Sie sind auf Seite 1von 4

1

MOVENDO Idéias - ARTIGOS

DIREITO À MEMÓRIA: O PATRIMÔNIO HISTÓRICO,


ARTÍSTICO E CULTURAL E O PODER ECONÔMICO
Felícia Assmar Maia *

RESUMO: modo de falar, as crenças, o saber e o artesanato


representam a forma do homem se relacionar em
O presente artigo visa a enfocar o direito à sociedade. É essa identidade que possibilita cada
memória que têm todos os grupos humanos, en- grupo social reconhecer-se simultaneamente se-
fatizando a importância da preservação do patri- melhante e diferente de outro grupo, ao revelar as
mônio histórico, artístico e cultural, sendo este o ações do homem para viver em sociedade no
testemunho da herança de gerações passadas, que correr da história.
exerce papel fundamental no momento presente A herança cultural, que é portada através dos
e se projeta para o futuro, transmitindo às gera- séculos, envolve além dos bens naturais, os mo-
ções por vir, as referências de um tempo e um numentos e as edificações que revelam as carac-
espaço singulares que jamais serão revividos, mas terísticas das diferentes fases vividas pelos gru-
revisitados, criando a consciência da intercomu- pos sociais.
nicabilidade da história.
Compreendendo nossa memória social, artís- 2. DIREITO À MEMÓRIA
tica e cultural, podemos perceber e controlar o Preservar é a palavra-chave quando se pensa
processo de evolução a que está inevitavelmente em memória, e remete à idéia de proteção, cui-
exposto o saber e o saber fazer de um povo. dado, respeito. Preservar não é apenas guardar
algo, mas também fazer levantamentos, cadastra-
1. PATRIMÔNIO CULTURAL mentos, inventários, registros, etc.
A Constituição Federal de 1988 define, um A preservação do patrimônio histórico, artís-
tico e cultural é necessária pois esse patrimônio é
seu artigo 216, o que é o patrimônio cultural bra-
o testemunho vivo da herança cultural de gera-
sileiro, assim se expressando: ções passadas que exerce papel fundamental no
momento presente e se projeta para o futuro,
“Constituem patrimônio cultural transmitindo às gerações por vir as referências de
brasileiro os bens de natureza ma- um tempo e de um espaço singulares, que jamais
terial e imaterial, tomados indivi- serão revividos, mas revisitados, criando a cons-
dualmente ou em conjunto, por- ciência da intercomunicabilidade da história1 .
tadores de referência à identida- Compreendendo a memória social, artística e
de, à ação, à memória dos dife- cultural é que se pode perceber e controlar o pro-
rentes grupos formadores da soci- cesso de evolução a que está inevitavelmente ex-
edade brasileira...” posto o saber e o saber fazer de um povo.
Preservar o patrimônio nacional é dever do
Pode-se conceituar cultura como as diferen- Estado e direito da comunidade, que pretende ver
tes maneiras de viver de um povo, transmitidas conservada a memória de fatos e valores cultu-
de geração a geração recebidas por tradição. O rais da nação brasileira.

* Professora da UNAMA, Especialista em Direito Civil pela PUC- São Paulo e Mestranda em Direito do Estado pela
UNAMA- Pará.
AGRADECIMENTO
Meu mais sincero agradecimento à Dulcília Maneschy Corrêa e à Valdéa Cunha da Silva, respectivamente diretora
e bibliotecária do Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Estado do Pará, pelas informações
que me foram prestadas, sem as quais este trabalho jamais ter-se-ia concretizado.
1
Carta de Burra, apresentada na Austrália em 1980, pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios/ICOMOS.

