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O mestre José dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, leciona que existem dois tipos de
prazos que acarretam a prescrição administrativa: os prazos que têm previsão legal e os que
não dispõem dessa previsão.
Conforme esclarece o referido professor, no que se refere aos prazos cuja fixação se encontra
expressamente em lei, inexistem problemas, isto é, decorrido o prazo legal, está consumada
de pleno direito a prescrição administrativa – ou decadência, se for o caso. Exemplifica o
tema citando o art. 54, da Lei 9.874/99, que regula o processo administrativo na esfera
federal. Nesse caso, a lei foi expressa: segundo dispositivo expresso, o direito da
Administração de anular atos administrativos que tenham produzido efeitos favoráveis para os
administrados decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, ressalvando-
se apenas a hipótese de comprovada má-fé. Como esclarece o mestre Celso Antônio Bandeira
de Mello, não se trata de um “não-exercício tempestivo de um meio, de uma via, previsto
para defesa de um direito que se entenda ameaçado ou violado. Trata-se, pura e
simplesmente, da omissão do tempestivo exercício da própria pretensão substantiva (não
adjetiva) da Administração, isto é, de seu poder-dever; logo, o que estará em pauta, in casu,
é o não-exercício, a bom tempo, do que corresponderia no Direito Privado, ao próprio
exercício do direito. Donde, configura-se situação de decadência, antes que de prescrição,
como já observara Weida Zancaner.”
Cuida-se, na espécie, de limitação ao poder de autotutela da Administração, agora convertida
em direito positivo em nome do cada vez mais consolidado princípio da segurança jurídica e
de seu corolário, o princípio da proteção à confiança. Como esclarece o citado professor
Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da segurança jurídica é da própria “essência do
Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito, de tal sorte que faz parte do
sistema constitucional como um todo”.
Esclarece, ainda, que por força deste princípio, firmou-se o entendimento de que
“orientações firmadas pela Administração em dada matéria não podem, sem prévia e pública
notícia, ser modificadas em casos concretos para fins de sancionar, agravar a situação dos
administrados ou denegar-lhes pretensões, de tal sorte que só se aplicam aos casos ocorridos
depois de tal notícia”.
1. Introdução
A importância do princípio da segurança jurídica, antes que passemos a
conceituá-lo, remonta aos primórdios da elaboração da idéia do Estado
Democrático de Direito e, neste pensar, assinala J.J Gomes Canotilho (1), se
constituiria tal princípio em uma das vigas mestras da ordem jurídica,
entendimento que é esposado por Hely Lopes Meirelles (2).
Conforme nos ensina Luís Roberto Barroso (5), a segurança encerra valores
e bens jurídicos que não se esgotam na mera preservação da integridade
física do Estado e das pessoas: açambarca em seu conteúdo conceitos
fundamentais para a vida civilizada, como a continuidade das normas
jurídicas, a estabilidade das situações constituídas e a certeza jurídica que
se estabelece sobre situações anteriormente controvertidas. E, no dizer de
Elody Nassar (6), “Em nome da segurança jurídica, consolidaram-se
institutos desenvolvidos historicamente, com destaque para a preservação
dos direitos adquiridos e da coisa julgada. É nessa mesma ordem de idéias
que se firmou e se difundiu o conceito prescrição”.
Mauro Nicolau Junior (7) assim postula: “As pedras fundamentais em que se
assenta toda a organização política do Estado Democrático de Direito são a
dignidade humana e o respeito aos direitos individuais e sociais dos
cidadãos, conforme destacado no preâmbulo e no artigo primeiro de nossa
Carta Magna”. A segurança jurídica, espécie do gênero direito fundamental,
ocupa lugar de destaque no ordenamento jurídico atual, tanto que o direito
adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito são postulados máximos
de cumprimento inclusive pela legislação infra-constitucional, e cujo reflexo
na atuação administrativa vinculada é a imediata consagração do princípio
da segurança jurídica que norteia a diuturna conduta dos agentes públicos.
LUIS ROBERTO BARROSO (11) explicita que “Os princípios dão unidade e
harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando
tensões normativas. De parte isto, servem de guia para o intérprete, cuja
atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o
tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar
à formulação da regra concreta que vai reger a espécie”. Portanto, para o
jurista, três são as funções dos princípios: (i) condensar valores; (ii) dar
unidade ao sistema; (iii) condicionar a atividade do intérprete.
