'OPERÁRIOS E CAMPONESES NÃO COMPREENDEM O QUE VOCÊ DIZ."
1
Eu nunca vi alguém vangloriar-se assim: "Como sou inteligente — não compreendo a arit-mética, nem o francês, nem a gramática!" Mas o grito alegre: 'Eu não compreendo os futuristas" — ressoa há quinze anos, extingue-se para em seguida crescer nova-mente, mais excitado e jubiloso do que nunca. Com êste grito, houve gente que fêz carreira, reco-lheu fundos e assumiu a liderança de correntes literárias. Se tôda a assim chamada arte de esquerda se cons-truísse com o simples cálculo de não ser compreensível a ninguém (exorcismos, números, etc,), não seria difícil
compreendê-la e colocá-la no devido lugar histórico e lite-rário. Bastaria compreender que se procurava chegar à in-compreensão, colar um rótulo e esquecer o caso. Mas o simples "Não compreendemos!" não é um ve-redicto. Seria veredicto: "Compreendemos que é uma boba-gem tremenda!", seguido de dezenas de exemplos sonoros, aprendidos de cor e cantados. Mas não é o que se vê. O que se encontra é demagogia e especulação com o que não se compreendeu. São múltiplos os processos dessa demagogia, que se mascara de seriedade. Vejamos alguns. "Não precisamos da arte para uns poucos e do livro para uns poucos! Sim ou não?" Sim e não, ao mesmo tempo. Se um livro se destina a uns poucos, e não tem outra função, êle é desnecessário. Exemplo: os sonetos de Abraão Efros
2
, uma mono-grafia a respeito de Sóbinov
3
, etc. Mas se um livro é endereçado a uns poucos como a energia de Volkhovstrói se dirige a umas poucas estações transmissoras, para que essas sub-estações distribuam pelas lâmpadas elétricas a energia reelaborada, semelhante livro é necessário. Tais livros são endereçados a uns poucos, mas não consumidores, e sim produtores. São sementes e esqueletos da arte de massas. Exemplo: os versos de V. Khliébnikov. Compreen-síveis a princípio apenas a sete companheiros futuristas, durante dez anos êles forneceram carga a numerosos poe-tas, e agora a própria academia quer sepultá-los com uma edição, na qualidade de modêlo de verso clássico.
4
"A arte autêntica, soviética, proletária, deve ser com-preensível a vastas massas. Sim ou não?" Sim e não, ao mesmo tempo. Sim, mas com a correção introduzida pelo tempo e pela propaganda. A arte não nasce arte de massas, ela se torna tal, em resultado de grande soma de esforços:
análise crítica para se estabelecer seu valor e utilidade, divulgação organizada pelos aparelhos do Partido e do Estado, desde que se constate a referida utilidade, oportu-nidade da penetração do livro entre as massas, correspon-dência entre a questão colocada pelo livro e a maturação dos mesmos problemas nas massas. Mas quanto melhor é o livro, tanto mais êle se antecipa aos acontecimentos. Por exemplo, um poema contra a guerra, devido ao qual você poderia ser, em 1914, dilacerado pelas massas estupidifícadas por "patriotas", reboava em 1916 como uma revolução. E vice-versa. Os versos de Briussov Estais realmente próximos, Sonhos da juventude? Às margens do Bósforo, Onde dormítam tristes odaliscas, Há de ressoar o passo dos soldados da Europa...
5
que já suscitaram lágrimas de ternura sargentesca, torna-ram-se em 1917 um escárnio. Será que o caráter de massa que tinha outrora o "Padre Nosso" justificava o seu direito à existência? O caráter de massa deve ser o coroamento de nossa luta, e não a camisa com a qual nascem os felizes livros de algum gênio literário. É preciso saber organizar a compreensibilidade de um livro. "Os clássicos, como Púchkin e Tolstói, são compreen-síveis às massas. Sim ou não?" Sim e não, ao mesmo tempo. Púchkin era compreensível
na íntegra
somente à sua classe, à sociedade em cuja língua falava, à sociedade com cujos conceitos e emoções operava.
6
Eram cinqüenta a cem mil românticos suspirosos, ofi-ciais da guarda amantes da liberdade, professores de gi-násio, senhoritas de palacete, poetas, críticos, etc., isto é, aquêles que constituíam a massa ledora daquele tempo. Não se sabe se a massa camponesa compreendia Púchkin em seu tempo, devido a uma circunstância: ela não sabia ler. Estamos liqüidando êste obstáculo, mas até em nosso meio os jornalistas se queixam de que um camponês alfa-betizado ainda não compreende frases em que, por exem-plo, há duas negações: "Não vou nunca dizer que. . ."
Ihre Neugier belohnen
Alles, was Sie lesen wollen.
Jederzeit. Überall. Auf jedem Gerät.
Keine Verpflichtung. Jederzeit kündbar.