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Rev Saúde Pública 2010;44(3) Artigos Originais

Graciana Alves Duarte


Aborto e legislação: opinião de
Maria José Duarte Osis

Anibal Faúndes
magistrados e promotores de
Maria Helena de Sousa justiça brasileiros

Brazilian abortion law: the opinion


of judges and prosecutors

RESUMO

OBJETIVO: Analisar opiniões de juízes e promotores de justiça sobre a


legislação brasileira e as circunstâncias em que o aborto induzido deveria
ser permitido.
MÉTODOS: Estudo transversal realizado com 1.493 juízes e 2.614 promotores
no Brasil entre 2005 e 2006. Os participantes preencheram um questionário
estruturado sobre características sociodemográficas, opiniões acerca da
legislação que trata do aborto e circunstâncias para permiti-lo. Realizaram-se
análises bivariada e multivariada por regressão de Poisson.
RESULTADOS: A maioria (78%) dos participantes opinou que as circunstâncias
nas quais não se pune o aborto deveriam ser ampliadas, ou mesmo que o
aborto não deveria ser considerado crime. As maiores proporções de opiniões
favoráveis a que o aborto seja permitido referiram-se a risco para a vida da
gestante (84%), anencefalia (83%), malformação congênita grave (82%) e
gravidez resultante de estupro (82%). As variáveis relativas à religião foram
as mais freqüentemente associadas a essas opiniões.
CONCLUSÕES: Observou-se uma tendência a considerar a necessidade de
mudanças na atual legislação brasileira no sentido de ampliar as circunstâncias
nas quais não se pune o aborto e até deixar de considerá-lo como um crime,
independentemente da circunstância em que é praticado.

Descritores: Aborto Legal. Aborto Criminoso. Direito Penal,


legislação & jurisprudência. Ministério Público. Percepção Social.

Departamento de Pesquisas Sociais. Centro de


Pesquisa em Saúde Reprodutiva de Campinas.
Campinas, SP, Brasil

Correspondência | Correspondence:
Graciana Alves Duarte
Universidade Estadual de Campinas
Cidade Universitária Zeferino Vaz
Caixa Postal 6181
13084-971 Campinas, SP, Brasil
E-mail: graduarte@cemicamp.org.br

Recebido: 8/5/2009
Aprovado: 4/12/2009

Artigo disponível em português | inglês em


www.scielo.br/rsp
2 Aborto e legislação: opinião de magistrados e promotores Duarte GA et al

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the opinion of judges and prosecutors concerning


Brazilian abortion law and situations in which the abortion should be
allowed.
METHODS: A cross-sectional study was performed with 1,493 judges and
2,614 prosecutors in Brazil between 2005 and 2006. Participants completed
a structured questionnaire approaching sociodemographic characteristics,
opinions about abortion law, and circumstances in which abortion is considered
lawful. Bivariate and multivariate analyses of data were carried out through
Poisson regression.
RESULTS: The majority of participants (78%) found that the circumstances
in which abortion is considered lawful should be broadened, or even that
abortion should not be criminalized. The highest rates of pro-abortion opinions
resulted from: risk to the life of the mother (84%), anencephaly (83%), severe
congenital malformation of fetus (82%), and pregnancy resulting from rape
(82%). Variables related to religion were strongly associated to the opinion
of participants.
CONCLUSIONS: There is a trend in considering the need of changing the
current abortion law, in the sense of widening the circumstances in which
abortion is considered lawful, or even toward decriminalizing abortion,
regardless of the circumstances in which it takes place.

Descriptors: Abortion, Legal. Abortion, Criminal. Criminal Law,


legislation & jurisprudence. Public Attorneys. Social Perception.

INTRODUÇÃO

Na maioria dos países desenvolvidos, a legislação legais, a estimativa de abortos ilegais no Brasil em 2005
permite o aborto para salvar a vida da gestante, estava em torno de 1.054.242.18
preservar a sua saúde física ou mental, quando a
gravidez resultou de estupro ou incesto, em casos de Na prática, apesar de a legislação brasileira não punir
anomalia fetal, por razões econômicas ou sociais e por o aborto nos dois casos já citados, o acesso à inter-
solicitação da mulher.10,a Na América Latina e Caribe, o rupção da gestação enfrenta vários obstáculos. 8,b,c
aborto é permitido em poucas situações, prevalecendo Durante muito tempo, apenas o aborto por risco de
maior aceitação legal para as situações de aborto morte da gestante era praticado em hospitais, enquanto
associadas principalmente à vida e à saúde da mulher. as vítimas de estupro raramente eram atendidas nos
Dada a situação de ilegalidade, quase todos os abortos são hospitais públicos, o que as levava a recorrerem ao
realizados de modo clandestino, oferecendo riscos para a aborto clandestino.8
saúde e para a vida das mulheres, o que contribui também
Na medida em que se tem sensibilizado os serviços
para a elevada taxa de mortalidade materna.21
públicos de saúde para o atendimento ao aborto nos
No Brasil, o Código Penal estabelece, desde 1940, que casos já previstos na lei brasileira,9 tem se apresentado
o aborto praticado por médico não é punido quando não a necessidade de lidar com os casos de anomalias fetais
há outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a incompatíveis com a vida. O avanço tecnológico vem
gravidez for resultado de estupro.8,19 Todos os demais tornando comum o diagnóstico de tais anomalias, o
casos são passíveis de punição, com penas que variam que gerou um paradoxo, visto que é possível detectar
de um a dez anos de prisão para a mulher e para a pessoa defeitos intra-uterinos incompatíveis com a vida, mas
que realiza o aborto, a qual pode ter a pena dobrada caso não é possível oferecer aos pais a opção de amenizar
ocorra a morte da gestante.b Apesar dessas restrições o sofrimento decorrente desse diagnóstico.14 Essa