Subsidiando tal pensar vem a Lei nº 9.784/99, em seu art. 2º, parágrafo
único, inc. XIII, vedar a aplicação retroativa de nova interpretação de
matéria administrativa já anteriormente avaliada. A segurança jurídica tem
íntima afinidade com a boa-fé. Se a Administração adotou determinada
interpretação como a correta para determinado caso concreto vem a lei, por
respeito à boa-fé dos administrados, estabilizar tal situação, vedando a
anulação de atos anteriores sob pretexto de que os mesmos teriam sido
praticados com base em errônea interpretação de norma legal
administrativa.
Neste diapasão é lição do ilustre Miguel Reale JÚnior (20), que acrescenta
com maestria a importância de se viver com segurança: “A politização
cívica, que, sob certos aspectos, não deixava de existir nem mesmo na
antiga concepção do Estado de Direito - até o ponto de Hans Kelsen admitir
a identificação normativa do Direito com o Estado -, se degenerou nos
totalitarismos de toda a espécie, quando o cidadão passou a ser mero
instrumento de uma transpessoal e desumana vontade política. Neste caso
extremo, o Judiciário entrou em eclipse, perdendo sua competência
eminente de proteger o indivíduo contra os abusos da Administração Pública
divorciada da Constituição e das leis”.
Ruy Samuel Espíndola (22), com clareza solar, assim expressou o conteúdo
do princípio em comento: “O princípio da segurança jurídica (art. 5º, caput,
e seu inciso XXXVI, da CF) impõe que as relações jurídicas, as posições de
direito delas decorrente, se já validamente consolidadas, se fruto de coisa
julgada, ato jurídico perfeito, ou direito adquirido, não sejam tocadas,
bulidas, no sentido de revogá-las ou modificar-lhes os efeitos já
consolidados. Reclama também que sejam bem respeitados os institutos da
decadência e da prescrição, especialmente no que toca ao direito de punir,
de investigar sanções, por parte das autoridades”.
E, para o aperfeiçoamento da tríade assim formada (administrado,
Administração, ordenamento jurídico) não só o decurso temporal como
também a boa-fé vêm a informar o princípio da segurança jurídica, sendo
este o segundo requisito inafastável para a devida aplicação do princípio à
garantia, nos casos concretos, das situações fáticas litigiosas. Não basta,
portanto, apenas o decurso do prazo decadencial para inibir a invalidação
abusiva pela Administração; a boa-fé deve ter sido imanente ao ato
impugnado, pois, apesar de o decurso do tempo operar com eficácia
avassaladora, a boa-fé é um requisito intrínseco da incidência legal
estudada, ex vi o art. 54 daquele diploma legal: “O direito da Administração
de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para
os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram
praticados, salvo comprovada má-fé.”
Almiro do Couto e Silva, citado por Lúcia Valle Figueiredo (23), adverte-nos,
nesse sentido: “A prevalência do princípio da legalidade sobre o da proteção
da confiança só se dá quando a vantagem é obtida pelo destinatário por
meios ilícitos por ele utilizados, com culpa sua, ou resulta de procedimento
que gera sua responsabilidade. Nesses casos não se pode falar em proteção
à confiança do favorecido”. Com esta ressalva ficam preservadas a coesão e
a integridade do sistema, pois a cavilação, o dolo, a fraude, antagônicos do
Direito, não estão a merecer a tão almejada proteção conferida aos atos
praticados com boa-fé pelos administrados. Repelindo-se assim a má-fé, e
protegendo-se a boa-fé, o sistema legal permanecerá coerente e sua
jurisdicidade será mantida.
Não percamos de vista que o princípio do devido processo legal foi inserido
pelo constituinte na Carta Magna de 1988 no seio das normas garantidoras
dos direitos individuais e coletivos (art 5º, inciso LIV). É curial ter-se em
mente, por ora, que o conceito de legalidade, a que está restrita a
Administração Pública, não pode ser resumidamente entendido como uma
legalidade estrita, ou seja, aquela oriunda apenas do direito positivado; nele
se inclui, com toda a propriedade, a totalidade do ordenamento jurídico,
incluindo a Constituição que, com sua carga principiológica, seguirá
vinculando a Administração Pública.
Conforme leciona JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, (38) “Vale a pena
sublinhar que a lei se referiu expressamente à administração indireta, que,
como é sabido, pode ser desempenhada por entidades dotadas de
personalidade jurídica de direito privado, como é o caso das sociedades de
economia mista e empresas públicas. Conquanto sejam pessoas privadas,
não deixam de integrar a Administração Pública federal, de modo que
também elas deverão observar o procedimento estatuído na lei, sobretudo
quando houver interesse de terceiros, administrados, que devem ser
preservados como deseja o diploma regulador.”
