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Artigo publicado

na edição 18

s e t e m b r o e o u t o b r o d e 2 0 11
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Estrategística
:: coluna

O Pensamento
Estrategístico
Talvez pareça que a logística de sua empresa
esteja errada. Provavelmente é porque existem
várias soluções possíveis, mas sua mente fixou-
se em apenas uma. Talvez a estratégia de sua
empresa pareça muito complexa e pouco
prática. É bem possível que ela seja muito
mais simples do que parece. Ao julgar o que
é logística e o que é estratégia, será que você
realmente aprendeu a pensar incorporando
esses conceitos? Será que existe algo mais na
interseção entre eles que ainda lhe escapa?
Este artigo lhe fará refletir profundamente sobre
o que você pensou que soubesse. Abra seus horizontes.
Pense Estrategisticamente!

Rodrigo Guerra, PMP


Formado em Eng. Mecânica e Física com pós-graduação em Gerenciamento de Projetos pela George Washington University e MBA em Finanças pela FIA, é diretor
geral da São Paulo Distribuição e Logística (SPDL), membro do conselho consultivo da In-Haus, possui mais de 15 anos de experiência em Logística,TI, Gestão e
Estratégia de Negócios, já tendo atuado em várias empresas no Brasil e EUA.
rodrigo.guerra@spdl.com.br

Há exatos 18 meses escrevi o primeiro artigo so- esforços. Além do mais, seria deveras arrogante acredi-
bre Estrategística. Desde então, comecei uma coluna de tar que todos os leitores deste artigo também leram os
mesmo nome na MundoLogística e, embora já tenha es- anteriores.
crito mais de 20 textos sobre o tema, apenas sete foram Então, comecemos de trás para frente e vamos antes
até o momento publicados. Não posso dizer que tenha ao que Estrategística não é. Estrategística não é sim-
recebido centenas de e-mails, mas há quem acompa- plesmente a união de duas palavras no sentido que elas
nhe. A estas pessoas, dedico este novo artigo, que tem carregam. “Logística”é uma palavra que todo leitor da
por objetivo explicar um pouco melhor como exercer o MundoLogística sabe o que significa. Penso que “estra-
Pensamento Estrategístico. tégia” também seja um vocábulo amplamente conhecido
Entretanto, seria ingênuo nos “lançarmos de cabeça” e aceito. Estes dois termos já pertencem à fala do dia-a-
numa cruzada desenfreada sobre o tema, sem antes no- -dia, tanto em nosso meio, quanto em outros. Deixemos
vamente concebermos o que é Estrategística e ao me- a semântica e a etimologia de lado por um instante. Por
nos mencionarmos alguns de seus benefícios. Se assim o mais simples que seja a ideia a ser transmitida, quando
fizéssemos, se embarcássemos neste empreendimento uma pessoa de instrução emprega o termo “logística”,
sem ao menos algumas ponderações prévias, depararía- sabe exatamente o que quer dizer. O mesmo se dá para
mos com questões do tipo, “Estrategística? Mas o que é com o termo “estratégia” .
isso e para que serve?”, que anulariam todos os nossos Estrategística, por outro lado, já não tem essa carac-
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terística. Ninguém usa este termo coloquial- ples, é trivial. Eu mesmo já me peguei diversas vezes re-
mente, em palestras ou em outros estudos. citando este mantra. Mas o ato de nos expressarmos
Portanto, além de não haver uma definição desta forma é muito mais psicológico do que neces-
formal de dicionário, também não há uma sariamente factual. Dizemos que logística é simples da
informal, ditada pela vida cotidiana. Assim, mesma forma que professores universitários dizem que
seria razoável alguém pensar em Estrate- cálculo é simples. Fazemos como se fosse para espantar
gística como a simples contração de duas os espíritos que se alimentam de nossos medos. Afinal,
palavras conhecidas; “estratégia” e “logísti- que didática haveria em proclamar “isso é impossível de
ca”. A conclusão lógica a se formar seria aprender, nem tentem!” É claro que existe toda uma
que Estrategística é a prática de logística gama de problemas logísticos distintos distribuídos num
com estratégia, ou estratégia aplicada à extenso espectro de dificuldade. Transportar uma caixa
logística. Se este fosse o caso, poderíamos de ponto A para ponto B não tem nenhum mistério.
pensar em outras contrações semelhantes Transportar centenas de milhares de caixas entre cen-
e brincar de criar novas palavras. “Estratelíti- tenas de milhares de pontos é algo totalmente diferen-
ca” seria, consequentemente, estratégia aplicada à te. O crescimento linear na quantidade de operações
política e “logisticarte” seria a arte da logística. Con- individuais traz um aumento na dificuldade operacional,
tudo, é óbvio que não existe política sem estratégia, e nos problemas, que de linear nada têm, mas que ope-
nem tampouco logística sem arte, como já vimos pelo ram, frequentemente, de forma geométrica, exponencial
grau de complexidade inerente à atividade.1 Estes dois ou mesmo que seguem funções muito mais complica-
termos seriam, portanto, redundantes em si. Deste das. Em seguida, introduzimos o conceito de complexi-
modo, os desqualificaríamos como termos neces- dade, emprestado do universo da teoria da computação,
sários para a explicação de um conceito novo. e vimos que a maioria dos problemas que tratamos em
Analogamente, se seguíssemos esta linha tam- nosso dia-a-dia é do tipo Np-Complexo e, portanto,
bém com a Estrategística, matá-la-íamos no sem respostas únicas. Resumindo, não há uma melhor
nascedouro, atribuindo-lhe a mesma característica de solução para uma ampla gama de problemas logísticos,
jogo de palavras das outras duas. apenas soluções, no irrestrito uso da palavra, que, depois
Mas Estrategística não é isso. de implantadas, podem ou não ser melhores do que
Estrategística é um conceito distinto da mera união outras hipotéticas.
de dois termos conhecidos: é uma forma de pensar, um A estratégia, por sua vez, vista por muitos como uma
movimento metalogístico, que busca dissecar os meca- forma de arte, a julgar por sua aparente complexidade,
nismos e processos mentais, escondidos de nossa cons- é muito mais linear do que parece. Ainda assim, esta ale-
ciência, que utilizamos para resolver as questões logísti- gação é de difícil sustentação por algumas razões.
cas com as quais nos defrontamos no dia-a-dia. Primeiro, pelo simples fato de que a grande maioria
das pessoas conhece muito pouco ou nada sobre o as-
Rememorando conceitos sunto. Esta falta de conhecimento teórico não faz mais
Para nos aprofundarmos nesta definição, precisamos do que agravar o mito de “estratégia ser para poucos”.
recapitular dois conceitos fundamentais; que logística Mas não é bem assim. Se falássemos de futebol e das
não é uma ciência exata e que existem princípios se- vantagens de uma armação 4-4-2 sobre uma 4-3-3, ao
não idênticos ao menos extremamente semelhantes, até menos metade do país teria algo a dizer, mesmo que
mesmo nas mais díspares estratégias dos mais diversos uma não tenha vantagens significativas sobre a outra,
campos. Não vejo necessidade de estender-me nova- sem sua devida dose de desvantagens. Mas deixemos
mente em nenhuma destas duas premissas, afinal, ambas as particularidades desta questão em aberto e foque-
foram tratadas extensivamente em meu último artigo. mos apenas no ato do debate, da discussão e das pon-
Ainda assim, é necessário rememorar algumas conclu- derações que tal pergunta incita. Ao discutirmos sobre
sões. quais formações as seleções da Copa de 2010 deveriam
Já ouvi muita gente dizer que logística é fácil, é sim- utilizar, não estaríamos falando de estratégia? Perceba.
O mito trava as massas numa lógica circular: desconhe-
1. Esta é uma referência ao meu artigo anterior, no sentido de
que, com tantas soluções plausíveis para um problema Np- cem sobre o assunto, porque estratégia é para poucos
Complexo, o praticante da logística deve fazer uso de seu senso e por ser para poucos desconhecem sobre o assunto
prático para eleger a solução a ser adotada. A arte, neste caso, também. O fato ainda permanece independentemente
seria a utilização deste senso prático, embasada em percepções
e não somente em cálculos matemáticos. das razões ou das formas de se romper o ciclo.