a
Center for Reproductive Rights. The world’s abortion laws [internet]. New York, 2008 [citado 2008 mar 25]. Disponível em: http://www.
reproductiverights.org./pub_fac_abortion_laws.html
b
Torres JHR. Aspectos legais do abortamento. J Rede Saude. 1999;18:7-9.
c
Portella AP. Aborto: uma abordagem da conjuntura nacional e internacional. Recife: SOS Corpo; 1993.
Rev Saúde Pública 2010;44(3) 3

circunstância tem resultado em crescente demanda A taxa de resposta foi de 14% (1.550) dos questionários
sobre o Poder Judiciário para se obter autorização enviados a juízes, dos quais 50 retornaram em branco
para interromper a gestação nesses casos.21 Frigério et e sete foram devolvidos com a explicação de que o
al14 (2004), em pesquisa realizada no período de agosto afiliado já era falecido. Dessa forma, foram incluídos
de 1996 a junho de 1999, levantaram 263 processos questionários de 1.493 juízes. Para promotores, a taxa
envolvendo aborto seletivo e apontaram que esse número de resposta foi de 20% (2.716), dos quais 101 ques-
estava subestimado. tionários estavam em branco e um referia-se a afiliado
falecido. Portanto, foram incluídos 2.614 questionários
Em abril de 2004, o Supremo Tribunal Federal concedeu de promotores. A amostra final foi de 4.107 partici-
liminar à Confederação Nacional dos Trabalhadores na pantes. Os questionários respondidos foram revisados,
Saúde (CNTS) autorizando a interrupção da gestação de numerados e duplamente digitados.
feto anencefálico, sem a necessidade de alvará judicial.
No mesmo ano, a liminar foi cassada e a Argüição de As variáveis dependentes analisadas foram: opinião
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), acerca da legislação que trata a questão do aborto
apresentada pela CNTS, ainda não foi votada.6 (ampliar permissivos/não considerar crime versus
restringir permissivos/considerar crime sempre/não
No contexto desse processo dinâmico em que as modificar) e opinião sobre as circunstâncias nas quais o
demandas sociais pressionam por mudanças legais, o aborto deveria ser permitido (risco de morte; diagnóstico
tema do aborto induzido tem mobilizado vários setores de anencefalia; malformação congênita grave incompa-
da sociedade brasileira, tais como advogados, profissio- tível com a vida extra-uterina; gravidez resultante de
nais da saúde, parlamentares e os grupos de mulheres estupro; gravidez traz prejuízos graves à saúde física da
organizadas.17 Os operadores da justiça têm exercido gestante; gravidez traz prejuízos graves à saúde psíquica
papel relevante nesse processo, pois são eles que, na da gestante; em qualquer circunstância; em nenhuma
prática, executam as leis ou eventuais mudanças, deci- circunstância). As variáveis independentes foram:
didas pelo Poder Legislativo. Essas pessoas, portanto, idade (em anos), sexo (masculino; feminino), estado
podem ser vistas como atores fundamentais no processo marital (unido; não unido), número de filhos (até dois;
de discussão acerca das leis, em que se coloca como três ou mais), gravidez indesejada e aborto da mulher
desafio a transformação das premissas dos direitos respondente ou da parceira do respondente (nunca
reprodutivos em norma jurídica.5 teve gravidez indesejada/teve gravidez indesejada e
não fez aborto versus teve gravidez indesejada e fez
O objetivo do presente artigo foi analisar a opinião aborto), categoria profissional (juiz; promotor) região
de juízes e promotores de justiça sobre a legislação de atuação (Norte/Nordeste/Centro-Oeste; Sudeste/
brasileira e as circunstâncias em que o aborto induzido Sul), tempo de atuação na área (em anos), localidade
deveria ser permitido. de atuação (capital e interior; somente interior), grau
de atuação (tribunal; primeira instância/aposentado);
MÉTODOS área de atuação (criminal/vara única; demais áreas:
cível, trabalhista, infância e juventude e aposentado),
Foi realizado um estudo descritivo de corte transversal, nível de atuação (federal e estadual; somente estadual);
para o qual foi utilizado um questionário estruturado religiosidade (religioso; intermediário/não religioso);
e pré-testado, auto-respondido por juízes filiados importância da religião sobre as respostas dadas (muito
à Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) importante; pouco importante/não importante/sem reli-
e por promotores associados às 29 Associações do gião) e importância das concepções religiosas pessoais
Ministério Público do Brasil (26 nos Estados e três sobre as respostas dadas (muito importante; pouco
no Distrito Federal). importante/não importante/sem religião).
O questionário e uma carta explicativa, acompanhados Quanto à variável religiosidade, os respondentes
de envelope-resposta pré-selado, foram enviados a foram classificados a partir de um índice criado com
11.286 juízes e 13.592 promotores por meio de malote base na combinação das respostas a duas perguntas do
das associações. Os juízes receberam o material da questionário, que abordavam aspectos da crença, da
pesquisa no final de 2005 e os promotores no começo de prática e da autopercepção das pessoas sobre quanto a
2006. Foi feita uma segunda remessa de questionários religião afeta o exercício de sua profissão. A escolha
com o objetivo de aumentar a participação dos juizes e dessas dimensões para medir a religiosidade foi baseada
promotores. Foi necessário enviar novamente o convite no modelo proposto por Glock & Starkd (1965) para
a todos os associados porque não era possível identificar avaliar em que medida o comprometimento com uma
apenas os que não haviam respondido, dadas as medidas determinada religião interfere nas opções de conduta
adotadas para assegurar o sigilo. e atitude das pessoas.4,16,22

d
Glock CY, Stark R. Religion and society in tension. Chicago: Rand McNally, 1965. In: Swatos Jr WH. Encyclopedia of religion and society.
Hartford: Hartford Institute for Religion Research [internet]. [citado 2008 jun 25]. Disponível em: http://hirr.hartsem.edu/ency/religiosity.htm
4 Aborto e legislação: opinião de magistrados e promotores Duarte GA et al

Foi descrita a opinião dos participantes acerca da vivos por ocasião da entrevista (69,4%). Doze por
legislação que trata do aborto e das circunstâncias em cento dos respondentes referiram que diante de uma
que o aborto deveria ser permitido. Foi feita análise gravidez absolutamente indesejada haviam optado por
bivariada para distribuição de freqüências de cada uma fazer um aborto. Quanto às características da atuação
das variáveis dependentes (opiniões) segundo as cate- profissional, 63,6% dos respondentes atuavam como
gorias das diversas variáveis independentes. Aplicou-se promotores e 36,4% como juízes; pouco mais de três
o teste qui-quadrado1 específico para cada dimensão de quintos referiram atuar nas regiões Sul, Sudeste (65%);
tabela (qui-quadrado de Pearson para tabelas gerais e somente 8,7% atuava há mais de 25 anos; 62,5% atuava
qui-quadrado com correção de Yates para tabelas 2x2). ou havia atuado no interior do estado, pouco menos da
Para as variáveis idade e tempo de atuação na área foi metade (48,9%) atuava na área criminal ou em vara
aplicado o teste de tendência linear.1 única, apenas 14,8% atuava em Tribunal e 7,7% atuava
em nível federal. A grande maioria dos participantes foi
Foram desenvolvidos nove modelos de regressão de classificada como não religiosos ou de religiosidade
Poisson3 referentes às variáveis dependentes: opinião intermediária (86,5%), apenas 21,5% referiram que a
acerca da legislação que trata a questão do aborto religião que praticava teve muita importância sobre as
(ampliar permissivos/não considerar crime versus respostas que deram; 24,1% deu a mesma resposta em
restringir permissivos/considerar crime sempre/ não relação à importância de suas concepções religiosas
modificar) e opinião sobre as circunstâncias nas quais o pessoais (dados não apresentados em tabela).
aborto deveria ser permitido (risco de morte; diagnóstico
de anencefalia; malformação congênita grave incompa- Quando solicitados a expressar sua opinião acerca das
tível com a vida extra-uterina; gravidez resultante de leis brasileiras que tratam a questão do aborto, 78% dos
estupro; gravidez traz prejuízos graves à saúde física da participantes consideraram que as circunstâncias em
gestante; gravidez traz prejuízos graves à saúde psíquica que o aborto não é punido deveriam ser ampliadas ou
da gestante; em qualquer circunstância; em nenhuma que as leis brasileiras deveriam deixar de considerar o
circunstância). As variáveis independentes consideradas aborto como crime em qualquer circunstância. Para 9%
foram: idade (em anos), sexo (masculino; feminino), dos respondentes o aborto deveria ser sempre proibido
estado marital (unido; não unido), número de filhos (até ou os permissivos deveriam ser restringidos, e 13%
dois; três ou mais), gravidez indesejada e aborto da opinou que a lei deveria permanecer como está (dados
mulher respondente ou da parceira do respondente não apresentados em tabela).
(nunca teve gravidez indesejada/teve gravidez indese- Na análise bivariada não foram observadas diferenças
jada e não fez aborto versus teve gravidez indesejada e significativas para as variáveis: categoria profissional,
fez aborto), categoria profissional (juiz; promotor) região região, grau e área de atuação em relação à opinião dos
de atuação (Norte/Nordeste/Centro-Oeste; Sudeste/ respondentes quanto à lei. Entretanto, opinar que as
Sul), tempo de atuação na área (em anos), localidade circunstâncias deveriam ser ampliadas/não considerar
de atuação (capital e interior; somente interior), grau o aborto como crime associou-se a: ter menos de 40
de atuação (tribunal; primeira instância/aposentado); anos de idade (82,3%), sexo feminino (83,5%), não
área de atuação (criminal/vara única; demais áreas: viver em união (80,8%), ter até dois filhos por ocasião
cível, trabalhista, infância e juventude e aposentado), da entrevista (81,2%), ter recorrido a um aborto por
nível de atuação (federal e estadual; somente estadual); ocasião de uma gravidez absolutamente indesejada
religiosidade (religioso; intermediário/não religioso); (88%), menos tempo de atuação na área (83,7%), atuar
importância da religião sobre as respostas dadas (muito na capital e interior (79,9%), atuar em níveis federal e
importante; pouco importante/não importante/sem reli- estadual (83,6%), religiosidade intermediária/não ser
gião) e importância das concepções religiosas pessoais religioso (83,7%), pouco ou sem importância ou não
sobre as respostas dadas (muito importante; pouco ter religião (86,6%) e pouca ou nenhuma importância
importante/não importante/sem religião). ou não ter concepções religiosas pessoais (86,3%).
Verificou-se que houve tendência linear de associação
O desenvolvimento da pesquisa obedeceu às normas brasi-
da idade e do tempo de atuação na área com a opinião
leiras para pesquisas com seres humanos e os protocolos
de que os permissivos legais deveriam ser ampliados/
foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
não considerar o aborto como crime: essa opinião foi
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual
mais freqüente à medida que a idade e o tempo de
de Campinas (Pareceres 596/2004 e 081/2005).
atuação decresceram (Tabela 1).