Movendo Idéias, Belém, v8, n.13, p.39-42, jun 2003


2
MOVENDO Idéias - ARTIGOS

A Constituição de 1988 define esse patrimônio num equilíbrio de ações que valorizem o patrimô-
fazendo expressa menção às edificações que tra- nio histórico, artístico e cultural.
zem referência à identidade e à memória nacionais. Ter um bem tombado não significa estar dele
Ratificando e enfatizando essa posição da Carta desapropriado, assim como se o bem é de interes-
Magna, o Estado do Pará sancionou a Lei no 5629, se à preservação ou localização em área de entor-
de 20 de dezembro de 1990, que em seu artigo no de bem imóvel tombado.
6o resguarda o poder-dever do Estado de con- Não obstante a Constituição Brasileira garanta
servar a memória nacional, poder que, aliás, exer- o direito de propriedade, que segundo a legislação
ce em colaboração com a comunidade, promo- cível é o direito de usar, gozar e dispor de um de-
vendo todos os atos necessários à preservação terminado bem, tal manifestação de direito não pode
do patrimônio histórico, artístico e cultural. ser entendida de forma isolada, sem que se faça
Não se entenda por preservação apenas o ato uma interpretação sistemática e integrada do orde-
do tombamento. Preservar é conservar a memó- namento jurídico brasileiro, que outrossim, prevê a
ria, portanto conceito genérico que dá ao Poder função social da propriedade.
Público o direito de, conforme a legislação, exer- Para Hely Lopes Meireles3 , a propriedade “é
cer todas as atividades administrativas indispen- um direito individual por excelência, do qual resulta
sáveis ao fomento de ações de preservação, sem a prosperidade dos povos livres”. E segue citando
ferir direitos individuais. Léon Duguit, que enfatiza o fato de há muito ter ela
Tombar é inscrever em um livro – O Livro do deixado de ser exclusivamente o direito subjetivo
Tombo –, que determinada propriedade, seja do proprietário para se transformar na função social
pública ou privada, móvel ou imóvel, foi conside- do detentor da riqueza. Trata-se de um direito indi-
rada de interesse social, submetida, a partir daí, a vidual condicionado ao bem-estar da comunidade.
um regime peculiar que objetiva protegê-la con- Como direito constitucional garantido pelo ar-
tra a destruição, abandono ou utilização inade- tigo 5o, o direito de propriedade é uma projeção
quada, quer dizer, sobre o bem passa a incidir um da personalidade do homem, mas sem que isso
regime especial de tutela pública2 . signifique que ela é intocável4, ou seja, há limites
No Brasil o tombamento foi instituído a partir de para o seu uso no sentido de garantir o bem da
1937, pelo Decreto-Lei no 25. Trata-se, portanto, de coletividade.
instituto relativamente recente no ordenamento jurídi- Se assim o é, há duas faces do direito em tela: a
co pátrio. Sua importância na atualidade é enorme, face pública, que necessariamente o condiciona
exigindo a atenção não só dos juristas, bem como do enquanto princípio e pressuposto de sua existência
Poder Público e de toda a sociedade. É preciso man- social; e a face privada que se expressa pela apro-
ter viva a história de um país, por isso, o tombamento priação individual da coisa, por sua expressão eco-
se justifica para os bens cuja conservação seja de nômica e pelas relações privadas daí decorrentes.
interesse público, quer por seu excepcional valor ar- A compatibilização desses dois aspectos é ma-
queológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico, quer téria controversa e põe em cheque o instituto do
por sua referência a fatos e valores históricos. tombamento, que ainda causa inconformismo nos
proprietários dos bens por se tratar de restrição ao
3. PRESERVAÇÃO E PODER ECONÔMICO direito de propriedade, sendo este um dos mais
O tombamento de uma edificação não pode e caros ao homem depois da vida e da liberdade.
não deve impedir a modernização da cidade, até Não há o que temer, a compatibilização é pos-
porque o uso original de um imóvel tombado pode sível e necessária, e dela depende a preservação
ser modificado, a não ser que a motivação do tom- da memória de um povo.
bamento tenha sido exatamente seu uso. A preser- O processo de desenvolvimento deve primar
vação tem que acompanhar a idéia de renovação, pela valorização dos bens culturais e das constru-

2
Antonio A. Queiroz Telles, Tombamento e seu Regime Jurídico, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1992, pg. 13.
3
Hely Lopes Meireles, Direito Administrativo Brasileiro, 23ª Edição, São Paulo, Malheiros Editores Ltda, 1992. pg. 482.
4
Benjamin Villegas Basavilbaso, Derecho Administrativo, Buenos Aires, 1956, VI, pg. 11.