Não podemos, tampouco, menosprezar sua incidência normativa nos
processos administrativos também em tramitação perante os poderes
Judiciário e Legislativo, ressalvado-se que assim ocorrerá apenas naqueles
que representem a atuação administrativa desses poderes, ex vi o que
dispõe o art. 1º, § 1º, do referido diploma legal.
É nesse pensar que desponta a lição do ilustre Fábio Medina Osório (41):
“Se uma dada entidade é regulada pelo Direito Público, sendo obrigatória a
filiação do particular nessa entidade para o exercício profissional, é comum
que a legislação estabeleça poderes sancionatórios a esses órgãos
fiscalizadores, poderes que se submetem ao Direito Administrativo
Sancionador, ainda que a atividade fiscalizada se paute por normas de
direito privado, normas deontológicas, de ética institucional. (...) É
fundamental ao reconhecimento do caráter público das funções de
determinadas Corporações ou Colégios profissionais, que, nessa medida,
atuariam praticamente ´em nome´ do Estado na imposição de sanções
administrativas a seus membros, em que pese o fato de o órgão
sancionador não ser, rigorosamente, uma autoridade administrativa ou
judiciária.”
Há um motivo até muito simples para tal raciocínio: quem garante que a
decisão superveniente, em processo revisional autônomo ou não, por
suposição unilateral, de ilegalidade do ato, é mais acertada que a
precedentemente obtida, no sentido de sua validade, após o embate do
contraditório ?
No entender do insigne Min. do STJ, Luiz Fux (49): “Se é assente que a
Administração pode cancelar seus atos, também o é que por força do
princípio da segurança jurídica obedece aos direitos adquiridos e reembolsa
eventuais prejuízos pelos seus atos ilícitos ou originariamente lícitos, como
consectário do controle jurisdicional e das responsabilidades dos atos da
Administração. (...) Em conseqüência, não é absoluto o poder do
administrador, conforma insinua a Súmula 473”.
carlos pinto coelho Motta (55) observa que antes da entrada em vigor da Lei
nº 9.784/99 havia uma corrente defendendo a imprescritibilidade do direito
de a Administração anular seus próprios atos com base na Súmula nº 473
do STF, sob alegação de que os atos nulos geram nulidade perpétua, não se
convalidando jamais, e tendo como ponto de partida a teoria das nulidades
do Direito Privado que, como vimos, não se prestam a prosperar no Direito
Administrativo. A partir, entretanto, da edição daquela Lei, que deixou claro,
em seu art. 54, haver um prazo (decadencial) de cinco anos para ocorrência
de tal façanha, encerrou-se o debate sobre o tema. Este autor, portanto,
lança uma pá de cal sobre a polêmica, conceituando com brilhantismo (56):
“Daí que não se pode deslocar por inteiro para o Direito Público o quadro
geral da invalidade dos atos jurídicos no Direito Privado, posto que, em
certas situações, a permanência no mundo jurídico do ato administrativo
inválido se impõe, em prol do interesse público e em face do princípio da
segurança jurídica”.
É, então, aqui, que se coloca a vexata quaestio: qual o mal maior, para o
interesse público e, em última análise, para a sociedade ? (a) a preservação
da segurança jurídica, e a conseqüente estabilização das relações sociais
ou, (b) ao contrário, a negativa de vigência de decisão anteriormente já
tomada pela Administração, sob pretexto de que uma melhor a está
substituindo, via a anulação da anterior, sabedores que somos todos da
volatilidade de interpretações, com freqüência dissonantes da lei, que se
originam do seio do Poder Público ?
6. Conclusões
Notas:
12. DI PRIETO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 13ª ed. São
Paulo: Atlas, 2001, p.85.
14. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2005, p.433.
16. STJ: MS nº 8946-DF, Rel. Min. Humberto Gomes Barros, jul. 22.10.03,
publ. DJU 17.11.03, p.197.
20. REALE JUNIOR, Miguel. Questões de Direito Público. São Paulo: Saraiva,
1997, p.47.
38. carvalho filho, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.41.
42. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9ª ed. São Paulo: RT,
2005, p.190.
49. STJ: REsp. nº 402.638/DF, j. 03.04.03, pub. DJU 02.06.03, p.187; in São
Paulo: Dialética, RDDP, vol. 5, ago/2003, p.237.
52. TJSP: 7ª Câmara, Apel. Cív. nº 27.127.5/5-00, jul. 11.08.97; in São Paulo:
RT, Revista dos Tribunais, vol. 746, dez/1997, p.224.
Assim, com o advento da Lei nº 9.784, de 1999, houve uma mudança de atitudes
do Administrador Público, perante seus administrados, com relação a possibilidade
de revisão dos atos administrativos, encontrado no seu artigo 54, caput, conforme
se observa nos julgados do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: