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ARTIGOS REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 111-123 OUT.

2010

INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO,
RACIONALIDADE E AÇÃO INSTRUMENTAL:
A PROPOSTA COGNITIVA DE RAYMOND BOUDON

Bruno Sciberras de Carvalho

RESUMO

O artigo analisa as proposições teóricas do individualismo metodológico de Raymond Boudon, que procu-
ra desvincular-se de perspectivas que ressaltam a concepção de racionalidade instrumental, como o enten-
dimento da escolha racional. As diferenças entre a conduta instrumental e a idéia de racionalidade cognitiva
propostas pelo sociólogo envolvem temas centrais da reflexão social atual, principalmente possíveis víncu-
los problemáticos entre a tradição sociológica e certa ontologia econômica. Para mostrar a particularida-
de do individualismo metodológico de Boudon e sua noção de racionalidade cognitiva, exponho, primeira-
mente, as suas principais críticas ao paradigma instrumental. Posteriormente, debato as alternativas sugeridas
por Boudon, principalmente a idéia de que os agentes incorporam crenças ou teorias simplesmente porque
têm “boas razões” e a sua noção de uma “racionalização difusa”. Finalmente, procuro analisar de que
forma a teoria do autor francês aponta falhas da visão economicista de racionalidade, embora apresente
algumas proposições imprecisas. Assim, ao mesmo tempo em que assinala importante falta de conexão entre
a agência individual e o contexto social na teoria da escolha racional, Boudon elabora uma concepção
universalista de racionalidade que parece não observar fundamentos circunstanciais e delimitados da
realidade social.
PALAVRAS-CHAVE: teoria social; individualismo metodológico; racionalidade; ação instrumental.

I. INTRODUÇÃO Nesse sentido, a proposta metodológica e teó-


rica de Boudon permite uma melhor compreen-
Muitas vezes, o individualismo metodológico
são das particularidades de um entendimento de
e os entendimentos utilitaristas são tomados como
viés econômico que tem encontrado atualmente
pertencendo a um mesmo campo teórico. Entre-
importante recepção nas Ciências Sociais. Dentre
tanto, tais vertentes podem ser diferenciadas tan-
as perspectivas utilitaristas contemporâneas que
to em relação a seus axiomas quanto a seus en-
têm ganhado destaque, a teoria da escolha racio-
tendimentos normativos, sobretudo se levamos em
nal destaca-se como a mais evidente. Essa teoria
conta algumas considerações do sociólogo fran-
parte das questões assinaladas por seus precur-
cês Raymond Boudon, pensador fundamental na
sores Kenneth Arrow, Anthony Downs, William
configuração da primeira vertente. Essa diferen-
Riker, James Buchanan, Gordon Tullock e
ciação é importante para uma reflexão sobre cer-
Mancur Olson1, entre outros, que buscam ressal-
tas direções da teoria social e política contempo-
tar, sobretudo, as falhas das análises sociais e
rânea, pois implica pensar a interação de pressu-
postos importantes das Ciências Sociais – que
procuram problematizar relações singulares entre 1 Há vasta literatura que trata da teoria da escolha racional.
a agência e uma estrutura social circunstancial – Para uma exposição abrangente de diversas concepções e
com uma ontologia proveniente da tradição eco- vertentes da teoria, sobretudo do entendimento político,
nômica que especifica uma teoria da ação de pre- cf. William Mitchell e Randy Simmons (1994). Dentre os
tensões universalistas. Mais particularmente, a di- autores que fundamentaram os parâmetros centrais da es-
colha racional, o trabalho de Mancur Olson (1971) ainda é
ferenciação parece importante por gerar uma com-
o mais amplo para uma discussão tanto sociológica quanto
preensão mais abrangente do conceito de política de suas concepções centrais. Para debates críticos,
racionalidade, freqüentemente enquadrado em ver Donald Green e Ian Shapiro (1994) e Bruno Carvalho
parâmetros instrumentais. (2008).

Recebido em 12 de novembro de 2008.


Aprovado em 31 de março de 2009.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 111-123, out. 2010
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políticas que desconsideram as atividades volta- trole sobre todos os bens e recursos que alme-
das para a satisfação de interesses próprios. Para jam, devem necessariamente estabelecer trocas.
esses autores, a ação social normal deve ser tida O equilíbrio resultante das interações instrumen-
como resultado do raciocínio pessoal que relacio- tais representa a forma pela qual os jogadores ajus-
na de modo eficiente meios escassos e fins tam reciprocamente os seus comportamentos para
construídos autonomamente. Dois pontos desta- a criação de um regime caracterizado pela satisfa-
cam-se em tal concepção. O primeiro é a noção ção geral de interesses. Portanto, interações raci-
de uma reflexão pessoal constante dos custos e onais demandam a reflexão sobre as intenções dos
benefícios de todas as conseqüências das ativida- outros, considerando-se o fato fundamental de que
des ordinárias. O segundo ponto é a idéia de que qualquer ambiente é feito de outros agentes que
os indivíduos percebem seus pares como meios também são racionais.
para a obtenção de seus fins pessoais. A noção de
A proposição sociológica fundamental da teo-
racionalidade é vinculada, então, à idéia de consu-
ria da escolha racional é que uma estrutura nada
midor da teoria econômica, sendo referida geral-
mais pode ser do que uma mera soma de ações
mente à conduta que busca três elementos bási-
individuais. Por conseguinte, tal estrutura é ape-
cos: riqueza, prestígio e poder.
nas um resultado de trocas pautadas por interes-
Metodologicamente, aponta-se a possibilidade de
ses pessoais, e só toma alguma forma exclusiva-
previsão das escolhas de sujeitos racionais, o que
mente pelo fato de os agentes não terem controle
caracterizaria um método “positivo”, não
direto sobre os bens que almejam. Se todos obti-
normativo, que separa os fatores essenciais das
vessem suas metas e objetos de modo automáti-
ações de dados secundários. As atividades seriam
co, e controlassem todas as atividades que pu-
descritas em um imaginado estado puro, no qual
dessem satisfazer seus desejos, nem mesmo ha-
poderiam ser removidas características sem im-
veria o que se pode denominar como sistema so-
portância do processo social que são notadas em
cial (COLEMAN, 1990, p. 29). A teoria da ação
uma observação direta e não controlada2. A meta
definida pela escolha racional não enfoca a pers-
da teoria da escolha racional é explicar muito por
pectiva de as crenças ou fatos sociais resultarem
meio de conceitos simples, criticando entendimen-
de processos históricos ou estruturais, preferin-
tos pautados por concepções generalizantes e tidas
do ressaltar a relação de desejos pessoais com os
por inconsistentes, como “estrutura”, “vontade
limites do ambiente externo, o que leva o indiví-
geral” ou “socialização”. O estabelecimento de
duo a determinar uma escala de preferências frente
padrões predeterminados de ação conduz ao aban-
ao contexto de transações que se apresenta-lhe.
dono de postulados que abrangem valores ou cren-
Quando as análises examinam de fato as normas
ças abstratas3.
sociais, tendem a expressar ou um entendimento
Na perspectiva da escolha racional as relações universalizador, não vinculado a condições histó-
sociais podem ser concebidas como jogos estra- rico-sociais específicas, ou teses que tratam as
tégicos, tendo a idéia de equilíbrio grande desta- crenças e normas como fatores de um bom ou
que. As características fundamentais do tecido mau funcionamento das condições do mercado
social seriam a escassez de bens e a necessidade social4. De forma geral, os trabalhos da escolha
imperativa de estabelecimento de interações es- racional tendem a conceber funcionalmente as
tratégicas. Dado que os indivíduos não têm con- normas sociais, que aparecem como mecanismo
para controlar um sistema social baseado em re-