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Segundo, a maioria das pessoas observa muito pou- gênios da bola – assim como há gênios da estratégia– , é
co e induz menos ainda. Assim, a todo minuto, nos muito mais comum encontrarmos jogadores medíocres
surpreendemos com as ações de nossos semelhantes, pelos gramados.
simplesmente por não atribuirmos ao próximo, pensa-
mentos e ações que não atribuiríamos a nós mesmos. Ponderações preliminares
A grande maioria das pessoas simplesmente dirige suas Visto o que é Estrategística, por que deveríamos em-
ações como se elas não impactassem ou fossem impac- preender qualquer esforço para aprender a “pensar Es-
tadas pelo entorno. Voltando ao nosso exemplo, é tido trategisticamente? Quais seriam os benefícios? Será que
e havido pelo brasileiro que qualquer técnico de futebol os ganhos compensam o investimento? Posso garantir
de meia pataca estuda os VTs dos jogos dos adversá- que vale a pena, mas sem exemplos concretos, concedo
rios para conhecer suas táticas e antecipar suas jogadas que minha asserção não passe de uma “canção vazia”.
ensaiadas. É desta maneira que imaginam as alternativas Por outro lado, desenvolver ilustrações coerentes, com
de empregar marcadores ferozes a fim de neutralizar fundamentação prática e substância, nos levaria muito
estrelas rivais ou utilizar seus próprios gênios como ar- espaço e constituiria uma larga e irreparável digressão
mas secretas. Contudo, mesmo com exemplos como do assunto. Assim, mesmo sob risco iminente de alienar
este, que constantemente nos cercam, quando falamos alguns leitores, além de convidá-los a ler minha colu-
na aplicação de estratégia em nossas vidas cotidianas são na nesta mesma MundoLogística, nada mais posso fazer,
poucos os que enxergam “além do umbigo”. neste momento, do que pedir um depósito de confian-
Terceiro, as pessoas conhecem pouquíssimo de como ça, embora sabendo que tal pedido pode ser interpre-
trabalha a mente humana. O mundo já produziu milhares tado como injusto, por aparentar ser uma petição de
de pensadores brilhantes. De Maquiavel a Freud, todos princípio.
eles, à sua maneira, explicaram o pensamento humano Concedendo a isto, podemos então perguntar:
e estabeleceram seus padrões de repetição. Como não “Como fazer para pensar Estrategisticamente, se até
há criança que escape do Complexo de Édipo, também agora, mesmo tendo estabelecido o que Estrategística
não há guerras que não sejam travadas por poder sob é e, determinado categoricamente que nada tem a ver
diferentes disfarces ideológicos, políticos, ou meramen- com a mera condensação de duas palavras, só o que fi-
te pessoais. O mundo corporativo tem exemplos assim zemos foi falar delas individualmente?” Como seria pos-
por todos os lados, mas se alguém disser que o coor- sível disciplinarmos nossa mente para pensar de uma
denador que se faz de vítima e que, por trás do chefe, forma que ainda não compreendemos integralmente?
mina as chances do projeto, disparando “inverdades” e A estruturação do Pensamento Estrategístico, preli-
intrigas, tem um comportamento perverso – conhecido, minarmente, envolve a compreensão de um conceito,
repetitivo e pra lá de estudado, os ouvintes ignorantes antes de apresentarmos suas duas estruturas de supor-
responderiam: “Que nada! Ele é assim mesmo, nem ligue te e formularmos seu modelo. Precisamos investigar
pra isso, no fundo ele é uma boa pessoa!. E assim se- onde armazenamos o conhecimento que absorvemos
guiríamos, sem prestar maior atenção, sem nem sequer e como fazemos para acessá-lo. Para tanto, vamos pegar
questionar se o indivíduo padece de alguma patologia emprestada uma minúscula parte da obra de Sigmund
que possa continuar prejudicando as atividades da em- Freud.
presa. O que acontece em nosso dia-a-dia, durante o es-
Talvez estas três não compreendam todas as razões, tado de vigília, nossos pensamentos, nossas ideias,
mas mesmo sem estudá-las a fundo, vemos que são sufi- nossos raciocínios, podemos dizer que acontecem de
cientes para ao menos concedermos ao fato de que, para forma consciente. Afinal, estamos cientes destes even-
grande parte da população, a linearidade da estratégia é tos, mesmo que não os expressemos oralmente. Para
muito pouco intuitiva. Sem prática ou estudo, tudo se simplificarmos uma explicação levaria páginas, vamos
torna pouco intuitivo. Afinal, quem é que entende o que simplesmente dizer que todos os nossos pensamentos
significa “ritmo de jogo”, sem nunca ter jogado antes? conscientes estão contidos em nossa Consciência. Mas
Resumindo, estratégia não requer cálculos complexos, há outro “lugar” que para a psicanálise tem fundamental
não precisa de ponderações intermináveis, e tampouco importância: o inconsciente. Nele guardamos um sem
é a arte de lidar com o desconhecido. Praticar estratégia número de informações, dados, imagens mentais, toda
é como jogar futebol, exige prática, condicionamento e espécie de sensações e traumas que vivemos ao longo
estudo para desenvolver habilidade, resistência e visão de nossas vidas. Algumas destas informações simples-
de jogo. E como todos sabem, embora existam muitos mente não saem de lá, como, por exemplo, uma experi-
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ência muito negativa que tivemos em nossa infância, mas A absorção de conhecimento e sua eventual orga-
que não conseguimos nem lembrar que aconteceu; es- nização mental passam por processos muito únicos e
quecemos até que nos esquecemos de tal memória. Po- particulares. Cada pessoa aprendendo de sua forma e
rém, há muita coisa que simplesmente não lembramos utilizando seu arcabouço de maneiras muito individuali-
porque não há necessidade de lembrarmos, mas que zas. Em todo caso, o estudo e análise destes mecanismos
poderíamos caso precisássemos. Assim, podemos dizer estão muito fora do escopo da Estrategística. Deixemos
que este tipo de memória, que não queremos “esquecer isso para a psicologia ou mesmo para os filósofos da
para sempre”, seria melhor se guardada em outro lugar: epistemologia. Para nosso propósito, o que precisamos,
no Pré-Consciente, que pode ser facilmente acessado dentro desta primeira proposição, é apenas nos identi-
pela Consciência. ficarmos com alguns conceitos relativamente simples.32
Para compreender melhor, imagine-se numa peça de Esforce-se para se lembrar do último artigo que você
teatro. Existe todo um cenário por trás, mas o foco de leu e mentalmente responda às seguintes perguntas:
luz do refletor está exatamente onde você está. Você Qual era o tema central? Qual o conceito principal? O
não consegue ver o resto do cenário, mas ainda assim autor embasou o argumento com premissas bem fun-
sabe que ele está lá. De repente, quando o foco de luz damentadas? O corpo do texto continha dados e in-
se movimenta, você visualiza uma parte do entorno. En- formações relevantes? Havia uma clara formulação de
tenda o foco de luz como “certa atenção” que, se colo- argumentos coerentes? A conclusão foi uma sequência
cada sobre algo, faz-se “lembrar dela”. É mais ou menos lógica ao texto? Provavelmente algumas destas pergun-
assim que acessamos nossas memórias. Não precisamos tas ficaram sem resposta, não necessariamente pelo fato
tê-las o tempo inteiro sob atenção, afinal ninguém se de não terem sido, à época, identificadas no texto, mas
lembra de tudo a todo o momento, mas sempre que pela constatação de que você simplesmente não se re-
precisamos, fazendo um esforço consciente para tal, po- corda mais das minúcias do artigo. Há uma crítica que
demos invocar memórias armazenadas, metaforicamen- pode ser feita a esta argumentação. O leitor poderia
te como um foco de luz que, ao deslocar-se, ilumina uma dizer, “Ora bolas, não me lembro simplesmente porque
parte distante do cenário.”2 o artigo não era nem interessante e nem relevante!”.
Então tente se recordar de um artigo lido desde o início
Primeira estrutura de sustentação do ano. Especificamente, um que o tenha interessado e
Dito isso, podemos fundar a primeira estrutura de que seja particularmente relevante à sua atividade. Não
sustentação do Pensamento Estrategístico: a absorção é fácil lembrar com clareza ou exatidão o que foi dito
de conhecimento deve ser uma obsessão. pelo autor, não é mesmo?
Perdi a conta de quantas vezes encontrei pessoas vi- Ainda assim, de alguma forma, o conhecimento absor-
dradas em lembrar nomes de autores, em recordarem- vido segue presente em nós. É como se ele ficasse ador-
-se de conceitos, de fórmulas, de gráficos, de dados e de mecido, aguardando nosso foco de atenção para que
jargão. Alguns se orgulhavam da capacidade de derivar possa emergir numa situação de necessidade, de forma
fórmulas inteiras a partir de modelos conceituais, outros a muitas vezes surpreender a nós mesmos, tamanha a
aludiam a gurus da gestão como se falassem de amigos vivacidade com que ele retorna. Mas o conhecimento
íntimos, e ainda outros citavam livros que jamais haviam não fica necessariamente “adormecido” no sentido da
lido. Correndo “na raia ao lado” vinham os deslumbra- palavra. Muito pelo contrário, ele permanece aceso e
dos. Grupo semelhante que tinha por objetivo focar a ativo, misturando-se com “outros conhecimentos”, tro-
aplicação do último modismo empresarial a seu ambien- cando informações, agregando e subtraindo. O conheci-
te de trabalho. mento fica constantemente se reorganizando em nosso
As coisas não funcionam bem assim, de forma direta.
Não se pode pegar um artigo qualquer, por maior re- 2. Para completude do modelo, o Inconsciente seria, por exemplo,
o porão abaixo do palco do teatro. Mesmo a luz mais forte não
nome que tenha seu autor, e esperar que exista aderên- iluminaria o que há por lá. Quem tiver interesse neste modelo,
cia deste à sua realidade empresarial. Tampouco adianta sugiro a leitura dos artigos metapsicológicos de Sigmund Freud
conceber pequenas adaptações à obra original na in- (1956-1939) de 1915.
3.Entenda também que as palavras “nos identificarmos com”
tenção de implantá-la com menos trauma. Citações de são fundamentais neste caso. Não gostaria que esta expressão
gurus também estão repletas de pseudoprofundidade, fosse mentalmente substituída por “‘compreendermos”. O con-
sendo que na maioria das vezes, adaptam-se a qualquer ceito de identificação implica em vivência, como no ato de “ser
vivido”. Enquanto “compreendermos”implica uma ação mental,
contexto, desde a logística de uma farmacêutica até a possivelmente sem experiência prática. “Nos identificarmos com”
uma aula de culinária. é a vivência do conceito em si.
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Pré-Consciente43até que mereça nossa atenção para vir lógica?” e para “o que é filosofia?”, em seguida explicar “o
à tona, como se o cenário do palco escuro ao nosso que é raciocínio” e, por último, demonstrar o que quere-
redor estivesse sendo alterado para o próximo ato da mos dizer por “sólido”. Mas um empreendimento como
peça teatral. Infelizmente não temos qualquer controle este constituiria um desvio considerável do objeto deste
sobre este processo. Pouco sabemos sobre como nosso artigo, sem considerar que o argumento, muito prova-
arcabouço de conhecimento se organiza. Tudo o que velmente, seria permeado de buracos que levariam re-
podemos fazer é expandi-lo para que suas combinações visões a fio para serem cobertos. Precisaríamos abordar
espontâneas sejam mais ricas e robustas. as obras de Frege, Russell e Wittgenstein que, além de
Assim sendo, não se limite a textos técnicos sobre lo- extremamente complexas, levariam o leitor numa dis-
gística. Ao longo da vida você perceberá que eles são os cussão filosófica sobre a utilização da linguagem, algo
menos relevantes, embora, a princípio, isso seja difícil de muito distante de nosso propósito. Assim, neste mo-
perceber. Leia tudo que lhe for possível, dos mais diver- mento, opto por ir direto à conclusão e sustentá-la com
sos campos, das mais distintas áreas do saber. Tampouco algumas poucas considerações, deixando a discussão
empenhe grandes esforços para se lembrar de tudo o mais abrangente para um momento futuro.5
que você já leu. É inútil e irrelevante, por mais paradoxal O raciocínio lógico-filosófico é fundamentalmente
que isso possa parecer. importante, pois é ele que, sob a pressão do pragmatis-
mo sobre um tema, instancia-se em estratégia. Os tipos
Segunda estrutura de sustentação de tema e de pragmatismo implicam no tipo de estraté-
Assim, estamos prontos para compreender a segun- gia a ser instanciada; pragmatismo no campo de batalha
da estrutura de sustentação do Pensamento Estrategísti- (o tema sendo subjugar o inimigo), instanciaria o racio-
co: o raciocínio lógico-filosófico deve ser sólido. cínio lógico-filosófico em estratégia militar, pragmatismo
De partida, concedo que a segunda estrutura pareça no mundo dos negócios (o tema sendo a maximiza-
conflituosa com a primeira. Afinal, enquanto uma esta- ção de lucros), instanciá-lo-ia em estratégia corporativa,
belece que não temos controle sobre o processo com- pragmatismo numa operação de transportes (o tema
binatório do conhecimento, a outra propõe justamente sendo a redução de tempo de trajeto, otimização de ve-
trabalharmos na elaboração de um raciocínio que não o ículos ou a minimização de impostos), instanciá-lo-ia em
deixa de utilizar como matéria-prima. Mas este não é o estratégia logística. Independentemente da estratégia
caso. Há uma diferença crucial entre as duas estruturas. resultante, a matéria-prima é a mesma. O concernente
A combinação dita pela primeira funciona num plano aqui não é mais do que o conceito da estratégia pura,
Pré-Consciente. Já a solidez instigada pela segunda pre- não vinculada ainda a uma ou outra área, agindo como
cisa ser conscientemente trabalhada. se fosse uma espécie de célula-tronco.
Partamos para uma definição clara do que significa O cerne do raciocínio lógico-filosófico está no ques-
“um sólido raciocínio lógico-filosófico”, dentro do obje- tionamento incessante e incansável, similar ao que ve-
tivo maior de explicar a formulação do Pensamento Es- mos em crianças, que iniciam grande parte de suas fra-
trategístico, tema central deste artigo. O ponto de parti- ses com o advérbio “porque”. Parto para um simples
da mais óbvio seria formular uma resposta para “o que é exemplo, a fim de elucidar o sentido e dar substância e
contemporaneidade a estes últimos parágrafos.65
4. Este também é um conceito Freudiano. Como o leitor pode Veja o diálogo número 1 no box ao lado.
perceber, a primeira estrutura de sustentação tem uma enorme
influência do pai da psicanálise. A princípio, o diálogo dos dois profissionais parece
5.Valho-me de uma observação do filósofo Britânico de Sir A. J. normal e plenamente razoável. Afinal, ele realmente
Ayer (1910-1989) neste atalho: “É por seus métodos, mais que transcorreu, não exatamente da forma como narrada,
por seus temas, que a filosofia deve ser distinguida de outras
artes ou ciências. Filósofos fazem afirmações que crêem ser palavra a palavra, mas de maneira muito similar. No en-
verdadeiras, e, em geral, se valem do raciocínio tanto para apoiar tanto, embora difícil de notar numa primeira leitura, há
suas próprias teorias como para refutar as de outros, mas os algumas falácias gritantes na argumentação do gerente.
raciocínios que usam são de um caráter muito peculiar. A prova
de uma afirmação filosófica não é, ou só muito raramente é, Primeiro, o conjunto de indicadores denominados
como a prova de uma afirmação matemática.” KPIs não merece este nome, afinal, o “K” de “key” indica
6.Alguns leitores podem se questionar o porquê do uso da que os indicadores apresentados são os principais da
dialética no exemplo a seguir. A razão é simples. Porque é
um método que se adapta bem à nossa realidade e facilita o área, embora obviamente, os financeiros não estejam
“atalho” proposto, mesmo que sua contemporaneidade e prag- presentes. Mas este ponto é pequeno e, até aí, facilmen-
matismo (por não ter fim – uma pergunta sempre leva a outra) te perdoável, por se tratar muito mais de um vício de
possam ser questionados (até mesmo pelos próprios autores
que influenciaram este artigo). linguagem do que de uma concepção equivocada de
que o conjunto estaria absolutamente completo. Os
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DIÁLOGO # 1

Um gerente de transportes apresenta os KPIs de sua área7.1A reunião transcorre normalmente. Ao final, dá-se
o seguinte diálogo:
Diretor: Por que estes indicadores são KPIs?
Gerente: Porque eles resumem o desempenho da área de transporte neste mês.
Diretor: Mas não há nenhum indicador financeiro. Isso quer dizer que o desempenho financeiro de transportes
não faz parte da sua área?
Gerente: É verdade. Faltam indicadores financeiros. Mas os demais apresentam o desempenho operacional da
área.
Diretor: Então é possível separar desempenho financeiro de desempenho operacional?
Gerente: Bem, não necessariamente, mas se observarmos atentamente o desempenho operacional, e se identifi-
carmos os problemas que temos, podemos agir para corrigi-los.
Diretor: E por que corrigir os problemas operacionais encontrados?
Gerente: Para ganharmos em qualidade.
Diretor: Por que você quer ganhar em qualidade?
Gerente: Para satisfazermos melhor nossos clientes.
Diretor: Mas nossos clientes não estão insatisfeitos, estão?
Gerente: Realmente não estão, mas quanto mais satisfeitos eles estiverem, mais fiéis a nós eles serão e mais
negócios nós teremos com eles.
Diretor: Hum... será mesmo? Mas independentemente disso, quanto custará a correção destes problemas e
quantos negócios a mais isso nos trará?
Gerente: Ainda não chegamos lá.
Diretor: Entendo... e o que mais a correção dos problemas operacionais nos trará de bom?
Gerente: Ganharemos em tempo. Tempo em transporte é tudo. Otimizaremos nossa frota e reduziremos
nossos gastos.
Diretor: Em quanto?
Gerente: Também ainda não chegamos lá.
Diretor: Bom, então não vou nem perguntar quanto tempo isso vai levar. Mas tenho outra pergunta. Se isso é
tão importante, por que é que não temos KPIs para medir estes nossos ganhos?
Gerente: Porque ainda estamos medindo apenas os indicadores operacionais.
Diretor: E por quanto tempo mais mediremos apenas os indicadores operacionais?
Gerente: Até gerarmos os planos de ação para melhorá-los.
Diretor: Então você vai gerar planos de ação para obter ganhos operacionais sem saber os resultados financei-
ros que serão gerados?
Gerente: Não se preocupe. Tenho certeza que os resultados financeiros virão. É uma questão de tempo. Estes
KPIs estão nos trazendo um grau de controle muito maior do que tínhamos anteriormente. Quanto maior nos-
so controle, maior nossa influência no processo e quanto mais conseguirmos influenciar e aprimorar o processo,
mais resultado teremos na área de transportes. Em pouco tempo poderemos medir os resultados financeiros
também e facilmente comprovaremos as melhorias.

7. KPIs sigla em inglês para Key Performance Indicators, significa Indicadores-Chave de Desempenho. A sigla em inglês é mais comu-
mente utilizada do que a sigla em português.

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problemas maiores vêm em seguida. O gerente tem to- ção inconsciente; a de que confiança na capacidade do
dos os fundamentos do seu raciocínio razoavelmente ser humano deve ser suprema e de que todos a mere-
bem estruturados. Ele sabe que precisa controlar para cem enquanto não provado o contrário.
poder influenciar o processo. Ele também entende que Resumindo, para efeitos de nossa proposta, podemos
controlar por controlar leva apenas a desperdício de dizer que o raciocínio lógico-filosófico não é nada mais
tempo e dinheiro e que, o propósito da atividade em que a investigação de questões levando a respostas que,
si, é trazer ganho em qualidade, em tempo e em custo, quando concatenadas, neutralizam as falácias de uma
ou qualquer combinação destes três. Mas então onde argumentação. Não sustento que devamos ser compla-
estão os problemas? O gerente assume que os clien- centes com tais falácias, mas simplesmente realistas; no
tes querem mais qualidade. Isso é uma generalização. mundo corporativo elas estão em todo lugar. Portanto,
Estamos tão acostumados a ouvir da imperiosa necessi- ao invés de atacarmos estes problemas diretamente,
dade de qualidade que tratamos isso como um fim em questionamos, visando respostas que preencham as la-
si. Mesmo que no fundo isto não seja um desejo explí- cunas. A estruturação da qual falamos é a prática desta
cito, assumimos que é latente. Além disso, embora haja forma de pensar em nossa vida cotidiana, de modo a
certa correlação, na prática, todos sabem que qualidade transformá-la em nosso modus operandis primário. Daí,
não é, e provavelmente nunca será, sinônimo de fideli- a transmutação deste raciocínio estruturado em estraté-
dade. No limite, podemos entendê-la como premissa gia é um simples passo. Ao expormos nossa nova forma
necessária, mas nunca tomá-la como suficiente para a de pensar ao pragmatismo do dia-a-dia, sob a luz de
manutenção de uma relação fornecedor-cliente. Por úl- um tema qualquer, a conversão se dá quase esponta-
timo, na obsessão pela qualidade, o gerente não mede neamente. Veja uma possível continuação da conversa
o retorno do investimento necessário para sua obten- entre o diretor e o gerente sob esta nova orientação.,
ção. Pelo contrário, argumenta dizendo que tem ciência no diálogo número 2.
da importância do resultado, cita premissas verdadeiras, Por último, peço apenas que o leitor expurgue de seu
mas que induzem a uma conclusão sofismática, e apela julgamento a simplicidade linear deste segundo trecho.
para a confiança em sua pessoa. É claro que deve haver Obviamente que sua construção tem um ponto a ser
confiança entre profissionais que trabalham juntos, mas estabelecido, o da ligação entre o pragmatismo cotidia-
parte da crítica está justamente neste fato. Confiança é no à estratégia e, portanto, suprime todos os pequenos
construída em cima de tempo de trabalho e de muita desvios e tangentes naturais à nossa expressão oral.
coerência. Como não há no diálogo algo que implique
que os dois trabalhem juntos há muito tempo, se isto O Pensamento Estrategístico
passou despercebido pelo leitor, poderíamos dizer que Vistas as duas estruturas de sustentação, podemos
esta suposta especulação advém de ainda outra opera- finalmente partir para nossa formulação final. O Pensa-

DIÁLOGO # 2
Diretor: Ok. Não há dúvidas que faz algum sentido o que você está dizendo. Mas você e sua equipe precisarão
segmentar esta análise. Primeiro, precisamos de indicadores financeiros atrelados à operação. Sem eles, qualquer
ganho em qualidade não seria facilmente identificável no resultado final da empresa e o esforço de vocês ficaria
restrito a resultados apenas dentro da área de transportes.
Gerente: E por que os resultados precisam ser vistos fora da área de transportes, se podemos apresentá-los a
você diretamente, sendo você o responsável por toda a operação da empresa?
Diretor: Exatamente meu segundo ponto. Você disse que precisaremos investir para melhorar a qualidade e que
a partir daí geraremos resultados para toda a empresa. Sem indicadores consistentes que demonstrem como
rastrear estes resultados não conseguiremos a liberação do investimento necessário.
Gerente: Faz sentido. O foco da estratégia de crescimento da empresa realmente não passa por este tipo de in-
vestimento nesse momento. Mas a proposta não é investir puramente para ganhar em qualidade. Estamos falando
de um montante pequeno que retornará em dobro, senão em triplo. Dessa forma, este investimento seria uma
forma de reduzir um gargalo para auxiliar no crescimento que a empresa busca, mesmo que numa área diferente.
Diretor: Ótimo. Então prove. Apresente os indicadores, rastreie-os por algum tempo e dê um pouco mais de
robustez a sua proposição para podermos dar-lhe continuidade.
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mento Estrategístico é de caráter econômico e pode ser Adicionando um novo grau de complexidade, conso-
enunciado da seguinte maneira: O Custo de Goodwill ante a experiência prática, podemos dizer que o esfor-
deve ser menor ou igual à soma da Punição com o Em- ço empenhado na redução das Falhas também tem seu
penho (GW <= P + E). custo10.5A esta representação de “Custo de Esforço”,
Concluímos no artigo anterior que nenhum modelo chamamos de Empenho, no sentido de que precisamos
logístico complexo tem apenas uma resposta perfeita.84 empenhar esforços para atingir um objetivo e que, este
A situação aqui é de certa forma análoga, mas consi- empenho, em si, traz um custo associado.116 Observe o
dera ainda a variável humana, que traz um novo grau gráfico 2. A linha do Empenho (vermelha) assume uma
de dificuldade ao modelo, sujeitando-o a erros de exe- forma diferente da do Custo da Falha (azul). Isso intro-
cução quando posto em prática. Assim, diferenciamos duz a ideia da não-linearidade do Empenho.
entre dois tipos de problemas; o da imperfeição dos Como podemos perceber pela prática, atingir zero
modelos, e o da imperfeição da execução. Embora os Falhas em qualquer operação envolve um Empenho
tipos tenham implicações enormemente diferentes, po- enorme, mas que decai exponencialmente com o au-
demos dizer que existe algo em comum entre ambos: mento destas. Uma forma simples de se pensar nesta
imperfeições geram custos que podem ser mensurados questão é considerando a regra 80-20.12 A terceira linha
financeiramente. Ao conjunto destes tipos de imperfei- no gráfico 2 (roxa) é a soma do Custo das Falhas com
ções, daqui para frente chamamos de Falha, com a letra o Empenho.
“f ”em maiúscula, para diferenciar do termo “falha”, que Ato contínuo, podemos adicionar um terceiro ele-
tem a conotação de um simples erro. Ao custo da Falha, mento a esta conjectura. Os clientes de uma operação
em unidades financeiras indeterminadas, chamamos de logística sempre têm metas que, quando muito, estão
Custo da Falha no singular, ou Custo das Falhas no plural, manifestas por escrito e podem ser comparadas a in-
caso a referência seja ao custo total. Observe o gráfico dicadores de desempenho.137O que nunca encontra-
1 abaixo. mos por escrito, no entanto, é o nível de tolerância dos
É fato que nem toda Falha tem o mesmo custo e 9. Dado o atual estágio de evolução do conceito que estamos
explorando, por razões já mencionadas anteriormente, não sabe-
que, portanto, a linha do gráfico 1 não necessariamente mos ainda se isto é sequer possível.
apresentar-se-ia como linear, mas para o propósito da 10. Que neste caso apresenta-se na mesma escala de unidades
discussão a seguir, isso pouco importa. A linearidade dos financeiras indeterminadas. Obviamente este não é sempre o
caso, mas por hora devemos nos concentrar no modelo qualita-
custos é apenas um artifício que simplifica o modelo e tivo e não no quantitativo.
facilita a compreensão. Digo isso ressalvando que, no dia 11. Assim, os termos Custo de Esforço e Empenho assumem a
em que aprimorarmos o argumento, transpondo-o do mesma significação.
12. Atingir 80% dos resultados requer 20% de esforço. Já para
plano qualitativo ao quantitativo, voltaremos ao assunto, atingir os restantes 20% do resultado, requer-se 80% do esforço.
para uma tratativa mais detalhada desta questão. 9 13. O termo “cliente” não implica necessariamente numa
relação “fornecedor-cliente”. O cliente neste texto deve ser visto
8. Isso não significa que não haja modelos melhores do que como um stakeholder de uma operação logística.
outros.
100 100
unidades financeiras

unidades financeiras

90 90

80 80

70 70

60 60

50 50

40 40

30 30

20 20

10 10

0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
falhas falhas
custo das falhas custo das falhas empenho CF +e

Gráfico 1. Custo das falhas. Gráfico 2. Custo das Falhas (CF), Empenho (E) e Soma de CF + E.

21
clientes. Quantas pequenas falhas podem ocorrer em O que escapa de muitos, é que, na maioria das vezes,
uma operação? Quantas Falhas são toleráveis? Exis- fazemos uma condensação e um deslocamento destas
tem Falhas intoleráveis? Quando que o cliente começa Falhas. Ou seja, não as vemos puramente pelo que são,
a perder a paciência com as Falhas? Uma falha grave mas sim pelo que a soma delas representa (conden-
é pior do que algumas falhas simples? Embora sempre sação) e, não enxergamos o problema que trazem in-
tenhamos uma noção relativamente clara das respos- dividualmente para a operação, mas sim o incômodo
tas a estas perguntas, elas sempre operam num plano que a soma delas traz para os clientes (deslocamento).
subjetivo. Não há como definir que o cliente tolera dez Inconscientemente o que fazemos é subtrair do Estoque
pequenas falhas por dia, ou 50 por semana. Impossível de Goodwill, não o custo unitário, mas o custo da soma
também seria indicar que uma falha grave põe tudo a das Falhas que cometemos. Embora nosso raciocínio no
perder, enquanto meia-dúzia de pequenas falhas passam dia-a-dia, aparentemente não seja tão complexo assim,
despercebidas. Pense, por exemplo, numa operação pe- é exatamente por este processo que passamos quando
troquímica. Tomemos uma falha simples. Quantos sacos pensamos “Meu Deus, deu problema de novo? O chefe
de resina termoplástica paletizada podem ser rasgados já está ficando ‘doido da vida’.” Assim, podemos dizer
por mês pela ponta da lança das empilhadeiras? Já numa que existe um custo associado a esta subtração, ocasio-
indústria de bebidas, quantas garrafas podem ser que- nado pela soma das Falhas, que exercemos de uma só
bradas diariamente na operação de distribuição? Até tacada. Isso facilita enormemente nossa vida, pois não
onde vai nossa intuição, na relação que existe por de- precisamos mais nos preocupar com as operações indi-
trás da operação, há sempre uma tolerância, por menor viduais de depósito ou saque contra o Estoque de Goo-
que seja, dos clientes para com as Falhas. Infelizmente a dwill. Simplesmente o que nos cabe agora é concluir
quantificação desta tolerância foge à nossa compreen- dois pontos: a) que, para cada quantidade de Falhas, deve
são. Não podemos operá-la como uma conta em banco, haver um estoque reminiscente e b) que, logicamente,
onde sabemos, exatamente, numericamente, os valo- conforme a quantidade de Falhas aumenta, este estoque
res de depósito e de saque. Todavia, intuímos que sua diminui. A eles, aliemos uma percepção observada na
operação deve ser muito similar, mesmo sem sabermos prática e uma terceira conclusão: a redução ocorre num
exatamente como quantificá-la. Infelizmente, também perfil muito mais próximo ao exponencial do que ao
temos a percepção, corroborada pela própria definição linear. Portanto, para que haja tal redução exponencial, o
do verbete, que “tolerância” não traz à mente a melhor custo em unidades de Goodwill, contra o estoque inicial
e nem a mais positiva das imagens.” 14Assim, sugiro nos deve também apresentar um perfil exponencial, neste
valermos de um termo em inglês, já bastante conheci- caso de aumento, para cada quantidade de Falhas. Com
do, que abrange o conceito de “tolerância”, colocando-o isso, introduzimos um novo conceito, complementar ao
num contexto de boa-vontade para com uma iniciativa, de Estoque de Goodwill, que passamos a chamar de
de consentir a pequenos erros em prol de um objetivo Custo de Goodwill, e aproveitamos para expô-lo de for-
maior, de querer fazer dar certo, e de esperança deposi- ma visual no gráfico 3.
tada num empreendimento que se quer ver concluído e 100
unidades financeiras

operando da melhor forma possível. Portanto, ao invés 90


de “tolerância”, utilizemos o termo Goodwill e, a “saldo
80
de tolerância”, já considerados os depósitos e retiradas,
70
chamemos de Estoque de Goodwill. Com isso, consoli-
damos o conceito de Estoque de Goodwill definitiva- 60
mente no campo qualitativo e evitamos prolongamento 50
da discussão nas particularidades quantitativas do que 40
significa grande falha ou pequena falha, ficando esta de-
30
terminação a critério da subjetividade individual de cada
um que trabalha com operações logísticas.158 20
14. De acordo com o dicionário Priberam (www.priberam.pt), 10
uma das definições para o verbete tolerância é “condescendên-
cia ou indulgência com aquilo que não se quer ou não se pode 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
impedir”. falhas
15. Uma manifestação desta subjetividade é a ideia corriqueira
custo das falhas empenho CF +e
de que “isso pode dar problema...”, extremamente comum em
nossa forma de pensar, que indica certamente o receio de se ter custo de goodwill
cometido uma falha grave. Gráfico 3. Linhas do gráfico 2 mais a nova linha do Custo de Goodwill.

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Analisemos então a terceira proposição. Seria quase justificar uma falha (ou uma sequência de Falhas) a um
utópico concebermos uma operação perfeita, com zero cliente desgostoso. Criamos conjecturas incríveis, culpa-
falhas e, portanto, sem qualquer Custo de Goodwill. É mos o tempo ou a mão-de-obra precária, citamos os
claro que, neste caso, os clientes estariam absolutamente deuses e prometemos empenho. Embora atitude similar
satisfeitos com o desempenho tanto da solução como possa ganhar algum tempo, na maioria dos casos, só faz
da operação. Mas qual seria a satisfação do operador em consumir ainda mais o Estoque de Goodwill.
relação ao Empenho que, conforme podemos observar, A Estrategística propõe uma forma um pouco dife-
seria extremamente alto? A indagação que segue é: Vale rente de atacar problemas deste tipo que, pela natureza
a pena investir para atingir uma operação perfeita de do que fazemos, encontramos com frequência em nos-
uma solução perfeita se o Custo de Goodwill é insigni- so dia-a-dia. Ela chama o logístico a ter sempre em men-
ficante, ou seja, se ainda há tanto Estoque de Goodwill? te o princípio econômico da relação cliente-fornecedor,
Analogamente, poderíamos formular a pergunta da se- estabelecida na fórmula, CG <= P + E, que finalmente
guinte forma: Não seria razoável investir menos, por- poderemos entender após uma última explicação, advin-
tanto economizando recursos financeiros, e aceitar um da da própria maneira de tratar tal relação.
mínimo de Falhas, mesmo sabendo que o cliente não Sem grandes elucubrações e sem perda de pratici-
ficará perfeitamente satisfeito, mas entendendo que ele dade, devemos explicar aos clientes, a implicação de um
reconhece que não precisa desta perfeição para conti- problema com inúmeras respostas corretas aliada à pro-
nuar com a operação? pensão humana a cometer erros; ou seja, 1) Não existe
Se visualmente seguirmos no eixo da abscissa e operação sem Falhas. Como líderes responsáveis, preci-
acompanharmos a linha do Custo de Goodwill (verde), samos demonstrar que não nos furtaremos aos nossos
podemos observar que ela cresce com a quantidade deveres e que, portanto, arcaremos com nosso quinhão
de falhas e que eventualmente cruza a linha de Custo de Custos das Falhas, transformando tais custos em Pu-
das Falhas (azul). É neste exato momento que o cliente nição (este é o “P” da fórmula) contra nós mesmos; ou
pensa, “há erros demais na operação e eles estão cus- seja, 2) Pagaremos por nossas Falhas dentro do princí-
tando muito”, ao que podemos inferir que o Custo das pio da razoabilidade. Demonstrando nossa coerência e
Falhas passa definitivamente a incomodar. Entretanto, o pragmatismo, é fundamental estabelecermos a razoabi-
Empenho necessário para reduzir a zero estas Falhas lidade da qual falamos que, por consequência, implicará
ainda é substantivo e, a soma do Custo das Falhas com na Punição que receberemos, dentro do modelo lógico
o Empenho (roxa) permanece demasiado alto, podendo que estabelecermos; ou seja, 3) Estabelecer uma Puni-
comprometer o resultado financeiro da operação caso ção alavancada, que representa apenas uma pequena
efetivado. Eventualmente percebemos que o Custo de parte do Custo das Falhas com a operação em regime
Goodwill cruza a soma do Custo das Falhas com o Em- de excelência, mas que cresce significativamente o au-
penho. Neste momento, percebemos que tudo está a mento das mesmas. O gráfico 4 ilustra estes três pontos,
perder, pois mesmo um investimento massivo não recu- essenciais à Estrategística, da relação cliente-fornecedor.
peraria a boa-vontade do cliente. Infelizmente, é quase 100
unidades financeiras

sempre muito tarde quando percebemos a precarieda- 90


de na qual a relação está, causada por constantes falhas
80
operacionais.
Assim, a fim de evitar a ruptura abrupta de uma ope- 70
alavancagem
ração motivada pela insatisfação de um cliente, somos 60
frequentemente confrontados com uma questão de or- 50 ponto pivotal

dem prática (questão econômico-financeira) opondo-


40
-se a uma de ordem qualitativa (questão de Custo de
30
Goodwill), ou, em outras palavras, a indagação de como
recuperar nosso Estoque de Goodwill e ao mesmo 20
tempo manter a rentabilidade da operação. Como era 10
de se esperar, reagimos de formas muito diferentes de- 0
ponto de responsabilidade do operador

pendendo da ocasião, mas curiosamente, poucas vezes 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100


falhas
analisamos a questão da maneira mais coerente. Não custo das falhas empenho punição
há praticante da logística que não tenha, ao menos uma custo de goodwill P+e

vez, se encontrado numa posição de ter que explicar e Gráfico 4. Linhas do Gráfico 3 mais a nova linha de Punição.

