surdos-mudos que
não puderem expressar sua vontade devem ser considerados como absolutamente incapazes, com fulcro
no inciso III deste art. 3º.
A nosso ver, o surdo-mudo que não externa a sua vontade deve ser tido como
absolutamente incapaz, enquadrando-se no art. 3º, III, do CC, podendo ser interditado, porque a causa da
surdo-mudez, qual seja, a lesão aos centros nervosos, é permanente, e não apenas transitória. Se, todavia,
a sua incapacidade for apenas parcial, deve ser interditado como relativamente incapaz, enquadrando-se
entre os excepcionais, sem desenvolvimento completo, previsto no art. 4º, III, do CC.
Saliente-se, ainda, que se puder exprimir seu pensamento com discernimento não será
incapaz. Portanto, o surdo-mudo pode ser:
a. absolutamente incapaz (art. 3º, III);
b. relativamente incapaz (art. 4º, IV);
c. plenamente capaz.
Essa solução também deve ser aplicada para os afônicos.
O menor, entre dezesseis e dezoito anos, sob o prisma jurídico, é denominado púbere.
Equiparam-se aos maiores quando dolosamente ocultam a idade, ao serem inquiridos pela outra parte, ou
se, no ato de obrigarem-se, declararam-se maiores (art. 180). Nesse caso, o contrato deve ser cumprido,
ainda que celebrado sem a assistência do representante legal, por força do citado art. 180 do CC, inspirado
no princípio de que não se pode alegar a própria torpeza.
Vimos, por outro lado, que certos atos esse menor pode praticar sem assistência:
a. servir de testemunha, inclusive em testamentos (art. 228);
b. testar (art. 1.627);
c. ser mandatário (art. 666);
d. votar.
Finalmente, no dia do aniversário de 16 anos, esse menor já é relativamente incapaz, pois o
art. 3º, I, do CC considera absolutamente incapaz os menores de 16 anos. É certo, pois, que o art. 4º, I, do
CC ao referir-se aos relativamente incapaz fez menção aos maiores de 16 anos e menores de 18 anos.
Todavia, o art. 180 do CC, que também cuida dos menores púberes, utiliza a expressão “menor entre
dezesseis e dezoito anos”.
A rigor, no dia do aniversário de 16 anos, o adolescente não é menor nem maior de 16
anos, pois, nesse dia, tem exatamente 16 anos, só será maior de 16 anos a partir do dia seguinte. A
interpretação sistemática, porém, inspirado no art. 180 do CC, permite a adoção da exegese que o
considera relativamente incapaz desde a data de seu aniversário de 16 anos.
Os ébrios habituais são os alcoólatras. Urge, para que se proceda a interdição, a presença
de dois requisitos:
a. embriaguez habitual, isto é, quase que diária;
b. perturbação do discernimento. Se o agente bebe diariamente, mas de forma moderada,
exprimindo satisfatoriamente o seu pensamento, é porque não é incapaz; nesse caso, não poderá ser
interditado.
No tocante aos viciados em tóxicos, a lei não exige a habitualidade, isto é, o uso quase que
diário, admitindo a interdição, ainda que o consumo seja intervalado, como, por exemplo, uma vez por
semana ou de quinze em quinze dias. É mister, porém, a presença de dois requisitos:
a. o vício, isto é, o uso reiterado de substância entorpecente. Esse uso, como vimos, não
precisa ser diário. É crucial, porém, o diagnóstico sobre a existência do vício, caracterizada pela situação de
dependência da droga;
b. perturbação do discernimento. O uso moderado de tóxico, conquanto criminoso, não
implica em incapacidade da pessoa, quando esta preserva o discernimento.
Os ébrios habituais e os viciados em tóxicos são considerados relativamente incapazes pelo
Código de 2002. Todavia, a legislação especial os qualifica como absolutamente ou relativamente
incapazes, conforme a gravidade do estado mental ou de intoxicação (Decreto nº 24.559/34 e Lei nº
891/38).
Alguns autores sustentam que essas duas espécies de incapacidade ainda prevalecem,
porque a lei geral não revoga a especial. O assunto, porém, não é pacífico. Fábio Ulhoa Coelho, por
exemplo, assevera que o vício é sempre causa de incapacidade relativa, qualquer que seja a situação do
viciado. A rigor, não há lugar para polêmica, pois, caso o ébrio habitual ou toxicômano não possam exprimir
a vontade, devem ser considerados absolutamente incapazes, por força do art. 3º, III, do CC, de modo que
nem há necessidade de se valer da legislação especial (Decreto nº 24.559/34 e Lei nº 891/38). Ademais, o
art. 2.043 do Código Civil, revogou tacitamente as disposições de natureza civil anteriores à sua vigência à
medida em que ressalvou apenas as de natureza processual, administrativa e penal.
Finalmente, o juiz, atento ao grau de lucidez do interditando, pode amenizar os efeitos da
interdição, restringindo-a aos atos de maior relevo, à semelhança do que por força de lei, já ocorre,
automaticamente, em relação ao pródigo (art. 1.772).
PRÓDIGO
Pródigo é o indivíduo que dilapida o seu patrimônio, de forma imoderada e habitual, pondo
em risco o próprio sustento e de seus familiares.
O reconhecimento da prodigalidade depende dos seguintes requisitos:
a. gastos habituais excessivos, isto é, imoderados, desordenados, desenfreados;
b. risco ao próprio sustento ou de sua família.
Os gastos excessivos, ainda que habituais, por si só, não revelam a prodigalidade. Urge,
para tanto, o surgimento do risco de dilapidação do patrimônio.
Quanto ao viciado em jogo, paira controvérsia sobre o seu estado de prodigalidade. A
jurisprudência oscila num e noutro sentido. Faltalhe, a nosso ver, a generosidade, que é uma das
características peculiares ao pródigo.
O pródigo é considerado relativamente incapaz (art. 4º, IV).
Pródigos são pessoas que, movidas por compulsão, dilapidam habitualmente seus bens,
colocando em risco o próprio sustento e de sua família. A interdição do pródigo restringe-se aos atos
patrimoniais. Com efeito, necessitará de curador apenas para assisti-lo em empréstimos, transações,
quitações, alienações, hipotecas; enfim, para praticar, em geral, os atos que não sejam de mera
administração (art.1.782). Quanto aos atos pessoais, isto é, não patrimoniais, por exemplo, o casamento, o
pródigo é plenamente capaz, prescindindo-se da assistência do curador, salvo quanto a escolha do regime
de bens, cujo conteúdo é patrimonial, sendo, pois, essencial a assistência.
Finalmente, no Código de 1916, a interdição do pródigo só era possível quando houvesse
cônjuge, ascendente ou descendente, que pudessem promovê-la. Não mais existindo esses parentes, a
interdição era cancelada. Portanto, o pródigo, a rigor, não era protegido, pois o legislador preocupava-se
apenas com os seus familiares. No Código de 2002, o pródigo pode ser interditado, ainda que não tenha
cônjuge, ascendente ou descendente.
Com efeito, a interdição pode ser movida por qualquer parente, e, subsidiariamente, pelo
Ministério Público, colocando-se, portanto, o pródigo no mesmo nível de proteção dos demais incapazes.
ÍNDIOS
A capacidade do índio, conforme preceitua o parágrafo único do art. 4º do CC, é regida por
lei especial.
O assunto encontra-se regulamentado pela Lei nº 6001/73, também denominada de
Estatuto do índio.
O índio não integrado à civilização apresenta uma incapacidade “sui generis”, pois, de um
lado, assemelha-se aos relativamente incapazes à medida em que é assistido pela FUNAI na prática dos
atos ou negócios jurídicos, mas, de outro lado, aproxima-se dos absolutamente incapazes, porquanto sem a
aludida assistência os atos ou negócios jurídicos serão nulos e não apenas anuláveis. Observe-se, contudo,
que os atos praticados pelos absolutamente incapazes são sempre nulos, independentemente de prejuízo,
ao passo que os atos praticados pelo índio sem a assistência da FUNAI só serão nulos se lhes for
prejudicial, caso contrário reputam-se válidos.
Saliente-se, ainda, que o art. 5º, da Lei 6.015/73 preceitua que os índios, enquanto não
integrados, não estão obrigados a inscrição do nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio da FUNAI.
Finalmente, o Código de 2002 substituiu o termo “silvícolas” por “índios”. A alteração foi
salutar, porque silvícola é o habitante da selva, ao passo que o índio encontra-se protegido ainda que a
comunidade indígena se localize nos centros urbanos.
FORMAS DE AQUISIÇÃO
A MAIORIDADE CIVIL
A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada para a
prática de todos os atos da vida civil (art. 9º do CC). Assim, a pessoa se torna maior e capaz no primeiro
momento do dia do aniversário de 18 anos. Se ela nasceu num ano bissexto, a 29 de fevereiro, a
maioridade será alcançada no 18º ano, mas a 1º de março.
Ressalte-se que a maioridade civil foi reduzida para 18 anos, pois no Código de 1916 essa
maioridade só era atingida aos 21 anos. O principal argumento para essa redução é o fato da capacidade
penal e a capacidade eleitoral iniciarem aos 18 anos. O legislador buscou, portanto, a uniformidade.
Por outro lado, como sustenta Washington de Barros Monteiro, se ignorada a data do
nascimento, exigir-se-á exame médico, porém, na dúvida, pender-se-á pela capacidade, pois esta é
presumida.
Finalmente, cumpre observar que, em regra, a maioridade civil implica na capacidade civil
da pessoa. Todavia, nas hipóteses dos arts. 3º e 4º do CC, não obstante a maioridade civil, persiste a
incapacidade. Em contrapartida, em regra, a menoridade implica na incapacidade civil da pessoa, salvo
quando esta estiver emancipada.
LEVANTAMENTO DA INTERDIÇÃO
INTEGRAÇÃO DO ÍNDIO
O índio integrado à civilização brasileira é plenamente capaz. Nesse caso, poderá requerer
a sua emancipação, mediante requerimento dirigido ao Juiz Federal, desde que preencha os seguintes
requisitos:
a. idade mínima de 21 anos;
b. conhecimento da língua portuguesa;
c. habilitação para o exercício de atividade útil, na comunidade nacional;
d. razoável conhecimento de usos e costumes da comunhão nacional.
Presentes esses requisitos, o juiz prolatará a sentença de emancipação.
Há ainda outras duas formas de emancipação do índio, a saber:
a. reconhecimento pela própria FUNAI, homologado judicialmente;
b. decreto do Presidente da República de emancipação coletiva, após requerimento da
maioria dos membros da comunidade indígena e comprovação, pela FUNAI, da plena integração à
civilização.
EMANCIPAÇÃO
Emancipação é o instituto jurídico que atribui capacidade plena aos menores de 18 anos. É,
pois, a antecipação da capacidade civil.
Apresenta as seguintes características:
a. irrevogabilidade. A emancipação válida não pode ser revogada pelos pais nem pelo
menor. Tratando-se, porém, de emancipação inválida, torna-se plenamente possível a sua anulação por
sentença judicial. Note-se que enquanto a revogação é o desfazimento de ato válido, a anulação é o
cancelamento de ato inválido, isto é, fruto de erro, dolo ou coação.
b. perpetuidade. A emancipação é sempre definitiva. Com o casamento, por exemplo, o
menor se emancipa. Se, porém, no dia seguinte, sobrevier a viuvez, ainda assim persistirá a emancipação.
c. pura e simples. A emancipação é um ato puro e simples, porquanto não admite termo ou
condição.
Convém ainda não confundir a capacidade civil com a maioridade civil.
Conquanto a emancipação atribua capacidade plena aos menores de 18 anos, o certo é que
eles ainda continuam menores.
Assim, a emancipação os habilita aos atos da vida civil, cuja prática dependa tão somente
da capacidade. Todavia, para alguns atos, a lei exige idade mínima, de modo que para praticá-los não basta
a emancipação, urge ainda que ostentem certa idade. Portanto, o menor emancipado não poderá tirar
carteira de motorista; não terá responsabilidade penal; não poderá assistir filme proibido para menor de 18
anos; não poderá ir ao motel; etc. Com efeito, a emancipação confere apenas capacidade civil ao menor,
com o objetivo de beneficiá-lo; todavia, ele continua adstrito às restrições inerentes à idade, em função da
sua personalidade ainda em formação, porquanto o intuito dessas limitações é protegê-lo.
Finalmente, no tocante à forma, a emancipação pode ser voluntária, judicial e legal.
EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA
A emancipação voluntária é a concedida pelos pais, mediante escritura pública, que deve
ser inscrita no Registro Civil competente.
Essa inscrição, que é essencial para a emancipação surtir efeitos perante terceiros,
independe de homologação judicial.
A emancipação é outorgada pelos pais em conjunto, sendo ainda necessário que o menor
tenha dezesseis anos completos. Antes dessa idade, é vedada a emancipação voluntária.
Nada obsta a concessão da emancipação voluntária por apenas um dos pais, na hipótese
de o outro já ter falecido ou se encontrar interditado, outrossim, quando houver decaído do poder familiar.
Por outro lado, se um dos genitores se encontrar em lugar incerto e não sabido, o outro,
para poder emancipar voluntariamente o filho, deverá requerer a autorização judicial. Nesse caso, o juiz não
prolata uma sentença de emancipação, e sim uma decisão autorizando a emancipação por um único
progenitor.
Finalmente, a emancipação deve ser para beneficiar o menor. Assim, a emancipação
concedida pelos pais pode ser anulada se ficar provado que o ato foi praticado para libertarem-se do dever
de prestarem pensão alimentícia.
EMANCIPAÇÃO JUDICIAL
EMANCIPAÇÃO LEGAL
QUESTÕES
CONCEITO
CLASSIFICAÇÃO
CARACTERES
CONCEITO
CONTEÚDO
DIREITO AO NOME
CONCEITO
NATUREZA JURÍDICA
ELEMENTOS ESSENCIAIS
Os elementos essenciais, que são aqueles necessários para o registro do nome no Cartório
competente, são os seguintes:
a. prenome ou nome próprio, cujo objetivo é identificar a pessoa dentro da própria família;
b. patronímico ou sobrenome, que é o sinal indicativo da procedência familiar, cujo objetivo
é identificar a pessoa no seio da sociedade.
No Brasil, o prenome antecede ao patronímico; na Itália, é o inverso.
O prenome pode ser:
a. simples: é o formado por um só vocábulo. Ex.: João da Silva.
b. composto: é o formado por mais de um vocábulo. Ex.: João Carlos da Silva.
Os irmãos não podem ter prenomes idênticos, salvo em duas hipóteses, previstas no art. 63
da LRP:
a. prenome composto. Nesse caso, um dos vocábulos pode ser idêntico. Ex.: João Carlos
da Silva e Pedro Carlos da Silva .
b. nome completo diverso. Ex.: João da Silva e João da Silva Oliveira.
O patronímico pode ser o paterno ou materno, ou ambos, por força do princípio da
isonomia.
À exceção do infante exposto, toda pessoa necessariamente há de ter prenome e
patronímico.
O infante exposto é o recém-nascido abandonado pelos pais. Em sendo estes
desconhecidos, o registro do nascimento far-se-á apenas com o prenome, sem qualquer referência ao
patronímico (art. 61, I, LRP).
Por outro lado, compete aos pais indicarem o nome completo do filho. Podem decidir só
pelo patronímico paterno ou então só pelo materno, ou ainda por ambos, por força do princípio da isonomia.
Se os pais não indicarem o nome completo, o artigo 55 da Lei 6.015/73 ordena que o
sobrenome será o do pai; na falta deste, será o da mãe.
ELEMENTOS FACULTATIVOS
PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE
Essas causas, que autorizam tanto a alteração do prenome quanto do patronímico, são as
seguintes:
a. Erro gráfico. Exemplos: Osvardo, ao invés de Osvaldo; João da Sirva, ao invés de João
da Silva. Anote-se, contudo, que a corrigenda depende de decisão judicial, sendo, pois, vedado ao
registrador a retificação, ainda que o erro seja grosseiro.
b. Erro no registro: ocorre quando o oficial registrador faz consignar um nome diferente
daquele declarado pelos pais. Estes podem mover a ação anulatória do registro, no prazo de 4 anos, com
base no artigo 138 e seguintes do CC.
c. Nome posto por agente incapaz ou sem legitimação. Nesses casos, a anulação pode ser
pleiteada com base no art. 104, I, do CC.
d. Nome ridículo. O parágrafo único do art. 55 da Lei 6.015/73 proíbe o registro de prenome
ridículo; e se os pais não se conformarem com a decisão do oficial, este submeterá por escrito o caso a
decisão do Juiz competente. Se, porém, o prenome ridículo acabou sendo registrado, por falta de atenção
do oficial, nada obsta que o interessado pleiteie a sua alteração judicial. Não obstante a lei se refira a
alteração do prenome ridículo, a Jurisprudência vem estendendo esta regra para permitir a mudança do
patronímico ridículo, como, por exemplo, Antonio Carnaval Quaresma.
e. Vítimas e testemunhas criminais (Lei 9807/99) coagidas ou expostas a grave ameaça em
razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal. A alteração do nome completo poderá ser
estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência
habitual com a vítima ou testemunha, conforme o especificamente necessário em cada caso. A alteração do
nome depende de decisão do juiz competente para a matéria de registros públicos. Cessada a coação ou
ameaça que deu causa à alteração, ficará facultado ao protegido solicitar ao juiz competente o retorno à
situação anterior.
f. Adoção. Na adoção, admite-se, a pedido do adotante ou do adotando, a mudança do
prenome do adotando, que, no entanto, poderá conservar o prenome de origem. Todavia, a mudança do
patronímico é obrigatória, de modo que a sentença da adoção deve ordenar que, no novo registro de
nascimento, conste o patronímico dos adotantes, sendo, pois, vedada a manutenção do sobrenome dos
pais biológicos (art.1.627).
g. Vontade do titular no primeiro ano seguinte ao da maioridade civil. Assim, até os 19 anos,
o interessado poderá:
1. alterar o prenome. Essa alteração poderá consistir na transformação do prenome simples
em composto ou vice-versa, desde que não se trate de nome célebre. Assim, por exemplo, nada obsta a
alteração de Antonio para Antonio José e vice-versa. Em contrapartida, Júlio César é nome célebre, e, por
isso, não poderá ser transformado em Júlio ou César, nem estes naqueles. A nosso ver, a alteração deve
limitar-se a acrescentar um dos prenomes, ou a suprimir um deles, quando composto. A supressão total só
deve ser admitida em caso de justificada gravidade.
2. patronímico ou sobrenome. O patronímico deve ser preservado. Todavia, nada obsta a
inclusão do patronímico, materno ou avoengo (dos avós).
O interessado, ao atingir a maioridade civil tem o prazo de um ano para alterar o nome,
desde que não prejudique os apelidos de família (art. 56 da LRP). Essa alteração é procedida
administrativamente, junto ao Cartório de Registro Civil, cujo pedido é apreciado pelo Juiz Corregedor. Esse
prazo de um ano, que é decadencial, é para o pedido ser formulado na esfera administrativa.
Após esse prazo, nada obsta o pedido judicial de alteração do patronímico, junto à Vara de
Registros Públicos, mediante comprovada justificativa.
Convém salientar que, para a inclusão do nome materno, não há necessidade de se
aguardar a maioridade civil, pois o menor poderá formular o pedido assistido ou representado pelo
representante legal.
O prenome, além das causas comuns mencionadas anteriormente, ainda pode ser alterado
nas seguintes hipóteses:
a. Tradução. O prenome deve figurar em língua portuguesa. Tratando-se de estrangeiro, é
possível a tradução, desde que o prenome seja traduzível, isto é, encontre correspondência em nossa
língua. Não se admite, porém, a tradução inversa, isto é, da língua portuguesa para outro idioma
estrangeiro. Quanto ao patronímico, não admite a tradução, pois pertence a todo o grupo familiar.Todavia, o
estrangeiro que vem para o Brasil pode requerer, junto ao Ministro da Justiça, a alteração do patronímico, e,
em caso de recusa, formular o pedido perante o Juiz Federal. (art.44 da Lei 6815/80). Anote-se que os
descendentes brasileiros não poderão requerer a tradução do patronímico estrangeiro. Acrescente-se ainda
que se o prenome estrangeiro estiver definitivamente integrado em nossa língua, a tradução será vedada,
pois implicaria em mudança de prenome. Assim, não se pode traduzir William para Guilherme, porque o
primeiro encontra-se já enraizado em nosso idioma.
b. Pronúncia e compreensão difícil. Essa alteração, que também diz respeito ao prenome do
estrangeiro, é possível, desde que o prenome possa ser traduzido ou adaptado à prosódia da Língua
Portuguesa (art. 43 da Lei 6815/80). O pedido é formulado ao Ministro da Justiça, se este indeferir, o
interessado poderá mover ação judicial perante a Justiça Federal (art. 44 da Lei 6.815/80).
c. Irmãos com prenomes idênticos. Nesse caso, é obrigatória a alteração do prenome do
irmão registrado por último, para não haver confusão entre a identidade dos irmãos.
d. Apelidos públicos e notórios (art. 58 da Lei 6015/73, com a redação dada pela Lei
9708/98). Admite-se a substituição do prenome pelo apelido público e notório. Nada obsta, porém, que o
interessado apenas acrescente o apelido, quando, então, este passará a ser um cognome.
e. Transexual. Assim, o transexual submetido à cirurgia de mudança de sexo pode requerer
a alteração do assento civil para dele constar o prenome feminino. A questão é de índole constitucional,
porque a alteração visa preservar a cidadania e a dignidade do ser humano, razão pela qual deve ser
rejeitada a opinião contrária, que nega a alteração, argumentando a falta de previsão legal. Ora, o princípio
da legalidade dos registros públicos não pode sobrepor-se aos ditames constitucionais.
O patronímico, além das causas comuns já mencionadas, ainda pode ser alterado nas
seguintes hipóteses:
a. casamento;
b. união estável;
c. separação judicial;
d. divórcio;
e. viuvez;
f. reconhecimento de filho;
g. ação negatória de paternidade;
h. anulação de casamento;
i. mau procedimento da viúva, separada e divorciada.
CASAMENTO
O cônjuge não pode ser coagido a usar o patronímico do outro. Trata-se, pois, de mera
faculdade. Nada obsta que se mantenha o nome de solteiro. Essa opção pelo patronímico do cônjuge pode
ser feita a qualquer tempo, enquanto perdurar o casamento (RT 515/76). Todavia, após o casamento,
haverá necessidade de ordem judicial para essa inclusão do patronímico. Diferentemente, ensina Yussef S.
Cahali, que a opção pelo nome de família do outro cônjuge só é possível na fase de habilitação do
casamento, invocando, para tanto, o art. 70, §8º, da Lei 6015/73, que, a nosso ver, porém, não endossa seu
ponto de vista, pois em nenhum momento esse dispositivo legal proíbe a inclusão posterior do patronímico.
Por outro lado, qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do
outro (§1º do art. 1.565). Permite-se, portanto, que o marido também adote o patronímico da esposa. Uma
vez feita a opção em utilizar o nome do outro cônjuge, torna-se inadmissível a renúncia na constância da
sociedade conjugal. Observe-se que o cônjuge pode apenas acrescer ao seu o patronímico do outro. Na
prática, tem sido tolerada, ao arrepio da lei, a supressão, passando a mulher a usar apenas o sobrenome do
marido.
UNIÃO ESTÁVEL
Dispõe o § 2º do art. 57 da Lei nº 6.015/73: “A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva
com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá recorrer
ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem
prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente
do estado civil de qualquer das partes ou de ambas.”
Assim, a companheira pode requerer ao juiz a inclusão do patronímico do companheiro,
mediante a comprovação dos seguintes requisitos:
a. cinco anos de união estável, salvo se houver filho em comum (art. 57, § 3º da LRP)
b. autorização do companheiro. Este pode recusar-se imotivadamente;
c. que nenhum deles seja casado;
d. que haja impedimento legal para o casamento deles, decorrente do estado civil de um ou
de ambos;
e. que a ex-esposa não esteja usando o nome de casada (art.57, parágrafo 4º, da LRP).
Do exposto, dessume-se que a inclusão do patronímico só é possível na união estável
entre:
I. pessoas separadas judicialmente
II. separado judicialmente com mulher viúva;
III. solteiro ou viúvo com mulher separada judicialmente.
Note-se que pelo menos um deles deve ser separado judicialmente, pois só assim haverá
impedimento para o casamento, conforme mencionado na alínea “d”. Portanto, nesse caso, torna-se lícito
requerer a inclusão do patronímico, a não ser que a ex-esposa esteja usando o nome de casada.
Sílvio Rodrigues sustenta que, sendo a união estável uma instituição reconhecida pelo
Estado, não mais subsistem essas restrições da Lei nº 6.015/73. Discordamos, porque em matéria de
registros públicos, a hipótese deve estar devidamente regulamentada na lei.
Assim, a companheira não poderá incluir o nome do companheiro nas seguintes hipóteses:
a. quando os dois são solteiros, divorciados ou viúvos;
b. quando um é solteiro e o outro divorciado ou viúvo.
Nesses casos, o casamento torna-se possível. E quando é possível o casamento é vedada
a inclusão do patronímico.
Presentes os requisitos legais, o pedido deve ser formulado perante o juiz da Vara de
Registros Públicos. Este ouvirá o Ministério publico antes de prolatar a sentença. Esta deverá ser registrada
no Registro Civil.
Finalmente, embora a lei seja silente, torna-se evidente que no concubinato incestuoso, a
mulher não pode incluir o patronímico do concubino.
SEPARAÇÃO JUDICIAL
Por outro lado, quanto ao nome de casado, pode ser mantido pelo cônjuge, seja o divórcio
direto ou por conversão, salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial (§
2º do art.1571). O Código foi flexível com o nome da divorciada, permitindo a sua manutenção, salvo na
hipótese de perda ou renúncia desse direito na separação judicial. A Lei 8.408/92, que impunha à divorciada
a perda obrigatória do nome, encontra-se revogada.
Por outro lado, a divorciada que contrair novas núpcias pode continuar com o patronímico
do casamento anterior, pois a lei não prevê essa perda em face do novo casamento. Esse ponto de vista,
porém, não é pacífico. Yussef Cahali, por exemplo, sustenta que ela não poderá continuar usando o nome
do ex-marido, pois se vier a remaridar-se, perde “ope legis” o direito a alimentos por força do art. 29 da lei
6515/77, de modo que a manutenção do nome do ex-marido é incompatível com os princípios de direito
matrimonial. Discordamos dessa exegese, porque o nome civil é questão atinente ao Registro Público. Este,
quanto menos alterado for, maior a segurança das relações jurídicas, razão pela qual vigora o princípio da
imutabilidade do nome.
VIUVEZ
RECONHECIMENTO DE FILHO
ANULAÇÃO DO CASAMENTO
NOME VOCATÓRIO
Nome vocatório é aquele pelo qual a pessoa é comumente chamada. “Rui” é nome
vocatório de Rui Barbosa, “Greco”, o de Vicente Greco Filho, “Maysa, o da cantora Maysa Monjardim.
PSEUDÔNIMO
O pseudônimo é um nome independente do nome civil, que é registrado e usado pela
pessoa especialmente para fins literatos, artísticos, políticos, científicos, etc. “Di Cavalcanti”,por exemplo, é
o pseudônimo pelo qual ficou conhecido o famoso pintor Emiliano de Albuquerque Melo.
Anote-se que o pseudônimo não integra o nome civil, ao contrário do cognome.
Acrescente-se, por fim, que o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção
que se dá ao nome (art. 19 do CC).
TÍTULOS QUALIFICATIVOS
HIPOCORÍSTICO
PROTEÇÃO AO NOME
QUESTÕES
CONCEITO
De acordo com Cunha Gonçalves, as pessoas jurídicas podem ser definidas como
associações ou instituições formadas para a realização de um fim e reconhecidas pela ordem jurídica como
sujeitos de direitos.
Para bem compreender a existência de semelhantes entidades, valemo-nos da lição de
Washington de Barros Monteiro, segundo o qual objetivos inatingíveis para um só homem são facilmente
alcançados pela reunião dos esforços combinados de várias pessoas.
As pessoas jurídicas são também denominadas pessoas morais, pessoas coletivas,
pessoas civis e pessoas sociais.
NATUREZA JURÍDICA
GENERALIDADES
As pessoas jurídicas de direito público externo são os Estados estrangeiros e todas as
pessoas que forem regidas pelo direito internacional público, como é o caso da Santa Sé e da Organização
das Nações Unidas (O.N.U.).
As pessoas jurídicas de direito público interno, por sua vez, estão enumeradas no art. 41 do
CC, a saber:
I. a União;
II. os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III. os Municípios;
IV. as autarquias; inclusive as associações públicas (Lei n. 11.107 de 06 de Abril de 2005);
V. as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Acrescenta o parágrafo único do art. 41 do CC que “salvo disposição em contrário, as
pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que
couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código”.
Convém observar que o inciso V do art. 41 do CC considera pessoa jurídica de direito
público as demais entidades de caráter público criadas por lei. Essas entidades são as fundações públicas.
As empresas públicas, sociedade de economia mista e os serviços sociais autônomos (SESC, SESI, SENAI
e SENAC) são pessoas jurídicas de direito privado.
Quanto ao seu funcionamento, porém, como logo veremos, podem apresentar o regime
jurídico atinente ao direito privado, conforme preceitua o parágrafo único do art. 41 do CC.
Anote-se ainda que os partidos políticos são considerados pessoas jurídicas de direito
privado pela lei nº 10.825/03.
Vê-se, portanto, que as pessoas jurídicas de direito público interno são sempre criadas por
lei. Assim, por exemplo, a personalidade jurídica da autarquia nasce a partir da entrada em vigor da lei que
a criou.
Igualmente, a extinção da pessoa jurídica de direito público também depende de lei,
retornando o seu patrimônio para a pessoa política que a havia instituído.
As pessoas jurídicas de direito público interno são regidas por uma série de princípios de
direito administrativo, ostentando prerrogativas peculiares, que as distinguem das pessoas jurídicas de
direito privado.
Essas prerrogativas, que as colocam numa posição de supremacia sobre as pessoas
jurídicas de direito privado, só se justificam quando a sua estrutura objetiva for a prestação de um serviço
público, conforme se depreende da análise do parágrafo único do art. 41 do CC.
Por outro lado, as empresas públicas, sociedades de economia mista e os serviços sociais
autônomos são também criados por lei, todavia, são pessoas jurídicas de direito privado. Essas entidades
podem ser criadas para a prestação de serviço privado de intervenção no domínio econômico, como, por
exemplo, os serviços bancários prestados pelo Banco Brasil, e, também, para a prestação de serviços
públicos, como, por exemplo, o tratamento de água realizado pela Sabesp.
RESPONSABILIDADE CIVIL
As pessoas jurídicas de direito público são regidas pelo regime jurídico do Direito
Administrativo, que é norteado, basicamente, por dois princípios: a supremacia do interesse público e a
indisponibilidade do interesse público.
Os sub-princípios do princípio da supremacia do interesse público são os seguintes:
a. princípio da supremacia da Administração Pública nas relações jurídicas. Exemplos:
presunção de legitimidade do seus atos; prazo em dobro para recorrer; prazo em quádruplo para contestar
etc.
b. princípio da continuidade da prestação dos serviços públicos;
c. princípio da imperatividade dos atos administrativos, consiste na possibilidade da
Administração Pública impor obrigações unilaterais, independentemente da concordância da pessoa
atingida. Exemplo: criação de imposto.
d. princípio da exigibilidade unilateral dos atos administrativos, consiste no poder da
Administração Pública induzir a pessoa a cumprir o comando administrativo, estabelecendo, para tanto,
certas sanções.
e. princípio da auto-executoriedade dos atos administrativos: consiste na possibilidade da
Administração Pública fazer cumprir suas ordens, independentemente de ação judicial. Exemplos: interdição
de fábrica; apreensão de remédios vencidos. Anote-se, porém, que, se não houver lei autorizando
expressamente a auto-executoriedade, esta só será possível mediante dois requisitos: a) situação de
emergência; b) inexistência de outro meio idôneo capaz de evitar a tempo a lesão no interesse público.
f. princípio da modificabilidade unilateral das relações jurídicas. Assim, a administração
pública pode alterar as claúsulas contratuais, independentemente da anuência do outro contratante, não se
submetendo, destarte, à máxima “ pacta sunt servanda” . Todavia, não poderá alterar o equilíbrio econômico
e financeiro do contrato.
g. princípio da revogabilidade unilateral dos atos administrativos. Consiste no poder que tem
a administração pública de cancelar unilateralmente os atos administrativos legais, quando considerá-los
inconvenientes ou inoportunos ao interesse público, independentemente de ação judicial.
h. princípio da anulabilidade unilateral dos atos administrativos. Consiste no poder que tem
a administração pública de cancelar unilateralmente os atos administrativos, quando estes forem ilegais,
independentemente da ação judicial.
Os sub-princípios do princípio da indisponibilidade do interesse público são os seguintes:
a. princípio da isonomia: a administração pública deve tratar todas as pessoas igualmente,
sem discriminá-las. Se, porém, houver um nexo de compatibilidade lógica entre o fato discriminado pela
norma e a razão jurídica da discriminação, a isonomia estará preservada.
b. princípio da legalidade: consiste no fato de o administrador público só poder fazer aquilo
que a lei o autoriza, de forma expressa ou tácita. Se a lei silencia, o administrador não poderá praticar o ato.
c. princípio da responsabilidade civil do Estado: o Estado tem responsabilidade objetiva,
pois é obrigado a indenizar os danos causados por seus agentes, nessa qualidade, independentemente de
dolo ou culpa.
d. princípio do controle ou da tutela administrativa: é o poder que tem a administração
publica de adequar os serviços públicos descentralizados à finalidade pública.
REPRESENTAÇÃO
As pessoas jurídicas de direito público interno são representadas em juízo por seus
procuradores. Todavia, a citação processual da União deverá ser feita na pessoa do Advogado Geral da
União e dos Estados Membros na pessoa do respectivo Procurador Geral do Estado.
INTRODUÇÃO
Prescreve o art.45 da lei civil: “ começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito
privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida quando necessário, de
autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar
o ato constitutivo”.
Enquanto a personalidade civil da pessoa humana começa do nascimento com vida, sendo
o registro deste em ato meramente declaratório, a da pessoa jurídica inicia com o registro competente, que
é, portanto, um ato constitutivo de sua personalidade jurídica. Este registro é levado a efeito no Cartório de
Registro Civil das Pessoas Jurídicas, salvo quanto ás sociedades empresárias, cujo registro é feito na Junta
Comercial.
Inúmeras entidades dependem, para seu funcionamento, de autorização do governo, sem a
qual o registro será vetado. Vejamos algumas:
a. as instituições financeiras;
b. os administradores de consórcio de bens duráveis;
c. seguradoras;
d. operadoras de planos privados de assistência a saúde;
e. as sociedade e fundações estrangeiras (art. 11§ 1º da LICC).
Dentre as conseqüências da aquisição da personalidade jurídica, cumpre destacar:
a. O poder de a pessoa jurídica praticar todos os atos jurídicos, exceto aqueles que lhe são
vetados de forma expressa ou tácita. O testamento, por exemplo, lhe é vetado tacitamente, pois é ato “
causa mortis” inerente às pessoas naturais.
b. O poder de a pessoa jurídica figurar como parte nas relações jurídicas materiais ou
processuais, podendo, por exemplo, outorgar procuração, receber citação, contestar a ação etc.
c. Autonomia patrimonial. O patrimônio de pessoa jurídica personalizada não se confunde
com o dos sócios. Assim, por exemplo, o patrimônio da sociedade, que é formado pelo capital social e o
conjunto dos bens por ela adquiridos, não pertence aos sócios, mas á própria sociedade.
Por outro lado, a teoria “ ultra vires”, segundo a qual a capacidade da pessoa jurídica é
restrita aos atos relacionados ao seu objetivo social, não encontra guarida no direito pátrio. De acordo com
essa doutrina, são nulos os atos que ultrapassam o objeto da sociedade. Por exemplo: se fosse venda de
roupas, a sociedade não poderia adquirir uma fazenda de criação de gados. Essa restrição á personalidade
da pessoa jurídica torna-se inadmissível no direito moderno.
É claro, porém, que haverá nulidade se houver abuso da razão social, isto é, a prática de
negócios vedados pelo estatuto da pessoa jurídica. Todavia, o abuso da razão social é algo diverso da
teoria ultra vires, pois esta última invalida os negócios que ultrapassam o objeto social.
Finalmente, estabelece o parágrafo único do art. 45 do CC: “decai em três anos o direito de
anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo
da publicação e sua inscrição no registro”.
QUESTÕES
CONCEITO
LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO
A LIBERDADE DE REUNIÃO
O art. 5º, inciso XXI, dispõe que as entidades associativas, quando expressamente
autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados em juízo ou fora dele.
O art. 8º, inciso III, da CF preceitua que ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses
coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.
CONSTITUIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO
Os direitos e deveres dos associados devem ser definidos no estatuto. Este pode definir
vantagens especiais a determinadas categorias de associados. Com efeito, dispõe o art. 55 do CC que: “Os
associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto pode instituir categorias com vantagens especiais”.
Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido
legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto (art. 58 do CC).
Assim, o estatuto poderá, por exemplo, negar o direito de voto ao associado que não esteja em dia com a
contribuição associativa.
Por outro lado, a qualidade de associado é intransmissível, a não ser que o estatuto
disponha o contrário (art. 56). Assim, no silêncio do estatuto, o título do associado é intransmissível, seja por
ato “inter vivos” ou “causa mortis”.
Em contrapartida, pode ocorrer de o associado ser titular de uma quota ou fração ideal do
patrimônio da associação. Nesse caso, ele poderá transferir essa sua quota a terceiros. Todavia, a
transferência não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao
herdeiro, salvo disposição diversa no estatuto (parágrafo único do art. 56 do CC).
EXCLUSÃO DO ASSOCIADO
ASSEMBLÉIA GERAL
DISSOLUÇÃO DA ASSOCIAÇÃO
QUESTÕES
1. O que é associação?
2. Em que consiste a liberdade de associação?
3. O Estado pode interferir na associação?
4. Em que consiste a liberdade de reunião?
5. Qual a distinção entre reunião e associação?
6. Qual a distinção entre associação e sociedade?
7. Os associados podem ter vantagens especiais?
8. A qualidade de associado é transmissível?
9. Qual a forma de exclusão do associado?
10. O que é assembléia geral e qual a forma de sua convocação?
11. Quais as matérias reservadas privativamente à assembléia geral?
12. Quais as formas de dissolução da associação?
13. A associação pode ser dissolvida por lei ou decreto?
14. Qual o destino do patrimônio extinto?
FUNDAÇÃO
CONCEITO
ELEMENTOS
FORMA DE INSTITUIÇÃO
Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação
especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de
administrá-la (art. 62 do CC).
Vê-se, portanto, que a instituição da fundação é um ato solene, pois depende de escritura
pública ou testamento.
A escritura pública ou testamento deverão conter:
a. a dotação de bens alodiais, isto é, livres e desembaraçados, que não sejam prejudiciais
aos credores ou à legítima dos herdeiros necessários. Assim, o fundador deve ser solvente, sob pena de o
ato configurar fraude contra credores;
b. o fim a que se destina.
Anote-se que a maneira de administrá-la pode ou não ser especificada no ato constitutivo, a
critério do fundador.
Após a lavratura da escritura pública, ou, então, após a morte do fundador, quando esta for
instituída por testamento, o próximo passo é a elaboração do estatuto. Nesse aspecto, a fundação pode ser
direta e indireta.
Na fundação direta, o estatuto é elaborado pelo próprio fundador, ao passo que na fundação
indireta ou fiduciária, o estatuto é elaborado por uma terceira pessoa a quem o fundador atribui esse
encargo.
Elaborado o estatuto, urge que este seja levado à aprovação do Ministério Público. E,
depois dessa aprovação, o estatuto é registrado no Cartório das Pessoas Jurídicas, constituindo-se, a partir
de então, a personalidade jurídica da fundação.
A fundação instituída por testamento pode ser revogada a qualquer tempo pelo testador.
Todavia, após a morte deste, o ato se torna irrevogável.
A fundação instituída por escritura pública é irrevogável, de modo que, uma vez lavrada a
dita escritura, o instituidor é obrigado à transferir à fundação a propriedade dos bens dotados ou outro
direito real sobre os bens dotados, sob pena de ação de adjudicação compulsória, quando, então, o registro
dos bens em nome da fundação será feito por mandado judicial (art. 64 do CC).
APROVAÇÃO DO ESTATUTO
FISCALIZAÇÃO DA FUNDAÇÃO
Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas (art. 66 do CC). Se
estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo
Ministério Público (§2º do art. 66 do CC).
A fundação que se situar no Distrito Federal, ou em Território, será fiscalizada pelo
Ministério Público Federal, conforme preceitua o § 1º do art.66 do CC. A nosso ver, o legislador se
equivocou, pois as fundações do Distrito Federal devem ser fiscalizadas pelo Ministério Público do Distrito
Federal, e não pelo Ministério Público Federal, que é um órgão da União. A intromissão da União nas
fundações do Distrito Federal implica em flagrante violação ao princípio federativo, desse modo, o § 1º do
art. 66 reveste-se de inconstitucionalidade.
ALTERAÇÃO DO ESTATUTO
EXTINÇÃO DA FUNDAÇÃO
QUESTÕES
CONCEITO
Sociedade é a união dos esforços de duas ou mais pessoas para a obtenção de um fim
comum.
ESPÉCIES
As sociedades podem ser de duas espécies: empresárias e não empresárias. Estas últimas
podem ser: simples, cooperativas e de advogados.
As sociedades empresárias são aquelas que visam a exploração de atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços (art. 966 do CC). Os elementos
caracterizadores da atividade empresarial são: capital, mão-de-obra, insumo e tecnologia. Exemplos: banco,
supermercado, hospital, lojas etc.
As sociedades simples, ao revés, são as atividades desprovidas de um desses elementos,
como, por exemplo, as atividades econômicas de natureza intelectual, científica, literária ou artística.
Exemplo: sociedade de médicos.
As sociedades de advogados e as cooperativas têm uma disciplina especial.
SOCIEDADE EM COMUM
CLÁUSULA LEONINA
Cláusula leonina é a que exclui um dos sócios da participação nos lucros. Aludida cláusula é
nula (art. 1008 do C.C.). No silêncio, o lucro é proporcional à quota de cada sócio.
PERDAS SOCIAIS
É nula a cláusula que exclua qualquer dos sócios de participar das perdas, isto é, dos
prejuízos experimentados pela sociedade (art. 1008 do C.C.), salvo na sociedade de capital e indústria;
nesta, sócio de indústria não participa das perdas sociais (art. 1007). Em tal sociedade, há duas categorias
de sócios, o capitalista, que realiza o investimento, e o de indústria, que contribui com a mão-de-obra.
Convém esclarecer que as sociedades empresárias não podem ser de capital e indústria.
SÓCIO REMISSO
Sócio remisso é o que não cumpriu a obrigação de contribuir para a formação do capital
social.
O capital social subscrito compreende as quantias prometidas por cada um dos sócios.
Quando os sócios efetuam o pagamento dessas quantias à sociedade, fala-se em capital integralizado.
O sócio remisso é o que não integralizou o que subscreveu. A sociedade, após notificar o
remisso, para, em trinta dias, adimplir a obrigação, poderá tomar umas das seguintes posturas:
a. mover-lhe ação de cobrança;
b. expulsá-lo da sociedade;
c. reduzir o valor da quota social ao montante já realizado pelo remisso.
Nessas duas últimas hipóteses, o sócio remisso não responde pelo dano emergente da
mora (parágrafo único do art. 1004 do C.C.).
Sociedade de capital é aquela em que o sócio pode alienar a sua quota sem a anuência dos
demais.
Sociedade de pessoa é aquela em que a alienação da quota depende da anuência dos
demais sócios.
As sociedades de pessoas são as seguintes:
a. nome coletivo;
b. comandita simples.
As sociedades de capital são:
a. sociedade por ações;
b. comandita por ações.
Quanto à sociedade limitada, no silêncio do contrato, será de capital, pois o sócio pode
ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente da anuência dos outros, ou a
estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social (art. 1057 do C.C).
Preceitua o art. 1024 do CC: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados
por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.
Vê-se, portanto, que a responsabilidade dos sócios é subsidiária, pois a execução só pode
recair sobre os seus bens após o exaurimento do patrimônio da sociedade.
A responsabilidade subsidiária dos sócios pode ser:
a. Ilimitada: ocorre quando todos os sócios respondem ilimitada e solidariamente pelas
obrigações sociais. É o caso da sociedade em nome coletivo.
b. Limitada: ocorre quando todos os sócios respondem até um certo valor pelas obrigações
sociais. É o caso da sociedade limitada, em que todos os sócios respondem pelo total do capital social
subscrito, mas ainda não integralizado (art. 1052 do C.C.).
c. Mista: ocorre quando alguns sócios respondem ilimitadamente e outros limitadamente. É
o caso da sociedade em comandita simples, pois o sócio comanditado tem responsabilidade solidária e
ilimitada pelas dívidas da sociedade, ao passo que o sócio comanditário responde somente pelo total do
capital social subscrito, mas não integralizado. Outros exemplos: sociedade anônima e sociedade em
comandita por ações.
Em certas hipóteses, o sócio responde diretamente pelas dívidas sociais, não se exigindo
que primeiro seja exaurido o patrimônio da sociedade. Tal ocorre nos seguintes casos:
a. Sociedade em comum: os sócios que se apresentaram como representantes da
sociedade respondem de forma direta, solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Quanto aos
demais sócios, respondem de forma subsidiária, solidária e ilimitadamente.
b. Dívidas oriundas de ato ilícito. Exemplos: não pagamento de tributo e contribuições
sociais; não pagamento de direitos trabalhistas; teoria da desconsideração da personalidade jurídica etc.
QUESTÕES
1. O que é sociedade?
2. Quais as espécies de sociedade?
3. Qual a diferença entre sociedades empresárias e sociedades simples? Exemplifique.
4. O que é sociedade comum e quais suas espécies?
5. A sociedade comum pode figurar em relação processual?
6. Qual a distinção entre sociedade em comum e comunhão?
7. O que é cláusula leonina?
8. O que é sócio remisso? E quais as suas conseqüências?
9. Qual a distinção entre sociedade de capital e sociedade de pessoa?
10. A sociedade limitada é de capital ou de pessoa?
11. A responsabilidade dos sócios pelas perdas sociais é direta ou subsidiária?
DOMICÍLIO
INTRODUÇÃO
Há uma necessidade jurídica em se fixar a pessoa a determinado lugar, onde ela possa
responder por seus deveres jurídicos. Se não houvesse essa fixação, esclarece Washington de Barros
Monteiro, precário e instável se tornaria o direito.
A noção de domicílio irradia seus efeitos por todos os ramos do sistema jurídico, senão
vejamos:
a. no direito internacional privado, a personalidade e a capacidade da pessoa são regidas
pela lei do domicílio (art. 7º LICC);
b. no direito processual penal, a ação penal pública deve ser proposta no lugar da
consumação. Se, porém, este for desconhecido, o foro competente será o domicílio do réu. Quanto à ação
penal privada, o foro competente é alternativo ou facultativo: lugar da consumação ou domicílio do
querelado;
c. no direito processual civil, as ações fundadas em direito pessoal ou direito real mobiliário
são propostas no domicílio do réu (art. 94 do CPC), salvo: 1 – ação de separação judicial, divórcio e
anulação de casamento: o foro competente é o domicílio da mulher; 2 – ação de alimentos: a competência é
o domicílio do autor (alimentado); 3 - ação de reparação do dano em razão de delito ou acidente de veículo:
a competência é no domicílio do autor ou no local do fato; 4 – ação de consignação em pagamento: a
competência é do lugar do pagamento; 5 – ação de declaração de ausência: a competência é do último
domicílio do ausente;
d. no direito civil, dentre outros aspectos, cumpre lembrar que é no domicílio dos nubentes
que se deve publicar os proclamas de casamento; outrossim, no silêncio do contrato, o pagamento efetuar-
se-á no domicílio do devedor.
Morada é a pousada eventual. Exemplo: casa de praia para passar o verão, em que a
pessoa chega, se abriga e parte, sem que haja qualquer estabilidade. Assim, a morada é o lugar onde a
pessoa se encontra e permanece sem a intenção de ficar.
Residência é a morada habitual. É o lugar onde a pessoa habita com uma estabilidade
relativa. Tal ocorre, por exemplo, com o estudante do interior que vem para a cidade de São Paulo estudar
durante um ano.
Domicílio, por sua vez, é a residência com ânimo definitivo, isto é, com a intenção de tê-la
por tempo indeterminado. É, pois, a morada estável e permanente.
Assim, a morada temporária, por tempo determinado, qualifica-se como residência, ao
passo que a morada permanente, com “animus manendi” (propósito de ali permanecer por tempo
indeterminado), identifica-se como domicílio.
Finalmente, o domicílio apresenta duas características:
a. a necessidade de tê-lo;
b. fixidez, isto é , fixo, porém não é imutável.
O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo
definitivo (art. 70).
Os elementos do domicílio são:
a. elemento objetivo ou material: é a residência;
b. elemento subjetivo ou psicológico: é o “animus manendi”, isto é, a intenção de aí fixar-se
por tempo indeterminado.
O Código de Napoleão adota o princípio da unidade do domicílio, segundo o qual a pessoa
só pode ter um domicílio.
O Código Civil brasileiro, porém, filiou-se ao sistema da pluralidade de domicílios. Assim, se
a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu
qualquer delas (art. 71). A propósito, dispõe o § 1º do art. 94 do CPC que tendo mais de um domicílio, o réu
será demandado no foro de qualquer deles.
Finalmente, esclarece o § 4º do art. 94 do CPC que havendo dois ou mais réus, com
diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.
DOMICÍLIO PROFISSIONAL
De acordo com a teoria da realidade, o domicílio é o lugar da residência definitiva, ao passo
que pela teoria da ficção, a residência se distingue do domicílio, pois este se configura no lugar onde a
pessoa exerce sua profissão.
O Código Civil pátrio filiou-se aos dois sistemas, pois, consoante preceitua o art. 72, “é
também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é
exercida”. Cuida esse dispositivo do domicílio profissional. Acrescenta o parágrafo único do artigo 72 que
“se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações
que lhe corresponderem”.
Assim, no que tange às relações profissionais, o domicílio pode ser tanto a residência
definitiva quanto o lugar onde a profissão é exercida.
Anote-se que a expressão “é também domicílio”, utilizada pelo art. 72 do CC, reforça essa
exegese. Assim, no tocante às relações profissionais, o domicílio do médico, por exemplo, é tanto o lugar do
seu consultório como o de sua residência, podendo a ação judicial ser proposta em qualquer desses
lugares.
No Código de 1916, se a pessoa tinha residência numa cidade e exercia a profissão noutro
lugar, o domicílio era no lugar da residência. O Código de 2002, contudo, considera ambos os lugares como
sendo o domicílio.
MUDANÇA DE DOMICÍLIO
CLASSIFICAÇÃO DO DOMICÍLIO
Vimos que o servidor público tem por domicílio o lugar em que exercer permanentemente
suas funções. Trata-se de domicílio legal, cujo início se dá a partir da posse. Se, porém, exercer cargo em
comissão ou outro de natureza temporária, o seu domicílio não será o lugar onde exercer as funções, mas o
de sua residência definitiva.
Sustenta Caio Mário da Silva Pereira que o servidor público pode ostentar dois domicílios: o
lugar onde exerce permanentemente as funções e o lugar onde reside com ânimo definitivo. Funda-se na
idéia de o Código pátrio admitir o sistema plúrimo de domicílio; portanto, o fato de tornar-se servidor público
não implica na perda automática do domicílio anterior. Outros civilistas salientam que o lugar onde exercer
as funções só é domicílio quanto às relações concernentes às funções, para os demais atos, o domicílio é a
residência com ânimo definitivo. Prevalece, todavia, a opinião de que o domicílio do funcionário público é
apenas o lugar onde exerce permanentemente as suas funções, quer quanto às relações concernentes à
função, quer quanto às outras relações.
Essa exegese é a mais correta, porquanto a lei não faz distinção e, por isso, o intérprete
não pode distinguir entre as relações funcionais e as extra-funcionais.
Saliente-se, contudo, que a competência territorial é relativa.
Assim, apenas o funcionário público poderá argüir o fato, através de exceção de
incompetência e não na contestação, sob pena de prorrogação da competência.
QUESTÕES
1. Qual a lei que rege a personalidade e a capacidade da pessoa?
2. Qual a Comarca competente para a ação penal pública?
3. Qual a Comarca competente para a ação penal privada?
4. Qual a Comarca competente para as ações reais?
5. Qual a Comarca competente para as ações pessoais? Cite as exceções.
6. Qual a importância do domicílio dos nubentes?
7. Qual o lugar do pagamento contratual?
8. Qual a distinção entre morada, residência e domicílio?
9. Qual é o domicílio da pessoa natural?
10. Quais os elementos do domicílio da pessoa natural?
11. O Brasil adota o sistema da unidade ou da pluralidade de domicílios?
12. Qual o foro competente para a ação pessoal quando o réu tem mais de um domicílio?
13. Em havendo mais de um réu, qual o foro competente para a ação pessoal?
14. Qual a distinção entre a teoria da realidade e a teoria da ficção?
15. No tocante às relações profissionais, qual é o domicílio da pessoa?
16. O que é domicílio aparente ou ocasional?
17. Quais os requisitos para a mudança de domicílio?
18. É possível mudar de domicílio sem adquirir outro?
19. A mera troca de residência implica em mudança de domicílio?
20. Na dúvida, o juiz decide pela mudança ou preservação do domicílio?
21. A mudança de domicílio altera a competência das ações em andamento?
22. Qual é o domicílio da União?
23. Qual é o domicílio dos Estados?
24. Qual é o domicílio do Município?
25. Em que seção judiciária a União deve mover a ação?
26. Em que seção judiciária a ação deve ser movida em face da União?
27. Qual é o domicílio da pessoa jurídica de direito privado?
28. Se o estatuto da pessoa jurídica eleger algum domicílio, a pessoa jurídica pode ser demandada no lugar
da diretoria e administração?
29. Qual o domicílio da pessoa jurídica com diversos estabelecimentos em lugares diferentes?
30. O que é domicílio voluntário?
31. O que é domicílio necessário ou coativo e como se subdivide?
32. Qual é o domicílio do incapaz?
33. Qual é o domicílio do servidor público?
34. Qual é o domicílio do militar?
35. Qual é o domicílio do militar da marinha e da aeronáutica?
36. Qual é o domicílio do marítimo?
37. Qual é o domicílio do preso?
38. Qual a distinção do domicílio geral e do domicílio especial?
39. Escreva dez (10) linhas sobre o domicílio do servidor público.
40. Qual é o domicílio do agente diplomático?
41. Escreva vinte (20) linhas sobre o domicílio contratual ou especial.
BENS
CONCEITO
Sob o prisma jurídico, bens são os valores materiais e imateriais, com conotação
econômica, que podem ser objeto de uma relação jurídica.
Assim, os bens podem ser:
a. corpóreos ou coisas: são os valores materiais, isto é, dotados de uma existência física.
Exemplos: roupas, automóveis, dinheiro etc.
b. incorpóreos ou direitos: são os valores imateriais, que só podem ser compreendidos pela
inteligência do homem. Esses bens não têm um corpo, ou seja, uma estrutura física. Exemplos: crédito;
ponto comercial; direito de o autor reproduzir a obra etc.
Vê-se, portanto, que a palavra coisa, sob o prisma jurídico, corresponde aos bens
corpóreos, que são aqueles suscetíveis de posse. A característica da coisa é a tangibilidade, além, é claro,
de ser economicamente apreciável.
A palavra bens, que serve de rubrica do Livro II da Parte Geral do Código Civil, compreende
as coisas e direitos, ao passo que a palavra coisas, mencionada no Livro III da Parte Especial, isto é, no
Livro “Do Direito das Coisas”, corresponde, tão-somente, aos bens corpóreos, isto é, às coisas propriamente
ditas.
Por isso, não concordamos com a classificação de Sílvio Rodrigues, ao referir-se à coisa
como sendo o gênero, compreendendo tudo quanto existe no mundo fora o homem, por exemplo, o ar
atmosférico, reservando a palavra bem para designar as coisas, corpóreas ou incorpóreas, de valor
econômico.
Preferimos colocar o bem como sendo o gênero e a coisa como espécie, por três razões.
Primeiro, o Livro II da Parte Geral do Código Civil refere-se a bens, e não a coisas; segundo, a classificação
jurídica não deve se preocupar com o sentido vulgar das palavras; por fim, o Livro III da Parte Especial
refere-se ao Direito das Coisas, conferindo a estas o significado de espécie de bens, abrangendo os bens
corpóreos de conotação econômica.
No sentido vulgar, coisa significa tudo quanto existe no mundo, além do homem. Todavia,
sob o prisma jurídico, como esclarece Washington de Barros Monteiro, coisa é tudo quanto seja suscetível
de posse exclusiva pelo homem, sendo economicamente apreciável.
Por outro lado, o bem sempre deve ter conotação econômica, no sentido de ser passível de
avaliação pecuniária, quer para a corrente que o coloca como gênero, quer para a que o coloca como
espécie de coisa.
Portanto, não são considerados bens:
a. as coisas materiais abundantemente disponíveis a todos os homens. Exemplos: ar
atmosférico, a luz solar, a água dos oceanos etc.
b. as coisas materiais insuscetíveis de apropriação pelo homem. Exemplos: o solo da lua e
dos planetas, os micróbios etc.
c. os direitos de ordem moral que correspondem ao conjunto dos atributos da personalidade
da pessoa. Exemplos: a vida, a honra, a liberdade, o nome, a integridade física etc.
Essas coisas e direitos, acima mencionados, não comportam estimação pecuniária, e, por
isso, refogem do conceito de bens.
Quanto aos direitos da personalidade, dos quais a vida, a honra e a liberdade são
exemplos, Limongi França os classifica como bens incorpóreos, asseverando que eles podem ser objeto de
direito, tanto na esfera pública (de natureza constitucional, penal etc), quanto na esfera privada (direitos
privados da personalidade), salientando, ainda, que, por via indireta, são suscetíveis de uma aproximada
conversibilidade pecuniária. O Código Civil, porém, filiou-se à orientação de Bevilácqua, de que os direitos
da personalidade não são propriamente bens, mas atributos inerentes à própria condição humana,
estruturando o seu estudo no Livro I da Parte Geral, que cuida das pessoas.
Corpóreos são os bens que têm existência física, e, por isso, podem ser percebidos pelos
sentidos.
Incorpóreos são os bens dotados de existência abstrata ou ideal, cuja compreensão
depende da inteligência do homem.
Os bens corpóreos são objeto de compra e venda e doação, ao passo que os incorpóreos
são suscetíveis de cessão de direitos, que pode ser onerosa ou gratuita.
Os bens corpóreos são passíveis de tradição (entrega) e usucapião; os incorpóreos, não.
De acordo com Clóvis, bens imóveis são as coisas que se não podem transportar, sem
destruição, de um para outro lugar.
Interpretando o art. 82 do CC, dessume-se, a “contrario sensu”, que reputa- se imóvel o
bem cuja remoção provoca a alteração da sua substância ou da destinação econômico-social.
Os bens naturalmente incorporados ao solo, porém, como as árvores e jazidas, são bens
imóveis, enquanto aderentes ao solo, conquanto possam ser removidos sem destruição, por força do art. 79
do CC, de modo que o critério da remoção sem alteração da substância ou da destinação econômico-social
deve ser restrito aos bens artificialmente incorporados pelo homem.
Quanto a estes, se a remoção for possível, serão considerados bens móveis, como, por
exemplo, as barracas de feira e os pavilhões de circo; se, ao revés, a remoção alterar a sua substância ou a
destinação econômico-social, serão considerados imóveis, como, por exemplo, as construções.
Saliente-se, portanto que, em regra, o bem removível por força alheia, sem alteração da
substância ou da destinação econômico-social, são considerados bens móveis.
Todavia, em duas hipóteses, não obstante a possibilidade de remoção, reputam-se ainda
imóveis.
Com efeito, dispõe o art. 81 do CC que não perdem o caráter de imóveis:
I. as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas
para outro local;
II. os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
No tocante às edificações separadas do solo, conforme ensina Renan Lotufo, só poderão
ser consideradas imóveis se mantiverem essa destinação econômico-social. Se nunca foram imobilizadas,
nunca fixadas ao solo ou nunca estiveram sujeitas à habitação, mas tão-somente ao comércio, por exemplo,
não poderão ser consideradas imóveis, e sim móveis.
Os bens imóveis classificam-se em:
a. imóvel por natureza;
b. imóvel por acessão física;
c. imóvel por força de lei.
No Código de 1916, havia ainda o imóvel por acessão intelectual, que compreendia as
coisas que o proprietário mantinha intencionalmente empregado no imóvel para sua exploração industrial,
aformoseamento ou comodidade.
As máquinas agrícolas, por exemplo, eram bens imóveis.
Igualmente, um quadro pendurado na parede da casa. Essa odiosa ficção jurídica, que não
visava outros fins a não ser tributários, felizmente foi abolida do nosso sistema jurídico, pois o art. 79 do CC
não faz menção à incorporação intelectual de uma coisa a outra.
Os imóveis por natureza compreendem o solo e tudo quanto nele se lhe incorpora
naturalmente.
O subsolo e o solo encontram-se incorporados naturalmente ao solo, razão pela qual
também são considerados imóveis por natureza.
As pedras, as árvores e as plantações, que se encontram no solo, são também
considerados imóveis por natureza. Igualmente, os componentes do subsolo, como os fósseis, as jazidas e
o curso d´água.
A propósito da propriedade do subsolo, cumpre registrar que pertence ao proprietário do
solo, à exceção dos fósseis, jazidas, curso d´água e demais riquezas do mesmo, cuja propriedade é da
União, por força dos §§1º e 4º do art. 176 da CF.
Anote-se, ainda, que as coisas naturalmente incorporadas ao solo ou subsolo só são
imóveis enquanto estiverem aderentes a eles, pois, depois de retiradas, tornam-se bens móveis. A água,
por exemplo, depois de colhida do subsolo, passa a ser bem móvel.
Em contrapartida, são considerados bens móveis as árvores plantadas em vasos
removíveis, ainda que de grandes proporções, porque suas raízes não se encontram no solo, e sim num
recipiente.
Finalmente, os frutos, enquanto pendentes, são bens imóveis, pois encontram-se ligados
através da árvore. Todavia, uma vez destacados passam a ser bens móveis.
Os imóveis por acessão física compreende tudo aquilo que o homem incorpora
artificialmente ao solo, a ponto de não poder ser removido sem alteração da substância ou da destinação
econômico-social. No Código de 1916, exigia-se uma incorporação permanente ao solo.
No Código de 2002, a incorporação pode ser permanente ou temporária, o que importa,
para classificar o bem como sendo imóvel, é o fato de a remoção ser inviável sem a alteração da substância
ou da sua destinação econômico-social.
BENS MÓVEIS
São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem
alteração da substância ou da destinação econômico-social (art. 82).
Os bens móveis classificam-se em:
a. bens móveis por natureza;
b. bens móveis por antecipação;
c. bens móveis por força da lei.
Convém destacar, desde já, que os navios e aeronaves são bens móveis por natureza;
todavia, para fins de hipoteca, são considerados bens imóveis.
Com efeito, o navio e aeronave, embora móveis, podem ser hipotecados (art. 1473, IV e V,
do CC). A hipoteca naval e a hipoteca aérea efetuam-se mediante escritura pública. A primeira deve ser
inscrita no Tribunal Marítimo e a segunda no Registro Aeronáutico Brasileiro. Ambas exigem autorização do
cônjuge, sob pena de nulidade.
Os bens móveis por antecipação são aqueles incorporados temporariamente ao solo, para
depois serem removidos, a fim de cumprirem a sua destinação econômico-social. Exemplos: árvores
destinadas ao corte, para transformação em lenha ou carvão; plantações destinadas à finalidade industrial
da fabricação de remédios etc.
Os principais efeitos práticos da distinção entre bens móveis e bens imóveis são os
seguintes:
a. a alienação de bens imóveis depende da outorga do cônjuge, salvo no regime da
separação de bens; os bens móveis, ao revés, podem ser alienados independentemente de outorga do
cônjuge;
b. a alienação de bens imóveis é um ato solene, pois depende de escritura pública; a
alienação dos bens móveis é um ato de forma livre, podendo até ser verbal;
c. os bens móveis adquirem-se pela simples tradição, isto é, entrega da coisa, enquanto os
imóveis exigem o registro da escritura pública, isto é, a tradição solene;
d. o prazo de usucapião dos bens móveis é de três anos, para quem tem justo título e boa-
fé, e de cinco anos, nas demais hipóteses (art. 1260 e 1261), ao passo que o prazo de usucapião de bem
imóvel varia de cinco, dez e quinze anos (arts. 1238 a 1240);
e. apenas os bens imóveis sujeitam-se ao imposto de transmissão (sisa) e ao imposto
territorial (IPTU e ITR); os móveis, não;
f. os pais podem alienar os bens móveis dos filhos menores, independentemente de
autorização do Juiz, ao passo que, para alienar ou gravar de ônus real os imóveis, exige-se prévia
autorização do Juiz (art. 1.691). Assim, pertencentes as árvores destinadas a corte a menor, podem ser
vendidas pelos pais, independentemente de autorização judicial, pois essas árvores são consideradas bens
móveis por antecipação;
g. os bens móveis são objetos de penhor; os imóveis, de hipoteca;
h. os bens imóveis são sempre infungíveis; os móveis podem ser fungíveis e infungíveis;
i. a hasta pública dos bens imóveis chama-se praça; a dos móveis, leilão;
j. nas ações reais sobre bens imóveis é necessária a autorização do cônjuge do autor e a
citação do cônjuge do réu; nas ações reais sobre bens móveis, não;
k. as ações reais sobre bens imóveis devem ser propostas no local da situação do imóvel
(“foro rei sitae”). As ações reais sobre bens móveis são propostas no domicílio do réu.
São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e
quantidade (art. 85).
A “contrario sensu”, são infungíveis os que não podem substituir-se por outros da mesma
espécie, qualidade e quantidade.
Assim, o bem é fungível quando a sua substituição for irrelevante, a ponto de vetar qualquer
tipo de reclamação, como, por exemplo, o dinheiro. Se, ao revés, houver possibilidade de o credor rejeitá-la,
é porque o bem é infungível. No Código Civil Brasileiro, só os bens móveis podem ser fungíveis. Os imóveis
são sempre infungíveis. Com efeito, o art. 85 do CC ao definir os bens fungíveis referiu-se expressamente
aos bens móveis.
A infungibilidade dos bens móveis pode resultar:
a. da própria natureza da coisa. Tal ocorre quando ela apresenta uma qualidade física que a
torna insubstituível. Exemplo: a camisa 10 de Pelé, utilizada pelo jogador na final da Copa do Mundo de
1970;
b. da vontade das partes. Estas, como esclarece Washington de Barros Monteiro, por
convenção, tornam infungíveis coisas intrinsecamente fungíveis. Por exemplo: um boi é infungível, se um
fazendeiro empresta-o a outro para serviços de lavoura, pois deve receber de volta o mesmo animal que
havia emprestado; mas se o boi havia sido cedido para o talho, converte-se em fungível e o devedor se
liberará restituindo outro animal da mesma espécie e qualidade. Assim também uma cesta de frutas é coisa
fungível, mas emprestada “ad pompam vel ostentationis”, para ornamentação, por exemplo, transformar-se-
á em coisa infungível.
Os efeitos práticos dessa distinção são os seguintes:
a. o empréstimo de coisas fungíveis chama-se mútuo. Se for oneroso denomina-se mútuo
feneratício. O empréstimo gratuito de coisas infungíveis chama-se comodato; o oneroso, denomina-se
locação.
b. a compensação legal efetua-se apenas entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas
fungíveis (art. 1.010).
c. o credor de coisa infungível não pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais
valiosa (art. 863), ao passo que, quando a coisa for fungível, o devedor se libera restituindo outra da mesma
espécie e qualidade.
d. o legado de coisa fungível será cumprido ainda que tal coisa não exista entre os bens do
testador (1.915), ao passo que o legado de coisa infungível só valerá se ao tempo do falecimento do
testador ela se achar entre os bens da herança (art. 1.682)
Saliente-se, ainda, que, no campo das obrigações de fazer, reaparece a importância dessa
classificação. Assim, as obrigações de fazer infungíveis são as que devem ser cumpridas pessoalmente
pelo devedor, enquanto nas obrigações de fazer fungíveis o devedor pode delegar a um terceiro a
realização do fato.
No âmbito do direito processual civil, Pontes de Miranda chama de “fungibilidade da forma
de fundamento” a possibilidade conferida ao Juiz e à parte de substituir o fundamento legal por outro não
referido na petição inicial, desde que não seja alterada a situação fática da lide.
Finalmente, cumpre registrar o pensamento de Caio Mário da Silva Pereira, a respeito da
infungibilidade dos bens imóveis. Sobre o assunto, escreveu o seguinte: “Os imóveis são sempre
infungíveis. Mas o desenvolvimento dos negócios imobiliários veio criar, com certas situações especiais, a
extensão da idéia de fungibilidade aos imóveis, como no caso de vários proprietários comuns de um
loteamento que ajustam partilhar os lotes ao desfazerem a sociedade: um que se retire receberá certa
quantidade de lotes, que são havidos como coisas fungíveis, até o momento da lavratura do instrumento,
pois que o credor não o é de corpo certo, mas de coisas determinadas tão-somente pelo gênero, pela
qualidade e pela quantidade”.
Dispõe o art. 86 do CC que: “São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição
imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.
Assim, a consuntibilidade pode ser de fato e de direito.
Com efeito, a consuntibilidade de fato ou natural ou material ocorre com os bens que se
destroem com o primeiro uso. Exemplos: cigarros, bebidas, gêneros alimentícios, tintas etc. Não é possível
o uso sem a destruição, ou melhor, com o uso o bem perde a sua capacidade de utilização.
A consuntibilidade de direito ou jurídica se dá com os bens destinados à alienação.
Exemplos: o livro exposto à venda etc.
Por outro lado, os bens inconsumíveis são aqueles que comportam uso reiterado, sem a
destruição imediata da sua substância.
Exemplos: roupas, relógios etc.
Essa classificação é aplicável exclusivamente aos bens móveis, porquanto os imóveis são
sempre inconsumíveis.
A propósito da relevância dessa distinção, cumpre acrescentar que o usufruto estende-se
aos acessórios da coisa e seus acrescidos. Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas
consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o
equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da
restituição (§1º do art. 1.392).
Observe-se que, em regra, a coisa fungível é sempre consumível, mas nada obsta que uma
coisa infungível seja consumível, como é o caso de um vinho raro. Igualmente, uma coisa fungível pode ser
inconsumível, como, por exemplo, uma série de CD’s idênticos do mesmo cantor.
QUESTÕES
Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição
considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam (art. 87).
Noutras palavras, bens divisíveis são aqueles que se podem partir em porções reais e
distintas, de tal modo que cada uma destas mantenha proporcionalmente a mesma substância, o mesmo
valor e a mesma utilidade que tinha o todo. Exemplos: uma saca de café; uma peça de pano; uma fazenda;
um lote de terreno etc.
Bens indivisíveis, ao revés, são aqueles cujo fracionamento implica em destruição da sua
natureza ou então diminuição considerável do valor ou do uso a que se destinam.
A indivisibilidade pode ser:
a. material ou física: as coisas cujo fracionamento implica na perda de sua substância.
Exemplos: um cachorro; uma cadeira; um automóvel etc.;
b. econômica: as coisas cujo fracionamento implica na perda considerável do seu valor
econômico. Tal ocorre quando cada porção deixa de manter proporcionalmente o mesmo valor que o todo.
Um diamante raro, por exemplo, em função do seu tamanho, depois de fracionado pode não apresentar o
mesmo valor que tinha o todo;
c. intelectual ou jurídica: os bens cujo fracionamento é vedado por lei. Exemplo: o imóvel
rural não pode ser fracionado em dimensão inferior ao módulo rural, conforme preceitua o Estatuto da Terra;
o terreno urbano não pode ser parcelado em lotes inferiores a 125 ms². (Lei 6.766/79); a herança não pode
ser aceita ou renunciada parcialmente, pois a lei a considera indivisível;
d. voluntária: os bens cujo fracionamento é vedado pela vontade das partes. Com efeito,
podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de cinco anos,
suscetível de prorrogação ulterior. Todavia, não poderá exceder de cinco anos a indivisão estabelecida pelo
doador ou testador. A requerimento de qualquer interessado e se graves razões aconselharem, pode o juiz
determinar a divisão da coisa comum antes do prazo (art. 1320, § 1º, § 2º e § 3º);
e. finalística: os bens cujo fracionamento implica na alteração do uso a que se destinam.
Exemplo: uma coleção de livros; o uniforme com onze camisas de jogadores de futebol; as peças
componentes de um jogo de xadrez etc.
Anote-se que a indivisibilidade pode também atingir os bens incorpóreos. Assim, são
indivisíveis: o direito à herança; as obrigações indivisíveis; o direito à servidão predial; o direito à hipoteca; a
transação etc.
Importantíssimos efeitos práticos emanam dessa classificação dos bens em divisíveis e
indivisíveis. Os principais efeitos são os seguintes:
a. se o bem é divisível, qualquer condômino pode requerer judicialmente a divisão, a fim de
que cada um tenha a sua cota individual. Se ao revés, o bem é indivisível, não é cabível a ação divisória,
devendo o condômino requerer a alienação judicial do bem, repartindo-se o preço entre eles;
b. se o bem é divisível, o condômino pode alienar o seu quinhão a quem lhe aprouver. Se,
ao inverso, o bem for indivisível, não pode o condômino vender a sua parte a estranhos, antes de dar
preferência aos outros condôminos (art. 504);
c. outras disposições relevantes encontram-se nos arts. 105, 177, 844 e 1.968 do CC.
Bens reciprocamente considerados são os analisados uns em face de outros. Sob esse
prisma, podem ser principais e acessórios.
Dispõe o art. 92 do CC: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente;
acessório, aquele cuja existência supõe a do principal”.
Assim, bem principal é o que tem existência autônoma, ao passo que o bem acessório, para
existir, pressupõe a existência de um outro bem. A árvore, por exemplo, é um bem acessório, porque sua
existência depende do solo onde foi plantada.
Como observa Washington de Barros Monteiro, tal distinção tem cabimento não só nas
coisas corpóreas como também nos direitos.
Assim, um crédito, por exemplo, existe sobre si, tem autonomia, individualidade própria. O
mesmo não sucede com a cláusula penal, cuja existência se subordina à de uma obrigação principal.
Dentre os bens acessórios corpóreos, destacam-se:
a. os frutos;
b. os produtos;
c. as benfeitorias;
d. as acessões;
e. as pertenças.
À exceção das pertenças, os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal
abrangem também os acessórios. O princípio de que o acessório segue o principal, embora não expresso
na lei, encontra-se implícito no art. 94 do CC, quando este é interpretado a “contrario sensu”.
Desse princípio são extraídas as seguintes conseqüências:
a. a natureza do acessório é a mesma da do principal, se esta é imóvel, aquela também o é;
b. o proprietário do principal também é proprietário do acessório;
c. a posse do imóvel faz presumir, até prova em contrário, a das coisas móveis que nele
estiverem (art. 1.209);
d. a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados,
salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso (art. 233);
e. salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus
acessórios (art. 287);
f. a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não
induz a da obrigação principal (art. 184);
g. a coisa legada entregar-se-á, com seus acessórios, no lugar e estado em que se achava
ao falecer o testador, passando ao legatário com todos os encargos que a onerarem (art. 1938).
Frise-se, porém, que as pertenças, conquanto acessórias, não seguem o principal, salvo se
o contrário resultar da lei, da manifestação da vontade, ou das circunstâncias do caso.
FRUTOS
Frutos são as produções normais e periódicas, cuja percepção deixa intacta a coisa que os
produziu.
A caracterização dos frutos, como ensina Renan Lotufo, requer a conjugação de três
requisitos:
a. periodicidade;
b. inalterabilidade da substância;
c. separabilidade da coisa principal.
Os frutos, quanto à origem, podem ser:
a. naturais: são os que se reproduzem periodicamente pela própria força orgânica da coisa.
Exemplos: as frutas e as crias dos animais;
b. industriais: são os que se reproduzem periodicamente em virtude do trabalho do homem.
Exemplo: a produção da fábrica;
c. civis: são os rendimentos produzidos por um bem. Exemplos: aluguéis, juros, lucro dos
sócios etc.
Quanto ao estado em que se encontram, os frutos podem ser:
a. pendentes: são os que estão unidos à coisa que os produziu;
b. percebidos: os já colhidos;
c. estantes: os que já foram colhidos e estão armazenados ou acondicionados para venda;
d. percipiendos: os que devem ter sido, mas ainda não foram colhidos;
e. consumidos: os que não existem mais, por terem sido utilizados.
PRODUTOS
Produtos são utilidades que se extraem da coisa, com dispêndio de sua substância.
Exemplo: o metal retirado da mina; a pedra extraída da pedreira.
Os produtos não se reproduzem periodicamente, ao passo que a reprodução periódica é a
característica principal dos frutos. Estes, quando retirados, deixam a coisa intacta; os produtos, ao inverso,
vão se reduzindo paulatinamente à medida que se extraem da coisa. Acrescente-se ainda, que o possuidor
de boa-fé, como, por exemplo, o usufrutuário, tem direito à percepção dos frutos colhidos tempestivamente;
todavia, deve restituir ou indenizar os produtos. Quanto ao possuidor de má-fé, não tem direito aos frutos
nem aos produtos, mas deve ser indenizado pelas despesas de produção e custeio dos frutos.
Finalmente, convém salientar que, apesar de ainda não separados do bem principal, os
frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico autônomo e independente do bem principal,
deixando, pois, nesse caso, de ser bem acessório (art. 95).
BENFEITORIAS
Benfeitorias, na definição de Clóvis, são obras ou despesas efetuadas numa coisa para
conservá-la, melhorá-la, ou, simplesmente, embelezá-la.
As benfeitorias podem ser necessárias, úteis e voluptuárias.
As necessárias são feitas para conservar a coisa, impedindo-lhe a destruição ou
deterioração, como a construção de um muro de arrimo para evitar a queda da casa.
As úteis têm por fim aumentar ou facilitar o uso da coisa, como a construção de uma
garagem.
As voluptuárias ou suntuárias visam proporcionar mero recreio ou deleite, tornando a coisa
mais agradável ou luxuosa, como a construção de uma sauna. Essas benfeitorias não aumentam o uso
habitual do bem, ao contrário das benfeitorias úteis.
Em relação às benfeitorias necessárias, têm direito à indenização os possuidores de boa-fé
e de má-fé. No tocante às benfeitorias úteis, apenas o possuidor de boa-fé tem direito à indenização do seu
valor.
No concernente às benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa-fé tem o direito de levantá-
las (“jus tollendi”), quando o puder sem detrimento da coisa. Se não der para levantá-la, ele as perde sem
indenização. Se der para levantá-la, ainda assim o proprietário poderá ficar com a benfeitoria, indenizando o
possuidor de boa-fé, ao invés de permitir que ele as levante.
O possuidor de má-fé não tem direito à indenização das benfeitorias úteis e nem o direito de
levantar as voluptuárias. Ele as perde. O proprietário as recebe gratuitamente.
Por fim, salienta o art. 97 que “não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou
acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor”. De fato, os
melhoramentos ou acréscimos decorrentes da natureza, como aluvião e avulsão, são espécies de
acessões. Como esclarece Washington de Barros Monteiro, sendo obra exclusiva da natureza, quem lucra é
o proprietário do imóvel, sem compensação alguma para quem quer que seja.
ACESSÕES
São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo
duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro (art. 93).
Assim, as pertenças, embora sejam coisas acessórias, conservam a sua identidade, pois
não se incorporam à coisa que se juntam.
A acessoriedade das pertenças é meramente econômica e jurídica, tendo em vista o seu fim
de servir, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento da coisa principal. Exemplos: os
móveis e quadros da casa; o telefone do escritório; as máquinas da fábrica; o trator da fazenda etc.
Vê-se, portanto, que a separação das pertenças não altera a coisa principal, que permanece
intacta. A pertença é livremente separável, de modo que a qualquer tempo o proprietário, a seu critério,
poderá fazer com que a coisa deixe de ser pertença. Para tanto, basta não empregá-la ao uso, ao serviço
ou ao aformoseamento da coisa principal.
Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal, em regra, não abrangem as
pertenças. Assim, na venda de uma casa não se encontram compreendidos os bens que integram a
residência alienada. Trata-se de uma exceção ao princípio de que o acessório segue o principal.
Em três hipóteses, porém, os negócios jurídicos envolvendo o bem principal abrangerá
também as pertenças.
A primeira ocorre quando houver alguma lei nesse sentido.
Tal ocorre, por exemplo, com a aquisição de um estabelecimento comercial, pois, por força
dos arts. 1142 e 1143, todos os bens que o compõe consideram-se abrangidos no negócio.
A segunda hipótese ocorre quando a vontade das partes ordena a abrangência das
pertenças. Exemplo: venda de uma casa mobiliada.
A terceira exceção ocorre quando as circunstâncias do negócio abrangem as pertenças. Se,
por exemplo, o agente compra um estúdio de gravação, torna-se evidente que o vendedor deverá manter no
local todos os equipamentos técnicos.
QUESTÕES
INALIENABILIDADE
Vimos que os bens públicos de uso comum são aqueles que, por lei ou pela natureza,
podem ser utilizados por todos em igualdade de condições.
Os bens públicos de uso comum por sua própria natureza, como os mares, os rios, as
praias etc., são absolutamente inalienáveis, pois são insuscetíveis de valoração econômica.
Em contrapartida, os bens públicos de uso comum por força de lei, como as praças e as
estradas, outrossim, os bens públicos de uso especial, são relativamente inalienáveis.
Com efeito, só serão inalienáveis enquanto conservarem essa qualificação de bem de uso
comum ou de uso especial (art. 109). Esses bens podem ser alienados, se forem desafetados.
Desafetação é a retirada da finalidade pública do bem, transformando-o em bem público
dominical. Assim, uma lei municipal pode determinar o fechamento da praça, ordenando a sua alienação.
Quanto aos bens dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
A alienação dos bens públicos, consoante preceitua o art. 17 da Lei 8.666/93, depende dos
seguintes requisitos:
a. demonstração de interesse público;
b. prévia avaliação;
c. licitação;
d. autorização por lei, se for bem imóvel. Tratando-se de imóvel da União, além da lei, é
ainda necessário decreto do Presidente da República (Lei 9.636/98).
IMPRESCRITIBILIDADE
Os bens públicos, seja qual for a sua natureza, são imprescritíveis, no sentido de serem
insuscetíveis de usucapião (art. 102).
IMPENHORABILIDADE
A execução contra a Fazenda Pública deve ser feita mediante precatório, conforme
preceitua o art. 100 da CF, processando-se nos moldes do art. 730 do CPC, sendo, pois, proibida a penhora
de seus bens.
IMPOSSIBILIDADE DE ONERAÇÃO
QUESTÕES
CONCEITO
O direito nasce a partir de um fato jurídico, e não da lei. Esta cria apenas a possibilidade de
o direito vir a nascer, mediante a ocorrência do seu fato gerador.
É através dos fatos jurídicos que nascem os direitos pessoais e os direitos reais. Aliás, o
fato jurídico pelo qual se adquire o direito real chama-se modo. Assim, a propriedade imobiliária, por
exemplo, adquire-se pelo registro do título aquisitivo.
É claro que nem todos acontecimentos são fatos jurídicos, pois alguns são irrelevantes para
o direito, como, por exemplo, o raio, a não ser que tenha matado alguém ou destruído alguma coisa,
quando, então, transforma-se também em fato jurídico.
Os direitos podem ser adquiridos:
a. por ato próprio do adquirente;
b. por intermédio de outrem, como no caso de mandato, representação e gestão de
negócios;
c. por força de natureza. Exemplos: aluvião e avulsão.
Os modos de aquisição do direito podem ser originários e derivados.
Os modos originários são as aquisições dos direitos sem que haja qualquer relação jurídica
entre o adquirente e o seu antecessor.
Exemplos: usucapião, ocupação de “res nullius” (coisa sem dono) e “res derelicta” (coisa
abandonada) etc. Tratam de causas autônomas, que, por si só, bastam para aquisição dos direitos.
Os modos derivados compreendem as aquisições por transmissão, em que há um vínculo
jurídico entre o adquirente e o seu antecessor. Exemplos: herança, legado, compra e venda etc.
No modo derivado, o adquirente deve pagar o imposto de transmissão de bens imóveis,
subsistindo, ainda, os direitos reais que oneravam o bem, como a hipoteca, o usufruto etc. No modo
originário, ao inverso, não há incidência de imposto de transmissão, extinguindo-se, ainda, os direitos reais
que oneravam o bem, expurgando-se quaisquer gravames reais que sobre ele pudessem pesar.
A aquisição dos direitos ainda pode ser:
a. gratuita: quando não há contraprestação. Exemplos: doação e herança;
b. onerosa: quando há contraprestação. Exemplos: compra e venda, permuta etc;
c. singular: quando a aquisição tem por objeto coisa ou coisas determinadas. Exemplo: o
legatário a quem se deixa um certo apartamento;
d. universal: quando tem por objeto uma universalidade ou percentual desta. Exemplo:
herança, incorporação e fusão de pessoas jurídicas etc.
QUESTÕES
O ato jurídico é o praticado intencionalmente pela parte, embora os seus efeitos sejam
determinados pela lei, como, por exemplo, o casamento, ao passo que, no ato-fato-jurídico, a parte não
teve sequer a intenção de praticá-lo, não obstante a repercussão jurídica imposta por lei.
Assim, a descoberta ocasional de um tesouro seria um ato-fato-jurídico; igualmente, os atos
socialmente aceitos praticados por uma criança, como a compra de um sorvete.
Cremos que o ato-fato-jurídico encontra-se embutido no conceito de ato jurídico, pois tanto
naquele quanto neste os efeitos produzidos encontram-se previamente determinados por lei. Na verdade, os
casos de atos- fatos –jurídicos não passam de exemplos de atos jurídicos.
Para os adeptos dessa tríplice classificação, negócio jurídico, ato jurídico e ato-fato-jurídico,
a linha divisória seria a seguinte:
a. vontade qualificada. É a exigida para o negócio jurídico, pois a ação humana deve ser
direcionada à produção de um determinado efeito jurídico;
b. vontade simples. É a exigida para o ato jurídico, pois a ação humana deve ser
direcionada apenas à prática do ato, sem qualquer controle sobre os seus efeitos jurídicos;
c. irrelevância da vontade. É o que ocorre em relação ao ato-fato-jurídico, pois o querer
inicial do agente é indiferente para a produção dos efeitos determinados pela lei.
A teoria dos atos inexistentes surgiu na França, na obra de Zachariae, para explicar a
ineficácia de certos casamentos não declarados expressamente nulos pela lei. De fato, em matéria
matrimonial, a nulidade é sempre textual, isto é, o casamento só é nulo ou anulável nos casos em que a lei
o declara expressamente. Percebeu-se, porém, que em certos casos a lei não declara expressamente a
nulidade, mas , ao mesmo tempo, seria um absurdo considerá-lo válido diante da falta de um elemento
substancial à perfeição do ato, como, por exemplo, a diversidade de sexos.
Surgiu, então a teoria dos atos inexistentes para negar eficácia a esses casamentos não
declarados nulos pela lei.
Assim, o negócio jurídico inexistente é o que não reúne os elementos essenciais à sua
formação.
Na doutrina, discute-se quais seriam esses elementos essenciais. De acordo com Orlando
Gomes, os pressupostos de existência são apenas a vontade e o objeto.
De fato, todo negócio jurídico é uma declaração de vontade.
Sem a vontade o ato não existe. Exemplos: vontade extorquida pela coação física ou
declarada por erro obstativo. Igualmente, se faltar o objeto, o negócio é também inexistente, como, por
exemplo, a compra e venda sem coisa ou sem preço.
Por outro lado, o negócio jurídico nulo é o constituído em desacordo com a lei. O art. 104 do
CC preceitua que a validade do negócio jurídico requer:
I. agente capaz;
II. objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III. forma prescrita ou não defesa em lei.
O ato inexistente não produz qualquer conseqüência jurídica, além disso, nunca poderá
convalidar-se.
Em regra, a inexistência para ser reconhecida, independe de ação judicial, devendo o
negócio ser simplesmente ignorado, a não ser em casos excepcionais onde a inexistência depender da
produção de prova testemunhal, como, por exemplo, a argüição de ausência de consentimento no
casamento.
O ato nulo, ao contrário do inexistente, pode ter eficácia como putativo, em homenagem à
boa-fé de um dos contratantes.
O Código Civil não cuida dos atos inexistentes.
Justifica-se a omissão pelo fato de que ao legislar, como salienta Renan Lotufo, já se está
no plano da validade, e, portanto, só se deve operar com os planos da validade e da eficácia.
O negócio jurídico eficaz é o que está apto a produzir efeitos.
Saliente-se, ainda, que o ato ou negócio jurídico podem ser:
a. válido e eficaz.
b. válido e ineficaz. Tal ocorre, por exemplo, na pendência de condição suspensiva.
c. Inválido mas eficaz. Tal ocorre, por exemplo, com os casos de nulidade relativa, enquanto
esta não for pronunciada judicialmente.
QUESTÕES
AGENTE CAPAZ
OBJETO LÍCITO
O objeto lícito é o que está de acordo com a lei, moral, ordem pública e bons costumes. É
vedado, por exemplo, o contrato de herança de pessoa viva. Igualmente, é nulo o contrato pelo qual alguém
se compromete a realizar cenas de sexo explícito.
Em sendo ilícito o objeto, a nulidade é absoluta (art. 166, II, do CC). Portanto, o
descumprimento do avençado não enseja qualquer indenização por perdas e danos.
OBJETO POSSÍVEL
FORMA
A forma é um meio de exteriorização de vontade. Dispõe o art. 107 do CC, que: “A validade
da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.
Vê-se, portanto, que o legislador adotou como regra, o princípio da liberdade das formas.
Assim, o negócio jurídico, no silêncio da lei, é de forma livre, podendo ser celebrado por escrito,
verbalmente ou por gestos. Exemplos: compra e venda de bem móvel, comodato, locação etc.
Anote-se, contudo, que o silêncio não importa em manifestação de vontade, salvo quando
as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração expressa (art.111). Assim,
em regra, quem cala não consente.
Imagine, por exemplo, que uma certa editora envie a uma pessoa os exemplares de uma
revista fazendo consignar que a não devolução implicará em aceitação. Nesse caso, o silêncio
caracterizado pela não devolução em nada vinculará a pessoa que recebeu as ditas revistas. De fato, o
consentimento tácito deve ser inferido de atos positivos, como, por exemplo, o pagamento da primeira
prestação atinente ao recebimento das revistas, e não do silêncio, que, por si só, é insuficiente para a
celebração do negócio jurídico, a não ser quando a própria lei ou os costumes atribuir-lhe esse efeito.
Por outro lado, os atos ou negócios jurídicos solenes são aqueles em que a lei prevê uma
forma especial. Alguns destes negócios solenes podem celebrar-se por escrito particular, como a fiança, a
doação de bens móveis, o seguro, o penhor etc., mas outros exigem escritura pública, como os negócios
envolvendo a alienação de bens imóveis, como a venda, a doação etc.
A propósito, dispõe o art. 108 do CC: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é
essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia
de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
A contrario sensu, os negócios relativos a imóveis, cujo valor seja igual ou inferior a trinta
salários mínimos, admitirão a escritura particular, através da qual poderão alcançar o registro.
Inúmeros negócios relativos a imóveis, como observa Renan Lotufo, admitem escrituras
particulares para sua celebração, qualquer que seja o valor do imóvel:
a. contratos de que forem partes o Banco Nacional de Habitação ou entidades que integram
o Sistema Financeiro de Habitação (Lei 4.380/64);
b. os compromissos de compra e venda e promessa de cessão relativos a imóveis;
c. todos os atos relativos a cédula hipotecária (Dec. 70/66);
d. contratos de venda e compra de imóvel com alienação fiduciária em garantia (Lei
9.514/97).
A inobservância da forma acarreta a nulidade absoluta do negócio jurídico, mas em alguns
casos, o negócio nulo pode ser convertido noutro válido, se preencher os requisitos desse último e essa for
a real intenção do declarante. Tal ocorre, por exemplo, com a compra e venda de imóvel superior a 30
salários mínimos celebrada por instrumento particular.
Conquanto nula, pode ser convertida em compromisso de compra e venda, uma vez que
esse contrato admite o instrumento particular. Igualmente, o testamento feito sem testemunhas é nulo,
todavia, na parte referente ao reconhecimento de filho pode ser transformado em escritura particular.
Acrescente-se, ainda, que os atos ou negócios jurídicos de forma livre podem ser
transformados em solenes, pelas partes. Com efeito, dispõe art. 109 do CC: “No negócio jurídico celebrado
com cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”.
MOTIVO
Causa é a finalidade econômica e social que a parte tem em mira ao celebrar o negócio
jurídico. Se, por exemplo, alguém compra uma casa para nela instalar um restaurante, essa finalidade
constitui a causa.
Esta, distingue-se do objeto. No exemplo, a casa é o objeto; a finalidade de montar um
restaurante é a causa.
Motivo, por outro lado, é o antecedente psíquico da ação. É o móvel psicológico que
impulsiona o agente a celebrar o negócio jurídico. A causa é apenas uma espécie de motivo, pois este,
pode abranger uma infinidade de situações.
O Código de 1916 era anticausalista, porque deixou de incluir a causa entre os requisitos de
validade do negócio jurídico.
O Código de 2002 assumiu uma postura intermediária, pois demonstra uma tendência
causalista, dispondo no art. 166, inciso III, que é nulo o negócio jurídico quando o motivo determinante,
comum a ambas as partes, for ilícito.
Assim, o motivo ilícito, e não apenas a causa, vicia o negócio jurídico quando for comum a
ambas as partes. Basta, para que a nulidade seja decretada, que uma das partes tenha ciência da má-fé da
outra.
Se, por exemplo, o locador aluga o imóvel ciente de que a finalidade do locatário é utilizá-lo
como cativeiro de um seqüestro, não poderá mover-lhe a ação de cobrança dos aluguéis, diante da nulidade
do contrato. Se, ao revés, o locador estava de boa-fé, o contrato será válido, viabilizando-se, destarte, a
cobrança dos aluguéis. Anote-se que, no exemplo ministrado, o objeto do negócio, qual seja, a casa
alugada, é lícito, recaindo a ilicitude sobre a causa consubstanciada na finalidade criminosa.
Na compra e venda de maconha, por exemplo, o objeto do negócio é ilícito. Nesse caso,
para a decretação da nulidade, pouco importa a boa-fé de um dos contratantes. Na causa ilícita, ao revés, a
boa-fé de uma das partes impede a nulidade do ato. Força convir, portanto, que o Código de 2002 não é
totalmente causalista nem anticausalista, tendo assumido uma posição intermediária, atento à boa-fé e à
má-fé das partes.
Dispõe o art. 113 do CC: “Nas declarações da vontade se atenderá mais a intenção nela
consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”.
De acordo com a teoria subjetiva ou voluntarística, o intérprete deve investigar a real
vontade dos declarantes, de modo que a intenção prevalece sobre a vontade externada nas cláusulas do
negócio.
Em contrapartida, a teoria objetiva ou da declaração preconiza a prevalência das palavras
consignadas no negócio jurídico, desprezando a vontade interna dos declarantes. Assim, a interpretação
deve ser fiel ao texto da declaração, não podendo basear-se em elementos exteriores a ela.
O Código de 2002 adotou uma posição intermediária. Com efeito, o intérprete não pode
simplesmente abandonar a declaração contida no negócio para buscar livremente a vontade interna dos
declarantes, como sustenta a teoria subjetiva. Igualmente, não pode desprezar a vontade interna,
procurando desvendar apenas o sentido frio das palavras como quer a teoria objetiva.
O intérprete deve partir de dados objetivos consubstanciados no negócio jurídico, buscando-
se, a partir daí, a real intenção dos declarantes, atento para a confiança que o conteúdo material do ato
despertou no destinatário e na responsabilidade do declarante.
Atente-se, porém, como salienta Silvio Venosa, que apesar do Código aconselhar
preferência pela vontade interna, tal não é de ser utilizado se as palavras são claras e não dão margem a
dúvidas. De fato, o Código não adotou, na pureza, a teoria subjetiva, de modo que o negócio jurídico não
pode colidir contra o seu conteúdo.
Finalmente, dispõe o art. 114 do CC: “ Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia
interpretam-se estritamente.”
QUESTÕES
CONCEITO
Dispõe o art. 115 do CC que os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo
interessado.
A representação legal é atribuída por lei em razão da incapacidade do representado. É o
caso dos pais em relação aos filhos menores e do tutor ou curador, em relação ao pupilo ou curatelado.
A representação voluntária ou convencional é a derivada do mandato. Saliente-se, porém,
pode haver mandato sem poder de representação quanto aos atos cuja prática se delega a outrem, sem
que, no entanto, haja poder de representação.
Nada obsta, por outro lado, que o representante legal constitua representante voluntário
para representar o incapaz em certos atos.
OS PODERES DE REPRESENTAÇÃO
A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos
em relação ao representado (art. 116). De fato, o representante encontra-se investido de poderes para atuar
em nome do representado.
Na representação legal, os atos e negócios jurídicos devem ser celebrados pelo próprio
representante, em nome do incapaz, estando este impedido de praticar o ato diretamente, ao contrário da
representação convencional, em que, não obstante os poderes outorgados ao representante, o
representado continua com o direito de realizar diretamente o negócio para o qual havia delegado os
poderes de representação.
O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem contratar em nome do
representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos
atos que a estes excederem (art. 118). Assim, o representado não se obriga pelos atos praticados pelo
representante, que extrapolaram os limites de seus poderes. Nada obsta, contudo, que o representado
ratifique o ato.
Dispõe o art. 117 do Código Civil: “Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o
negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.”
Assim, nada obsta a aquisição do bem pelo próprio procurador, desde que o mandante o
tenha autorizado expressamente. Urge, porém, uma autorização específica, delimitando-se previamente o
conteúdo do negócio a ser realizado e o respectivo preço. Se a autorização foi genérica, isto é, sem a
fixação do preço, mas o mandatário pagou o preço justo, igual ou superior ao que terceiro pagaria, o
negócio deve se tido como válido.
Acrescente-se, porém, que se o preço foi injusto, o negócio não é nulo, mas apenas
anulável, admitindo-se, portanto, a ratificação posterior.
A rigor, na procuração em causa própria, o mandatário não está realizando contrato consigo
mesmo, mas com a pessoa com quem representa.
Cumpre salientar que a procuração em causa própria quando elaborada por instrumento
público, reunindo ainda em seu bojo a descrição da coisa, do preço e do consentimento, passa a ser um
negócio translativo de propriedade.
Como salienta Orlando Gomes: “Intuitivamente, a procuração em causa própria é
irrevogável, não porque constitui exceção a revogabilidade do mandato, mas porque implica transferência
de direitos”.
A Excelsa Corte, a propósito, já decidiu que o mandato em causa própria, quando constante
de instrumento público equivale à escritura de compra e venda, mas somente transfere a propriedade
imobiliária quando transcrito no registro próprio.
Como salienta Ademar Fioranelli, “malgrado não esteja elencado no art. 221 da Lei n.
6.015/73 de forma expressa, mas genericamente compreendido em tal dispositivo, indiscutível cuidar-se de
título registável, encaixando-se na enumeração do art. 167, inc. I, n. 29, já que pelo registro se opera a
transferência do domínio, consoante regra contida no art. 172 da mesma LRP. Da admissibilidade do
registro da procuração “in rem propriam”, decorre sejam observados todos os requisitos legais exigíveis de
qualquer título de compra e venda, quer quanto à forma, quer com relação aos demais princípios que regem
a atividade registral.”
Do exposto dessume-se que a procuração em causa própria lavrada por escritura pública,
contendo os requisitos da res, pretium e do consensus, tem o mesmo efeito que a escritura pública de
compra e venda, prescindindo-se da elaboração desta por ocasião do registro, isto é, a própria procuração
pode ser diretamente transcrita no Registro de Imóveis.
Por outro lado, ainda sobre o autocontrato, a lei veda que o tutor ou curador de comprarem,
ainda que em hasta pública, os bens confiados à sua guarda e administração (art. 497, I). Assim, na
representação legal, em regra, a lei não permite a autocontratação. Saliente-se, porém, que não há
proibição de os pais comprarem os bens dos filhos; nada obsta essa venda, mediante ordem judicial, desde
que haja uma vantagem ou benefício ao menor.
Benefício de restituição é o instituto jurídico que permite a anulação dos negócios jurídicos
válidos celebrados pelo representante, que sejam prejudiciais aos interesses do incapaz.
O instituto da “restitutio in integrum”, que vigorou ao tempo das Ordenações, acabou sendo
abolido pelo art. 8º do Código Civil de 1916.
Como adverte Sílvio Venosa, a instituição nem sempre beneficiava o menor, já que
atemorizava aqueles que pretendiam com ele contratar. Desse modo, os negócios feitos com menores,
desde que representados ou assistidos, são plenamente válidos e eficazes.
O Código de 2002, porém, prevê um instituto similar ao benefício de restituição, dispondo no
seu art. 119, que: “É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o
representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou”.
Não se trata propriamente do benefício de restituição, pois este instituto permitia a anulação
de todo e qualquer ato prejudicial ao incapaz, pouco importando se a outra parte tinha ou não conhecimento
de que o ato poderia prejudicá-lo.
No citado art. 119 do CC, não é propriamente o prejuízo acarretado ao incapaz a causa da
anulação do negócio, mas o fato de este ter sido concluído pelo representante em conflito de interesses
com o representado. Ocorre esse conflito quando o interesse do representado for antagônico ao do
representante.
Da mesma forma que é anulável o negócio jurídico celebrado pelo representante consigo
mesmo, haverá também a anulabilidade quando for celebrado com outrem, visando, no entanto, um
benefício próprio ou alheio, e não o interesse do incapaz. Todavia, nesse caso, de ato praticado pelo
representante em benefício próprio ou alheio, a anulação só se caracterizará se tal fato era ou devia ser do
conhecimento de quem com aquele contratou. Se o contratante estava de boa-fé, isto é, desconhecia o real
propósito do representante, nem tinha possibilidade de conhecer (erro escusável), o negócio não poderá ser
anulado.
Se, porém, o outro contratante sabia ou devia saber do conflito de interesses, o ato poderá
ser anulado, no prazo de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da
incapacidade.
Trata-se de prazo decadencial, conforme preceitua o parágrafo único do art. 119 do CC.
Saliente-se, por fim, que o dispositivo em análise é aplicável tanto à representação legal
quanto à convencional. Tratando-se de representação legal, o prazo decadencial só começa a fluir com a
cessação da incapacidade, pois a decadência não corre contra os absolutamente incapazes (art. 208). Na
representação convencional, porém, o prazo para ação anulatória começa a fluir a contar da conclusão do
negócio.
NÚNCIO OU MENSAGEIRO
QUESTÕES
INTRODUÇÃO
CABIMENTO
Em regra, todo ato ou negócio jurídico admite condição, termo e encargo. Aliás, sempre é
possível a sua inserção nos negócios patrimoniais, exceto na aceitação e renúncia da herança. Sua prática
é mais usual nos contratos e testamentos.
Não podem, contudo, constar nos atos referentes ao estado das pessoas, como
reconhecimento de filho e emancipação, nem nos referentes ao direito de família puro, como o casamento,
tutela etc.
CONDIÇÃO
CONCEITO
Dispõe o art. 121 do CC: “Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente
da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”.
O legislador trata tão-somente da condição voluntária das partes, que é, de fato, a
verdadeira condição, não disciplinando a condição necessária ou legal, também chamada imprópria ou
aparente ou tácita, que é aquela inerente à natureza do ato, cujo acréscimo é inócuo, tendo em vista que a
sua inserção já deriva da lei. Exemplo de condição necessária: diz o testador que “A” será seu herdeiro se
sobreviver-lhe. Ora, para ser herdeiro é óbvio que deve sobreviver ao testador, pois isso já consta da lei.
Outro exemplo: diz o testador que “A” será seu herdeiro, sob a condição de aceitar a herança. Ora, para ser
herdeiro, a lei exige a aceitação da herança, de modo que isso não precisa figurar no testamento.
ELEMENTOS DA CONDIÇÃO
CONDIÇÕES POSSÍVEIS
CONDIÇÕES IMPOSSÍVEIS
São as que contrariam as leis da natureza. Por exemplo: dar-te-ei cem mil reais, se
conseguires ressuscitar um morto. Essas condições, quando suspensivas, isto é, impeditivas da aquisição
do direito, como no exemplo ministrado, invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados, por força
do art. 123, I, do Código Civil. Se, porém, constar como condição resolutiva, serão tidas como inexistentes,
vale dizer, não escritas. Tal ocorre, por exemplo, quando o doador prevê a extinção da liberalidade, quando
um morto ressuscitar. Nesse caso, a doação reputa-se pura e simples, considerando-se não escrita essa
condição resolutiva, isto é, extintiva da obrigação.
De fato, dispõe o art. 124 do CC: “Tem-se por inexistentes as condições impossíveis,
quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível”. Como exemplo de condição de não fazer coisa
impossível, podemos citar a doação sob a condição de o donatário não morrer ou de não piscar mais os
olhos. Nesses casos, a condição reputa-se não escrita, mas o negócio permanece válido.
Assim, as condições fisicamente impossíveis, para invalidarem o negócio, devem revestir-se
de dois requisitos:
a. serem suspensivas, isto é, inseridas para impedir a aquisição do direito;
b. positivas, vale dizer, implicar na prática de uma ação positiva, como dar a volta ao mundo
a pé em dois dias.
Em contrapartida, o negócio jurídico será válido, anulando-se apenas a condição, quando
esta for:
a. resolutiva, ainda que positiva. Exemplo: te dôo essa casa, desde já, mas se alguém
conseguir dar a volta ao mundo a pé em dois dias, a doação será extinta.
b. negativa, isto é, de não fazer coisa impossível. Nesse caso, o negócio será válido ainda
que a condição seja suspensiva. Exemplo: dar-te-ei tal objeto, se abstiveres de viajar numa máquina do
tempo.Tem-se por inexistente essa condição de não fazer, mas o negócio é válido como puro e simples.
São as que contrariam o ordenamento jurídico, isto é, a lei, a ordem pública e os bons
costumes, e, por isso, jamais podem realizar-se. Exemplo: dar-te-ei cem mil reais se o Congresso Nacional
suprimir da Constituição Federal a inviolabilidade do direito à vida.
A condição juridicamente impossível, quando suspensiva, como no exemplo ministrado,
invalida o negócio jurídico que lhe é subordinado (art.123, I). Se, porém, for resolutiva, o negócio jurídico é
válido, como se não houvesse a condição, que será tida como inexistente (art. 124).
Tal ocorre, por exemplo, quando o doador diz: essa doação será extinta quando o
Congresso nacional suprimir da Constituição Federal a inviolabilidade do direito à vida.
No sistema do Código de 1916, as condições juridicamente impossíveis sempre anulavam o
negócio jurídico, fossem elas suspensivas ou resolutivas. No Código atual, apenas as condições
suspensivas têm o condão de anular o negócio jurídico.
Condições lícitas são as que não contrariam a lei, a ordem pública e os bons costumes.
Condições ilícitas são as ilegais e imorais, isto é, as que contrariam a lei, a ordem pública e
os bons costumes. Também são consideradas ilícitas as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o
sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes, conforme art, 122, 2ª parte, do CC. São nulas as seguintes
condições: a de não casar com qualquer pessoa, pois viola a liberdade matrimonial; a de mudar ou não
mudar de religião, porque atenta contra a liberdade de crença; a de não atacar uma nulidade absoluta; a de
se prostituir etc.
São válidas as seguintes condições: a de não casar com certa pessoa, pois a liberdade
matrimonial é afetada de forma relativa; a de casar-se com certa pessoa, salvo se esta for de péssima
reputação moral etc.
A condição de obrigar alguém a se manter em estado de viuvez, para uns é válida, para
outros autores é nula, por atentar contra a liberdade individual. Se o propósito for altruístico, como, por
exemplo, dedicar toda a atenção aos filhos ou ao auxílio aos pobres, a nosso ver, a condição deve ser
considerada válida.
Finalmente, dentre as condições defesas, incluem-se as chamadas condições perplexas
que são aquelas incompreensíveis ou contraditórias, ou ainda as que retiram toda a eficácia do negócio.
As condições perplexas invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados.
As condições ilícitas são todas que contrariam a lei, a ordem pública e os bons costumes,
mas que, no entanto são passíveis de realização. Tal ocorre, por exemplo, com a condição de se prostituir
ou de matar alguém.
As condições juridicamente impossíveis, além de contrariarem a lei, a ordem pública e os
bons costumes, são insuscetíveis de realização. Tal ocorre, por exemplo, com a condição imposta ao pai de
emancipar voluntariamente o filho antes dos 16 anos de idade.
Enquanto a condição ilícita sempre invalida o negócio jurídico, seja ela suspensiva ou
resolutiva, por força do inciso II do art. 123 do CC, que não faz distinção, a condição juridicamente
impossível, ao inverso, só invalida o negócio jurídico subordinado a condição suspensiva, preservando-se,
destarte, a validade dos negócios sob condição resolutiva, como sendo puro e simples, reputando-se
inexistente a condição, por força do art. 124 do CC.
As condições ilícitas sempre contaminam o negócio jurídico, invalidando-o, sejam elas
positivas ou negativas; as condições juridicamente impossíveis só viciam o negócio quando forem positivas,
se forem negativas reputam-se inexistentes, preservando-se a validade do negócio, por força da última
parte do art. 124 do CC.
CONDIÇÕES SUSPENSIVAS
Com o implemento da condição, como vimos, a parte passa a ter o direito adquirido.
Discute-se, porém, se essa aquisição opera-se “ex nunc”, isto é, a partir da ocorrência da condição, ou
então, “ex tunc”, vale dizer, retroativamente, desde o início da celebração do negócio jurídico.
Sobre o assunto, desenvolveram-se duas correntes.
A primeira, sustentada por Sílvio Rodrigues, preconiza a irretroatividade da condição, de
modo que a aquisição do direito só se opera a partir do advento do fato futuro e incerto. Argumenta-se que a
lei é omissa sobre o efeito retrooperante, de sorte que o efeito retroativo só operará se expressamente
convencionado pelas partes.
A segunda, liderada por Washington de Barros Monteiro, admite a retroatividade das
condições, operando-se a aquisição do direito desde o início da celebração do negócio jurídico.
Cremos que esse último ponto de vista tenha sido o abraçado pelo art. 122 do Código de
1916 e art. 126 do Código atual.
Esses preceitos legais rezam que: “Se alguém dispuser de uma coisa sob condição
suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto aquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a
condição, se com ela forem incompatíveis”. Vê-se, portanto, que se “A” doa a “B” um bem sob condição
suspensiva; mas, enquanto esta pende, vende o mesmo bem a “C”, essa última venda é nula, caso ocorra a
condição. Se, porém, o negócio realizado no período de pendência da condição for compatível como
negócio condicional, não há falar- se em nulidade.
Vejamos o exemplo citado por Limongi França:”A” transfere a “B” o usufruto de um objeto,
sob condição suspensiva; mas, enquanto esta pende, aliena a “C” a sua propriedade do mesmo objeto.
Conseqüência: a alienação é válida, porque não há incompatibilidade entre essa alienação da propriedade e
o usufruto.
A rigor, a questão da retroatividade da condição é destituída de grande interesse prático
pelas seguintes razões:
a. a percepção dos frutos é regulada pelos artigos 510 e seguintes do CC, de sorte que,
com o advento da condição, os frutos colhidos até então pertencem ao possuidor de boa-fé. A boa-fé
persiste até que o possuidor tome ciência do implemento da condição. Denota-se, portanto, que o efeito do
advento da condição não será retroativo, quanto aos frutos;
b. o terceiro que, de boa-fé, tenha adquirido o bem, no estado de pendência da condição,
não pode ter seu direito atingido, pois encontra-se protegido pelo princípio da relatividade dos contratos. De
acordo com esse princípio, o contrato só produz efeitos entre as partes. Se, porém, a condição estiver
averbada no Registro de Imóveis, não há falar-se em boa-fé, aplicando-se, destarte, efeito retroativo
estatuído no art. 126 do CC;
c. nas obrigações de fazer, sob condição suspensiva, como, por exemplo, a obrigação de
construir uma casa se o Palmeiras vencer o Campeonato Paulista, o efeito da condição é necessariamente
“ex nunc”, só se produzindo a partir da ocorrência do fato futuro e incerto, sendo, pois, incompatível com a
noção de retroatividade.
Finalmente, se a coisa perecer por culpa do alienante, antes do implemento da condição, a
outra parte tem direito à indenização, caso a condição venha a se verificar.
CONDIÇÕES RESOLUTIVAS
Condição resolutiva é o fato futuro e incerto que, uma vez ocorrido, provoca a extinção do
direito. Exemplo: “A” doa uma casa para “B”, estatuindo que a doação será extinta na hipótese de certo
candidato vencer uma determinada eleição. Com efeito, dispõe a 1ª parte do art. 128 do CC: “Sobrevindo a
condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe”.
Assim, na condição resolutiva, o negócio aperfeiçoa-se desde logo, mas sua eficácia fica
ameaçada pelo acontecimento futuro e incerto.
A condição resolutiva pode também ser considerada sob três aspectos:
a. estado de pendência: a parte desfruta do direito adquirido, mas ameaçado de extinção.
b. estado de implemento da condição: o negócio é desfeito automaticamente, extinguindo-
se o direito anteriormente adquirido.
c. estado de frustração: o direito continua sendo adquirido, sendo certo que, diante da
inocorrência da condição, cessa a ameaça de sua extinção.
Sobre a retroatividade ou não da extinção do negócio, em virtude do implemento da
condição resolutiva, o art. 128, 2ª parte, do Código Civil, solucionou o problema em relação aos negócios de
execução continuada ou periódica, salientando que, salvo disposição em contrário, a extinção produz efeitos
“ex nunc”, vale dizer, a partir do advento da condição, não tendo, pois, eficácia quanto aos atos já
praticados, desde que estes sejam compatíveis com a natureza da condição pendente, observando-se
ainda os ditames da boa-fé. Assim, por exemplo, numa locação sob condição resolutiva, com o implemento
desta, cessa a locação, mas o locatário não poderá reaver os aluguéis pagos, salvo disposição em
contrário.
O titular de um direito sob condição resolutiva pode transferilo, por ato “inter vivos” ou
“causa mortis”, todavia, a condição remanesce intacta, pois essa alienação não tem o condão de
transformar o negócio em puro e simples. Desde que a condição conste no Registro de Imóveis, a extinção
do negócio retroagirá inclusive para apagar os direitos reais constituídos em favor de terceiros, pois o
registro inibe a aquisição de boa-fé.
Na condição resolutiva, ocorrendo o evento futuro e incerto, extingue-se “ipso iure”, isto é,
automaticamente, o direito.
Na cláusula resolutiva, ao revés, ocorrendo o evento futuro e incerto, a parte fica apenas
autorizada a extinguir o negócio jurídico. Tal ocorre, por exemplo, com o inadimplemento contratual. A parte
lesada pelo inadimplemento, dispõe o art. 475, pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe
o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.
O inadimplemento encontra-se implícito nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos como
sendo uma cláusula resolutiva tácita.
TERMO
CONCEITO
O termo corresponde a uma data certa, ao passo que o prazo é o lapso de tempo entre o
termo inicial e o termo final.
CLASSIFICAÇÃO
MEDIDAS CONSERVATÓRIAS
Dispõe o art. 135 do CC que: “Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as
disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva”.
Por outras palavras, como ensina Washington de Barros Monteiro, o titular da relação
jurídica sujeita a termo inicial pode exercer atos destinados a conservá-la, como, por exemplo, interromper a
prescrição. Se acaso, houver oposição entre as novas disposições, efetuadas pelo estipulante, e o termo
anterior, deixarão àquelas de subsistir, verificado este.
Da mesma forma, o titular de direito, submetido a termo final pode exercê-lo, como se fora
puro e simples. Chegado o termo, porém, ele extingue-se.
Os atos ou negócios que não admitem termo nem condição, dentre outros, são os
seguintes:
a. os relativos ao estado das pessoas, como a emancipação;
b. os relativos ao direito de família, como o casamento;
c. aceitação e renúncia da herança.
No tocante à instituição de legatário, admite termo e condição. Tratando-se, porém, de
instituição de herdeiro testamentário, a lei só admite a condição, vedando o termo.
Saliente-se, contudo que, reputa-se não escrito o termo, nos casos em que não for admitido,
representando-se, porém, a validade do negócio, ao passo que a condição, quando não admitida, provoca a
nulidade do negócio a que se subordina.
No tocante à doação sob termo inicial, a doutrina a admite sem impugnação. Exemplo:
doação com início a partir da maioridade civil do donatário. Nada obsta também a doação em que o termo
inicial é a morte do doador, desde que a transferência da propriedade se dê em vida, pois, como é sabido, o
direito brasileiro proíbe a doação “causa mortis”.
Na doação “causa mortis”, a propriedade só é transferida ao donatário após a morte do
doador. Na doação sob termo, a propriedade é transferida em vida pelo doador ao donatário, funcionando o
óbito como fato gerador do exercício do direito e não de sua aquisição.
Por outro lado, Agostinho Alvim lembra que alguns juristas repugnam a doação sob termo
final ou resolutivo. Exemplo: dou-te esta casa, mas ao cabo de dez anos resolve-se a doação. Cremos que
é admissível, porque o parágrafo único do art. 547 do CC proíbe apenas a cláusula de reversão em favor de
terceiro, isto é, o fideicomisso “inter vivos”, não havendo qualquer obstáculo legal para a reversão, em
benefício do próprio doador.
PRAZO
ENCARGO OU MODO
CONCEITO
Dispõe o art. 137 do CC: “Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se
constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico”.
Enquanto a condição suspensiva, física e juridicamente impossível, invalida o negócio
jurídico que lhe é subordinado, o encargo considera-se não escrito, reputando-se válido o negócio.
Se, contudo, o encargo ilícito ou impossível for a razão determinante da liberalidade,
invalida-se todo o negócio jurídico.
Assim, o encargo pode ser:
a. principal: é o imposto como a razão determinante do negócio jurídico.
b. secundário: é o imposto como sendo uma obrigação de somenos importância do negócio,
de modo que a liberalidade se realizaria ainda que o estipulante soubesse de antemão da nulidade dessa
cláusula.
Saber se o encargo é principal ou secundário é uma questão de interpretação do negócio,
atento às peculiaridades de cada caso concreto, pois nenhum critério abstrato nos fornece a chave da
resolução do problema.
QUESTÕES
INTRODUÇÃO
ERRO OU IGNORÂNCIA
CONCEITO
Erro é a noção falsa acerca de um objeto ou de determinada pessoa. Ocorre o erro quando
o agente se engana sobre alguma coisa. Exemplo: compra de um relógio dourado, supondo que é de ouro.
Enquanto no erro, o agente interpreta mal; na ignorância, ele desconhece a realidade.
O Código, porém, equipara-os, tratando ambos como causa de anulação do negócio
jurídico.
O erro ou ignorância ocorre espontaneamente, por algum equívoco da parte, ao passo que
o dolo é o erro provocado pela má-fé alheia.
Se o vendedor, por exemplo, engana o comprador, dizendo que o relógio dourado é de
ouro, haverá dolo. Se, ao invés, o comprador iludiu-se sozinho, sem qualquer provocação ou omissão do
vendedor, a hipótese será de erro.
REQUISITOS
O erro, para anular o negócio jurídico, deve ser substancial, escusável e real.
Erro substancial, consoante Sílvio Rodrigues, é aquele de tal importância que, se fosse
conhecida a verdade, o consentimento não se externaria. É, pois, aquele que foi a razão determinante do
negócio jurídico, sem esse erro o negócio não se teria realizado.
Erro acidental ou incidental, por sua vez, é aquele que, se fosse conhecida a verdade, ainda
assim o negócio jurídico se realizaria embora de maneira menos onerosa. Aludido erro é o que recai sobre
qualidades secundárias de pessoa ou coisa. Esse erro não provoca a anulação do negócio jurídico.
Exemplos: equívoco sobre o valor do bem negociado; erro sobre um acessório do automóvel negociado,
etc.
Se, em regra, torna-se fácil a distinção entre o erro substancial e o acidental, em alguns
casos aquilo que normalmente é secundário torna decisório na determinação de vontade, transmudando-se
o erro de acidental para substancial.
Suponha-se que alguém adquira um determinado objeto, supondo erroneamente que o
mesmo é antigo. Se, se tratar de um colecionador, por exemplo, o erro será substancial, porque o fato de
ser antigo terá sido a razão determinante do negócio; para outras pessoas, porém, a antiguidade é um dado
irrelevante, de modo que o erro será meramente acidental.
Nenhum critério abstrato é capaz de estabelecer a linha divisória entre o erro substancial e
o erro acidental, devendo o intérprete analisar cada caso concreto.
O art. 137 do CC prevê o rol taxativo das hipóteses de erro substancial. Grosso modo, é o
que diz respeito à natureza do negócio, ao seu objeto, a qualidades essenciais do objeto e à identidade ou
qualidades essenciais da pessoa.
O erro de direito, também pode ser substancial, desde que não implique recusa à aplicação
da lei e tenha sido motivo único ou principal do negócio jurídico.
No erro sobre a natureza do negócio, a parte objetiva realizar certo negócio e, por engano,
acaba realizando outro. Exemplo: a parte lavra uma escritura pública de doação, pensando que está
realizando uma dação em pagamento.
No erro sobre o objeto principal do negócio jurídico, este faz menção a uma coisa ao invés
de outra. Exemplo: a escritura publica refere-se a um determinado apartamento, mas a venda efetiva recaiu
sobre outro; compra uma casa em Santos pensando que ela se situa no Guarujá.
ERRO ESSENCIAL
Erro essencial é o que recai sobre qualidades fundamentais do objeto. Exemplos: compra
de um terreno encravado, pensando que ele tinha saída para a via pública; compra de um relógio dourado
supondo ser de ouro; compra de um objeto imaginando ter ele pertencido a uma celebridade. Cumpre não
confundir o vício redibitório com o erro essencial. No vício redibitório, a pessoa adquire a coisa desejada,
que, porém, encontra-se defeituosa, ao passo que, no erro essencial, a pessoa adquire uma coisa em
perfeito estado, mas que não era a que se pretendia adquirir. Quem, por exemplo, compra um relógio
dourado, pensando que é de ouro, incide em erro. Se, porém, o relógio realmente é de ouro, mas não
funciona, haverá vício redibitório. Em caso de erro, é cabível a ação anulatória do negócio jurídico; tratando-
se de vício redibitório, o adquirente do bem poderá ajuizar uma das ações edilícias (ação redibitória e ação
“quanti minoris”).
ERRO ESCUSÁVEL
Erro escusável é aquele que, em face das circunstâncias do negócio, não poderia ser
percebido por pessoa de diligência normal. Se o erro for inescusável, isto é, fruto de culpa da pessoa que se
enganou, o negócio é válido. Já se decidiu, como lembra Washington de Barros Monteiro, que não pode
invocar o erro, por ser inescusável, construtor que adquire terreno, que afinal verifica não servir para
construção, em virtude de recuo determinado pela Municipalidade. Por força de sua atividade deveria o
construtor estar a par das deliberações da Prefeitura no tocante à sua especialidade (Revista Forense,
110/438).
Adota-se, para aferir se o erro é escusável ou não, o critério do homem médio. Tratando-se,
contudo, de negócios jurídicos celebrados por especialistas, urge que se indague o comportamento do
homem médio desses técnicos.
ERRO REAL
Erro real é o que recaí sobre o objeto do negócio jurídico e não simplesmente sobre o nome
ou sobre qualificações. Diz-se ainda real aquele erro que causa efetivo prejuízo para o interessado.
ERRO DE DIREITO
Erro de direito é o desconhecimento da lei ou a sua interpretação equivocada. Tal ocorre,
por exemplo, quando o agente ignora que uma determinada norma entrou em vigor, ou, então, quando
supõe que foi revogada.
O erro de direito, para fins de anulação do negócio jurídico, é equiparável ao erro de fato,
desde que tenha influenciado na manifestação da vontade.
Urge, porém, para que o erro de direito anule o negócio jurídico, o preenchimento de dois
requisitos:
a. que não implique em recusa à aplicação da lei;
b. que tenha sido o motivo único ou principal do negócio jurídico.
Assim, o princípio segundo o qual ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a
conhece, previsto no art. 3º da LICC, é perfeitamente conciliável com a anulação por erro de direito. Com
efeito, não se pode alegar o erro de direito como uma forma de desculpa por ter violado a lei, pois isso
enfraqueceria o princípio da força imperativa da norma, consagrado no citado art. 3º da LICC. Todavia,
admite-se a argüição do erro de direito se a intenção da parte era a de cumprir a lei, obedecê-la.
Se, por exemplo, o devedor deixa de efetuar o pagamento, sustentando ignorar a lei que o
obrigava a pagar, torna-se inócuo o seu argumento. Entretanto, se efetua o pagamento, por engano,
pensando que a lei o obrigava a pagar, quando esta não o obrigava, poderá pleitear a anulação do
pagamento, baseado no erro de direito.
Se, por exemplo, o dono de uma casa contratar os serviços de um advogado para adaptar
seu imóvel às leis municipais, vindo depois a constatar que este já se encontrava de acordo com as normas
de posturas urbanas, torna-se perfeitamente possível a anulação desse contrato, com fundamento no erro
de direito, pois o negócio foi celebrado com o objetivo de cumprir a lei.
O erro do direito, como se vê, não pode ser invocado nos casos em que se conduz à
violação da norma jurídica.
Finalmente, como esclarece Orlando Gomes, com o erro de direito não deve ser confundido
o erro sobre as conseqüências jurídicas do negócio. Neste, o agente ignora certos efeitos que a lei atribui,
por via geral, à sua declaração de vontade. O erro sobre as conseqüências jurídicas não vicia a vontade;
não anula o negócio jurídico.
Dispõe o art. 142 do CC que: “O erro na indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a
declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder
identificar a coisa ou pessoa cogitada”.
Assim, o erro na indicação da pessoa ou coisa, desde que sanável, considera-se acidental,
não anulando o negócio jurídico. Um testador, por exemplo, refere-se ao apartamento da Alameda Itú,
legando-o a João, mas na verdade referido imóvel localiza-se na Alameda Jaú, conforme se depreende de
sua matrícula. Outro exemplo: escritura de compra e venda refere-se a José, como sendo o comprador,
quando este é apenas o procurador do verdadeiro comprador.
Saliente-se, ainda, que o art. 1903 do CC contém uma regra idêntica à prevista nesse art.
142 do CC.
ERRO DE CÁLCULO
Dispõe o art. 144 do CC que: “ O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a
pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da
vontade real do manifestante”.
Silvio Venosa fornece o seguinte exemplo: O comprador crê que adquire lote 5 da quadra B,
quando, na verdade, adquire lote 5 da quadra A, segundo a planta que lhe é apresentada. Trata-se de erro
substancial. Se o comprador pleitear a anulação do negócio, o vendedor poderá concordar em entregar-lhe
o lote desejado, qual seja, o lote 5 da quadra B, preservando-se o negócio jurídico.
Essa pretensão de preservação do negócio jurídico, através da oferta da real prestação
devida, deve ser exercida na reconvenção, por ocasião do prazo da contestação da ação anulatória que lhe
move o comprador. Se, contudo, este, diante do erro, recusa-se a efetuar o pagamento, o vendedor poderá
mover-lhe ação judicial, visando o cumprimento do contrato, na conformidade da vontade real do
adquirente, depositando, com a inicial, a prestação almejada por este último.
ÔNUS DA PROVA
Como afirma Washington de Barros Monteiro, “quem alega o erro deve prová-lo. Sendo
fenômeno de ordem subjetiva, não comporta, muitas vezes, prova direta. Será preciso deduzi-la então de
elementos objetivos, que a exprimam por uma relação natural e necessária. O erro só pode ser alegado por
aquele a quem aproveite o reconhecimento do vício, não pela outra parte. Por fim, embora anulável o ato
eivado de erro, prevalece enquanto não anulado por sentença.”
QUESTÕES
CONCEITO
Dolo é o erro provocado pela má-fé alheia. É, pois todo artifício empregado para enganar
alguém, induzindo-o à pratica de um negócio jurídico. Tal ocorre, por exemplo, quando o vendedor induz o
comprador a acreditar que um relógio simplesmente dourado é de ouro.
Dolo civil, como vimos, é o expediente astucioso empregado para enganar alguém,
induzindo-o à celebração de um negócio jurídico.
O dolo penal não é propriamente a vontade de enganar e sim o fato de o agente querer ou
assumir o risco de praticar o fato criminoso.
Finalmente, o dolo processual consiste na má-fé processual, tais como as afirmações falsas
e as provocações de incidentes para protelar o andamento do processo, etc.
No erro, a vítima se engana sozinha; no dolo ela é enganada pela má-fé alheia. Assim, o
erro é espontâneo; o dolo, ao inverso, é provocado maliciosamente por alguém.
No erro, o ato é simplesmente anulável, não havendo lugar para as perdas e danos; o dolo,
além da anulação, enseja ainda a responsabilidade pelas perdas e danos.
O erro sobre o motivo não anula o negócio jurídico, salvo quando expresso como razão
determinante; o dolo sobre o motivo, ao revés, autoriza a anulação do negócio jurídico.
O erro sobre qualidades secundárias da pessoa ou coisa não anula o ato; o dolo, porém,
pode provocar-lhe a anulação.
O erro acidental, isto é, que não é a razão determinante do ato, não enseja sequer perdas e
danos; no dolo acidental, por sua vez, há o direito ao ressarcimento das perdas e danos, embora o ato seja
válido.
Finalmente, o erro provocado pela boa-fé alheia, a nosso ver, não pode ser considerado
dolo, pois este último é resultante da malícia alheia, devendo, portanto, ser tratado como erro. Tal ocorre,
por exemplo, quando o vendedor, de boa-fé, vende um relógio dourado pensando que é de ouro,
enganando, sem querer, o comprador. Todavia, além da anulação do ato, o vendedor, no caso de culpa,
responderá pelas perdas e danos, de modo que esse erro, quanto aos efeitos, equipara-se ao dolo.
DOLO E FRAUDE
Na essência, o dolo e fraude se confundem, pois são artifícios empregados para enganar
alguém.
No dolo, a parte enganada intervém na conclusão do negócio.
Na fraude, não há a intervenção pessoal do prejudicado.
O dolo é anterior ou concomitante à prática do ato. A fraude, ao revés, é subseqüente à
prática do negócio jurídico.
Assim, o dolo é utilizado para celebração do negócio; a fraude é empregada para burlar a
execução de um negócio preexistente. Se, por exemplo, antes de celebrar o contrato de seguro, o agente
induz a seguradora a erro, silenciando sobre um fato relevante, haverá dolo. Se, porém, após a assinatura
desse contrato, o sinistro é simulado para o recebimento do seguro, haverá fraude.
Finalmente, enquanto o dolo visa enganar a outra parte, a fraude pode visar tanto o engano
desta como a violação da lei ou a lesão a interesse de terceiros.
ESPÉCIES DE DOLO
Dolo positivo é o resultante de uma ação; dolo negativo é o que advém da omissão.
Com efeito, o dolo negativo ou reticência é o silêncio intencional acerca de determinado fato
que se fosse conhecido da outra parte o negócio não se teria realizado. Exemplo: vendo o apartamento,
silenciando que o mesmo não tem vaga de garagem.
O dolo negativo, desde que principal, também é causa de anulação do negócio e da
indenização pelas perdas e danos. Se for acidental, só ensejará a satisfação das perdas e danos.
Dolus bonus é a conversa enganosa tolerada no mundo dos negócios, pelo fato de a vítima,
com um pouco de atenção, ter condição de perceber o induzimento. É o caso do comprador que subestima
o objeto que está comprando, apontando-lhe os defeitos; outrossim, o vendedor, quando realça as
qualidades da coisa a ser vendida. Como assevera Cunha Gonçalves, são humanos, são legais esses
ligeiros ataques à boa-fé.
Portanto, o dolus bonus não é causa de anulação do negócio jurídico, não ensejando
sequer a satisfação das perdas e danos.
Dolus malus ou grave, por sua vez é o artifício fraudulento exagerado, isto é, não tolerado
no mundo dos negócios. Tal ocorre, por exemplo, quando o vendedor altera a aparência externa da coisa
para poder vendê-la. O dolus malus, desde que principal, é causa de anulação do negócio jurídico.
O critério de distinção entre dolus bonus e dolus malus deve ser feito à luz do caso
concreto, atento às condições pessoais da vítima e do burlão.
Pode-se dizer que dolus malus é aquele capaz de enganar, de convencer a outra parte;
para esta, o erro a que foi induzida é escusável, ou seja, não detectável, ainda que empregasse a atenção
comum.
Dolus bonus é o artifício grosseiro, pueril, facilmente perceptível pela atenção comum da
vítima; o erro a que esta é induzida é inescusável.
Dolo direto é o emanado de uma das partes; dolo de terceiro é o causado por quem não é
parte no negócio.
Dolo de terceiro só anula o negócio jurídico quando a parte beneficiada sabia ou tinha
possibilidade de saber de sua existência, ainda que não tenha cooperado para o artifício fraudulento. Nesse
caso, além da anulação, ambos, a parte beneficiada e o terceiro, respondem pelas perdas e danos.
Se, ao revés, a parte a quem aproveita o dolo, não tinha possibilidade de saber da má-fé do
terceiro, o negócio jurídico será válido e apenas o terceiro responderá pelas perdas e danos da parte a
quem ludibriou.
Assim, para que o negócio seja válido, não basta a boa-fé da parte beneficiada, consistente
no desconhecimento do dolo de terceiro, urge ainda que ela tenha procedido com erro escusável,
caracterizado pela impossibilidade de perceber o engodo desse terceiro.
DOLO DO REPRESENTANTE
O dolo do representante de uma das partes, desde que principal e grave, também anula o
negócio jurídico, devendo o representante ainda arcar com as perdas e danos. O representado, quando for
incapaz, responde civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante
convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos (art. 149).
De fato, o incapaz não tem o direito de escolher o seu representante legal (pais, tutor e
curador), e, por isso, sua responsabilidade pelas perdas e danos é limitada ao proveito que teve com o
negócio jurídico anulado.
Em contrapartida, as pessoas capazes escolhem livremente os seus representantes
(procuradores), respondendo solidariamente pelas perdas e danos, em razão da presunção absoluta de
culpa “in eligendo”.
Saliente-se, contudo, que o representado tem ação regressiva contra o representante, salvo
se com este estava conluiado.
ÔNUS DA PROVA
Ao autor da ação anulatória incumbe o ônus da prova do dolo, pois o dolo não se presume.
Dispõe o art. 180 do CC que: “O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para
eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra
parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior”.
Assim, o negócio jurídico celebrado pelo menor púbere desassistido do representante legal
será válido se ele omitiu dolosamente a sua idade ou declarou-se maior. Urge, porém, além da boa-fé, que
o erro da outra parte seja escusável, pois se lhe era possível perceber o artifício, como no caso de menor
com aparência infantil, o negócio poderá ser anulado.
COAÇÃO
CONCEITO E ESPÉCIES
REQUISITOS DA COAÇÃO.
EFEITOS
Presentes os requisitos acima, a coação, além de anular o negócio jurídico, ainda sujeita o
coator a indenizar as perdas e danos. No âmbito penal, a coação exercida para induzir a vítima à
celebração de negócio jurídico patrimonial pode caracterizar o delito de extorsão (art. 158 do CP), mas se o
ato for extrapatrimonial o delito será de constrangimento ilegal (art. 146 do CP).
TEMOR REVERENCIAL
Temor reverencial é o receio de desagradar pessoa a quem se deve respeito ou obediência.
Tal ocorre, por exemplo, quando a esposa concorda que o marido venda a casa, para não descontentá-lo.
Outro exemplo: o empregado aceita ser o fiador de seu patrão, a pedido deste, no contrato de locação.
Dispõe o art. 153 do CC que não se considera coação o simples temor reverencial.
Portanto, o negócio jurídico é válido.
Enquanto na coação o medo advém da ameaça, no temor reverencial o medo é oriundo do
respeito de uma pessoa por outra. Na coação, há o medo de um dano pessoal ou patrimonial, no temor
reverencial, o medo é de causar desgosto, de desapontar a outra pessoa.
Saliente-se, porém, que se houver uma ameaça, ainda que implícita ou velada, haverá
coação, anulando-se o ato.
COAÇÃO DE TERCEIRO
A coação de terceiro é a emanada de uma pessoa que não figura como parte no negócio
jurídico. Exemplo: (A) coage (B) a vender a casa para (C).
A coação oriunda de terceiro só anula o negócio jurídico se a parte beneficiada sabia ou
devesse saber da ameaça. Em tal situação, ambos, coator e a parte beneficiada, ainda responderão
solidariamente pelas perdas e danos (art.154).
No código de 1916, a coação exercida por terceiro sempre anulava o negócio, ainda que a
parte beneficiada estivesse de boa-fé.
No Código atual, priorizou-se a teoria da confiança, de modo que, para a anulação, exige-se
o dolo ou culpa da parte beneficiada. Se esta não sabia nem tinha possibilidade de saber da coação,
incidindo em erro escusável quanto à existência da ameaça do terceiro, o negócio será válido; todavia, o
coator deverá responder pelas perdas e danos.
Sobre esse assunto, já escrevemos anteriormente que, em homenagem á equidade, essa
teoria da confiança deve restringir-se aos negócios onerosos, porque, nos negócios gratuitos, como a
doação e o testamento, a vontade interna do coagido deve prevalecer sobre a vontade declarada, anulando-
se, destarte, o negócio jurídico.
ESTADO DE PERIGO
CONCEITO
Dispõe o art. 156 do CC que: “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da
necessidade de salvar-se, ou à pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume
obrigação excessivamente onerosa”.
De acordo com Moacyr de Oliveira, o estado de perigo é o fato necessário que compele a
conclusão de negócio jurídico mediante prestação exorbitante.
É, pois, a assunção de obrigação excessivamente onerosa para evitar um dano pessoal,
que é do conhecimento da outra parte.
Como salienta Teresa Ancona Lopes, “é o defeito do negócio jurídico no qual o declarante
se encontra diante de uma situação em que tem que optar entre dois males: “sofrer o dano ou participar de
um contrato que lhe é excessivamente oneroso”.
Vejamos alguns exemplos:
a. promessa do náufrago de milionária recompensa a quem salvar-lhe do naufrágio;
b. doente que concorda com os altos honorários exigidos pelo cirurgião;
c. os pais prometem uma exorbitante recompensa a quem salvar o seu filho dos
seqüestradores;
d. venda de bens abaixo do preço para levantar o dinheiro necessário ao resgate do
seqüestro do filho;
e. fiança, aval ou emissão de cheque prestado por indivíduo, mediante exigência do
hospital, para internar um parente nesse local.
Em todas essas situações, o agente realiza o negócio jurídico para evitar ou tentar evitar um
dano de caráter pessoal.
FUNDAMENTO DA ANULAÇÃO
O estado de perigo, para anular o negócio jurídico, deve preencher os seguintes requisitos:
O perigo pode ter sido causado pela natureza (exemplo: uma tempestade), por ação do
homem (exemplo: um seqüestro), ou, então, pela própria vitima (exemplo: após tentar o suicídio, a vítima
concorda com os altos honorários exigidos pelo médico que irá operá-la).
Urge, que o perigo seja real. Se, porém, o agente imagina um perigo inexistente, haverá o
estado de perigo putativo, justificando-se também a anulação do negócio jurídico.
Acrescente-se ainda que o perigo deve ser atual, isto é, presente. Se for futuro, o negócio
jurídico será válido.
A ameaça advinda da situação de perigo deve ser grave, a ponto de figurar como sendo a
razão determinante da prática do negócio jurídico. Ameaça grave é aquela capaz de intimidar a vítima,
aplicando-se por analogia o disposto no art. 152 do CC, segundo o qual, no apreciar da coação, ter-se-ão
em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e de todas as demais
circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
Alguns autores, porém, sustentam que a gravidade de uma ameaça deve ser analisada em
função do homem médio e não da própria vítima.
Por outro lado, a ameaça deve referir-se a um dano de natureza pessoal, de ordem física ou
moral (vida, integridade física, honra, liberdade) e não meramente patrimonial. A ameaça pode referir-se ao
próprio declarante ou a membros de sua família. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do
declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias, conforme preceitua o parágrafo único do art. 156 do
CC. Assim, presume-se o sofrimento do declarante quando a ameaça recai sobre membros de sua família;
quando recai sobre estranhos, esse sofrimento deve ser comprovado no caso concreto.
EFEITOS DA ANULAÇÃO
Presentes os requisitos acima, o negócio jurídico pode ser anulado. Na Itália, em vez de
anular o negócio, a lei permite a revisão do valor da prestação devida.
No Brasil, o negócio jurídico é anulável, devolvendo-se as prestações devidas, volvendo-se
as partes ao “status quo ante”. Todavia, em certas hipóteses, torna-se impossível a devolução de uma das
prestações, como no exemplo do cirurgião que realizou a cirurgia e daquele que salvou a vida do náufrago.
A solução da lei brasileira, que prevê a anulação e não a revisão do negócio é no sentido de
excluir qualquer indenização em favor daquele que prestou o serviço. Alguns autores, porém, admitem a
indenização calcados na eqüidade, proclamado o cabimento da ação “in rem verso” , para evitar o
enriquecimento ilícito obtido pela vítima em razão da anulação do negócio jurídico.
Na coação, para que o ato seja anulado, basta a vontade viciada pela ameaça, não se
exigindo a desproporção entre as prestações, no estado de perigo, além da vontade viciada pela ameaça,
exige-se ainda a desproporção entre as prestações.
Na coação, a ameaça é para obrigar o agente a realizar o negócio jurídico, atingindo a sua
liberdade de contratar; no estado de perigo, a ameaça não tem esse fim específico de obrigar o agente a
realizar o negócio, este, porém, é um dos meios de que ele dispõe para evitar o dano pessoal, de modo que
diante da urgência da situação, encontra-se limitada a sua vontade de discutir o contrato.
Na coação, a parte beneficiada cria a situação de perigo, no estado de perigo, o beneficiado
apenas se aproveita dessa situação. Anote-se, porém, que a coação de terceiro aproxima-se do estado de
perigo, porque a parte beneficiada apenas se aproveita da situação de perigo criada pelo terceiro.
Na coação, o perigo é criado pela parte beneficiada ou por terceiro. No estado de perigo, o
perigo pode ser criado pela natureza, por terceiro ou então provocado pelo próprio declarante.
Finalmente, na coação a ameaça deve ser injusta; no estado de perigo pode ser justa ou
injusta.
QUESTÕES
1. O que é dolo?
2. Qual a distinção entre dolo civil, dolo penal e dolo processual?
3. Cite três diferenças entre erro e dolo.
4. Qual a distinção entre dolo e fraude?
5. Qual a distinção entre dolo principal e dolo acidental?
6. Qual a distinção entre dolo positivo e dolo negativo?
7. Qual a distinção entre “dolus bonus” e “dolus malus”?
8. O que é dolo bilateral?
9. O dolo de terceiro anula o negócio jurídico?
10. Quais as conseqüências do dolo do representante?
11. O menor púbere, que age com dolo quanto à idade, é obrigado a cumprir o negócio jurídico?
12. Qual a distinção entre coação física e coação moral?
13. Quais os requisitos da coação?
14. É possível coação com ameaça justa?
15. Quais os efeitos da coação?
16. O que é temor reverencial?
17. A coação de terceiro anula o negócio jurídico?
18. O que é estado de perigo?
19. Qual o fundamento do estado de perigo?
20. Quais os requisitos do estado de perigo?
21. Quais os efeitos do estado de perigo?
22. Qual a distinção entre coação e estado de perigo?
23. Qual a distinção entre estado de perigo e estado de necessidade?
LESÃO
CONCEITO E ESPÉCIES
Vimos que o Código Civil adotou a lesão especial, cujo reconhecimento depende de dois
requisitos:
a. desproporção manifesta das prestações. Aprecia-se a desproporção das prestações
segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico (§1º do art.157). O montante
dessa desproporção não é prefixado pela lei, competindo ao magistrado analisá-lo no caso concreto; urge,
porém, que seja considerável, acentuada. Essa desproporção deve existir ao tempo da celebração do
negócio; tratando-se de desproporção superveniente não há falar-se em lesão e sim em onerosidade
excessiva, aplicando-se a teoria da imprevisão, quando se tratar de contrato de execução diferida ou de
trato de sucessivo. Saliente-se ainda que apenas os contratos comutativos, em que as prestações se
equivalem, podem ser viciados pela lesão, pois nos contratos aleatórios o desequilíbrio das prestações é
inerente ao negócio.
b. situação de necessidade ou inexperiência da parte lesada A necessidade é a
indispensabilidade do contrato. É, pois, a impossibilidade de evitar o contrato. Trata-se da necessidade
econômica de contratar. Essa necessidade nem sempre se caracteriza pela miséria, pois pessoas abonadas
também podem necessitar de um certo contrato.
A inexperiência, por sua vez, não é incultura do lesado, mas a inexperiência contratual, que
até o culto pode incidir. O ônus da prova da inexperiência ou necessidade compete ao lesado.
EFEITOS DA LESÃO
Presentes esse requisitos acima, a parte lesada pode pleitear a anulação do negócio
jurídico. Faculta-se, contudo, à parte favorecida oferecer suplemento suficiente para o reequilíbrio das
prestações, evitando-se, destarte, a anulação do negócio. Se, por exemplo, pagou-se quarenta mil reais em
um apartamento que valia setenta mil reais, ao ser citado para a ação anulatória poderá efetuar o
complemento do preço, depositando a diferença de trinta mil reais. Esse pedido de preservação do negócio
jurídico, porém, deve ser feito em reconvenção, pois a ação anulatória não tem caráter dúplice, sendo, pois,
vedado ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor. Entretanto, tratando-se de rito sumário, esse
pedido pode ser formulado na própria contestação, por força do § 1º do art. 278 do CPC.
Nada obsta que a parte lesada formule pedido subsidiário: complementação do valor da
prestação e a anulação do negócio jurídico, devendo este último pedido ser acolhido apenas na hipótese de
a parte favorecida não concordar com a redução do proveito.
SIMULAÇÃO
CONCEITO
Simulação é o acordo entre as partes, para dar existência real a um negócio jurídico fictício,
ou, então, para ocultar o negócio jurídico realmente realizado, com o fito de violar a lei ou enganar terceiros.
Trata-se de uma declaração enganosa da vontade, que oferece ao negócio jurídico uma
aparência diversa da desejada pelas partes.
Estas, de comum acordo, fingem praticarem o negócio simulado. A simulação não é vício de
consentimento, porque o desacordo entre a vontade interna e a declarada é intencional. É um vício social,
pois a vontade é conscientemente declarada, enganando terceiros ou violando a lei.
REQUISITOS
ESPÉCIES
Simulação subjetiva é aquela em que o negócio jurídico transmite direito a certa pessoa,
para que esta os repasse a outra. Nessa simulação, o negócio jurídico beneficia aparentemente o testa-de-
ferro ou prestanome ou homem de palha, mas o verdadeiro beneficiado é outra pessoa. Exemplo: homem
casado simula doar imóvel para um amigo, para que este o repasse gratuitamente à sua concubina. Outro
exemplo: o pai, desejando vender um bem para seu filho, diante da oposição dos demais filhos, finge doar
para este, em seguida, realiza a venda desejada.
A simulação subjetiva só se caracteriza quando o testa-deferro transmite o bem à pessoa a
quem o negócio visa beneficiar. Enquanto isso não se realiza, não se pode falar em nulidade.
Por outro lado, diz-se objetiva a simulação quando o negócio jurídico contém declaração
não verdadeiro. Exemplo: escritura pública de compra e venda com preço inferior ao real; quando os
instrumentos particulares forem ante-datados, ou pós-datados; quando o negócio jurídico contiver
declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira.
Simulação inocente é a que não objetiva violar a lei ou prejudicar terceiro. Tal ocorre, por
exemplo, na doação mascarada de compra e venda feita por homem solteiro à sua concubina. O Código de
1916 continha dispositivo expresso, reputando valido o negócio jurídico. O Código de 2002 é omisso.
Todavia, como adverte Fábio Ulhoa Coelho: “Se a simulação não prejudica terceiro, não existe como tal e
deve ser considerado válido o negócio praticado em descompasso com a verdadeira intenção das partes.
Assim, se uma pessoa precisa viajar mas deve assinar documento particular com data futura, por razões de
conveniência das partes, não havendo nenhum prejuízo a terceiro, não se configura a simulação”.
Simulação fraudulenta ou maliciosa, por sua vez, é a que objetiva fraudar a lei ou prejudicar
terceiros. Nesse caso, o ato será nulo.
EFEITOS
NEGÓCIO FIDUCIÁRIO
RESERVA MENTAL
CONCEITO
REQUISITOS
Na reserva mental absoluta, o reservante não quer absolutamente nada do que manifestou.
Exemplo: o escritor assina contrato com a editora, para escrever certo livro, que, na verdade, não pretende
escrever.
Na reserva mental relativa, por sua vez, o reservante pretende algo diferente daquilo que
manifestou. Exemplo: o reservante realiza um contrato de comodato, mas na verdade ele quer uma locação.
Diz-se inocente a reserva mental em que o reservante não tem a intenção de prejudicar
qualquer pessoa. Exemplo: “A” assina contrato de empréstimo de dinheiro em favor de “B”, para evitar o
suicídio deste, com a intenção de descumprir o avençado.
Reserva mental ilícita é o que visa prejudicar a outra parte. Exemplo: “A” vende o automóvel
para “B”, mas não pretende entregar-lhe o bem, embora deseje receber o preço.
Reserva mental unilateral é quando apenas uma das partes não pretende cumprir o que
manifestou.
Reserva mental bilateral é quando ambas as partes não pretendem cumprir o que
manifestaram. Exemplo: “A” vende o automóvel para “B” com a intenção de não entregá-lo, sendo que “B”
realiza a compra com o escopo de não realizar o pagamento.
Declaração jocosa é a feita por brincadeira, irônica é a realizada na peça de teatro entre o
artista e o espectador. Nessas declarações não sérias da vontade, o negócio jurídico é inexistente, pois, em
termos jurídicos, não há uma manifestação de vontade real; não há, destarte, o propósito de enganar
juridicamente o declaratário, pois, como adverte Nelson Nery Júnior, o declarante espera que a outra parte
descubra logo a sua verdadeira intenção, tanto é que logo dá conta do que se trata.
Na reserva mental, ao revés, a vontade é manifestada, com o propósito de enganar
juridicamente a outra parte, sendo certo que o reservante espera que esta não descubra a sua real vontade.
Assim, a declaração jocosa, irônica ou cênica não produz reflexos no direito, ao passo que
na reserva mental o negócio é válido, porque o reservante objetiva extrair dela alguma conseqüência
jurídica. Se, porém, a reserva é conhecida pelo destinatário, o negócio se torna inexistente, equiparando-se
à declaração irônica ou jocosa, conforme se depreende, a “contrario sensu”, do disposto no art. 110 do CC.
Trata-se da troca de uma palavra por outra. É a anfibologia. Tal ocorre, por exemplo,
quando o testador refere-se a usufruto, pensando que é fideicomisso, ou, então, grava a legítima do
herdeiro necessário com usufruto achando que este se trata da cláusula de inalienabilidade. Lapsus linguae
vel calami é o desacordo entre a vontade interna e o conteúdo material da declaração, assemelhando-se ao
erro obstáculo, propiciando a anulação da expressão utilizada por equívoco, interpretando-a, porém, tal qual
desejada pelo declarante. Como ensina Pontes de Miranda, o equívoco deve ser dirimido pelo juiz na
interpretação do negócio jurídico.
Tal qual acontece com a reserva mental, ocorre a divergência entre a vontade interna e a
vontade declarada. Na reserva mental, porém, essa divergência é intencional, com o propósito de enganar a
outra parte; na lapsus linguae vel calami, ao revés, essa divergência é despropositada, não intencional, pois
não se visa enganar o destinatário.
RESTRIÇÃO MENTAL
Restrição mental, como ensina Nelson Nery Júnior, é o expediente malicioso para induzir a
outra parte a interpretar a manifestação da vontade diferentemente do que está declarado.
Na restrição mental, o declarante quer exatamente o que está declarado, mas espera que a
outra parte interprete de maneira diferente do conteúdo da declaração. Não há, pois, divergência entre a
vontade interna e a vontade declarada, distinguindo-se, portanto, da reserva mental.
A restrição mental é irrelevante, não se anulando, portanto, o negócio jurídico.
A propósito, dispõe o art. 112 que: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à
intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”.
Em suma, a restrição mental é a declaração redigida propositadamente com mais de um
sentido, com fito de o destinatário interpretá-la no sentido diverso do realmente querido pelo declarante.
QUESTÕES
GENERALIDADES
Dispõe o art. 591 do CPC que: “O devedor responde, para o cumprimento de suas
obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Em regra, portanto, o patrimônio do devedor responde por suas dívidas, ressalvando-se
alguns bens, como, por exemplo, o bem de família. No direito moderno, não há prisão civil por dívida, a não
ser nos casos de devedor de alimentos e depositário infiel (art. 5.º, LXVII, da CF).
O devedor insolvente, que é aquele cujo patrimônio passivo é superior ao ativo, encontra-se
proibido de alienar bens, justamente para não desfalcar a garantia de seus credores. Se, porém, não
obstante a proibição legal, ele praticar atos de disposição de seus bens, haverá fraude contra credores ou
fraude de execução.
Pode-se dizer, assim, que bens pertencentes a terceiros respondem pelas dívidas do
devedor, quando aqueles o houverem adquiridos mediante fraude contra credores ou fraude de execução.
CONCEITO E REQUISITOS
Fraude contra credores é o negócio jurídico realizado pelo devedor insolvente, ou que o
conduz à insolvência, suscetível de diminuir ainda mais o seu patrimônio.
O devedor solvente, que é aquele cujo patrimônio ativo é superior ao passivo, tem plena
liberdade para dispor de seus bens. Todavia, ao se tornar insolvente, sofre restrição ao seu direito de
propriedade, pois não lhe é mais lícito a realização de atos de alienação, seja onerosa ou gratuita, a não ser
mediante a anuência de todos os credores.
Urge, para a caracterização da fraude contra credores, a presença de três requisitos:
consilium fraudis, insolvência e eventus damni.
Nos negócios jurídicos onerosos faz-se necessária a presença de todos esses requisitos.
Entretanto, nos negócios jurídicos gratuitos, como a doação e o testamento, dispensa-se a comprovação do
consilium fraudis, pois a lei o presume de forma absoluta.
CONSILIUM FRAUDIS
INSOLVÊNCIA
EVENTUS DAMNI
AÇÃO PAULIANA
Tanto a fraude contra credores quanto a fraude de execução têm por pressupostos: o
consilium fraudis, a insolvência e o eventus damni.
Saliente-se, porém, que uma parcela minoritária da jurisprudência dispensa o consilium
fraudis na fraude de execução, presumindo-o juris et de jure. O Superior Tribunal de Justiça, porém, já
decidiu que a boa-fé do adquirente, quando se tratar de contrato oneroso, exclui a fraude à execução, se o
erro sobre a insolvência for escusável.
Nos negócios gratuitos, porém, o consilium fraudis é presumido, tanto na fraude contra
credores como na fraude de execução.
A linha divisória entre uma e outra fraude é o momento da alienação do bem.
Uma primeira corrente sustenta que a fraude à execução ocorre quando o insolvente aliena
bens após a citação em uma ação patrimonial onde figura como réu ou executado.
Uma segunda corrente preconiza que, para configuração da fraude à execução, basta que o
insolvente aliene bens após o ajuizamento dessa ação patrimonial.
Assim, para uns, a alienação antes da citação é fraude contra credores; após a citação,
fraude à execução. Outros, no entanto, sustentam que a alienação após o ajuizamento da ação já configura
fraude à execução, reservando-se a fraude contra credores para as alienações anteriores ao ajuizamento da
ação.
A nosso ver, a linha divisória deve ser o ajuizamento da ação.
Com efeito, dispõe o art. 593, II, do CPC: “Considera-se em fraude de execução a alienação
ou oneração de bens quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz
de reduzi-lo à insolvência”. Como se vê, a lei não exige que a alienação tenha ocorrido após a citação.
Saliente-se, ainda, que a fraude à execução pode se verificar no processo de conhecimento
e no processo cautelar, e não apenas no processo de execução. Se, por exemplo, o devedor insolvente
alienar bens no curso de uma ação de cobrança ou de arresto, haverá fraude à execução.
Urge, porém, que ação tenha caráter patrimonial, isto é, que seja capaz de reduzi-lo à
insolvência.
Sobre os efeitos de uma e outra fraude, podemos elencar os seguintes:
a. a fraude contra credores só pode ser reconhecida em ação pauliana. Portanto, a penhora
do bem só é possível após o trânsito em julgado da sentença de procedência prolatada nessa ação. A
fraude contra credores não pode ser discutida em embargos de terceiro ou embargos à execução.
b. a fraude à execução, por sua vez, é examinada pelo oficial de justiça, conforme art. 592,
V, do CPC, que, após detectá-la, analisando o momento da alienação, procederá à penhora do bem,
restando ao terceiro adquirente oferecer embargos de terceiro para impugnar a existência dessa fraude. Vê-
se, portanto, que, na fraude à execução, o bem pode ser imediatamente penhorado, independente de ação
pauliana, que sequer é cabível, devido à falta de interesse de agir.
c. na fraude contra credores, o ônus da prova da insolvência é tema polêmico, conforme
analisado anteriormente. Na fraude à execução, a insolvência é presumida, invertendo-se o ônus da prova,
competindo ao adquirente provar a existência de bens suficientes no patrimônio do devedor alienante, nos
termos do art. 750, I, do CPC, segundo a qual se presume a insolvência quando o devedor não possuir bens
livres e desembaraçados para nomear à penhora.
d. a fraude contra credores, uma vez reconhecida, aproveita a todos os credores anteriores
ao ato fraudulento, conforme preceitua o art. 165 do CC, ao passo que a fraude à execução aproveita
apenas ao exeqüente. Cândido Dinamarco, contudo, salienta que a fraude contra credores beneficia apenas
o autor da ação pauliana. Assiste-lhe razão, pois ninguém pode pleitear em nome próprio interesse alheio,
salvo quando autorizado por lei. Os outros credores, para se beneficiarem, devem ingressar no processo
como litisconsortes. O art. 165 do CC, que determina a reversão da vantagem em prol do acervo de
credores, a nosso ver, só é aplicável nas hipóteses em que houver execução coletiva contra o devedor
insolvente, com sentença de falência ou de insolvência já decretada.
e. na fraude à execução, o negócio jurídico é apenas ineficaz. Trata-se de entendimento
pacificado na doutrina brasileira. Na fraude contra credores, ao revés, discute-se se o ato deve ser anulado
ou apenas declarado ineficaz.
As conseqüências práticas são as seguintes:
1. na anulação, o negócio jurídico é cancelado, volvendo o bem ao patrimônio do devedor,
beneficiando, portanto, todos os credores, e não somente aquele que ajuizou a ação pauliana. Na ineficácia,
ao inverso, o negócio jurídico permanece válido, mas sem efeito apenas em relação ao credor que moveu a
ação pauliana.
2. na anulação, a sentença que julga procedente a ação pauliana deve ordenar a expedição
de mandado de cancelamento do Registro de Imóveis, retornando o bem para o nome do devedor. Na
ineficácia, esse mandado não é expedido, pois o bem permanece no nome do terceiro adquirente.
3. na anulação, o eventual saldo em execução pertence ao devedor, que ainda se
beneficiaria, não obstante a sua torpeza caracterizada pela alienação fraudulenta. Na ineficácia, esse
eventual saldo pertence ao terceiro adquirente do bem.
4. na anulação, o comprador não pode remir a execução, mediante deposito do preço de
arrematação ou adjudicação, pois a transmissão da propriedade é cancelada. Na ineficácia, faculta-se-lhe
aludida remissão.
Na jurisprudência, vem prevalecendo a tese da ineficácia, não obstante o Código Civil
referir-se à anulação.
Esse ponto de vista realmente é o mais coerente. Com efeito, a fraude à execução revela-se
mais grave do que a fraude contra credores, porque, além de lesar os credores, ainda atenta contra a
dignidade da Justiça. Ora, se o ato mais grave, qual seja, a fraude à execução apresenta como sanção a
simples ineficácia, preservando-se, destarte, a validade do negócio jurídico, não tem cabimento cominar ao
ato menos grave, isto é, a fraude contra credores, a sanção de anulação, pois esta é mais severa do que a
ineficácia.
QUESTÕES
Negócio jurídico inexistente é o que não reúne os elementos necessários à sua formação. O
negócio inexistente não produz qualquer conseqüência jurídica; nunca se convalida e jamais poderá ter
eficácia como negócio putativo.
Os pressupostos de existência do negócio são: a vontade e o objeto.
Com efeito, se todo negócio jurídico é uma declaração de vontade, força convir, portanto,
que, no caso de ausência completa de vontade, o ato não existe. Exemplos: vontade extorquida pela
coação física ou declarada por erro obstativo; casamento celebrado sem o consentimento de um dos
nubentes, etc.
Igualmente, se faltar o objeto, o negócio jurídico também é inexistente. Exemplo: compra e
venda sem coisa ou sem preço.
O nosso Código referiu-se expressamente à inexistência apenas em relação à reserva
mental conhecida pelo destinatário (art. 110).
Não obstante esse silêncio, a doutrina e a jurisprudência admitem essa tríplice gradação da
imperfeição em: negócios inexistentes, negócios nulos e negócios anuláveis.
Por outro lado, o negócio jurídico nulo é o que, embora reunindo os elementos necessários
à sua existência, foi praticado com violação da lei, à ordem pública, aos bons costumes ou com
inobservância da forma legal.
Assim, enquanto a inexistência não precisa ser declarada judicialmente, dispensando-se,
portanto, a ação judicial para a retirada de seu efeito, o ato nulo, a rigor, carece de decisão judicial para a
retirada de sua eficácia. Como salienta Washington de Barros Monteiro, o ato inexistente é o nada. A lei não
o regula, porque não há necessidade de se disciplinar o nada.
Acrescente-se ainda que o ato inexistente não pode ser putativo, isto é, surtir efeitos válidos
em razão da boa-fé de uma ou ambas as partes, ao passo que no ato nulo, a boa-fé das partes é
respeitada, atribuindose efeito válido ao ato putativo.
Finalmente, a anulabilidade é a imperfeição de menor gravidade. Além dos casos
expressamente declarados em lei, é anulável o negócio jurídico por incapacidade relativa do agente e por
vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (art. 171). Na
fraude contra credores, como vimos, há discussão se o ato é anulável ou apenas ineficaz.
O negócio jurídico é anulável, conforme preceitua o art. 171 do CC, nas seguintes
hipóteses:
I. por incapacidade relativa do agente;
II. por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra
credores.
O negócio ainda será anulável nos casos expressamente declarados na lei. Dispõe, por
exemplo, o art. 496 do CC que: “É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros
descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”.
Decretada a nulidade, seja ela absoluta ou relativa, o negócio é desfeito, como se nunca
tivesse existido, reconduzindo-se as partes ao estado anterior à sua celebração. Assim, anulando o
testamento, por exemplo, o herdeiro deve restituir os bens herdados. Anulada a compra e venda, o
vendedor restitui o preço e o comprador a coisa.
Com efeito, reza o art. 182 do CC: “Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao
estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o
equivalente”.
Assim, se não for possível a restituição ao “status quo ante” pelo fato, por exemplo, do
perecimento da coisa ou alienação a terceiro de boa-fé, as partes serão indenizadas com o equivalente ao
seu valor.
Essa regra, de que a decretação da nulidade reconduz os interessados ao “status quo ante”,
mediante a devolução das prestações recebidas, comporta duas atenuações.
A primeira encontra-se no art. 181 do CC: “ninguém pode reclamar o que, por uma
obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga”.
Aludido dispositivo é complementado pelo disposto no art. 310 do CC: “não vale o pagamento cientemente
feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu”. Se,
por exemplo, o devedor efetua o pagamento a um interdito, ciente da incapacidade, o negócio é anulado,
mas o incapaz não terá que restituir a importância recebida, a não ser que tenha revertido em proveito dele
mesmo. Entende-se por proveitoso o pagamento quando o incapaz lhe deu o destino razoável e útil, agindo
como agiria o accipiens capaz e diligente.
Portanto, a restituição do pagamento só se efetuará se demonstrar que o pagamento
reverteu em proveito do incapaz. Ignorando-se a incapacidade, é válido o pagamento se o erro for
escusável, aplicando-se por analogia o art. 309 do CC, que cuida do pagamento feito ao credor putativo.
A segunda atenuação encontra-se prevista no art. 1214 do CC: “o possuidor de boa-fé tem
direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos”. Assim, a restituição das partes ao “status quo ante” não
é aplicável aos frutos percebidos durante a boa-fé.
Por outro lado, tem sido afirmado que a declaração de nulidade absoluta aproveita a todos
os interessados e não somente aos que a postularam, ao passo que a anulabilidade aproveita
exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade, conforme preceitua o
art. 177 do CC.
Assim, na nulidade relativa, quando a obrigação for divisível, a sentença que a reconhece
só aproveita as partes. Tratando-se, porém, de solidariedade ou indivisibilidade, a sentença aproveitará
também aos demais interessados, conforme ressalva o citado art. 177 do CC. Anote-se, porém, que a
sentença não poderá prejudicar os interessados que não figuraram no processo como partes, por força dos
limites subjetivos da coisa julgada.
Na nulidade absoluta, o Código é omisso quanto ao fato de a sentença aproveitar ou não a
todos os interessados. Por raciocínio lógico, tendo em vista a restituição do bem ao patrimônio do devedor,
não resta dúvida de que a sentença beneficia os interessados que não participaram do processo. Se,
porém, o bem houver sido alienado a terceiro, urge que este figure também como réu na ação de
declaração de nulidade, sob pena de não ser atingido pela sentença. Entendimento diverso violaria os
limites subjetivos da coisa julgada. Assim, para que a ação seja procedente em face desse terceiro, é
preciso demonstrar a sua má-fé, consistente na ciência ou na possibilidade de conhecer o vício que
inquinava a aquisição do bem por parte de seu antecessor. Se houver adquirido o bem de boa-fé e
mediante erro escusável, cremos que o negócio por ele realizado não poderá ser invalidado, aplicando-se,
por analogia, o disposto no parágrafo único do art. 1827, que, consagrando a teoria do herdeiro aparente,
preceitua: “são eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé”.
Por outro lado, na nulidade absoluta, a sentença, que é meramente declaratória, produz
efeitos retroativos, volvendo-se os interessados ao “status quo ante”, respeitados os direitos dos terceiros
de boa-fé. Na nulidade relativa, cuja sentença é desconstitutiva, alguns civilistas, como Washington de
Barros Monteiro, preconizam que o efeito da sentença também é retroativo, outros, ao revés,
acertadamente, sustentam o efeito “ex nunc” da sentença, desfazendo-se o negócio somente a partir da sua
prolação.
Tratando-se, porém, de nulidade relativa em razão de erro, dolo, coação, lesão, estado de
perigo e fraude contra credores, não paira dúvida sobre o efeito “ex tunc” da sentença, desfazendo-se o ato
retroativamente, desde o momento de sua celebração.
É inexata a afirmação categórica de que na nulidade absoluta o negócio não produz
nenhum efeito. Como salienta Orlando Gomes, o ato nulo enquanto não for declarado nulo produz efeitos,
pois se não se declarar a nulidade, o negócio vive, perdura. Nesse aspecto, pode-se afirmar que nenhuma
nulidade é imediata ou instantânea. Diz-se que os negócios nulos são insanáveis. Realmente, não se
permite que as partes os confirmem, nem o juiz os valide. Embora se afirme que não prescrevem, a verdade
é que pelo decurso do tempo o ato nulo vem afinal a convalescer, ainda que pela via oblíqua da usucapião.
Acrescente-se, por outro, que a regra “pas de nullite sans grief”, não há nulidade sem
prejuízo, vigora apenas no âmbito processual. No Direito Civil, a nulidade é decretada, independentemente
da argüição ou comprovação do prejuízo.
A nulidade pode ser total e parcial. A primeira afeta o negócio jurídico inteiramente; a
segunda destrói apenas uma ou algumas cláusulas.
Em regra, vigora o princípio da incomunicabilidade das nulidades, segundo o qual a
nulidade parcial de um negócio não o prejudica na parte válida se esta for da outra separável. Assim,
anulado o testamento pelo fato de ter invadido a legítima dos herdeiros necessários, subsiste a validade na
parte de reconhecimento de filho. Outro exemplo: anulada a cláusula da separação amigável, que versa
sobre a herança de pessoa viva, o restante do acordo permanece válido.
O princípio da incomunicabilidade das nulidades comporta duas exceções.
A primeira é quando não for possível a separação da parte não atingida pela nulidade.
Anulada uma das cláusulas de transação, por exemplo, toda a transação será nula, por força do princípio da
indivisibilidade da transação. A segunda é a invalidade da obrigação principal, que implica a das obrigações
acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.
Assim, anulada a compra e venda, anula-se também as obrigações acessórias, como a
hipoteca, o penhor, a cláusula penal, etc. Todavia, a nulidade da obrigação acessória não atinge a
obrigação principal, exceto na hipótese de condição ilícita, em que a nulidade da condição atinge a
obrigação principal (art. 123, II, do CC).
Dispõe o art. 180 do CC que: “O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para
eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra
parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior”.
Vê-se, portanto, que o menor, ao agir com dolo quanto à sua idade, ocultando-a ao ser
interrogado pela outra parte, ou, então, declarando-se espontaneamente maior, fica inibido de mover a ação
anulatória do negócio jurídico, equiparando-se, destarte, ao maior, apesar de o ato ter sido celebrado sem a
assistência de seu representante legal.
De acordo com Sílvio Rodrigues, a regra do art. 180 do CC, para ser aplicada, não basta
que o menor tenha agido com dolo, urge ainda o erro escusável da outra parte. Tratando-se, por exemplo,
de menor com aparência infantil, a outra parte deve desconfiar. Nesse caso, o erro é inescusável, fruto da
negligência, viabilizando-se a anulação do negócio. Finalmente, o aludido dispositivo legal é inaplicável ao
menor de dezesseis anos, cujo negócio praticado sem a representação de seu representante legal reveste-
se de nulidade absoluta.
A INVALIDADE DO INSTRUMENTO
Dispõe o art. 183 do CC que: “A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico
sempre que este puder provar-se por outro meio”.
Instrumento é a forma escrita do negócio.
Nos negócios solenes, para os quais a lei exige forma especial, o instrumento funciona
como requisito de validade, de modo que a sua nulidade contamina também o conteúdo do ato. Exemplo: a
nulidade da escritura pública de venda de imóveis provoca a nulidade da própria compra e venda.
Nos negócios jurídicos informais, não solenes, o instrumento é apenas um meio de prova,
ao invés de atuar como requisito de validade.
Esses negócios “ad probationem tantum” são aqueles de forma livre, mas que as partes
deliberam realizar por escrito. Tal ocorre, por exemplo, com a compra e venda de bens móveis celebrada
por escritura pública. Em tal situação, a nulidade do instrumento não contamina a compra e venda, pois esta
pode ser comprovada por outro meio.
QUESTÕES
INTRODUÇÃO
CONCEITO
FUNDAMENTO DA PRESCRIÇÃO
O fundamento da prescrição é a paz social. A ordem pública, como salienta Câmara leal,
seria comprometida se a ação tivesse prazo indeterminado para ser ajuizada.
Se não existisse a prescrição, os documentos teriam que ser preservados por tempo
indeterminado. A propósito, salienta Washington de Barros Monteiro que, se não houvesse prescrição, o
adquirente seria obrigado a examinar não só o título de domínio do vendedor, como os de todos os
antecessores, através dos séculos, sem limites de tempo. Uma só falha que encontrasse na longa série de
transmissões bastaria para comprometer todas as alienações subseqüentes. Tal investigação, além de
impraticável, em razão da deficiência dos arquivos e registros, entraria imediatamente o comércio jurídico,
tolhendo a realização de quase todos os negócios”.
RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO
Renúncia da prescrição é o ato pelo qual o devedor abre mão do direito de argüi-la.
O Código proíbe a renúncia prévia, antecipada. Noutras palavras, não se pode renunciar a
um prazo prescricional ainda em curso.
Consumado, porém, esse prazo, a renúncia torna-se lícita. Assim, por exemplo, um prazo
prescricional de 10 (dez) anos só poderá ser renunciado após o decurso desse decênio.
No tocante à decadência, quando o prazo é fixado em lei, é nula a renúncia, seja ela prévia
ou consumada, por força do art. 209 do CC.
Tratando-se, porém, da decadência convencional, a renúncia é sempre admitida, pouco
importando se o prazo encontra-se em curso ou já consumado.
Na primeira, o prescribente declara por escrito que não pretende argüir a prescrição; na
segunda, ele pratica algum ato positivo, incompatível com o desejo de alegar a prescrição, como uma carta
reconhecendo a dívida ou um pedido de parcelamento do débito.
Convém ainda esclarecer que a renúncia, além de exigir uma prescrição consumada, não
pode prejudicar terceiros. Urge, portanto, que o renunciante seja solvente. Se for insolvente, a renúncia
poderá ser cancelada pelos credores, através da ação pauliana.
A prescrição e a decadência podem ser alegadas em qualquer grau de jurisdição (arts. 193
e 211).
O momento adequado para a argüição, contudo, é a contestação. Se o réu negligenciou,
argüindo-as posteriormente, arcará com as custas e despesas processuais, a partir do saneamento do
processo, além de perder os honorários advocatícios, não obstante tenha sido o vencedor da causa (art. 22
do CPC).
A prescrição e a decadência são exceções peremptórias, porque provocam a extinção do
processo, distinguindo-se das chamadas exceções dilatórias, como a incompetência ou suspeição, cujo
efeito é apenas suspender o andamento processual, retardando-lhe o julgamento.
Saliente-se, ainda, que a sentença que acolhe a prescrição ou decadência, ainda que
prolatada em processo cautelar, é considerada sentença de mérito, sujeitando-se à coisa julgada material,
por força do art. 269, IV, do CPC.
A prescrição e decadência podem ser argüidas em qualquer fase do processo, isto é, em
contestação, durante os debates na audiência, em razões ou contra-razões de apelação, na sustentação
oral de apelação e em embargos infringentes. Se, porém, não forem alegadas em nenhuma dessas
oportunidades, torna-se inadmissível a argüição da prescrição e da decadência convencional em sede de
recurso especial ou recurso extraordinário.
Com efeito, esses dois recursos só admitem a discussão de matérias prequestionadas, vale
dizer, que já tenham sido objeto de decisão anterior.
É possível o prequestionamento, pela via dos embargos declaratórios, pois a prescrição e a
decadência fixada em lei devem ser decretadas de ofício, caracterizando a omissão do acórdão que tenha
silenciado a respeito. O tribunal, ao julgar os embargos declaratórios, pode decretar a prescrição ou
decadência ou, então, afastá-las; nesse último caso, surge o interesse na interposição de recurso especial
ou recurso extraordinário.
Tratando-se de prescrição ou decadência não alegadas no processo de conhecimento,
nada obsta a sua argüição em embargos à execução, desde que o prazo decadencial tenha sido fixado por
lei; se o prazo decadencial for convencional, não se admite a sua alegação, após o trânsito em julgado da
sentença.
Finalmente, após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão, ainda é possível mover
ação rescisória, se a prescrição ou decadência não convencional não foram alegadas no processo de
conhecimento. De fato, a ação rescisória torna-se pertinente, porque, de acordo com a lei, a matéria deveria
ser conhecida de ofício, justificando-se a rescisória pela violação da lei, nos termos do art. 485, V, do CPC.
DISPOSIÇÕES GERAIS
Dispõe o art. 195 do CC que: “os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas, têm ação
contra os seus assistentes ou representantes legais, que deram causa à prescrição, ou não a alegarem
oportunamente”.
Essa ação só pode ser movida se houver dolo ou culpa, devendo esse dispositivo ser
interpretado conjuntamente com o art. 186 do CC.
Preceitua o art. 196 que: “a prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra
o seu sucessor”. Assim, a morte não suspende nem interrompe a prescrição, que continua a fluir
normalmente contra os herdeiros e legatários, a não ser quando presente uma das causas suspensivas,
previstas nos arts. 197 e 198 do CC. A expressão “sucessor” compreende os sucessores “causa mortis”,
isto é, herdeiros e legatários, e os sucessores “inter vivos”.
De acordo com o Código a prescrição deve ser invocada pela parte a quem aproveita (art.
193). Todavia, nada obsta seja argüida pelo Ministério Público, em nome do incapaz ou dos interesses que
tutela.
Como esclarece Washington de Barros Monteiro, no silêncio do Código, a melhor orientação
será no sentido de admitir a alegação pelo Ministério Público, conferindo-se-lhe assim todos os meios para
o bom desempenho de sua alta missão.
Por outro lado, a prescrição dos direitos principais provoca também a prescrição dos
acessórios, como os juros, a cláusula penal, a hipoteca, etc., mas a prescrição dos direitos acessórios não
atinge a principal.
Finalmente, de acordo com a hermenêutica, os prazos prescricionais em curso podem ser
aplicados ou reduzidos por lei superveniente, cuja aplicação é imediata, porquanto a prescrição em curso
não gera direito adquirido, mas apenas uma expectativa de direito. Não obstante, o art. 2028 das
Disposições Finais e Transitórias enveredou por outro caminho, salientando que: “serão os da lei anterior os
prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido
mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
Assim, os prazos em curso, que foram reduzidos, continuam regidos pelo Código de 1916,
desde que, aos 10 de janeiro de 2003, data da entrada em vigor do novo Código Civil, tenham transcorrido
mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
Os prazos em curso, que foram reduzidos, mas não tenham transcorrido mais da metade do
tempo estabelecido pela lei revogada, regem-se pelo novo Código Civil. Corre-se o risco, porém, de serem
imediatamente atingidos pela prescrição. Imagine-se, por exemplo, um prazo de 20 anos, que havia
transcorrido apenas 9 anos, tenha sido reduzido para 4 anos. Ao entrar em vigor o novo Código estaria
irremediavelmente atingido pela prescrição. Diante disso, alguns juristas sustentam que, nesse caso, o
prazo reduzido só começaria a fluir a partir de 10 de janeiro de 2003, data da entrada em vigor do Código.
Cremos não ser essa a melhor exegese, porque, em matéria de prescrição, a lei que reduz
ou amplia o prazo em curso tem aplicação imediata.
QUESTÕES
No impedimento, o prazo prescricional não chega a se iniciar. Tal ocorre, por exemplo,
quando alguém causa prejuízo a uma criança de três anos. Nesse caso, o prazo para propositura da ação
indenizatória só começará a fluir quando a vítima completar 16 anos de idade. De fato, conforme veremos
logo adiante, não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Nada obsta, porém, que o
representante legal mova a aludida ação, em nome do incapaz, não havendo necessidade de se aguardar
que este atinja os 16 anos de idade.
Na suspensão, o prazo prescricional em curso sofre uma parada temporária, continuando,
de onde havia parado, após a cessação do obstáculo.
Tal ocorre, por exemplo, quando morre o credor e o seu único herdeiro tem 8 anos de idade.
Nessa situação, se já havia transcorrido seis anos do prazo prescricional de dez, após o seu
herdeiro completar 16 anos, o prazo retoma o seu curso, restando apenas quatro anos para a consumação
da prescrição.
Finalmente, na interrupção, o prazo prescricional em curso reinicia-se por inteiro,
desconsiderando-se o período anteriormente transcorrido.
De acordo com o art. 202 do CC, a primeira causa interruptiva da prescrição é o despacho
do juiz que ordena a citação do devedor. Aludido despacho, porém, só tem o condão de interromper a
prescrição se o autor promover a citação nos dez dias subseqüentes a esse despacho (§2º do art. 219 do
CPC). Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias (§3º do art. 219
do CPC).
Concretizada a citação dentro desse prazo de 100 dias, a prescrição considerar-se-á
interrompida desde o despacho do juiz ordenando a citação.
Saliente-se, contudo, que esse despacho interrompe a prescrição ainda que tenha sido
ordenado por juiz incompetente, sob a condição, porém, de a citação operar-se validamente, pois a citação
nula impede a interrupção da prescrição, ainda que o despacho citatório haja sido ordenado por juiz
competente.
O art. 202, I, do Código Civil, ao referir-se ao despacho do Juiz como ato interruptivo da
prescrição, deve ser interpretado restritivamente, aplicando-se apenas às comarcas de vara única.
Tratando-se de comarca com mais de uma vara cível, a propositura da ação verifica-se com
a distribuição, e não com o despacho que ordena a citação (art. 263 do CPC).
Desse modo, continua em vigor o disposto no §1º do 219 do CPC: “a interrupção da
prescrição retroagirá à data da propositura da ação”.
Noutras palavras, efetuada a citação válida, dentro do prazo máximo de 100 dias, a
interrupção da prescrição retroage à data da distribuição da ação, nas comarcas de mais de uma vara, ou à
data do despacho judicial que a ordenou, nas comarcas de vara única.
Convém ainda esclarecer que, não se efetuando a citação dentro do prazo de 100 dias,
haver-se-á por não interrompida a prescrição, conforme preceitua o § 4º do art. 219 do CPC, a não ser que
a demora tenha sido por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, consoante Súmula 106 do STJ.
A citação válida feita em processo depois anulado ou então extinto sem julgamento do
mérito mantém o seu efeito interruptivo da prescrição, pois a propositura da ação demonstra
inequivocamente que o autor não está inerte. Frise-se, ainda, que a citação deve ser válida; se for nula, não
ocorrerá a interrupção da prescrição. Ressalte-se, contudo, que, nas ações movidas contra a Fazenda
Pública, a citação inicial não interrompe a prescrição quando, por qualquer motivo, o processo tenha sido
anulado, conforme dispõe o art. 7º do Decreto 20.910/32.
A segunda causa de interrupção da prescrição é o protesto judicial, ainda que ordenado por
juiz incompetente (art. 867 do CPC). Aludido protesto é feito por petição dirigida ao juiz, que, ao recebê-la,
ordena a intimação do devedor. Trata-se, a rigor, de uma simples notificação judicial.
Feita a intimação, os autos são entregues ao requerente, independentemente de traslado,
pois o protesto não admite defesa nem contraprotesto nos autos.
Nada obsta, porém, o contraprotesto do requerido em autos distintos.
A terceira causa de interrupção da prescrição é o protesto cambial dos títulos de crédito,
encontrando-se cancelada a Súmula 153 do STF que dispunha em sentido contrário.
A quarta causa é a apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso
de credores. Assim, a simples apresentação do crédito em inventário interrompe a prescrição, ainda que
não haja a efetiva habilitação. Nesse caso, a prescrição começa a correr a partir da decisão do juiz
remetendo o credor habilitante às vias ordinárias.
Igualmente, a prescrição é interrompida pela apresentação do crédito nos processos de
falência, insolvência civil e liquidação extrajudicial de instituições financeiras.
Também interrompe a prescrição qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor.
Esses atos judiciais são as medidas cautelares, as notificações e interpelações judiciais. A
notificação ou interpelação extrajudiciais não interrompem a prescrição, salvo quando se tratar de protesto
cambial. Finalmente, a última causa de interrupção da prescrição, consiste em qualquer ato inequívoco,
ainda que extrajudicial pelo qual o devedor reconhece o direito do credor. Exemplos: pagamento parcial do
débito; pedido de parcelamento; confissão de dívida etc. Enquanto nas demais hipóteses, a interrupção é
promovida pelo credor ou outro interessado, nesta, o próprio devedor a interrompe. Aludida causa de
interrupção assemelha-se à renúncia tácita, porque, em ambos, o devedor prática ato positivo revelando a
intenção de pagar o débito. A renúncia tácita, porém, ocorre após a consumação da prescrição, ao passo
que a interrupção pressupõe um prazo prescricional em curso.
Cumpre lembrar ainda que a interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez,
conforme preceitua o art. 202 do CC.
Cremos que esse dispositivo deva ser interpretado restritivamente, pois disse mais do que
quis. Se, por exemplo, após o protesto cambial, o credor resolve mover ação de execução contra o devedor,
a citação, evidentemente, irá interromper novamente a prescrição, não obstante a interrupção anterior
oriunda do sobredito protesto. A nosso ver, a regra de que a prescrição só pode ser interrompida uma única
vez é aplicável apenas às hipóteses dos incisos II a VI do art. 202 do CC, excluindo-se, portanto, a
interrupção oriunda da citação válida, sob pena de violação do princípio da universalidade da jurisdição.
Com efeito, se após a interrupção da prescrição por um daqueles atos, a citação para ação de cobrança ou
de execução não interrompesse a prescrição, o princípio de que nenhuma lesão ou ameaça de direito pode
ser subtraído da apreciação do Poder Judiciário seria atropelado. Ademais, a interpretação literal do
dispositivo legal representaria a consagração da proscrita figura da prescrição intercorrente. De nada
adiantaria o autor vencer a ação de cobrança, se na hora de mover o processo de execução, a citação para
o devedor efetuar o pagamento deixasse de funcionar como causa interruptiva, sob o pretexto de que já
havia sido interrompida uma vez por ocasião da citação concretizada no processo de conhecimento.
Por outro lado, a prescrição interrompida por atos extraprocessuais (art. 200, II, III, V e VI),
recomeça a correr da data do ato que a interrompeu. Assim, efetuado o protesto cambial, por exemplo, a
prescrição se interrompe e se inicia novamente, a partir desse protesto.
Tratando-se, porém, de interrupção por ato processual, vale dizer, a citação válida e
apresentação do crédito no processo de falência ou insolvência, a prescrição só começa a correr do último
ato do processo, que é o trânsito em julgado, conforme se depreende do parágrafo único do art. 202 do CC.
Força convir, portanto, que a prescrição intercorrente, aquela que corre durante o processo, não é admitida,
pois enquanto o processo estiver em andamento a prescrição não recomeça a correr. No Direito Penal, a
prescrição da pretensão punitiva flui normalmente durante o andamento do processo. No Direito Civil, ela
permanece interrompida, à exceção do processo de execução suspenso por falta de bens à penhora,
quando então operar-se-á a prescrição intercorrente dentro do prazo de cinco anos.
O prazo prescricional da fase de execução da ação é o mesmo da ação de conhecimento.
Se, por exemplo, a ação de cobrança prescreve em 10 anos. Após o trânsito em julgado da sentença, inicia-
se o prazo prescricional para a fase de execução, que também será de 10 anos.
Essa prescrição da execução no âmbito do Direito Civil, é conhecida como prescrição
superveniente.
Referentemente à Fazenda Pública, dispõe o art. 9º do Decreto nº 20.910/32, que, uma vez
interrompida a prescrição, ela recomeça a correr pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu
ou do último ato do respectivo processo.
As ações contra a Fazenda Pública prescrevem em cinco anos. Em havendo a interrupção
da prescrição, esse prazo é reduzido pela metade, passando a ser de dois anos e meio. Em princípio,
portanto, o prazo para a ação de conhecimento é de cinco anos. E, após obter a sentença que lhe é
favorável, o credor dispõe de dois anos e meio para mover a respectiva fase de execução em face da
Fazenda Pública. Trata-se de uma exceção à regra de que a fase de execução tem o mesmo prazo
prescricional da ação de conhecimento.
Visando amenizar um pouco essa benevolência da lei em relação à Fazenda Pública, o
Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 383, cujo teor é o seguinte: “A prescrição em favor da Fazenda
Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém
de 5 (cinco) anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo”.
Assim, se a prescrição for interrompida na segunda metade do prazo de cinco anos, a fase
de execução contra a Fazenda Pública prescreverá em dois anos e meio. Se, porém, a interrupção se der
durante a primeira metade do prazo de cinco anos, a fase de execução prescreverá no prazo remanescente
de cinco anos, superior, portanto, aos dois anos e meio.
Se, por exemplo, no primeiro ano do prazo, o credor moveu a ação de indenização contra a
Fazenda Pública, após o trânsito em julgado da sentença, ainda terá quatro anos para mover a fase de
execução.
Quanto à legitimidade para promover a interrupção da prescrição, o art. 203 do CC a
confere a qualquer interessado. Exemplos: credor; credor do credor; fiador do credor etc.
Por fim, a interrupção da prescrição, em regra, é incomunicável, não beneficia os outros
credores, nem prejudica os demais devedores. Essa regra, porém, comporta as seguintes exceções:
a. na solidariedade ativa, a interrupção promovida por um dos credores beneficia os demais
credores (§ 1° do art. 204);
b. na solidariedade passiva, a interrupção operada contra um dos devedores estende-se
aos demais devedores (§ 1º do art. 204);
c. a interrupção efetuada contra o devedor principal estende-se ao fiador (§ 3º do art. 204).
Trata-se da aplicação da máxima: o acessório segue o principal. A interrupção comunica-se ao fiador,
independentemente de este vir a ser comunicado;
d. na obrigação indivisível, a interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor
solidário prejudica os outros herdeiros ou devedores. Se, porém, a obrigação for solidária, a interrupção
contra um dos herdeiros do devedor solidário não se comunica aos outros herdeiros ou devedores (§ 1º do
art. 204).
PRAZOS PRESCRICIONAIS
Dispõe o art. 205 do CC que: “a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja
fixado prazo menor”.
Assim, tanto as ações pessoais quanto as ações reais, em regra, prescrevem em dez anos.
Ações pessoais são as que visam obter o cumprimento de uma obrigação. Exemplo: ação
de cobrança.
Ações reais são as que se fundam num direito real. Dentre as ações reais, destacam-se a
ação reivindicatória, que é a proposta pelo proprietário, visando a recuperação da posse. A ação
reivindicatória é imprescritível, porque fundamenta-se no direito de propriedade, que é perpétuo.
Igualmente, outras ações em que o fundamento seja o direito de propriedade, como a ação de imissão de
posse e a ação declaratória.
Essas ações reais, baseadas no direito de propriedade, podem ser propostas a qualquer
tempo, enquanto não ocorrer a usucapião.
Outras ações reais, fundadas, por exemplo, no usufruto, uso, habitação etc, no silêncio,
prescrevem em dez anos.
Quanto às ações possessórias, o prazo prescricional é de dez anos, quer se encare a posse
como direito real, quer como direito pessoal.
Finalmente, o art. 206 do CC elenca os prazos prescricionais especiais. Vejamos alguns:
a. prescreve em um ano a pretensão do segurado contra o segurador ou deste contra
aquele;
b. prescreve em dois anos a pretensão para haver prestação alimentar;
c. prescreve em três anos a ação de cobrança de aluguéis, a ação de ressarcimento de
enriquecimento sem causa, a ação de reparação civil e a ação para obter o valor do seguro de
responsabilidade civil obrigatório;
d. prescreve em cinco anos a ação de cobrança de dívidas líquidas constante de
instrumento público ou particular; e a ação de cobrança de honorários dos profissionais liberais e
professores; outrossim, a ação para o vencedor haver do vencido o que despendeu em juízo.
QUESTÕES