2 Os fundamentos centrais dessa perspectiva metodológica


4 Algumas concepções expostas em parte da obra de Elster
encontram-se no célebre artigo de Milton Friedman (1953).
(1994, p. 137-148) são exemplares da primeira vertente.
3 Há uma grande discussão no campo da escolha racional a Pode-se notar que o autor relaciona as normas sociais com
respeito da metodologia adequada para predizer-se as ações. valores universais que poderiam ser encontrados em qual-
Em geral, pode-se perceber dois entendimentos: o que ado- quer tipo de sociedade e momento histórico, como a eqüi-
ta uma concepção “fraca” de racionalidade, que não dade, o altruísmo e o que denomina “conduta kantiana”.
predetermina os valores dos indivíduos, e outro “forte”, Para um debate sobre o caráter funcionalmente adequado
que especifica a priori os objetos e bens valorizados pelos ao desempenho do mercado na teoria social da escolha raci-
agentes. Entretanto, pode-se notar o predomínio da noção onal, expresso na noção de capital social e nas tentativas de
“forte”, dada sua maior capacidade teórica de antecipar os limitar as conseqüências de externalidades negativas a par-
cursos de ação. Ver Hechter (1997, p. 193-195). tir de normas sociais, ver Carvalho (2008, p. 129-178).

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lações imprevisíveis de competição. A confiança mesmo tempo em que assinala importante falta de
interpessoal surge, então, como parâmetro teóri- conexão entre a agência individual e o contexto
co central, pois indica a possibilidade de certos social na teoria da escolha racional, Boudon ela-
ambientes resolverem problemas de ação coleti- bora uma concepção universalista de racionalidade
va, permitindo intercâmbios previsíveis em con- que parece não observar fundamentos circuns-
textos egoístas. tanciais e delimitados da realidade social.
Boudon, sobretudo em seus últimos trabalhos, II. COGNIÇÃO E AÇÃO RACIONAL: A CRÍTI-
critica a predeterminação da ação humana nesse CA DE BOUDON AO PARADIGMA INSTRU-
paradigma economicista, elaborando uma peculi- MENTAL
ar teoria sobre a racionalidade e a ação individual.
Boudon indica a necessidade de as teorias se-
Ainda que reitere (BOUDON, 2002a) a relevância
rem desprovidas de “caixas pretas”, ou seja, de
da teoria da escolha racional em explicar parte dos
não dependerem de princípios externos a si mes-
fenômenos da modernidade, sustenta a necessi-
mas ou de noções vagas para explicar os fenôme-
dade de conceber a racionalidade dos indivíduos
nos sociais. Demarcando o caráter racionalista de
de um ponto de vista mais complexo. A princípio,
seu entendimento das ações, o autor questiona as
Boudon destaca a importância da escolha racional
perspectivas teóricas que evocam causas irracio-
em apontar certas inconsistências de entendimen-
nais, como processos inculcadores (presentes, no
tos “culturalistas” e “psicologistas”. A relativa in-
seu entender, em certos entendimentos
fluência dessa teoria resultaria do fato de procu-
durkheimianos e marxistas) ou afetivos (como seria
rar indicar mecanismos e origens na explicação
exposto na tradição freudiana ou nietzschiana)
das ações sem recorrer a noções que as inscre-
(BOUDON, 1999b, p. 20). Boudon acredita que
vem em uma esfera misteriosa e intangível. O que
sua perspectiva cognitivista permite vantagens
parece positivo na escolha racional é o fato de dar
teóricas sobre os entendimentos que supõem
importância a aspectos subjetivos e reflexivos que
irracionalidade. Em primeiro lugar, a teoria
não implicam a imposição direta de certa estrutu-
cognitivista explicaria as ações dos sujeitos não
ra social sobre as condutas humanas. Contudo,
por meio de algum pressuposto de interiorização,
Boudon sustenta que a teoria da escolha racional
constrangimento ou falsa consciência, mas a par-
falha em explicar um vasto conjunto de fenôme-
tir de sentimentos de convicção. Em segundo lu-
nos, já que a noção de racionalidade instrumental
gar, a teoria não incorporaria as dificuldades dos
expressaria apenas ações triviais da conduta eco-
entendimentos que não apontam causas plausí-
nômica. O autor salienta que o conceito de
veis para as ações. Em terceiro lugar, a própria
racionalidade deve ser polissêmico, o que pressu-
característica social das crenças e comportamen-
põe a necessidade de reconstruir as motivações
tos – o fato de que outros agentes comportam-se
dos agentes e examinar os fatos sociais como re-
crêem de forma similar – seria facilmente explicada
sultados de ações que não incorporam sempre
por uma teoria cognitivista. Para Boudon (idem,
fatores utilitaristas (BOUDON, 2003b, p. 70).
p. 23), o fato de os indivíduos defenderem e jus-
É exatamente esse entendimento mais com- tificarem suas crenças em um ambiente social
plexo da ação que parece relevante para o debate sugere que toda convicção apóia-se em um siste-
contemporâneo sobre a concepção de ma interativo de razões percebido como consis-
racionalidade. Para mostrar a particularidade do tente. Assim, “se admitimos que uma crença co-
individualismo metodológico de Boudon e sua letiva [...] instala-se porque faz sentido para os
noção de racionalidade cognitiva, exponho, pri- indivíduos, ou seja, se admitimos que ela se im-
meiramente, as suas principais críticas ao planta porque eles possuem razões de adotá-la,
paradigma instrumental. Posteriormente, debato essas razões não são por definição nem objetivas
as alternativas sugeridas por Boudon, principal- nem puramente subjetivas no sentido de serem
mente a idéia de que os agentes incorporam cren- efeito de idiossincrasias. É por isso que proponho
ças ou teorias simplesmente porque têm “boas qualificá-las de ‘trans-subjetivas’” (ibidem).
razões” e a sua noção de uma “racionalização
Questionadas as propostas teóricas que suge-
difusa”. Finalmente, procuro analisar de que for-
rem irracionalidade nos comportamentos, Boudon
ma a teoria do autor francês aponta falhas da vi-
chama atenção para duas direções essenciais de
são economicista de racionalidade, embora apre-
seu individualismo metodológico. Por um lado,
sente algumas proposições imprecisas. Assim, ao

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critica o tipo de análise holista que não observa a necessidade de reconstruir as motivações subjeti-
relação necessária dos fenômenos coletivos com vas e refletir o fato social em questão como resul-
as razões individuais e que trata certas institui- tante da agregação de comportamentos individu-
ções, como um partido ou uma organização reli- ais. O plano meramente metodológico não pres-
giosa, como dotadas de consciência e vontade supõe, então, que se analise a sociedade como
própria (BOUDON, 1991, p. 50). O fundamental, um conjunto de átomos, mas que se perceba a
nesse caso, é questionar os trabalhos que descre- relação entre as ações e o contexto social, sendo
vem os agentes como portadores passivos de idéias tal contexto o ambiente em que uma ação pode
e fatos coletivos, de modo que suas atitudes apa- ser identificada e legitimada como racional.
recem inteiramente determinadas pelo meio soci-
Mesmo sugerindo que a escolha racional pro-
al. Boudon critica, sobretudo, a capacidade
põe argumentos válidos em certos casos, Boudon
explicativa de teorias estruturalistas que se basei-
indica, a partir dos pressupostos de seu individu-
am em entendimentos tautológicos, em que a pró-
alismo metodológico, que teorias fundamentadas
pria evocação de estruturas sociais coercitivas
na concepção de ação instrumental podem exami-
explicaria comportamentos ou atitudes que, por
nar apenas fenômenos específicos e circunscri-
sua vez, são a única prova de existência dessas
tos, em que os indivíduos adotam comportamen-
mesmas estruturas.
tos conseqüencialistas que têm em vista benefíci-
Por outro lado, e o mais importante para se os e resultados pessoais. Todavia, existiriam ou-
distanciar de paradigmas utilitaristas e para espe- tros tipos de ação que expressam uma outra
cificar a singularidade de sua concepção de racionalidade, com princípios e características
racionalidade, Boudon (idem, p. 46) desvincula diferentes do instrumentalismo. A escolha racio-
sua metodologia de uma apreciação normativa nal não compreenderia, sobretudo, situações em
sobre o individualismo moderno5. Sustenta que a que os atores raciocinam a partir de princípios ou
noção de individualismo possui um significado opiniões. De modo geral, Boudon questiona o tipo
inteiramente diferente se ela aparece no contexto de proposta que incorpora, além da tese de que
da Sociologia, da ética ou naquele da teoria do toda ação parte de indivíduos, o pressuposto de
conhecimento. O autor ressalta que a teoria da que as consequências das condutas e os interes-
racionalidade que propõe não se constitui a partir ses pessoais são sempre analisados pelos agentes
de um caráter atomista6 (BOUDON, 1999a, p. em suas interações. Cabe notar que este último
135). Somente a metodologia focaliza os indiví- pressuposto é um pilar central da concepção so-
duos, dado que as justificativas racionais possu- cial da escolha racional, que assume uma correla-
em valor devido ao fato de alcançarem reconheci- ção direta entre um conjunto externos de oportu-
mento generalizado em uma sociedade. Pode-se nidades, manipulável pelos agentes, e uma esco-
dizer que se trata, portanto, de um argumento lha racionalizada pautada pelos resultados (cf.
epistemológico que não fundamenta um ELSTER, 1994, p. 29-37).
posicionamento ontológico. Essa é uma impor-
Boudon (2002a) identifica classes de fenôme-
tante característica que singulariza a teoria do au-
nos e tipos de ação que escapam às explicações
tor francês em relação a outras vertentes do indi-
vinculadas aos pressupostos da racionalidade eco-
vidualismo metodológico, que, por vezes, unem
nômica inscrita em um ambiente escasso de opor-
proposições epistemológicas a argumentos
tunidades. Em primeiro lugar, salienta que há ati-
normativos sobre o papel dos indivíduos na con-
tudes que expressam crenças não triviais, muito
figuração das sociedades (UDEHN, 2002, p. 501).
distanciadas da conduta de maximização de bene-
A metodologia de Boudon apenas prescreveria a
fícios. Embora vários atos, como o de atravessar
a rua com cuidado a fim de aumentar as próprias
5 Para uma análise da trajetória teórica de Boudon, que chances de vida, possam ser explicados por in-
mostra sua preocupação constante em aliar seu método termédio da teoria da escolha racional, existiriam
individualista a uma peculiar percepção estrutural, ver outras situações determinadas por crenças, ou mais
Cynthia Hamlin (1999). particularmente por teorias, que expressam ape-
6 Sobre outras vertentes do individualismo metodológico, nas as tentativas de os indivíduos compreende-
inclusive as que enfatizam uma apreciação explicitamente rem a realidade de um contexto ou agirem de for-
normativa e moral do individualismo, ver Lars Udehn ma satisfatória. O exemplo banal de um motorista
(2002).

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em um cruzamento pode ilustrar a importância de ender comportamentos que não cabem nos axio-
tais crenças (cf. LANNOY, 2000, p. 942-944). mas instrumentais como provenientes de simples
Enquanto a ação de parar o carro em um cruza- enquadramentos mentais (frames) que seriam ex-
mento movimentado seguindo as regras de trân- ternos aos indivíduos e, portanto, inexplicáveis ou
sito pode ser explicada pelo medo de uma multa, irracionais (BOUDON, 2003a, p. 44-45). Seria a
prisão, desejo de integridade corporal, preserva- partir das proposições de racionalidade cognitiva
ção dos bens materiais ou quaisquer fins pessoais e axiológica que se pode construir entendimentos
ou egoístas, a mesma conduta em um cruzamen- sociológicos que não pedem novos dados sem
to vazio, em que não há riscos de acidente ou explicação ou suposições não pressupostas.
sanção do poder público, não pode ser examinada
Boudon também ressalta a impotência da teo-
a partir de entendimentos instrumentais. Nesses
ria da escolha racional e dos entendimentos
casos, em que o respeito a certas regras sociais
utilitaristas em entender os comportamentos que
parece inquestionável, os agentes pautar-se-iam
se apóiam em crenças prescritivas e não
por valores fundamentados em crenças e teorias
“conseqüencialistas”. O fato de que os agentes
validadas de forma compartilhada.
geralmente votam, mesmo sabendo da insignifi-
Os sujeitos acreditariam nessas crenças ou te- cância de seu ato para o resultado final, ou que
orias simplesmente porque lhes parecem verda- dividem somas de dinheiro que acham, agindo
deiras para entender e dar sentido a situações de- contra seus interesses próprios, seriam represen-
finidas espacial e temporalmente, o que implica o tações de atitudes que expressam pouca impor-
fato de a racionalidade gerada nesses momentos tância para as suas conseqüências (BOUDON,
ser de tipo cognitivo e não instrumental. Deve-se 2002a, p. 762). Por outro lado, Boudon chama
notar que quando Boudon denomina essas cren- atenção para várias situações que os indivíduos
ças ou teorias de satisfatórias, não se aproxima da consideram relevantes e essenciais, de modo que
tese clássica de Herbert Simon (1967), muito de- se tornam moralmente inquestionáveis, pressupon-
batida no campo da escolha racional, acerca de do de antemão uma resolução aceita por todos. A
uma racionalidade limitada (bounded rationality), questão do roubo, por exemplo, indicaria que cer-
relacionada com a situação de um conjunto sem- tos fenômenos tornam-se incompreensíveis se
pre reduzido de informações disponíveis nas situ- restritos ao quadro analítico da escolha racional.
ações sociais. O autor lembra que o agente pode Há uma certeza de que o roubo é ruim, mesmo
tanto deparar-se com um déficit de informação que ele gere malefícios efetivos apenas para um
quanto estar vinculado a um problema que requeira contingente pequeno de uma comunidade. Para
os recursos cognitivos de que dispõe (BOUDON, Boudon, as explicações que definem a avaliação
1999a, p. 93). Assim, os indivíduos buscam um negativa em relação ao roubo como resultante de
sistema de boas razões para a resolução dos pro- um sentimento pessoal de medo seriam inconsis-
blemas que a realidade cotidiana impõe, de modo tentes, pois a opinião comum condiz antes com
que “a racionalidade do ator ordinário lembra mais, uma indignação que surge mesmo se a ocorrência
portanto, a racionalidade que evocam os filósofos estiver relacionada a indivíduos desconhecidos e
da ciência do que aquela da economia neoclássica. distantes (BOUDON, 1999a, p. 122; 1999c, p.
O que se trata de maximizar ou otimizar aqui não 111-112). Além disso, a indignação geralmente não
é uma diferença entre custos e benefícios, mas se refere aos dados quantitativos do prejuízo acar-
sim a força de um sistema de argumentos” (idem, retado, mas aos danos sofridos pela vítima. Não
p. 93-94). seria possível, portanto, entender o fenômeno
normativo somente por suas conseqüências, mas
A conseqüência é que os argumentos admiti-
sim pelas razões que criam um julgamento de va-
dos e defendidos pelos agentes resultam do siste-
lor baseado em princípios essenciais a partir dos
ma de razões que predomina em um contexto
quais as sociedades constituem-se. Assim, “a or-
cognitivo específico, de modo que a maioria das
dem social se baseia no fato de que toda retribui-
pessoas tende a possuir as mesmas respostas para
ção social consentida a um indivíduo deve, em
as mesmas questões. Ao contrário da qualificação
princípio, corresponder a uma certa contribuição
da escolha racional de certas atitudes sociais como
de sua parte. Senão o principio mesmo da relação
irracionais, Boudon indica a necessidade de uma
social encontra-se em questão. Ora, o roubo é
teoria mais abrangente da racionalidade. Tal en-
uma retribuição positiva que o ladrão se atribui às
tendimento requer negar as tentativas de compre-