23
Como é possível observar nesta proposição de Puni- ou, como se está em voga, que já traga embutido em seu
ção (azul), o Custo das Falhas, até o Ponto de Respon- sentido, a responsabilidade social e ambiental. Esta nova
sabilidade do Operador (PRO) é do cliente.169A partir variável, o Custo de Goodwill, torna-se então restritiva,
deste momento, coerente com a explicação fornecida, a devendo sempre ser menor que a soma do Custo das
Punição sobe num ritmo acelerado até cruzar o Custo Falhas com o Empenho, em que o primeiro representa
das Falhas. À diferença na gradação das duas retas da- todos os custos operacionais de atrito, de incompetên-
mos o nome de Alavancagem. Perceba que desta forma cia, de imperícia, de imprudência, de gestão e de acaso
atendemos a equação proposta. O Custo de Goodwill e, o segundo, os investimentos e sua relação imperiosa
jamais será maior que a soma da Punição com o Em- com o lucro operacional.
penho. Essa é a essência do Pensamento Estrategístico. Finalmente, o que posso dizer da prática diária da
Estrategística, sem cair em filosofia de almanaque e ge-
Das conclusões e das interpretações neralizações que destruiriam toda a concepção deste
Mas afinal, como podemos resumir este conceito? artigo é que ela não se faz de forma natural, sem esfor-
Como separar o que é Estrategística do que é Pensa- ço, estudo, e muita reflexão. É só quando se consegue
mento Estrategístico? Como se relacionam um com o compreender a força das interações humanas num con-
outro, ou mesmo, como um segue do outro? E, mais texto específico, sintetizá-la num modelo que contenha
fundamentalmente, como praticar ambos no dia-a-dia? as imagens qualitativas de variáveis quantitativas, e tomar
Antes de tudo, que fique claro que a Estrategística decisões baseadas neste modelo, é que se pode dizer
surge de uma forma de se pensar, diferente da que uti- “Isso é Estrategística”. De qualquer outra forma estaría-
lizamos costumeiramente em nossas vidas cotidianas. A mos praticando outras coisas que teriam outros nomes,
esta forma, demos o nome de Pensamento Estrategísti- que simplesmente por serem opiniões sobre percep-
co, que por sua vez, é a demanda pela manutenção da ções e intuições, não poderiam ser chamadas de Estra-
subjetividade na relação econômica cliente-fornecedor tegística.
como eixo central a toda e qualquer ponderação, análi- Não tenho a intenção de concluir este artigo de for-
se e decisão. Entretanto, é perfeitamente compreensível ma derradeira ou com frases de efeito. Não concluo,
que o termo “subjetividade”, atrelado a “relação econô- pois sinto que ainda estamos distantes de esgotar o as-
mica”, possa ser interpretado como tendo algo de para- sunto. Assim, fora tudo que já foi dito, posso oferecer
doxal. Afinal, há algumas décadas, desde a introdução da apenas mais uma simples observação, que muito mais
econometria, temos a significação de qualquer verbete tem caráter de expectativa, a respeito do que pretendo
derivado de “economia” como possuindo características com a Estrategística e com sua forma de pensar.
minimamente quantitativas, enquanto “subjetividade”,, Não foi por acaso que utilizei a palavra “movimento”
por si só, desdenha qualquer generalização numérica. quando associei a definição de Estrategística à metalo-
Mas este é um paradigma que não nos deve afligir. gística; um movimento para nos estimular a compreen-
Não prego nem o obscurantismo, nem uma volta às der o que está além da logística que percebemos em
raízes qualitativas da economia ou da logística. Muito nossa vida cotidiana. Um movimento de questionar, de
pelo contrário, insisto que a Estrategística é de cunho ponderar, e de “fazer pensar”, e assim buscarmos mais
pragmático, até mesmo para nos auxiliar na percepção profundamente entender como operar os Estoques de
de que na realidade prática, infelizmente para nosso pró- Goodwill advindos desta força das interações humanas
prio pragmatismo, é impossível capturar em números, o e também da interação destas com o mundo externo.
que sabemos existir por detrás de toda e qualquer ope-
ração logística: o Goodwill humano. Assim, a Estrategísti- Uma curta nota sobre uma bibliografia não presente
Mencionei ao menos alguns textos importantes ao longo deste
ca adiciona uma nova variável a um modelo amplamen- artigo. São os mais óbvios. Alguns leitores também podem
te conhecido pelo universo corporativo, que pode ser ter percebido uma influência de Nietzsche (1844-1900)
resumido pelo dito popular entre executivos, “o impor- nos últimos parágrafos. Não nego. Mas prefiro parar por aí.
Aprofundar-me seria incorrer em dois erros; negar que considero
tante é o lucro”, seja ele apenas econômico-financeiro várias da ideias apresentadas como sendo originais, mesmo
que tenham sofrido, ao longo do tempo, a influência de diversos
16. Aqui não devemos nos apegar à forma da linha “ se ela outros autores e, cair na tentação de criar uma “lista de com-
poderia ou não ser representada por uma curva “ ou à locali- pra” de obras que acredito serem fundamentais à construção
zação do PRO.Tal discussão perderá seu propósito se não for de um raciocínio estruturado. Este segundo seria ainda pior, pois
substancialmente aprofundada. Afinal, a definição do PRO é o além de me fazer ceder ao narcisismo, seria contraditório com o
que compõe a essência do princípio da razoabilidade apresen- que disse anteriormente, sobre a organização de conhecimento
tada no ponto 2 acima. Ao invés disso, concentremo-nos apenas sendo muito particular a cada pessoa.
no conceito. *
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