RESULTADOS Quando realizada a análise por regressão de Poisson


somente se confirmou a associação entre a importância
Na amostra estudada cerca de dois quintos (41%) da religião para as respostas dadas e religiosidade e a
dos participantes tinham 50 anos ou mais de idade; opinião de que as circunstâncias nas quais o aborto
a maioria (69,9%) era do sexo masculino, referiu não é punido deveriam ser ampliadas/não considerar o
viver em união (76,6%) e ter no máximo dois filhos aborto um crime (Tabela 2).
Rev Saúde Pública 2010;44(3) 5

Tabela 1. Distribuição de freqüência dos participantes, segundo opinião acerca de uma possível mudança das leis brasileiras
que tratam a questão do aborto e características sociodemográficas. Brasil, 2005-2006.
Opinião
Ampliar permissivos/ Restringir permissivos/
Variável Não modificar N p
Não considerar crime Considerar crime sempre
n % n % n %
Idade (anos)a
≤ 39 1116 82,3 81 6,0 159 11,7 1356 <0,001
40 a 49 738 80,4 76 8,3 104 11,3 918
≥ 50 1125 72,5 178 11,5 249 16,0 1552
Sexo
Masculino 2039 75,5 253 9,4 408 15,1 2700 <0,001
Feminino 978 83,5 84 7,2 109 9,3 1171
Estado marital
Unido 2279 77,0 263 8,9 419 14,2 2961 0,037
Não unido 733 80,8 73 8,0 101 11,1 907
Número de filhos
≤2 2175 81,2 191 7,1 313 11,7 2679 <0,001
≥3 824 70,5 144 12,3 201 17,2 1169
Gravidez indesejada e aborto
Nunca teve/Teve e não
2421 76,9 285 9,0 444 14,1 3150 <0,001
fez aborto
Teve e fez aborto 388 88,0 25 5,7 28 6,3 441
Categoria profissional
Juiz 1092 78,0 122 8,7 186 13,3 1400 0,980
Promotor 1929 77,8 215 8,7 335 13,5 2479
Região de atuação
N/NE/CO 1002 76,7 127 9,7 177 13,6 1306 0,185
SE/S 1914 78,8 195 8,0 321 13,2 2430
Tempo de atuação (anos)a
≤9 1044 83,7 72 5,8 132 10,6 1248 <0,001
10 a 25 1466 77,3 163 8,6 268 14,1 1897
≥ 26 208 72,2 36 12,5 44 15,3 288
Local de atuação
Capital e interior 1167 79,9 121 8,3 172 11,8 1460 0,043
Somente interior 1848 76,7 215 8,9 347 14,4 2410
Grau de atuação
Tribunal 433 76,8 49 8,7 82 14,5 564 0,702
1a Instância 2553 78,1 284 8,7 433 13,2 3270
Área de atuação
Criminal/Vara única 1498 78,5 162 8,5 249 13,0 1909 0,666
Demais áreas 1513 77,3 174 8,9 271 13,8 1958
Nível de atuação
Federal e estadual 249 83,6 24 8,1 25 8,4 298 0,023
Somente estadual 2763 77,4 312 8,7 493 13,8 3568
Religiosidade
Religioso 213 44,3 121 25,2 147 30,6 481 <0,001
Intermediário/Não religioso 2625 83,7 178 5,7 335 10,7 3138
Continua
6 Aborto e legislação: opinião de magistrados e promotores Duarte GA et al

Tabela 1 continuação
Opinião
Ampliar permissivos/ Restringir permissivos/
Variável Não modificar N p
Não considerar crime Considerar crime sempre
n % n % n %
Importância da religião
Muito importante 350 44,8 192 24,6 239 30,6 781 <0,001
Pouco/Sem importância/
2519 87,0 121 4,2 257 8,9 2897
Sem religião
Importância das concepções
religiosas
Muito importante 437 51,2 190 22,2 227 26,6 854 <0,001
Pouco/Sem importância/
2341 86,3 118 4,3 255 9,4 2714
Sem concepções
a
Qui-quadrado de Pearson
N: Norte, NE: Nordeste, CO: Centro-Oeste, SE: Sudeste, S: Sul.

As circunstâncias em que o aborto deveria ser permitido e tempo de atuação na área, verificou-se que o tempo
que receberam maior proporção de respostas positivas de atuação só não esteve associado à opinião favorável
foram: em caso de risco de morte da gestante (84%), nas seguintes situações: quando a gravidez trouxer
diagnóstico de anencefalia (83,1%), feto com qualquer prejuízos graves à saúde psíquica da mulher e em
malformação congênita grave incompatível com a vida qualquer circunstância. A idade associou-se à opinião
extra-uterina (81,8%), em caso de gravidez resultante de favorável em todas as circunstâncias apresentadas: os
estupro (80,6%), caso a gravidez traga prejuízos graves participantes com menor idade tenderam a ser os mais
à saúde física da mulher (59%) e se a gravidez trouxer favoráveis à realização do aborto (Tabela 3).
prejuízos graves à saúde psíquica da mulher (41,9%).
Apenas 4,7% dos participantes considerou que o aborto Na análise múltipla, confirmou-se que a importância
nunca deveria ser permitido, e 12,1% que o aborto dada à religião para as respostas assinaladas no ques-
deveria ser permitido em toda e qualquer circunstância tionário estava associada à opinião acerca da permissão
(dados não apresentados em tabela). do aborto em todas as circunstâncias analisadas. A
religiosidade somente não esteve associada à opinião
Na análise bivariada verificou-se que as variáveis refe- em relação a permitir o aborto em caso de risco de
rentes à religião se associaram com a opinião favorável morte da mulher. A muita importância dada à religião
à permissão do aborto em todas as circunstâncias apre- apresentou razão de prevalência (RP) igual a 8,69 em
sentadas. As maiores proporções de opiniões favoráveis relação à opinião de que o aborto nunca deveria ser
em cada circunstância estiveram entre os respondentes permitido e a classificação dos respondentes como
classificados como não religiosos ou de religiosidade religiosos apresentou RP = 2,61. A idade por ocasião
intermediária e aqueles cuja religião ou concepções da entrevista mostrou associação com a opinião sobre
religiosas pessoais não foram importantes. Da mesma o aborto em caso de risco de morte da gestante, caso a
forma, a experiência prévia de um aborto provocado gravidez traga prejuízos graves à saúde física da mulher
e o número de filhos vivos (até dois) por ocasião da e em qualquer circunstância. A experiência prévia de
pesquisa associaram-se a ser favorável à realização do aborto provocado associou-se à opinião sobre permitir
aborto nas diversas situações apresentadas. Quando o aborto caso a gravidez traga prejuízos graves à saúde
aplicado teste de tendência linear para as variáveis idade física e psíquica da mulher, bem como em qualquer

Tabela 2. Modelo final de regressão de Poisson para opinião acerca de uma possível mudança das leis brasileiras sobre o
aborto. Brasil, 2005-2006. (n = 2.804)
Opinião RP IC 95% p
Ampliar permissivos/Não considerar crime
Importância da religião: Muita 1 - -
Pouca/Sem importância/Sem religião 1,73 1,48 ; 2,01 <0,001
Religiosidade: Religioso 1 - -
Intermediário/Não religioso 1,34 1,12 ; 1,61 0,002
Tabela 3. Distribuição de freqüência dos participantes que opinaram favoravelmente à permissão do aborto nas circunstâncias selecionadas, segundo características sociodemográficas. Brasil,
2005-2006.
Circunstâncias
Variável Risco de morte Diagnóstico de anencefalia Malformação congênita grave Gravidez resultante de estupro
n % p n % p n % p n % p n
a
Idade (anos)
≤ 39 1301 92,1 <0,001 1220 86,4 <0,001 1197 84,8 <0,001 1204 85,3 <0,001 1412
Rev Saúde Pública 2010;44(3)

40 a 49 834 87,6 813 85,4 804 84,5 794 83,4 952


≥ 50 1207 74,7 1274 78,9 1258 77,9 1209 74,9 1615
Sexo
Masculino 2344 83,5 0,153 2300 81,9 0,003 2271 80,9 0,017 2217 79,0 <0,001 2808
Feminino 1041 85,3 1046 85,7 1026 84,1 1030 84,4 1220
Estado marital
Unido 2572 83,4 0,049 2544 82,5 0,083 2490 80,7 <0,002 2474 80,2 0,217 3084
Não unido 809 86,2 798 85,0 802 85,4 771 82,1 939
Número de filhos
≤2 2424 86,9 <0,001 2374 85,2 <0,001 2335 83,8 <0,001 2325 83,4 <0,001 2788
≥3 940 77,4 952 78,4 940 77,4 902 74,2 1215
Gravidez indesejada e aborto
Nunca teve/Teve e não fez aborto 2752 83,9 0,007 2699 82,3 <0,001 2658 81,1 <0,001 2623 80,0 <0,002 3279
Teve e fez aborto 402 88,9 410 90,7 399 88,3 391 86,5 452
Categoria profissional
Juiz 1164 79,4 <0,001 1161 79,2 <0,001 1151 78,5 <0,001 1116 76,1 <0,001 1466
Promotor 2227 86,7 2191 85,3 2151 83,7 2138 83,2 2569
Atuação: região
N/NE/CO 1124 82,9 0,050 1113 82,1 0,177 1088 80,2 0,057 1083 79,9 0,234 1356
SE/S 2154 85,3 2116 83,8 2089 82,8 2057 81,5 2524
Atuação: tempoa (anos)
≤9 1169 90,5 <0,001 1121 86,8 <0,001 1092 84,5 0,003 1102 85,3 <0,001 1292
10 a 25 1649 84,1 1637 83,5 1610 82,1 1584 80,8 1961
≥ 26 227 74,2 238 77,8 237 77,5 234 76,5 306
7

Continua
8
Tabela 3 continuação
Circunstâncias
Variável Risco de morte Diagnóstico de anencefalia Malformação congênita grave Gravidez resultante de estupro
n % p n % p n % p n % p n
Atuação: local

Capital e interior 1282 84,7 0,444 1271 83,9 0,301 1250 82,6 0,394 1242 82,0 0,097 1514

Somente interior 2102 83,7 2075 82,6 2045 81,4 2005 79,8 2511

Atuação: grau

Tribunal 473 80,4 0,011 474 80,6 0,092 462 78,6 0,025 474 80,6 >0,999 588

1a Instância 2880 84,7 2840 83,5 2806 82,5 2740 80,6 3400

Atuação: área

Criminal/Vara única 1716 86,7 <0,001 1669 84,3 0,045 1640 82,9 0,102 1633 82,5 0,003 1979

Demais áreas 1663 81,5 1671 81,9 1649 80,8 1608 78,8 2040

Atuação: nível

Federal e estadual 251 81,8 0,281 253 82,4 0,783 247 80,5 0,562 254 82,7 0,375 307

Somente estadual 3130 84,3 3090 83,2 3044 82,0 2989 80,5 3714

Religiosidade

Religioso 336 67,2 <0,001 263 52,6 <0,001 256 51,2 <0,001 284 56,8 <0,001 500

Intermediário/Não religioso 2849 87,5 2884 88,6 2842 87,3 2770 85,1 3256

Importância da religião

Muito importante 545 66,1 <0,001 435 52,7 <0,001 418 50,7 <0,001 445 53,9 <0,001 825

Pouco/Sem importância/ Sem religião 2680 89,3 2749 91,6 2720 90,6 2647 88,2 3001
Aborto e legislação: opinião de magistrados e promotores

Importância das concepções religiosas

Muito importante 631 69,8 <0,001 524 58,0 <0,001 510 56,4 <0,001 541 59,8 <0,001 904

Pouco/Sem importância/Sem concepções 2500 89,2 2559 91,3 2531 90,3 2459 87,7 2804
Duarte GA et al

Continua
Tabela 3 continuação
Circunstâncias
Variável Prejuízos graves à saúde física Prejuízos graves à saúde psíquica Qualquer circunstância Nenhuma circunstância
n % p n % p n % p n % p n
a
Idade (anos)
≤ 39 927 65,7 <0,001 625 44,3 <0,001 189 13,4 <0,001 35 2,5 <0,001 1412
Rev Saúde Pública 2010;44(3)

40 a 49 630 66,2 452 47,5 158 16,6 33 3,5 952


≥ 50 790 48,9 585 36,2 132 8,2 118 7,3 1615
Sexo
Masculino 1583 56,4 <0,001 1127 40,1 <0,002 275 9,8 <0,001 124 4,4 0,286 2808
Feminino 795 65,2 560 45,9 212 17,4 64 5,2 1220
Estado marital
Unido 1770 57,4 <0,001 1239 40,2 <0,001 329 10,7 <0,001 144 4,7 0,979 3084
Não unido 606 64,5 445 47,4 158 16,8 43 4,6 939
Número de filhos
≤2 1750 62,8 <0,001 1214 43,5 <0,002 388 13,9 <0,001 107 3,8 <0,001 2788
≥3 615 50,6 462 38,0 97 8,0 80 6,6 1215
Gravidez indesejada e aborto
Nunca teve/Teve e não fez aborto 1888 57,6 <0,001 1294 39,5 <0,001 347 10,6 <0,001 154 4,7 0,038 279
Teve e fez aborto 329 72,8 275 60,8 108 23,9 11 2,4 452
Categoria profissional
Juiz 822 56,1 0,004 601 41,0 0,420 167 11,4 0,325 107 7,3 <0,001 1466
Promotor 1560 60,7 1088 42,4 321 12,5 81 3,2 2569
Região de atuação
N/NE/CO 751 55,4 <0,001 533 39,3 0,014 110 8,1 <0,001 63 4,6 >0,999 1356
SE/S 1562 61,9 1097 43,5 365 14,5 116 4,6 2524
a
Tempo de atuação (anos)
≤9 831 64,3 <0,001 564 43,7 0,153 168 13,0 0,145 30 2,3 <0,001 1292
10 a 25 1196 61,0 858 43,8 255 13,0 82 4,2 1961
≥ 26 148 48,4 113 36,9 26 8,5 27 8,8 306
9

Continua
Tabela 3 continuação
10

Circunstâncias
Variável Prejuízos graves à saúde física Prejuízos graves à saúde psíquica Qualquer circunstância Nenhuma circunstância
n % p n % p n % p n % p n
Local de atuação

Capital e interior 955 63,1 <0,001 683 45,1 <0,002 229 15,1 <0,001 70 4,6 >0,999 1514

Somente interior 1420 56,6 1001 39,9 258 10,3 115 4,6 2511

Grau de atuação

Tribunal 340 57,8 0,541 246 41,8 >0,999 74 12,6 0,739 37 6,3 0,046 588
a
1 Instância 2015 59,3 1422 41,8 408 12,0 147 4,3 3400

Área de atuação

Criminal/Vara única 1210 61,1 0,008 848 42,8 0,218 225 11,4 0,181 68 3,4 <0,002 1979

Demais áreas 1162 57,0 834 40,9 261 12,8 118 5,8 2040

Nível de atuação

Federal e estadual 200 65,1 0,027 149 48,5 0,015 62 20,2 <0,001 19 6,2 0,215 307

Somente estadual 2173 58,5 1532 41,2 424 11,4 166 4,5 3714

Religiosidade

Religioso 157 31,4 <0,001 85 17,0 <0,001 6 1,2 <0,001 92 18,4 <0,001 500

Intermediário/Não religioso 2101 64,5 1526 46,9 464 14,3 72 2,2 3256

Importância da religião

Muito importante 251 30,4 <0,001 149 18,1 <0,001 11 1,3 <0,001 142 17,2 <0,001 825

Pouco/Sem importância; Sem religião 2018 67,2 1470 49,0 458 15,3 31 1,0 3001

Importância das concepções religiosas


Aborto e legislação: opinião de magistrados e promotores

Muito importante 324 35,8 <0,001 200 22,1 <0,001 31 3,4 <0,001 135 14,9 <0,001 904
Pouco/Sem importância; Sem concepções 1881 67,1 1364 48,6 422 15,0 33 1,2 2804

Testes qui-quadrado de Pearson ou qui-quadrado com correção de Yates: 2x2


a
Duarte GA et al

Teste qui-quadrado para tendência linear.


Rev Saúde Pública 2010;44(3) 11

circunstância. Atuar na capital/interior esteve asso- o que tem sido, freqüentemente, colocado em debate. Os
ciado à opinião acerca do aborto caso a gravidez traga meios de comunicação e os diversos fóruns em que se
prejuízos graves à saúde física da mulher e em qualquer discute essa questão apontam os argumentos religiosos
circunstância. O estado marital associou-se à opinião como grandes entraves ao avanço na discussão sobre a
acerca de quando a gravidez implique em prejuízos legislação brasileira acerca do aborto. Com efeito, os
graves à saúde psíquica da mulher e em qualquer resultados do presente estudo indicam que a religião é
circunstância. Além disso, o sexo dos respondentes, um aspecto que não pode ser negligenciado no debate
a região e o nível de atuação associaram-se à opinião sobre a necessidade de ampliação dos permissivos
sobre se o aborto deveria ser permitido em qualquer legais ao aborto. Nesse mesmo sentido, os achados
circunstância. A categoria profissional esteve associada indicam que mudanças legais que incluam circuns-
à opinião de que o aborto nunca deveria ser permitido: tâncias com justificativa médica provavelmente serão
ser juiz apresentou RP = 1,84 (Tabela 4). mais bem aceitas no meio dos operadores da justiça.
Um indício dessa situação é o fato de que a religião
Quando perguntados sobre a ADPF, entre aqueles que
apenas não se associou à opinião favorável ao aborto em
tinham uma opinião formada sobre o assunto (n = 2.223),
caso de risco de morte da mulher, entendida como uma
60,5% referiu que ADPF deveria ser transformada em lei,
necessidade justificada medicamente. Isso é coerente
25,1% considerou-a adequada e 14,4% opinou pela sua
com a predominância de argumentos da área da saúde
inadequação (dados não apresentados em tabela).
para defender a maior liberação do aborto, que tem sido
a estratégia predominante no debate atual acerca do
DISCUSSÃO assunto. Entre ginecologistas brasileiros, por exemplo,
Na amostra estudada foi possível observar tendência observou-se que o aborto tendia a ser aceito sempre que
a considerar a necessidade de mudanças na atual os profissionais encontravam uma justificativa moral
legislação brasileira, seja no sentido de ampliar as para descartarem uma vida (feto) em benefício de outra
circunstâncias nas quais não se pune o aborto praticado (mulher), ou porque essa vida não tem expectativa de
por médicos, seja mesmo no sentido de deixar de consi- continuidade (malformação do feto).f
derar o aborto como um crime, independentemente da Por outro lado, assim como já se observara entre
circunstância em que é praticado. Essa tendência já foi médicos ginecologistas,12 a experiência de ter passado
observada em outras pesquisas com médicos, bem como por um aborto provocado é bastante relevante para
em pesquisas de base populacional.7,11,12,13,20,e determinar a postura dos operadores da justiça diante
da questão.
Diante de uma lista de possíveis situações em que se
poderia permitir o aborto, os operadores da justiça Entendemos que os resultados apresentados não podem
manifestaram-se a favor da ampliação dos permissivos ser generalizados a todos os juízes e promotores filiados
legais e 12,1% dos participantes mostraram-se a favor da às respectivas associações de classe, uma vez que a taxa
não penalização do aborto em qualquer caso. Outro ponto de resposta foi de 14% entre os juízes e 20% entre os
a ser destacado, e que reforça a tendência de expressar promotores. Entretanto, podemos considerar que essas
a necessidade de mudanças na lei, é a opinião favorável taxas são satisfatórias, se considerarmos a via indireta
dos participantes em relação à ADPF, que continua em de aproximação aos associados e as conhecidas dificul-
julgamento no Supremo Tribunal Federal, desde 2005. dades para obter resposta a questionários enviados pelo
correio.2 Por outro lado, também é possível que a taxa
Como já observado em outros estudos, também houve de resposta tenha sido mais elevada, uma vez que não
alta proporção de concordância com a permissão sabemos o número exato de associados que efetivamente
do aborto em circunstâncias com justificativas receberam o malote das associações com o material da
médicas.7,12,13,20,e Dentre as características dos parti- pesquisa, devido a endereços não atualizados.
cipantes que se mostraram associadas a uma atitude
mais favorável a mudanças na lei e quanto à aceitação É impossível saber se houve algum viés de seleção, no
das diversas circunstâncias em que o aborto deveria sentido de que aqueles que responderam ao questio-
ser permitido, também se confirmou a presença de nário tenham sido principalmente pessoas com idéias
variáveis já apontadas em outros estudos, como idade, mais liberais em relação ao aborto. O elevado número
sexo, região de residência, experiência prévia de aborto absoluto de respostas, entretanto, sugere que dificil-
provocado, importância da religião e religiosidade.15,f mente as principais conclusões, que surgem da análise
Chama a atenção a presença constante dessas últimas apresentada, poderiam mudar de maneira significativa
variáveis como possíveis obstáculos às mudanças na lei, com uma maior proporção de respostas. Além disso,

e
Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística. Comissão de Cidadania e Reprodução. Pesquisa de opinião pública sobre o aborto no
Brasil.2003. [citado 2009 maio 6]. Disponível em: http://www.ccr.org.br/uploads/noticias/Aborto_no_Brasil.ppt
f
Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas - Cemicamp. O papel da religiosidade na perspectiva e no agir de médicos
ginecologistas em relação ao aborto previsto por lei, à anticoncepção de emergência e ao DIU: relatório técnico narrativo final [internet].
Campinas; 2005 [citado 2008 jul 24]. Disponível em: http://www.cemicamp.org.br/relatorios/Relatorio_final.pdf.
12 Aborto e legislação: opinião de magistrados e promotores Duarte GA et al

Tabela 4. Modelos finais de regressão de Poisson para opinião favorável à permissão do aborto em algumas circunstâncias
selecionadas. Brasil, 2005-2006. (n=2.895)
Opinião RP IC 95% p
Risco de morte
Idade (anos)
Maior 1 - -
Menor 1,01 1,01;1,01 <0,001
Importância da religião
Muita 1 - -
Pouca/Sem importância/Sem religião 1,21 1,11;1,32 <0,001
Diagnóstico de anencefalia
Importância da religião
Muita 1 - -
Pouca/Sem importância/Sem religião 1,57 1,37;1,80 <0,001
Religiosidade
Religioso 1 - -
Intermediário/Não religioso 1,31 1,11;1,55 0,002
Malformação congênita grave
Importância da religião
Muita 1 - -
Pouca/Sem importância/Sem religião 1,59 1,38;1,82 <0,001
Religiosidade
Religioso 1 - -
Intermediário/Não religioso 1,32 1,12;1,57 <0,002
Gravidez resultante de estupro
Importância da religião
Muita 1 - -
Pouca/Sem importância/Sem religião 1,45 1,27;1,66 <0,001
Religiosidade
Religioso 1 - -
Intermediário/Não religioso 1,20 1,02;1,41 0,027
Prejuízos graves à saúde física
Importância da religião
Muita 1 - -
Pouca/Sem importância/Sem religião 1,79 1,51;2,13 <0,001
Idade (anos)
Maior 1 - -
Menor 1,01 1,01;1,01 <0,001
Religiosidade
Religioso 1 - -
Intermediário/Não religioso 1,43 1,16;1,76 <0,002
Gravidez indesejada e aborto
Nunca teve/ Teve e não fez 1 - -
Teve e fez aborto 1,23 1,08;1,40 0,002
Local de atuação
Somente interior 1 - -
Capital e interior 1,10 1,01;1,22 0,048
Prejuízos graves à saúde psíquica
Importância da religião
Muita 1 - -
Pouca/Sem importância/Sem religião 2,15 1,73;2,69 <0,001
Continua
Rev Saúde Pública 2010;44(3) 13

Tabela 4 continuação
Opinião RP IC 95% p
Religiosidade
Religioso 1 - -
Intermediário/Não religioso 1,77 1,33;2,34 <0,001
Gravidez indesejada
Nunca teve/Teve e não fez aborto 1 - -
Teve e fez aborto 1,50 1,30;1,73 <0,001
Estado marital
Unido 1 - -
Não unido 1,17 1,03;1,32 0,015
Qualquer circunstância
Importância da religião
Muita 1 - -
Pouca/Sem importância/Sem religião 5,82 2,84;11,95 <0,001
Religiosidade
Religioso 1 - -
Intermediário/Não religioso 5,22 1,90;14,33 <0,002
Gravidez indesejada
Nunca teve/Teve e não fez aborto 1 - -
Teve e fez aborto 2,01 1,57;2,58 <0,001
Região de atuação
N/NE/CO 1 - -
SE/S 1,81 1,42;2,31 <0,001
Sexo
Masculino 1 - -
Feminino 1,48 1,20;1,83 <0,001
Local de atuação
Somente interior 1 - -
Capital e interior 1,36 1,10;1,68 0,005
Estado marital
Unido 1 - -
Não unido 1,36 1,09;1,69 0,006
Idade (anos)
Maior 1 - -
Menor 1,01 1,01;1,02 0,010
Nível de atuação
Somente estadual 1 - -
Federal e estadual 1,42 1,04;1,94 0,029
Nenhuma circunstância
Importância da religião
Pouca/Sem importância/Sem religião 1 - -
Muita 8,69 4,97;15,20 <0,001
Religiosidade
Intermediário/Não religioso 1 - -
Religioso 2,61 1,65;4,13 <0,001
Categoria profissional
Promotor 1 - -
Juiz 1,84 1,24;2,74 0,003
14 Aborto e legislação: opinião de magistrados e promotores Duarte GA et al

dificilmente as associações entre as características dos Em que pesem as limitações discutidas, os resultados
participantes e suas opiniões poderiam estar determi- observados nesta amostra de operadores da justiça no
nadas por um viés de seleção. Pesquisas já realizadas Brasil podem ser vistos como subsídios para continuar
anteriormente com ginecologistas e obstetras,11,15 bem alimentando a discussão acerca das mudanças na legis-
como pesquisas de base populacional com homens e lação, principalmente porque reforçam a perspectiva
mulheres,7,20 chegaram a resultados semelhantes, com de que existe aceitação para mudar, bem como indica
as mesmas tendências verificadas em nosso estudo. alguns limites a essa mudança.
Rev Saúde Pública 2010;44(3) 15

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Pesquisa financiada pelo MCT/SCTIE/DECIT/MS/CNPq (Processo No 403179/2004-1); pela Fundação de Amparo à Pesquisa
de São Paulo (Processo 05/50267-7); e Organização Mundial da Saúde (A55045).
Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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