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expensas de sua vítima, tendo recorrido a um exatamente destacar esferas sociais externas aos
constrangimento ilegítimo. Assim fazendo, ele cálculos individuais7. Contudo, tratando a repu-
contradiz uma regra essencial que está na base de tação como se fosse um custo a ser evitado, as
todo sistema social […]. Portanto, o roubo é tão análises acabariam construindo argumentos ad
condenado porque existem razões fortes para o hoc e contraditórios, pois não há motivos con-
condenar” (BOUDON, 1999a, p. 121). sistentes para que a abstenção seja vista de for-
ma negativa se pressupormos que os agentes são
Finalmente, Boudon chama atenção para a fa-
efetivamente racionais e sabem da inutilidade do
lha das análises utilitaristas em entender fenô-
voto (idem, p. 111).
menos distantes de qualquer característica ego-
ísta, como o fato de que todo espectador de Para Boudon, os indivíduos buscam geralmente
Antígona condena Creonte e aprova a protago- razões adequadas às situações que enfrentam no
nista, ainda que tal ato não obedeça a critérios de cotidiano e apenas em certos casos a racionalidade
ganhos ou desejos individuais. Esse caso implica atitudes de maximização de meios e fins
exemplificaria um conjunto de situações em que pessoais. Na maior parte das vezes, a racionalidade
os agentes devem avaliar conjunturas relacionar-se-ia com dados cognitivos, em que as
desconectadas de exclusivismos e de referênci- crenças e teorias que fundamentam as ações apa-
as pessoais. Mesmo que os custos a nível pes- recem como verdadeiras, ou com qualidades
soal sejam irrisórios ou gerem conseqüências axiológicas, de modo que as mesmas crenças e
negligenciáveis, atos oportunistas de governantes teorias são justificadas e legitimadas por peculia-
também sempre resultam em indignação social, res argumentos normativos. Para a compreensão
até em países com possibilidades remotas de se- das características cognitivas e axiológicas da
rem atingidos por níveis elevados de tais com- racionalidade, que na verdade possuem diferen-
portamentos. Pode-se notar que governantes que ças muito sutis, somente o individualismo
não cuidam adequadamente das práticas de metodológico que não pressupõe a ação instru-
corrupção tendem a ter suas oportunidades polí- mental em todas as esferas da vida poderia ser
ticas restringidas. A percepção ordinária demons- consistente. De acordo com Boudon, o fato de
tra que, independentemente do contexto, a paradigmas utilitaristas limitarem-se a concepções
corrupção ou tráfico de influência são assuntos “conseqüencialistas” e egoístas resulta na passa-
graves para a maior parte os indivíduos, trata- gem de uma mera estratégia metodológica centrada
dos de forma minuciosa, com despesa de tempo no indivíduo para a idéia de um sujeito universal
e informações para que tais ações não voltem a que não apreende fundamentos sociais centrais
repetir-se. Na medida em que são fenômenos que do comportamento humano.
ocasionam poucas perdas ou benefícios pesso-
III. AS BOAS RAZÕES E O PROCESSO EVOLU-
ais, a desaprovação somente poderia ser explicada
TIVO DAS NORMAS
pelo fato de contrariarem regras não exclusivistas
do pacto social (BOUDON, 1999c, p. 112). A solução para o impasse apresentado por teo-
rias utilitaristas na explicação de vários fenôme-
Segundo Boudon, o que uniria essas atitudes
nos estaria na análise das racionalidades cognitiva
e fenômenos é o fato de envolverem reflexões
e axiológica que fundamentam as ações dos sujei-
que, longe de serem concebidas por um cálculo
tos. Na medida em que procura dar certa dignida-
isolado e restrito ao interesse próprio, referem-
de ao papel das razões individuais nas práticas
se ao “sentido”, mais ou menos consciente, que
cotidianas, Boudon critica as suposições de que
os atores dão a suas ações. Se existe maximização
apenas um observador controlado pode perceber
nas condutas, ela estaria relacionada com algo
adequadamente a realidade, enquanto os indivídu-
para além dos custos e benefícios pessoais. A
os ordinários a apreenderiam, por vezes, de for-
tentativa exemplar de alguns trabalhos da esco-
ma ilusória (BOUDON, 1999a, p. 21-22). Por
lha racional de resolver o “paradoxo do voto” –
outro lado, o modelo cognitivo e axiológico ex-
a contradição de haver um comparecimento
pressa um questionamento aos argumentos
massivo às urnas frente a impossibilidade de o
voto único do eleitor influenciar o resultado final
– chamando atenção para o fato de que a absten- 7 Para uma análise da questão do paradoxo do voto, ver
ção eleitoral provoca danos à reputação parece Donald Green e Ian Shapiro (1994, p. 55).

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relativistas que sustentam a impossibilidade de O problema central de vários entendimentos


fundação de certezas ou verdades circunstanci- sociais seria o não reconhecimento de que o indi-
ais. Assim, para além de sua contraposição ao víduo pode ter razões próprias para adotar valo-
paradigma utilitarista, o individualismo res ou crenças, não sendo um mero ente passivo
metodológico de Boudon reflete também dois de determinações causais. Para Boudon, tal pro-
posicionamentos essenciais, ainda que em princí- blema poderia ser percebido nas teorias fideístas,
pio possam parecer contraditórios: a sugestão de que mostram os valores ou princípios como evi-
uma objetividade parcial que subverte a intenção dências intuitivas de nossos sentimentos; na pers-
de a ciência ou qualquer agente social definir leis pectiva cética, que indica a impossibilidade de os
objetivas eternas e outro que rejeita valores e crenças serem fundados na razão; e tam-
posicionamentos pluralistas, admitindo um pro- bém em teorias “causalistas” que consideram as
cesso geral de racionalização. É a junção original normas como manifestações de processos bioló-
dessas duas diferentes suposições que compõe a gicos ou psicológicos inscritos de maneira espon-
proposição de um desenvolvimento evolutivo da tânea nos agentes, sendo quase incompreensíveis.
razão. Muitas vezes, essas correntes unir-se-iam em torno
de pressupostos que qualificam algumas atitudes
A idéia de Boudon de uma objetividade parcial
dos agentes como irracionais. Boudon (1999b, p.
parte do pressuposto de que o processo de co-
38-39) exemplifica sua crítica a esses modos de
nhecimento é, ainda que parcial quanto aos seus
explicação recorrendo às reflexões de Tocqueville
princípios primários, objetivo quando relacionado
acerca das novas idéias que questionavam o Anti-
às suas circunstâncias específicas. Nesse senti-
go Regime na França de sua época. Mesmo achan-
do, todo conhecimento ou teoria ordinária de qual-
do incorretos os argumentos então elaborados,
quer agente partiria de um sistema circunstancial
Tocqueville demonstra como os agentes tinham
de “boas razões”, dado que seus argumentos su-
razões particulares para suas crenças, constituin-
peram de maneira incontestável, em determinado
do uma lógica de acordo com o contexto social
momento e espaço, entendimentos concorrentes.
do momento. Assim, a ênfase nos poderes da ra-
Admitindo uma objetividade parcial das teorias ou
zão, por um lado, e a desqualificação da tradição,
crenças, Boudon sugere que o relativismo coloca
por outro, refletiam um sentido que dava coerên-
um falso problema, pois ainda que o pensamento
cia às práticas. O que importa a Boudon, especifi-
não possa ser deduzido de princípios primários
camente, é que esse tipo de procedimento analíti-
inquestionáveis, ele reflete o fato de que alguns
co não enfoca fatores intangíveis tais como “imi-
entendimentos tornam-se mais consistentes do que
tação”, “fanatismo”, “cegueira”, “tradicionalismo”
outros. Por conseguinte, o pensamento deve ser
etc., preferindo examinar as boas razões que a
considerado como uma rede complexa de argu-
maior parte dos agentes tinha para adotar e legiti-
mentações em que o princípio de um entendimen-
mar as crenças dos filósofos iluministas.
to pode ser visto como uma conseqüência em
outro raciocínio. Boudon argumenta que os prin- Boudon (idem, p. 50) sugere a hipótese de que
cípios prescritivos ou normativos das teorias ou a influência das teorias que recorrem a aspectos
crenças podem ser racionalmente discutidos ou irracionais deve-se à simplicidade de seus mode-
até mesmo negados quando comparados com a los. Alguns autores contentam-se em simplesmen-
realidade. Ainda que não exista um conjunto de te nomear eventos que se impõem aos indivíduos,
critérios que permita entender um grande sistema deixando de lado a tentativa de identificar suas
de razões como universalmente válido, determi- particularidades e seus conteúdos. Isso poderia
nadas teorias ou crenças poderiam ser percebidas ser notado na idéia de que os indivíduos não con-
como superiores em relação a outras. Isso a par- seguem perceber o mundo como ele é, como em
tir de avaliações específicas, variáveis de um caso certas concepções de “alienação” e “falsa consci-
a outro, dado que “há critérios que permitem emi- ência”, ou na noção de fatores emocionais con-
tir julgamentos avaliativos relativos (T1 é mais correrem com a lógica instrumental. Boudon tam-
aceitável do que T2), mas não há critérios que bém chama atenção para o fato de que se o con-
permitem enunciar julgamentos avaliativos abso- ceito de “interiorização”, largamente usado na
lutos (T1 é verdadeiro)” (BOUDON, 2002a, p. Sociologia, deve ter relevância é porque deve ser
764). visto como um efeito e não uma causa das ações

117
INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO, RACIONALIDADE E AÇÃO INSTRUMENTAL

e razões individuais. Além disso, outro problema princípios últimos de ação e tratam a realidade das
essencial é que o procedimento analítico voltado normas e valores como dados prontos, sem a ne-
para fatores irracionais tende, por vezes, a expor cessidade de serem devidamente explicados e ana-
um conteúdo positivista que demarca uma clara lisados em seu sentido social (BOUDON, 1999a,
separação entre o procedimento científico e a re- p. 55). Isso não quer dizer que o agente tenha
flexão ordinária, pensando “que somente as cren- controle total sobre suas crenças, que podem ser
ças científicas, ou de modo geral aquelas que po- mais ou menos confusas ou encontrarem-se em
demos tratar como conclusões de raciocínios um nível mais ou menos consciente, mas que elas
persuasores, podem ser explicadas pelas razões devem estar fundadas em razões sólidas e coe-
que as fundam. As outras, na medida em que não rentes, diretamente articuladas com o ambiente
se baseiam em razões sólidas, podem ser apenas social.
ilusões […] O positivismo conduz os autores,
Por outro lado, ao mesmo tempo em que
portanto, a uma visão dual do espírito. Ele conte-
Boudon sugere a noção de uma objetividade par-
ria crenças baseadas em razões (cujas crenças
cial e condicionada socialmente, sustenta um pro-
científicas representariam o paragon) e crenças
cesso cognitivo de evolução das normas. Salien-
produzidas por causas (que não possuem o esta-
tando o desenvolvimento moderno dos sistemas
tuto de razões) ilusoriamente percebidas pelos
educacionais, e tornando sua proposta teórica mais
sujeitos como baseadas em razões” (BOUDON,
complexa, Boudon supõe uma tendência univer-
1999a, p. 52).
sal de racionalização que pautaria as teorias e cren-
Segundo Boudon (1999b, p. 48), ainda que a ças ordinárias. Segundo o autor, a racionalidade
qualificação de positivista tenha adquirido um viés implica, ao lado da dimensão compreensiva e so-
reconhecidamente negativo na teoria contempo- cialmente contingente, um processo paulatino de
rânea, há vários trabalhos que continuam a pau- evolução que condiz com a prescrição de deter-
tar-se por princípios de pureza. Essa direção legi- minadas crenças como sendo irreversíveis, no
tima-se por uma teoria causal primária que defi- sentido de serem reconhecidamente mais legíti-
ne, assim como os entendimentos mecanicistas mas e melhor justificadas em qualquer contexto –
da Física, uma gênese comum para todos fenô- ainda que não possam apresentar uma fundação
menos sociais. Contrariando tal perspectiva, o em princípios últimos (idem, p. 185-188). Esse
autor sugere que as explicações científicas obe- processo é descrito por Boudon como uma “raci-
decem à mesma ordem axiológica das descrições onalização difusa” em que certos sistemas de ra-
dos agentes ordinários. Crenças fortes, verdadei- zões desqualificam outros ao longo da história.
ras ou falsas, encontram-se tanto na história cul- Assim, “muitas idéias, proposições, valores,
tural das sociedades quanto na evolução científi- Stellungnahmen, resultantes da dimensão
ca. Assim, a antiga crença científica de que a Ter- axiológica nos parecem hoje evidentes porque são
ra é quadrada é tão falsa quanto a crença dos ale- resultantes de processos de inovação e de seleção
mães da república de Weimar que votaram no par- social que obedecem aos mesmos princípios da-
tido nacional-socialista como forma de alcança- queles que guiam a produção e a seleção das idéi-
rem o progresso social (idem, p. 65). Os fatores as em matéria ‘intelectual-teórica’, e notadamente
que tornam uma teoria exitosa, por outro lado, em matéria científica” (idem, p. 186).
seriam os mesmos nas crenças do campo “inte-
Um exemplo do processo de racionalização
lectual-teórico” e nas crenças da esfera “prática-
difusa seria o desenvolvimento da idéia de cidada-
ética”. Contra suposições positivistas e procuran-
nia no mundo ocidental, que se tornou para
do incorporar o que constitui no seu entender o
Boudon uma manifestação irreversível “com a
maior legado da metodologia weberiana, Boudon
mesma força do princípio de inércia na esfera ‘in-
enfatiza a necessidade de uma epistemologia que
telectual-teórica’” (idem, p. 186-187). Do mes-
observe as razões dos agentes em suas relações
mo modo, a idéia de “pessoa” e, posteriormente,
sociais. Para o individualismo metodológico ser
de indivíduo, alcançaria ao longo dos séculos a
consistente, as crenças científicas ou ordinárias
mesma relevância e irrefutabilidade. Conseqüen-
devem ser compreendidas a partir do sentido que
temente, na maior parte das sociedades, as insti-
possuem para os agentes. Da mesma forma, o
tuições só são aceitas e legitimadas se o indivíduo
autor critica as teorias da racionalidade utilitarista,
tem o sentimento de que sua dignidade está sendo
derivadas da ciência econômica, que admitem

118
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 111-123 OUT. 2010

respeitada. Tais idéias seriam adotadas porque seus crenças irreversíveis, impossíveis de serem
argumentos têm força e coerência maiores que as criticadas. Ainda que o autor sugira que a
teorias que apoiavam ordens hierárquicas. No racionalidade relaciona-se com ambas as direções,
mesmo sentido, Boudon (idem, p. 189) cita a no- não há argumentos que explicitem como as esfe-
ção de separação dos poderes e a idéia de que os ras das práticas ordinárias e de uma razão forma-
conflitos, quando regulamentados, são bons para da historicamente articulam-se. Nesse sentido,
o funcionamento de um sistema político. Uma das Boudon (idem, p. 323), em um mesmo parágrafo
questões essenciais que envolvem todas essas idéi- que trata do relativismo como fenômeno social e
as na evolução moral e política seria a realização político, revela tanto uma posição contextual e
de um programa difuso definido pelo respeito às parcial dos agentes que não aceitam um arranjo
particularidades pessoais e pelo sentido de com- relativista, quanto uma atitude normativa que de-
plexidade do mundo, o que caracterizaria as no- pende de um postulado inquestionável, já que “evi-
ções modernas de individualismo e autonomia dentemente, as opiniões são opiniões e as verda-
(BOUDON, 2002b, p. 43; 2003b, p. 212). des, verdades, e importa ver que essa distinção é
real”.
O fundamental é que a racionalidade torna-se
uma instância que pressupõe algo singular e uni- IV. CONCLUSÕES: ENTRE O UNIVERSALIS-
versal, mesmo com a diversidade cultural. Uma MO E OS PARÂMETROS CONTEXTUAIS:
das principais preocupações de Boudon refere-se ALGUNS IMPASSES DA PROPOSTA DE
ao relativismo que predominaria não só no campo BOUDON
científico, mas também no comportamento e nas
Um dos pontos relevantes dos últimos traba-
justificativas do cidadão ordinário, de modo que
lhos de Boudon é assinalar alguns limites do
“qualquer que seja o conteúdo da opinião de ou-
paradigma instrumental, como o da escolha raci-
trem, é necessário acolhê-la de modo positivo”
onal, na explicação de fenômenos sociais que não
(BOUDON, 1999a, p. 309). Contra tal perspecti-
abarcam atitudes egoístas ou voltadas exclusiva-
va, o autor propõe, por exemplo, o desafio de
mente para as conseqüências. A partir desses
saber se os relativistas ou multiculturalistas acei-
questionamentos, pode-se refletir algumas dife-
tariam de forma inquestionável fatos tais como a
renças entre uma epistemologia que envolve certa
excisão; a definição das mulheres em um estatuto
tradição das Ciências Sociais e um entendimento
inferior; que a magia valha a mesma coisa que a
baseado em uma perspectiva econômica estrita.
ciência ou que certos setores de produção utili-
Mesmo sendo uma vertente que parte de um mé-
zem métodos escravistas nas relações de trabalho
todo centrado no agente, o individualismo
(idem, p. 190). Mesmo não partindo de princípi-
metodológico de Boudon considera a importância
os demonstráveis e objetivos, no sentido forte da
de observar teoricamente uma esfera que se im-
palavra, tais idéias ou mecanismos envolveriam
põe, de maneira mais ou menos efetiva e mais ou
raciocínios socialmente indiscutíveis e o fato de
menos consciente, sobre os indivíduos. Em vári-
ainda aparecerem em sociedades contemporâne-
os momentos, Boudon sugere a importância dos
as dever-se-ia apenas à presença de “forças histó-
processos de socialização, ainda que sempre sali-
ricas” que contrariam as diretivas racionais. De
ente a necessidade imperativa de estudá-los a par-
modo sucinto, Boudon argumenta, que “estaría-
tir de seus microfundamentos e não concebê-los
mos mal em aceitar a idéia de que os mitos devem
a priori por intermédio de concepções holistas.
ser tidos por representações do mundo tão váli-
Sua teoria destaca os modos pelos quais os sujei-
das quanto as teorias científicas” (idem, p. 25).
tos incorporam efeitos sociais, procurando esta-
Portanto, para questionar raciocínios belecer relações entre as dimensões da agência e
relativistas ou abordagens limitadas da ação, como da estrutura social.
as expressas pelos paradigmas utilitaristas, Boudon
Cabe notar, fundamentalmente, que essa arti-
aponta a emergência de razões com característi-
culação entre agência e estrutura parece distante
cas distintivas de reflexividade e universalidade.
das preocupações centrais das teorias utilitaristas,
O problema é que a análise do autor parece não
que pressupõem os sistemas sociais como resul-
exprimir de forma clara qual seria o fundamento
tantes da agregação de interesses antagônicos.
efetivo da racionalidade, se o reino das opiniões e
Enquanto a concepção de racionalidade cognitiva
das reflexões circunstanciais ou se a dimensão de
de Boudon aponta mecanismos que condicionam

119
INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO, RACIONALIDADE E AÇÃO INSTRUMENTAL

efetivamente as ações individuais, a teoria da es- uma base universal, refletindo certa objetividade
colha racional, por exemplo, não indica o inter- da reflexão humana que seria validada de modo
câmbio entre agência e estrutura como questão geral, independentemente do contexto particular
essencial, o que implica ora a objetivação do am- dos indivíduos. Portanto, a teoria incorpora tanto
biente circunstancial pautado pelas práticas ins- um entendimento particularista quanto um
trumentais ora a defesa do equilíbrio econômico universalista, o que gera dificuldades para enten-
constituído no mercado. Mais especificamente, der os mecanismos efetivos da ação. Por um lado,
quando há uma concepção – implícita ou explíci- as crenças e teorias, principalmente as noções de
ta – de estrutura nas análises, esta aparece apenas bem e de justiça, aparecem diretamente articula-
como um “limite” que contextualiza, de modo fra- das aos ambientes em que surgem, sendo efetiva-
co, as ações individuais (HECHTER, 1997, p. 193). mente incomensuráveis, já que os indivíduos têm
Tal idéia exprime-se na noção de um conjunto de razões fortes e boas que são construídas social-
oportunidades que, com seus respectivos custos, mente. Mais especificamente, pertencendo a con-
representa os limites e restrições que os agentes, textos diferentes, uns não devem aceitar as cren-
com as informações presentes, têm para alcançar ças dos outros, já que vinculados a realidades so-
os fins desejados (ELSTER, p. 29-30). ciais diferentes (BOUDON, 2003a, p. 62; p. 100-
101). Por outro lado, Boudon indica que algumas
Diferentemente dessa perspectiva, Boudon
crenças e teorias podem ser avaliadas comparati-
aponta a necessidade de incorporar-se
vamente a partir de certo olhar racional e imparci-
conceitualmente aspectos desligados das situações
al, de modo que alguns entendimentos — como o
estratégicas e de interesse pessoal. Fatores arti-
de que o Estado representa uma instância privile-
culados a dimensões sociais que estão, de certa
giada de regulação socioeconômica — tornam-se
forma, para além do controle efetivo dos agentes.
necessariamente frágeis e falsos, independente-
Apesar de ressaltar um voluntarismo e capacida-
mente das peculiares posições dos agentes soci-
de reflexiva de todas as ações, o que singulariza
ais sobre tais questões (BOUDON, 2001, p. 106-
seu individualismo metodológico, Boudon sugere
107; 2003a, p. 92).
que as crenças, teorias e idéias dos indivíduos si-
tuam-se em um contexto espacial e histórico es- Nesse sentido, não fica claro, por exemplo,
pecífico, além de refletirem, de um modo mais ou quais mecanismos engendram o processo de ra-
menos efetivo, determinada posição em um ambi- cionalização difusa, e o que este representa em
ente estruturado socialmente. Ou seja, ainda que relação à possibilidade de uma objetividade ou evo-
a ação esteja longe de ser um mero reflexo de algo lução dos valores. Além disso, a questão de se a
fixo e intangível que se impõe de forma inconsci- teoria porta alguma noção de progresso não é de-
ente e direta sobre os agentes – como nas teorias vidamente esclarecida. Por vezes, Boudon parece
holistas de determinação social –, há situações acreditar em algo como uma direção a crenças
sociais que, necessariamente, envolvem-na. objetivas e a um sistema composto de razões ver-
dadeiramente consistentes, em que umas seriam
Todavia, cabe apontar algumas questões que
efetivamente mais coerentes que outras. Outras
parecem imprecisas na proposição alternativa de
vezes, o autor sustenta um argumento não
Boudon a modelos utilitaristas. Ao mesmo tempo
universalista, em que afirma que um tipo de ver-
em que o autor sugere a relevância de categorias
dade, científica ou moral, só faz sentido se exa-
como “parâmetros contextuais”, que indicam as
minada sua inscrição em tempo e espaços especí-
influências que os agentes recebem dos ambien-
ficos (BOUDON, 1999b, p. 54). Devido à con-
tes em que estão inscritos, supõe, principalmente
junção de postulados diversos, alguns fatos soci-
a partir da idéia de “racionalização difusa”, um
ais podem ficar sem resposta no modelo teórico.
movimento que se coloca acima dos próprios su-
Sugiro, a título de exemplo, algumas questões: se
jeitos, como exposto na idéia de um “espectador
a racionalidade é pressuposta da mesma forma
imparcial” (BOUDON, 2001)8. No caso da racio-
em todos os indivíduos, por que não acabam ten-
nalização difusa, as crenças sociais passam a ter
do as mesmas crenças e teorias? Por outro lado,
se os contextos dos quais os agentes participam
8 Boudon faz referência ao conceito desenvolvido pela são tão importantes, por que se pressupõe algo
filosofia política inglesa do século XVIII, presente, sobre- como um acordo inquestionável? Nesse caso,
tudo, no trabalho de Adam Smith. quais são os mecanismos que geram a evolução e

120
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 111-123 OUT. 2010

institucionalização de idéias irreversíveis? Será que imaginário, de modo que idéias e crenças não são
a definição de “forças históricas”, que impediriam constituídas de forma livre e autônoma na socie-
o desenvolvimento e evolução de certas idéias não dade. É preciso refletir também sobre o fato de
constituiria uma “caixa preta” que não explica que a capacidade de percepção dos agentes pode
certos mecanismos sociais, algo que Boudon cri- ser, muitas vezes, fundamentada pela habilidade
tica fortemente em algumas teorias? Por que, de certos grupos ou indivíduos manipularem ou-
mesmo com os processos reflexivos da tros (HAMLIN, 1999, p. 85). Nesse caso, a su-
contemporaneidade que deveriam estimular o pro- posição de uma autoridade legítima, revelada por
cesso de racionalização difusa, um relativismo um processo de evolução das normas e aceita
moral e conceitual ainda vigora com tanta força? voluntariamente por todo um conjunto de pesso-
Como explicar o ressurgimento de crenças místi- as, perde consistência ou mesmo não observa fe-
cas relacionadas com certo encantamento e fato- nômenos essenciais da realidade. Deve-se desta-
res não racionais? car, por exemplo, o fato de que a própria
racionalidade instrumental está diretamente arti-
O problema é que Boudon parece indicar, por
culada a uma peculiar dimensão econômica – o
vezes, que o nível de nossa competência cognitiva
mercado – que é objeto de disputas e conflitos na
depende de certa complexidade teórica, o que
modernidade.
qualifica crenças ou teorias de alguns agentes e
setores sociais como efetivamente melhores que Além disso, cabe notar não somente a dimen-
outras (cf. BOUDON, 2003a, p. 92-93). Contu- são de um sistema estruturado na sociedade ou
do, isso contraria as passagens em que o autor, nas instâncias formais de poder, mas perceber
para explicar seu entendimento sobre as boas ra- também a capacidade de certas movimentações
zões e sobre a sua noção de racionalidade políticas definirem formas originais de crenças e
cognitiva, dá igual dignidade e valor a todas teori- atitudes que podem até mesmo desafiar um ima-
as, sejam elas provenientes de esferas ordinárias ginário hegemônico. Como supor, então, certa
ou científicas. Por conseguinte, embora a teoria linearidade como exposto na idéia de “racionalidade
possa fazer sentido quando compreende crenças difusa”? Conceber uma racionalidade imparcial
objetivas e estruturadas em alguns campos cien- parece indicar uma direção histórica que define a
tíficos, como nas Ciências Exatas, torna-se limi- priori os caminhos a serem traçados nas disputas
tada para examinar as condutas e ações que en- políticas. Ainda que Boudon não trace tal direção
volvem a maior parte da população. Mesmo nas explicitamente, dado que não focaliza o campo
áreas científicas, porém, principalmente nas Hu- das lutas políticas, sua teoria da racionalidade su-
manidades, seria problemático supor algum mo- gere padrões cognitivos universais que tendem a
vimento, e mais ainda uma seleção ou evolução, definir algumas crenças e normas como
em direção ao acordo acerca de determinados te- inquestionáveis. Nesse sentido, há uma indefinição
mas. Em certo momento, as teorias tornam-se dos âmbitos específicos da ciência e da política,
incomensuráveis, diferenciadas, por exemplo, tendo-se o perigo de definir um pensamento téc-
quanto a suas noções individualistas, liberais ou nico que reproduz certas concepções sobre o
de cunho estruturalista. mundo social, e limita entender a abertura que a
própria realidade ordinária dá aos agentes.
Ainda que Boudon examine questões funda-
mentais que escapam à escolha racional, e a mo- Quando a teoria de Boudon permanece indeci-
delos utilitaristas em geral, e assim exponha as- sa entre a ênfase sobre os parâmetros contextuais
pectos relevantes para a teoria social contempo- ou a definição de uma razão universal, e atém-se a
rânea, que incorpora de forma crescente a con- irreversibilidades de um processo de racionaliza-
cepção de ação instrumental, o que parece faltar ção proveniente de uma concepção abstrata da
em sua análise são aspectos essencialmente polí- mente e da cognição humana, perde referência de
ticos, relacionados com determinações sistêmicas fatores circunstanciais, criativos e imaginários, que
que legitimam socialmente certas crenças e atitu- podem também definir e dirigir as ações. Mesmo
des e descartam ou impedem a disseminação de estruturada social e historicamente, a realidade é,
outras. Deve-se notar que os indivíduos não ex- em parte, caracterizada por um caráter fluído e
põem suas razões, boas ou fortes, em um ambi- aberto, o que configura o espaço sociopolítico
ente desprovido de certa reprodução política do como um campo em constante construção. Des-

121
INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO, RACIONALIDADE E AÇÃO INSTRUMENTAL

sa forma, as capacidades reflexivas dos agentes de poder, são capazes de engendrar criativamen-
podem expressar algo além tanto da atividade ins- te, a partir da retórica e da persuasão, novos ima-
trumental quanto de um processo social linear de ginários que se contrapõem a uma realidade
racionalização. A dimensão simbólica participa da hegemônica. Por conseguinte, a racionalidade não
razão, e assim possibilita uma capacidade de in- expressa apenas fatores cognitivos universais ou
venção que nega a possibilidade de uma mecanismos de imposição da visão de um grupo
racionalidade absoluta ou consciência pura. No- social, mas também habilidades reflexivas ordiná-
vas representações sociais, ainda que envolvidas rias que podem redefinir as instituições de uma
em contextos estruturais marcados por relações sociedade.