Movendo Idéias, Belém, v8, n.13, p.39-42, jun 2003


3
MOVENDO Idéias - ARTIGOS

ções históricas, integrando-os ao sistema de pla- dica que colabore com a preservação do patri-
nejamento que busca compatibilizar desenvolvimen- mônio cultural; e a associação do Poder Público
to urbano, patrimônio ambiental e edificado e tu- com particulares, pessoas jurídicas nacionais, es-
rismo. Indubitavelmente é preciso garantir o bem- trangeiras e internacionais, para a obtenção de
estar das populações que habitam cidades e sítios
recursos destinados à constituição de um fundo
históricos, suprindo-as das necessidades básicas
especial de administração e fiscalização dos bens
como saneamento, eletricidade, transporte, etc.
O proprietário de um bem imóvel tombado ou tombados.
inserido em área de entorno de preservação de-
verá solicitar uma consulta prévia ao órgão de 4. EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
proteção do patrimônio (em nível federal – o A educação patrimonial é um processo que
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Ar- conduz o homem ao entendimento do mundo em
tístico Nacional, no Estado do Pará – o DPHAC que está inserido, elevando sua auto-estima e à
– Departamento do Patrimônio Histórico, Artísti- conseqüente valorização de sua cultura.
co e Cultural, e em Belém – a FUMBEL – Fun- O importante hoje em dia é que se mobilize a
dação Cultural do Município de Belém), para re-
comunidade para realizar a enorme e patriótica
ceber as informações necessárias para o desen-
volvimento de um projeto ou serviço a ser execu- tarefa de preservação do patrimônio cultural,
tado no imóvel, ou ainda para a aposição de anún- possibilitando a equânime repartição dos ônus
cio publicitário. Com as informações, deverá ser sociais entre a coletividade e o proprietário do
desenvolvido um projeto, submetido à nova aná- bem tombado. Ao Poder Público compete, atra-
lise do órgão de proteção do patrimônio. Somente vés dos meios de comunicação, de exposições
com a autorização desse órgão é que o serviço e cursos, sensibilizar a população para a impor-
poderá ser iniciado, evitando-se assim, a aplica- tância do assunto.
ção das penalidades previstas na legislação, até O direito à memória é garantido quando a
por configurar crime previsto no Código Penal comunidade toma consciência do seu papel
Brasileiro, nos artigos 165 e 616. fundamental de guardiã do próprio patrimô-
A coletividade aufere vantagens com o tom- nio, passando então a impedir a degradação
bamento, daí a necessidade da repartição do e a destruição do meio ambiente, imóveis e
ônus, devendo o Poder Público conceder aos objetos culturais, numa ação de salvaguarda
particulares, certos privilégios, para compensar preventiva.
as restrições à livre fruição de seu direito de pro- Uma eficiente política de preservação deve ser
priedade. integrada à comunidade, atingindo a educação em
Hodiernamente são poucas as vantagens con- todos os níveis, conscientizando crianças, jovens
cedidas aos proprietários de bens imóveis tom- e adultos da necessidade de manter viva a heran-
bados ou de interesse à preservação. Para repa- ça cultural que nossos antepassados nos legaram
rar essa omissão do legislador pátrio, ideal que se desde as eras primevas.
pudesse introduzir certas medidas, objetivando a “A melhor forma de preservar o patrimônio
melhor sistematização do instituto do tombamen- cultural é através do respeito e interesse do pró-
to, dentre elas a total isenção de tributos inciden- prio povo em assegurar a proteção dos testemu-
tes sobre o imóvel5; a concessão ou a ampliação nhos de uma cultura, permitindo assim o exercí-
de benefícios fiscais a toda pessoa física ou jurí- cio pleno da cidadania”6.

5
Antonio A. Queiroz Telles, op. cit, pg. 101 e 102.
6
Série Informar para Preservar, Volume 1, Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Estado do
Pará, pg. 30.

Movendo Idéias, Belém, v8, n.13, p.39-42, jun 2003


4
MOVENDO Idéias - ARTIGOS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS tivo Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros,


1992.
BASAVILBASO, Benjamin Villegas. Derecho
Administrativo, Buenos Aires, 1956. PARÁ. Departamento de Patrimônio Histórico,
Artístico e Cultural. Belém, 2002.(Série Informar
CASTRO, Sônia Rabelo de. O Estado na Pre- para Preservar.)
servação de Bens Culturais. Rio de Janeiro:
Renovar, 1991. TELLES, Antônio A. Queiroz. Tombamento e
seu Regime Jurídico. São Paulo: Revista dos
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administra- Tribunais, 1992.

Movendo Idéias, Belém, v8, n.13, p.39-42, jun 2003

Das könnte Ihnen auch gefallen