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Paradigmas da Inserção

Internacional do Brasil: A
Política Externa dos EUA

Documento de trabalho
Segurança

Prof. Cristina Soreanu Pecequilo


12 de setembro de 2003
Paradigmas da Inserção Internacional do
Brasil: A Política Externa dos EUA
Documento de Trabalho
Segurança

Prof. Cristina Soreanu Pecequilo


12 de setembro de 2003

Aqui, pretendo fazer uma breve reflexão sobre como os Estados Unidos e sua política
externa impactam as Relações Internacionais e o Brasil.

O
descongelamento das Relações
mundo hoje parece ser menos
Internacionais. Entramos numa outra fase
ordenado do que em 1989 no pós-
que se chama “O choque das civilizações”,
Guerra Fria. O que estamos
sustentada na teoria do Huntington sobre
assistindo é uma certa desordem
fundamentalismo e desordem.
internacional, e isso a partir de uma nova
transformação na política externa Posteriormente esta tese acabou caindo
americana. E essa transformação tem também e entramos, a partir de 1998, no
efeitos diretos sobre o sistema que eu vou chamar de “Segundo século
internacional e obviamente sobre a americano” e onde eu vou focar as minhas
política externa brasileira. análises. Focar por quê? Porque tínhamos
a impressão de que novamente teria
Estamos num sistema internacional que
havido um ajuste. Não seria o ajuste da
foi definido como o sistema internacional
nova ordem mundial, não seria a
do pós-Guerra Fria. Atravessamos
homogeneização do mundo segundo os
diversas fases nesse sistema, começando
princípios da democracia de liberdade,
com um otimismo exacerbado, o do fim
mas um cenário que eu defino como de
da História. Em 1989, acreditávamos –
“Estabilidade Hegemônica”. Então, nem
pelo menos o discurso fazia acreditar- que
tudo estaria bem, mas pelo menos tudo
existiria uma transformação real no
estaria mais ou menos estável. Vocês
mundo e que essa transformação estaria
sabem que em Relações Internacionais
caminhando no sentido da consolidação
estabilidade não necessariamente significa
do livre mercado e da democracia. Essa foi
paz, e falar em paz é um conceito mais
a tese do Francis Fukuyama, de que o
calcado no idealismo, numa visão utópica
mundo caminharia para o fim da História,
do mundo. Então, o que estamos vivendo
porque tudo estaria tranqüilo. Haveria o
a partir de 1998 é a idéia de Estabilidade
nascimento de uma nova ordem mundial
Hegemônica.
democrática e liberal e isso levaria todos
nós a uma nova perspectiva. O que é essa Estabilidade Hegemônica? É
um sistema internacional estável e
Posteriormente, essa visão foi caindo
relativamente pacífico. Pacífico,
porque percebemos que o mundo não era
novamente, não no sentido da paz
um mundo pacífico. Guerras continuaram
universal, mas no sentido do
acontecendo e, na verdade, não somente
estabelecimento de alguns padrões de
elas continuaram acontecendo como
confiabilidade no sistema internacional: as
houve uma liberação, um

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coisas caminham equilibradamente, elas própria se contém, não exercendo poder


têm um certo padrão, um certo além daquilo que necessita e de maneira
funcionamento. Ninguém está totalmente agressiva. Os EUA teriam esse papel
satisfeito, mas também ninguém está construtivo, seriam realmente a única
plenamente insatisfeito. É o melhor dos superpotência restante e manteriam sua
mundos e o pior dos mundos ao mesmo tradição de liderança internacional liberal.
tempo. Eles conduziriam os processos de uma
maneira equilibrada.
Como poderíamos definir esse cenário a
partir de 1998, caracterizando o segundo Porém, qual era a realidade do mundo?
século americano? Qual a clareza? Houve Esta era a realidade do mundo? Esta não
um cenário de manutenção da ordem do era a realidade do mundo, principalmente
pós-45, ou seja, se mantiveram as para os países que a gente chama de
organizações internacionais periféricos. O Brasil pode ser definido
governamentais surgidas naquele período, como um grande país periférico, segundo
e também as principais ordens de poder Samuel Pinheiro Guimarães, ou ele pode
no mundo: existem os EUA em cima, e o ser definido também como um país em
que desapareceu foi a URSS, mas, no desenvolvimento, ou como um país
geral, houve uma grande estabilidade. As emergente, ou um país do Terceiro
negociações, tanto no campo comercial Mundo, depende do ponto de vista e da
como no político assumiam uma certa ideologia. Se você é de uma visão de
seqüência, tinham um certo esquerda, a tendência é falar num grande
procedimento. Porém, vimos país periférico; se é uma visão de direita,
recentemente na questão de Cancun que então fala-se de país em desenvolvimento.
isto hoje é um pouco ilusório, dizer que Depende muito do ponto de vista, mas de
existe uma troca, um ideal. qualquer forma, qual é a posição do Brasil
na ordem internacional? É uma posição
Havia esta idéia das negociações estáveis,
subordinada. E como o país está inserido
uma globalização sendo vista como um
nesta posição subordinada? Esta posição
fenômeno que traz prosperidade e
vai mostrar que a estabilidade, o discurso
crescimento e as crises e guerras como
de prosperidade que se colocava no
eventos naturais do sistema internacional,
núcleo do sistema, era um discurso irreal.
mas ao mesmo tempo, eventos pontuais.
Isto não existia na prática e havia, sim, um
Seriam eventos localizados e que, não
aumento da disparidade internacional.
necessariamente, tomariam conta de todo
Havia também uma conseqüência desta
o sistema internacional. Seriam eventos
disparidade que era o aumento da
digamos “fora da ordem”, mas o grande
violência, uma regressão dos fluxos
núcleo duro, o núcleo duro das grandes
internacionais, ou seja, o mundo, na
potências, dos grandes relacionamentos,
verdade, não estava andando para frente:
estaria relativamente pacificado, não
ou ele estava estagnado ou, na pior das
haveria mais guerras mundiais como a
hipóteses, ele estava andando para trás. O
Primeira e a Segunda e mesmo com uma
que havia? Havia uma continuidade da
Guerra Fria. Haveria, então, estabilidade.
transição, havia a manutenção do
O sistema internacional caminharia no reordenamento de poder e uma crescente
sentido da cooperação e da instabilidade e disparidade.
multilateralização e nesse contexto a
Vejam como o mundo oscila. Parte-se de
hegemonia americana manteria seu papel
uma posição de total otimismo para uma
construtivo. O que significa um papel
visão de total pessimismo, para depois
construtivo de uma potência
uma visão de equilíbrio, para cair de novo
internacional, de uma potência
numa visão de pessimismo. Esta visão de
hegemônica? Um papel em que ela
pessimismo ainda será piorada com

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alguns fenômenos, como o terrorismo, a só ganhou porque a Suprema Corte