Bruno Sciberras de Carvalho (brunosci@msn.com) é Doutor em Ciência Política pelo Instituto Univer-
sitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e Professor de Ciência Política da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ).

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123
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010

Archives – after several years of legal protection. Secondary sources are also used – that is,
specialized literature on this theme published in Brazil and abroad. Analytically speaking, we verify
the transcendental relevance of the fall of the Berlin wall and subsequent events, both within Germany
and in Europe and the rest of the world. In this direction, we allude to the political and economic
collapse of the German Democratic Republic (GDR), to the most important actors involved in the
crumbling of the wall, to domestic, Inter-German, European and global factors that were incisive in
the processes of reunification of the German nation and to the specific dilemmas of the city of
Berlin within the general context of Germanic reunification. We include a post-data from November
of 2009, with some brief comments on the 20th anniversary commemoration of the fall of the Berlin
Wall.
KEYWORDS: Democratic Republic of Germany; Berlin; Cold War; German reunification; Federal
German Republic.

* * *

METHODOLOGICAL INDIVIDUALISM, RATIONALITY AND INSTRUMENTAL ACTION:


RAYMOND BOUDON’S COGNITIVE PROPOSAL
Bruno Sciberras de Carvalho
This article analyzes the theoretical propositions of Raymond Boudon's methodological individualism,
which seeks to disassociate itself from perspectives that emphasize the notion of instrumental
rationality such as understandings of rational choice. Differences between instrumental conduct
and the idea of cognitive rationality proposed by this sociologist hark back to central themes of
contemporary social reflection, most specifically the possibly problematic ties between the sociological
tradition and a certain economic ontology. To reveal the particularities of Boudon’s methodological
individualism as well as his notion of cognitive rationality, I first expound on his major critiques of the
instrumental paradigm. I then go on to debate the alternatives he suggests, particularly the notion
that agents incorporate beliefs or theories simply because they have “good reasons” to do so, as
well as his notion of “diffuse rationalization”. Finally I seek to analyze the way in which this French
author’s theory points to flaws in the economistic view of rationality, although presenting some
propositions that are lacking in precision. Thus, while he signals the important lack of connection
between individual agency and social context that inheres within rational choice theory, Boudon
elaborates a universalist conception of rationality that seems to overlook the circumstantial and
defined bases of social reality.
KEYWORDS: Social Theory; methodological individualism; rationality; instrumental action.

* * *

THE STATE IN DURKHEIM: ELEMENTS FOR A DEBATE ON HIS POLITICAL


SOCIOLOGY
Márcio de Oliveira
The fact that there is a political sociology to be found in Durkheim has caused polemic and is a
controversial matter, in Brazil as well as France, particularly because this sub-field does not appear
within the author’s own division of Sociology into sub-areas. This paper argues that there are
elements that enable us to recognize a Durkheimian political sociology. This is concretized through
a detailed examination of the theoretical evolution of his thought since he returned from Germany in
1886. Following in the tracks of Marcel Mauss, who analyzed his work, and picking up as well from
where his most important biographers (Lukes and Fournier) leave off, we look at how themes that
are properly political (in particular, the State) emerge within Durkheimian sociology. We conclude
by asserting that it is not through reflection on the issue of power (or the State) in itself, but rather

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

1990. Le texte utilise prioritairement, des sources primaires récupérées dans l'Archive Historique du
Ministère des Relations Extérieures du Brésil – après plusieurs années de précaution légale. Des
sources secondaires sont aussi utilisées – c’est-à-dire, de la littérature spécialisée dans le thème,
publiée au Brésil et à l’étranger. Analytiquement, l’article constate la transcendantale importance de
la chute du mur de Berlin et les événements subséquents, en Allemagne elle-même, en Europe et
dans le monde. En suivant cette ligne de raisonnement, le texte fait référence au collapse politique et
aussi économique de la République Démocratique de l’Allemagne (RDA) ; aux acteurs fondamentaux
qui ont mené à l’effondrement du mur ; aux contraintes nationales, interallemandes, européennes et
mondiales, qui ont abouti au processus de réunification de la nation allemande et aux dilemmes
spécifiques de la ville de Berlin dans le contexte général de la réunification germanique. Le travail
inclut une postdate de novembre 2009, où les commémorations du vingtième anniversaire de la chute
du mur de Berlin, sont brièvement commentées.
MOTS-CLES : République Démocratique de l’Allemagne ; Berlin ; Guerre Froide ; réunification
allemande ; République Fédérale de l’Allemagne.
* * *
L'INDIVIDUALISME METHODOLOGIQUE, LA RATIONALITE ET L’ACTION
INSTRUMENTALE : LA PROPOSITION COGNITIVE DE RAYMOND BOUDON
Bruno Sciberras de Carvalho
L’article analyse les propositions théoriques de l’individualisme méthodologique de Raymond Boudon,
qui cherche à s’extirper des perspectives qui mettent l’accent sur la conception de “rationalité
instrumentale”, comme la compréhension du choix rationnel. Les différences entre la conduite
instrumentale et l’idée de rationalité cognitive proposées par le sociologue, impliquent des thèmes
centraux de la réflexion sociale actuelle, principalement des possibles liaisons problématiques entre
la tradition sociologique et certaine ontologie économique. Pour montrer la particularité de
l’individualisme méthodologique de Boudon et sa notion de rationalité cognitive, j’expose premièrement
ses principales critiques au paradigme instrumental. Ultérieurement, je discute les alternatives suggérées
par Boudon, principalement l’idée que les agents intègrent des croyances ou des théories simplement
parce qu’ils ont “des bonnes raisons”, et leur notion d’une “rationalisation diffuse”. Finalement, je
cherche analyser de quelle façon la théorie de l’auteur français pointe des failles de la vision économiste
de rationalité, bien qu’il présente quelques propositions inexactes. Ainsi, au même temps qu’il signale
un manque important de connexion entre l’agence individuelle et le contexte social dans la théorie du
choix rationnel, Boudon élabore une conception universaliste de rationalité qui ne semble pas observer
les fondements de circonstance et aussi délimités de la réalité sociale.
MOTS-CLES : Théorie Sociale ; individualisme méthodologique ; rationalité ; action instrumentale.
* * *
L’ETAT CHEZ DURKHEIM : DES ELEMENTS POUR UN DEBAT SUR SA SOCIOLOGIE
POLITIQUE
Márcio de Oliveira
L’existence d’une sociologie politique chez Durkheim provoque des polémiques. C’est un sujet
controversé, pas seulement au Brésil, mais spécialement en France. Surtout parce que ce “sous-
domaine”, n'est pas constaté dans la division des domaines de la Sociologie, présentée par l’auteur
lui-même, quand il était en vie. Ce travail défend la théorie selon laquelle, il y a des éléments qui
permettent de penser à la sociologie politique de Durkheim. Ça se fait par une analyse détaillée de
l’évolution théorique de sa logique depuis 1886, quand Durkheim a retourné en Allemagne. En suivant
l’indice laissé par Marcel Mauss et en analysant ses œuvres et les œuvres de ses deux biographes
les plus importants (Lukes et Fournier), nous enquêtons comment les thèmes proprement politiques

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