violência, a pobreza. É preciso cair na Federal impediu que a recontagem dos
realidade e perceber o que realmente votos eleitorais na Flórida continuasse.
acontece. Para piorar o cenário, teremos o Depois até alguns veículos de
seguinte problema: a questão da comunicação fizeram contagens paralelas
instabilidade e os EUA vão piorar ainda revelando que talvez Gore tivesse
mais a situação porque eles vão passar por ganhado.
uma transformação da sua hegemonia. A
No entanto, Bush vai assumir sem
hegemonia americana vai se transformar a
qualquer legitimidade interna ou externa.
partir do ano 2000: a América de Bush.
Interna, por não ter sido realmente um
O que é a América de Bush? A América de presidente que contou com o apoio da
Bush vai ser um processo de construção população e sem legitimidade externa por
que antecede e muito ao 11 de setembro. não contar com o apoio internacional. Era
Desde a campanha eleitoral de 2000, visto com muita desconfiança,
quando o presidente George Bush principalmente como eu havia dito a
enfrentou o candidato democrata Al Gore, vocês, porque já durante a sua campanha
os EUA já propunham uma agenda ele colocara a idéia de uma reformulação
diferenciada para as suas Relações completa da hegemonia americana.
Internacionais. E isso com impactos Segundo George Bush, os EUA estavam
diretos sobre todo o mundo, não somente muito condescendentes com seus
sobre a América Latina e o Brasil. Quais parceiros, permitindo um avanço desses
eram essas propostas? parceiros no sistema internacional e os
EUA estavam perdendo a força. Esta
Em primeiro lugar, a eleição foi muito
agenda e tática unilateral vem desde a
conturbada e constrangedora, senão
campanha, é uma visão extremamente
ridícula. A CNN mostrava durante todo
conservadora, chamada de visão
dia, as pessoas olhando folhas de papel,
conservadora dos Falcões. A campanha foi
vendo se o buraquinho do voto estava
baseada nessa questão da moral, da
mais para a esquerda ou mais para a
ideologia e da recuperação na América.
direita. Então se conclui que o futuro foi
Recuperação no sentido político -
decidido por alguns pontilhados de papel.
estratégico, mas também no sentido
E esses pontilhados de papel levaram
moral. Bill Clinton havia deixado a
Bush a ter uma vitória somente no colégio
presidência depois de ter sido quase
eleitoral. Quem ganhou entre a população
colocado para fora do poder por causa do
foi o candidato democrata Al Gore e
escândalo Mônica Lewinski. Então, surge
venceu por mais de 500 mil votos, mas
um presidente que não somente propõe
para o Colégio Eleitoral, quem ganhou foi
uma nova força externa para a América,
o Bush por cerca de 4 votos.
mas também uma nova força interna, uma
Nos EUA as eleições são indiretas para a recuperação do que é o valor americano,
presidência. Há uma votação popular que ou seja, família, identidade.
ocorre nos Estados, mas, posteriormente,
Assim, como ele conduzirá a hegemonia?
depois de computados, estes votos
Ele a conduzirá com força e agressividade,
indicam quem foi o vencedor naquele
abandonando o multilateralismo e
Estado. Assim, o vencedor recebe todos os
começando a expandir poder. Surge uma
votos deste Estado no Colégio Eleitoral,
questão que é o desequilíbrio entre o hard
correspondente a um certo número de
e o soft power. O hard power é o poder
delegados estabelecidos segundo a
duro, o poder militar tradicional e o soft
população de cada Estado. Foi com esta
power é o poder das idéias, o poder do
votação no Colégio Eleitoral que Bush
convencimento. Como é que os EUA
conseguiu realmente chegar ao poder. E
sempre dominaram o mundo? Eles davam

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porrada e vinham com um discurso legal, ser que daqui 1 ou 2 anos eu venha aqui
assim: “Olha, nós somos todos amigos, fazer um outro seminário para vocês, ou
nós podemos trabalhar juntos, nós seis meses, e eu fale: “Lembra quando eu
podemos ter uma visão conjunta do estive aqui em 2003 em setembro, eu falei
mundo”. Ou seja, fazia-se uso da frase que não era uma época nova, mas me
clássica de um presidente americano enganei”. Isto é, pode ser que eu até mude
Theodore Roosevelt: “speak softly and de idéia, mas por enquanto eu estou
carry a stick”. mantendo que a divisão é em 1998.
Então, por que é necessário demonstrar Portanto, tendo havido um ataque só a
força? Todo mundo sabe que você tem símbolos de poder, o maior impacto
força. Ao invés de você dominar com a realmente foi interno. Foi a perda da
força, que é o hard power, domine com normalidade, a descoberta da
convencimento, domine com ideologia, vulnerabilidade e do medo e a descoberta
domine com a negociação, que foi o que os de que no fundo, a superpotência restante,
Estados Unidos sempre fizeram bem. Mas mesmo gastando tudo o que gastava com
esse grupo buscou um novo caminho para defesa, era incapaz de se defender
a hegemonia americana: uma ênfase no enquanto era atacada.
hard power, deixando em segundo plano
Num primeiro momento, o que vai
este processo de convencimento e
acontecer? Todo mundo se une em torno
ideologia.
do Bush. Então, se vocês forem pensar,
Porém, surge o 11/09/2001, que foi um realmente, vão descobrir o seguinte:
acontecimento inesperado e depois de 11 de setembro o Bush ganhou
surpreendente. Quem esperava que a um impulso inacreditável, porque ele não
única superpotência do mundo fosse ser tinha legitimidade interna e ganhou, ele
realmente atacada em seu território não tinha legitimidade externa e ganhou.
continental, depois de tantos anos de Todo mundo que era contra, ou pelo
proteção? Ninguém esperava. E ainda menos que era indiferente ao George Bush
nesse momento em que eles tinham o acabou se unindo. Os EUA assumiram o
maior poder do mundo? Muito papel de vítimas e de solução das
complicado e para eles foi algo Relações Internacionais.
extremamente profundo. Veja, em termos
Assim, temos realmente uma nova
de poder, 11/09 não afetou absolutamente
perspectiva com relação aos EUA. A
nada, porque simplesmente não atingiu
expectativa do sistema internacional
nada de prático, apenas símbolos do
também foi a seguinte: “Foi uma lição, os
poder americano. No fundo, 11/09, foi um
EUA aprenderam a sua lição e vão parar
“espetáculo”. Tanto que se vocês forem
com suas políticas unilaterais e vão buscar
perceber, voltando para aquela Segunda
um novo curso de atuação”. Houve isso
transparência que eu coloquei, eu não fiz
realmente? Houve um certo momento no
uma subdivisão pós 11 de setembro. A
qual o comando da política externa de
minha divisão continua em 1998. Por que
Bush caiu para um grupo mais liberal que
isso? Porque, no fundo, 11 de setembro
era o grupo liderado pelo Colin Powell.
não mudou nada. Ele pode ter acelerado
Mas logo o grupo de Bush, que é o grupo
as tendências de multipolarização, ele
de Bush, Dick Cheney e Donald
acelerou essa política externa opressiva do
Rumsfeld1 reassumiu a linha de frente. Ou
Bush, mas, no fundo, a estrutura de poder
seja, ouve uma expectativa de volta do
mundial não mudou, as negociações entre
os países não mudaram, não houve
nenhuma concessão: o sistema
internacional continuou exatamente como 1 Colin Powell é Secretário de Estado, Donald
Rumsfeld Secretário de Defesa, Dick Cheney é
estava. Por isso eu não fiz a divisão. Pode
Vice-Presidente americano

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multilateralismo, uma breve coalizão algo muito importante. Como mencionei,


multilateral, mas logo houve a retomada ela vai alterar completamente a visão
da ofensiva conservadora. Nesse sentido, americana de estratégia, e isso terá
não só o Brasil, mas vários outros países impactos sobre todos nós. Ela foi lançada
que tinham alianças com os EUA na época pós-11/09 representando, como se pode
invocaram os termos de proteção. dizer, o fim da América inviolável. Porém,
como eu disse para vocês, ela não é
O que isso significa? São cláusulas que
produto dos atentados, mas um produto
indicam, quando você está na OTAN e no
de longa data dos conservadores. Eu diria
TIAR (Tratado do Rio ou Interamericano
que a Doutrina Bush vem sendo
de Assistência Recíproca) que são alianças
formulada desde 1980 com o presidente
de segurança coletiva, que quando um
Reagan. No fundo, vários nomes que
membro dessa aliança é atacado, ele tem
estavam na presidência Reagan também
sua proteção garantida pelos outros
vão estar aqui trabalhando com Bush e
membros. Então todos os membros dessas
serão responsáveis por esta Doutrina.
alianças das quais os EUA faziam parte
declararam a sua solidariedade. O Brasil Bom, o que fala a doutrina Bush? Ela
declarou a sua solidariedade aos EUA e se propõe uma reformulação profunda da
comprometeu a fazer parte da briga estratégia americana, uma hegemonia
contra o terrorismo. plena e avanço do unilateralismo. O
grande ponto é a questão da prevenção,
Porém, os conservadores, com o início da
que eles definem em inglês como
campanha no Afeganistão deixaram de
preventive and preemptive actions.
lado esse discurso multilateral, voltaram
Vamos ter então da contenção à
ao discurso de força e, além de tudo, em
prevenção. O que isso significa? Significa
janeiro de 2002, o George Bush fez um
que os EUA de fato abandonaram aquela
pronunciamento no qual ele falou sobre o
estratégia do soft power, da negociação
“Eixo do Mal”.
prévia, e se colocam no direito de atirar
O que é esse “Eixo do Mal?” O “Eixo do antes de perguntar. Vamos ter uma
Mal”, eu diria para vocês é o primeiro definição de que os EUA se anteciparão
capítulo da Doutrina Bush que a gente vai aos perigos e aos ataques a seus interesses
ver a seguir, que é uma Doutrina que no sistema internacional. Vamos ter o que
muda completamente a visão de se chama de intervenções preventivas. A
segurança americana. O “Eixo do Mal” guerra no Iraque é a primeira dessas
indica 3 países e (e mais 3 depois) como intervenções preventivas, mas ela abre,
inimigos dos EUA. Os 3 primeiros known por exemplo, possibilidade para que se
enemies: Irã, Iraque e Coréia do Norte. ataque também aqui, o Brasil. Por que
Depois ele agregou também Líbia, Síria e não?
Cuba. Mas os 3 primeiros são Irã, Iraque e
Os EUA não poderiam justificar uma
Coréia do Norte. No caso do Iraque (se
intervenção na Amazônia por causa da
fala muito hoje no Iraque), Saddam
questão das Farc na Colômbia? As tropas
Hussein já era um velho inimigo
americanas estão em parte na Colômbia,
americano. Os EUA já tinham desde a
será que não poderia justificar isso? “Não,
campanha do Bush a intenção de atacar o
de forma alguma, não existe nenhuma
Iraque, e se alguém falar para vocês que
possibilidade para isso”, mas todo mundo
isso não é verdade, discordem. Embora ele
fica com a pulga atrás da orelha. Quando
não fosse atacar na hora, talvez ele fosse
se abre este precedente de dizer que
atacar um pouquinho depois, com ou sem
qualquer coisa que ameace seu interesse
11/09.
nacional será um objeto de ataque, tudo
Depois do Eixo do Mal, a Doutrina Bush fica muito mais difícil para se administrar
foi lançada em Setembro de 2002 e vai ser no sistema internacional. Vamos ter um

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novo temor de todas as nações. Eu acho defendiam uma negociação através da


que um outro grande problema foi a ONU e, inclusive, os americanos
reavaliação da doutrina nuclear protestaram diretamente contra a posição
americana. brasileira. O Brasil também se recusou a
expulsar diplomatas iraquianos Brasil, o
Essa reavaliação na doutrina nuclear
que também gerou um certo stress. Tanto
americana considera possível que armas
que se vocês forem lembrar, em junho
nucleares sejam utilizadas contra
desse ano, houve uma segunda reunião de
quaisquer ameaças que se coloquem para
cúpula entre os presidentes Lula e Bush
os EUA. Podem ser armas pequenas,
para tentar aparar arestas, porque a
como disse o próprio Donald Rumsfeld,
guerra no Iraque foi realmente algo que
mas, entre uma arma nuclear pequena e
distanciou as duas diplomacias e estava
uma grande, não tem muita diferença,
colocando em risco, inclusive, as
porque a questão não é o alcance da arma,
negociações da ALCA. As negociações da
mas efetivamente o tipo de arma que você
ALCA são agora basicamente centradas
está usando. E quando a grande potência
(na verdade não só agora, mas sempre
se coloca isso é que realmente as coisas
foram centradas nos EUA e Brasil), e essa
não estão andando bem. Os EUA vão ser,
questão vai dominar a agenda. A partir do
então, um país que vai ter essa discussão
momento em que não havia um bom
da intervenção preventiva, eles vão
contato entre EUA e Brasil, a agenda
trabalhar por essa superioridade militar
tendia a se tornar mais difícil de ser
incondicional, eles vão lutar contra todas
administrada.
essas ameaças tradicionais e
transnacionais. Apesar do núcleo estar em Apesar disso, a intervenção no Iraque foi
paz, a periferia vai estar povoada de realizada e sustentada no argumento
atraso e guerras. Temos Estados americano de que o interesse nacional
terroristas e autoritários, e esses Estados americano e a sua segurança doméstica
estão trabalhando contra a estabilidade estavam sendo ameaçados. Inclusive o
mundial. próprio Rumsfeld disse: “quando a
segurança doméstica americana é
No texto da Doutrina, a ênfase recai sobre
ameaçada, todo mundo é ameaçado.
os elementos de hard power e poucos de
Então se vocês não estão percebendo a
soft power, que lidam com as questões
ameaça, é porque vocês estão percebendo
das alianças e coalizões flexíveis,
errado, porque a ameaça existe, e ela é
economia e ajuda humanitária e, por fim,
real”. Desta forma, essa ameaça foi usada
a questão da segurança doméstica. Porém,
como justificativa. Contudo, vocês sabem
o que é importante realmente? O
que hoje tem se descoberto que inúmeras
importante realmente é o poder militar e
provas sobre as Armas de Destruição em
as suas prioridades associadas.
Massa (ADMs) apresentadas pelos
Com o Iraque, tivermos a primeira guerra Estados Unidos e Grã-Bretanha não
preventiva, uma aplicação prática da existiam (foram forjadas) ou exageradas,
Doutrina Bush, e todo o mundo se colocando em xeque Blair e Bush e esta
posicionou contra isso na ONU e fora noção de ameaça. O cientista britânico
dela. No caso do relacionamento Brasil- responsável por estes relatórios até se
EUA, foi um fundamento de stress matou outro dia. Realmente, a campanha
bastante grande, porque o Brasil ficou ao para justificar a guerra foi muito mal
lado de outras potências como China, construída.
Rússia e Alemanha, que defendiam a
Independentemente disso, a guerra foi
postura multilateral (a união destas
levada a cabo no que se definiu como
potências indicou a formação de ensaios
Coalizão da Vontade, liderada pela dupla
de coalizões anti-hegemônicas). Eles
anglo-americana e demais aliados, com

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Donald Rumsfeld a todo momento Européia também – procurando


dizendo que essa aliança era muito mais adversários menores. Então, jogam bomba
importante do que aquela estabelecida na no Iraque para mostrar para o europeu
primeira guerra do Iraque, porque dessa que ele é pouco importante, da mesma
vez nós tínhamos 35 países, então, maneira que o Rumsfeld falou que a
numericamente era mais gente. Agora, Europa era um continente velho fazendo
você comparar China com Estônia (nada referência à Alemanha, França que eram
contra Estônia), é complicado. A contra a guerra. A Europa nova, legal,
importância da Estônia é nula perante a amiga dos americanos é a do Leste
China. Foi realmente uma Coalizão da Europeu: Bulgária, Hungria, e ele falou
Vontade mas, enfim, nada muito relevante para a Alemanha: “Vou tirar as tropas da
e que não teria andado sem a vontade OTAN daqui e vou levar para lá”. E a
americana. Finalmente a gente tem que Alemanha falou: “Ótimo, just do it”. É a
ver que essa negociação ultrapassou “visão Nike das Relações Internacionais”.
completamente o Conselho de Segurança
Complementando e encerrando este
da ONU, contou com a oposição de
debate, devemos retomar como isso
França, Rússia, Alemanha e China, como
influencia o sistema internacional,
eu mencionei, e com a mobilização da
analisando a questão específica de Cancun
opinião pública mundial. A opinião
e da própria decadência do Império
pública mundial vocês sabem que não
Americano. Começando por este tema,
manda nada. Dentro de casa talvez a
podemos nos perguntar se estas novas
opinião pública interna seja considerada,
atitudes americanas representarão o fim
mas, no sistema internacional, o Bush não
de sua dominação. Talvez. Como eu disse
está preocupado com o que a gente acha
para vocês, o sistema oscila demais e
dele. Sinceramente, ele vai estar
agora nós estamos novamente numa fase
preocupado com o que o americano que
que eu chamei de regressão. Às vezes eu
vai votar (ou não) nele no ano que vem
vou dar palestras e falo inúmeras vezes a
pensa dele.
palavra “preocupada”. Por que isso? Falta
Temos muito medo de próximas guerras, do que dizer? Não necessariamente, mas
todos temos medo de sermos a próxima porque, de fato, existe um cenário
vítima a aí a gente tem que questionar se internacional que todos vocês como
essa guerra foi realmente uma futuros profissionais de Relações
demonstração de força ou de fraqueza. Internacionais vão ter que enfrentar: um
Não sei se vocês já conhecem, tem um cenário relativamente de caos.
livro novo que saiu do Emanuel Todd,
É um cenário de caos para o Brasil, é um
“Após o império”. É um livro muito
cenário de caos para os EUA, é um cenário
interessante e ele diz que esse tipo de
de caos para a Europa. Essa impressão
guerra com o Iraque e com os países
que a gente tem que está tudo bem caiu
menores, inclusive o Afeganistão – eu
também. Quem acorda hoje de manhã e
tendo a concordar com ele – é, não só
fala: “nossa, o mundo está bom, estou
parte de um projeto estratégico de
feliz, minha conta bancária está legal, o
dominação da Eurásia (continente
emprego está garantido ou o Brasil está
europeu e asiático), mas um projeto que
indo bem” é exceção. Na verdade, quase
faz o seguinte, bate no pequeno por não
ninguém acorda e fala isso, a não ser que
poder enfrentar o forte. À medida que os
você seja muito otimista mesmo (então
EUA estão se tornando cada vez mais
você está na parte do copo meio cheio, e
fracos diante, por exemplo, de uma União
não do meio vazio). Mas eu diria para
Européia, que se realmente juntar o seu
vocês que a gente está num momento
poder vai poder confrontar os EUA, eles
bastante difícil e vai caber a vocês também
acabam – e eles dependem da União
saber lidar com isso. Eu acho que o

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momento hoje é bastante conturbado de países participem da intervenção no


instabilidade e regressão, volatilidade e Iraque? O que isso passa para vocês?
incertezas e que cada vez mais a gente vê Passa incerteza. Em um mundo no qual a
que existe uma ausência de ajustes potência hegemônica quebra regras e
corretivos na política e na economia, depois decide retomá-las quando está em
dando sinais desta “desordem dificuldades não existe segurança para
hegemônica”. E, aqui, eu já entro com um ninguém.
pouquinho de Cancun.
Como eu disse, a condição do Brasil é uma
A expectativa que você tem num sistema condição subordinada. Eu não digo isso
internacional que diz que as regras são com uma conotação negativa. Mas vocês
multilaterais, que a regra é a de igualdade, precisam ver para onde nós vamos
seria que essas negociações fossem efetivamente. Nesse cenário, ninguém vai,
realmente assim. Só que você não está sinceramente, para lugar nenhum. O que a
vendo isso. Muitas propostas foram gente pode fazer, e tem sido feito, é
colocadas na mesa, nenhuma dos países construir grupos, é o que eu chamei aqui
subdesenvolvidos foi aceita e a reunião de ensaios de coalizões anti-hegemônicas.
terminou em impasse. Do ponto de vista Então, procurar quem está próximo e
brasileiro, acho que a reunião foi negociar. Mercosul negocia com a UE, e aí
extremamente positiva. Por quê? Porque pode vir a pergunta: “mas veja bem, eles
não aconteceu nada? Por um lado sim. não se juntaram contra a gente, EUA e UE
Veja bem, aí eu estou na fase de defender na OMC?”. Sim, eles se juntaram e “sobra
a tese melhor não acontecer nada do que para nós”. É difícil mesmo e é diante
acontecer alguma coisa que é pior para destas dificuldades que vocês vão ter que
nós. O que foi interessante foi essa encontrar as respostas.
capacidade da diplomacia brasileira de
Realmente existe essa contradição no
articular esse grupo do G21 e de estar
mundo. O mundo, eu diria para vocês,
bloqueando essas negociações. Mas será
caminha para uma multipolaridade.
que isso indica que o sistema está indo
Estamos em um mundo de decadência do
bem? Muito pelo contrário, indica que o
império americano, basta olhar os sinais.
sistema está, realmente, como eu coloco
Mas vocês podem dizer, “Ah, todo mundo
aqui para vocês, passando por uma fase
fala isso a 20, 30 anos”. Ótimo, mais 20 e
de regressão, uma fase de volatilidade.
30 de império. Eu não estou falando que
Os próprios americanos, e porque não vocês vão acordar amanhã e vão falar
dizer os europeus, o núcleo ocidental, assim, “Ah, os EUA desapareceram”. Não,
estão desconstruindo o sistema que eles vocês sabem que não é assim. São
construíram. Então, OIGs são processos de longa duração. Agora, que
desrespeitadas, parcerias são eles estão cavando o próprio túmulo, eles
desrespeitadas, então qual é a confiança estão. O que a gente precisa ver é o
que você vai ter numa OMC, ou numa seguinte: existe mesmo essa aceleração à
ONU, ou em qualquer outra organização multipolaridade. Há alguns anos atrás eu
de que ela vai funcionar? No Iraque não dizia que isso seria em 50 anos, hoje eu
funcionou, em Cancun não funcionou. digo 15, 20. Tudo bem, daqui a 15, 20 anos
vocês nem vão lembrar mesmo que eu
O que passa para o sistema internacional,
estive aqui. Então, melhor ainda, vocês
quando o George Bush, depois de falar
não vão poder falar que eu errei.
que a ONU não teria nenhuma
participação no Iraque vem mais de seis Existe de uma maneira geral essa
meses depois dizer que sente muito por tendência à multipolaridade e, no fundo, a
tudo, pelo atentado contra a ONU, gente tem sentimentos contraditórios
pedindo que esta organização e outros diante disso. Por um lado a gente acha até

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bom, “bem feito, eles vão cair, eles não quem puder ou o mundo no qual um país
vão estar mais liderando o mundo”. que tem uma agenda definida, um
Contudo, depois que eles caírem, quem interesse nacional claro se posiciona bem.
vem? O que sobra para o Brasil? Quem vai É isso que a gente tem que esperar para o
estar ocupando esse vácuo de poder? Nós Brasil e trabalhar para isso
vamos entrar numa fase de nova
hegemonia ou de novas guerras? Eu diria
para vocês que sempre onde existe vácuo,
existem novas guerras. No extremo, seja o
Referência
Brasil, seja qualquer país do mundo,
diante dessa potência hegemônica O texto aqui publicado é fruto de palestra
declinante, nós vamos buscar o que? Nós proferida pela Professora Cristina Soreanu
mesmos vamos buscar a prevenção e a Pecequilo durante o colóquio
defesa dos nossos interesses, e aí a gente “Paradigmas da Inserção Internacional do
vai tentar lidar com isso. Os EUA vão ter Brasil”, por ocasião da Semana de
que lidar também com a sua Relações Internacionais de 2003,
superextensão imperial, seus promovida pelo Departamento de
desequilíbrios externos e internos como os Relações Internacionais da PUC-Minas,
déficits. em Setembro de 2003. A Professora
Cristina Soreanu Pecequilo é estudiosa da
O que acontece no mundo de hoje? É um
política externa dos EUA e publicou os
mundo incerto, o Brasil procura o seu
livros “A Política Externa dos Estados
lugar nesse mundo. Existem
Unidos: continuidade ou mudança?”,
oportunidades? Existem. Eu gostaria que
editado pela Editora da Universidade
vocês, à medida que forem analisar a
Federal do Rio Grande do Sul, e “Estados
ALCA, a OMC, que são realmente as
Unidos: hegemonia e liderança na
coisas na pauta, que vocês pensassem
transição”, editado pela Vozes. É mestre e
realmente se as opções são tão fechadas.
doutora em Ciência Política pela USP,
Vocês tem dois lados do discurso. Um
Colaboradora do Site RELNET/UnB,
discurso diz que é tudo péssimo, outro diz
Pesquisadora Associada do
que é tudo bom. Qual é a verdade? O
NERINT/UFRGS e professora de Relações
meio termo, nem tudo é tão ruim e nem
Internacionais do Centro Universitário
tudo é tão bom. Então a política externa
Iberoamericano (UNIBERO).
brasileira está numa nova fase, eu acho
que é uma fase mais interessante do que a
fase do Fernando Henrique.
O Lula, com a sua equipe, têm realmente
uma postura mais propositiva e
autonomista e isso pode vir a ter bons
frutos. Todo esse plano pode ser
estragado por um cenário internacional
instável? Pode. Isso significa que a gente
tem que desistir de procurar novos
caminhos? Não, porque no sistema
internacional hoje, o que prevalece é a
transição. E outra coisa que a gente não
pode esquecer é que no ano que vem tem
eleições nos EUA, então, todas as coisas
poderão ou mudar para melhor ou
continuar piorando gradualmente. E nesse
mundo, pode ser o mundo do salve-se

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