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“ A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou
dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um duplo contato: de um lado, toda
uma atividade do discurso vem discretamente, indiretamente, colocar em evidência um significado único que é “eu
te desejo”, e liberá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir (...), por outro lado, envolve o outro nas minhas
palavras, eu o acaricio, o roço, prolongo esse roçar, me esforço em fazer durar o comentário ao qual submeto a
relação.”
Roland Barthes
A língua
Um senhor de muitas posses e pouca sabedoria chamou seu servo mais velho, homem de poucas posses e
muita sabedoria, e ordenou-lhe que fosse ao açougue e lhe trouxesse o melhor bocado de carne que encontrasse. O
servo foi e voltou trazendo uma língua, com a qual foi preparado um fino jantar.
Alguns dias depois, o senhor ordenou a seu servo que fosse novamente ao açougue e lhe trouxesse o bocado
de carne mais ordinário que encontrasse, para alimentar os cães. O servo foi e voltou trazendo uma língua. O
senhor, que era um homem de muitas posses e pouca sabedoria, enfureceu-se:
- Mas, então, para qualquer recomendação que dou me trazes sempre uma língua?
O servo, que era um homem de poucas posses e muita sabedoria, respondeu:
- A língua, meu senhor, é o melhor pedaço quando usada com bondade e sabedoria, e de todos o pior, quando usada
com arrogância e maledicência.
( autor desconhecido)
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Língua Sejamos o lobo do lobo do homem
Sejamos o lobo do lobo do homem.
Caetano Veloso Adoro nomes
Nomes em Ã
Gosto de sentir a minha língua roçar De coisa como rã e ímã...
A língua de Luís de Camões Nomes de nomes como Scarlet Moon Chevalier
Gosto de ser e de estar Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé, Maria da Fé
E quero me dedicar Arrigo Barnabé
A criar confusões de prosódia Incrível
E um profusão de paródias É melhor fazer uma canção
Que encurtem dores Está provado que só é possível filosofar em alemão
E furtem cores como camaleões Se você tem uma idéia incrível
Gosto do Pessoa na pessoa É melhor fazer uma canção
Da rosa no Rosa Está provado que só é possível
E sei que a poesia está para a prosa Filosofar em alemão
Assim como o amor está para a amizade Blitz quer dizer corisco
E quem há de negar que esta lhe é superior Hollywood quer dizer Azevedo
E quem há de negar que esta lhe é superior E o recôncavo, e o recôncavo, e o recôncavo
E deixa os portugais morrerem à míngua Meu medo!
Minha pátria é minha língua A língua é minha Pátria
Fala Mangueira E eu não tenho Pátria: tenho mátria
Fala! Eu quero frátria
Flor do Lácio Sambódromo Poesia concreta e prosa caótica
Lusamérica latim em pó Ótica futura
O que quer Samba-rap, chic-left com banana
o que pode Será que ele está no Pão de Açúcar
Esta língua? Tá craude brô, você e tu lhe amo
Vamos atentar para a sintaxe paulista Qué que'u faço, nego?
E o falso inglês relax dos surfistas Bote ligeiro
Sejamos imperialistas Nós canto falamos como quem inveja negros
Cadê? Sejamos imperialistas Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Vamos na velô da dicção choo de Carmem Miranda Livros, discos, vídeos à mancheia
E que o Chico Buarque de Hollanda resgate E deixa que digam, que pensem,que falem.
E Xeque-mate, explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Alfabetização e Letramento
Primeira Lição
( Ledo Ivo)
Na escola primária
Ivo viu a uva
E aprendeu a ler.
Ao ficar rapaz
Ivo viu a Eva
E aprendeu a amar.
E aprendeu a ver.
Ivo viu a ave?
Ivo viu o ovo?
Na nova cartilha
Ivo viu a greve
Ivo viu o povo.
Letramento é estado ou condição de quem não só sabe ler e escrever, MAS exerce as
práticas sociais de leitura e de escrita que circulam na sociedade em que vive, conjugando-
as com as práticas sociais de interação oral. Neste conceito está implícita a idéia de que a
escrita traz conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, lingüísticas,
quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la.
( Magda Soares in BAGNO, M.)
Ora, uma vez alfabetizados, aos indivíduos devem ser ofertadas “condições
de letramento” (BAGNO,M), como, por exemplo, na escola: “escrita constante,
várias vezes por dia, todos os dias, narrativas, cartas, etc. muita leitura e muita
escrita, simplesmente porque é assim que se aprende” (Possenti, S. in BAGNO,
M). com diversos gêneros textuais (jornal, revista, literatura...)
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Como negar nossa história
MOACIR GADOTTI (*)
Passo de ganso
Passo de ganso é o movimento sincronizado executado por pelotões da guarda real
inglesa e por alguns outros exércitos. Todos os soldados juntos, à moda de robôs
mecanizados – pois que bem adestrados e cronometrados nos seus movimentos –,
marcham pelas ruas nas datas comemorativas, arrancando aplausos da população e, ao
mesmo tempo, o êxtase da aristocracia inglesa.
Passo de ganso é o retrato típico do ensino da leitura em nossas escolas. É o
movimento mecanizado e sincronizado, executado da mesma maneira de ano para ano e,
quase sempre, teatralizado nos palcos da mentira, em que os atores apenas fingem que
lêem para contentar a instituição. Passo de ganso: 1. Abrir o livro e 2. Ler a lição. Passo
de ganso: 1. Responder a questões e 2. Repassar a gramática. Passo de ganso: 1. Redigir
trinta linhas e 2. Entregar ao professor. Passo de ganso: repetir exatamente ou
redundantemente esse movimento nas aulas subseqüentes. Passo de ganso: passo
ordinário!
Passo de cágado
Vagarosamente, a passo de cágado, vão sendo instaladas as condutas
reprodutoras da leitura: a imitação, a contemplação passiva, a cópia, o recolhimento na
solidão, o ócio descompromissado, a ficha padronizada, a resposta ao questionário (igual
à do livro didático). A passo de cágado, e na tortura da redundância, os estudantes
passam a detestar qualquer tipo de leitura.
O retrato do texto, o texto sem contexto, só um tipo de texto, o texto e o teste,
a lição sem texto ou só com gravura, o texto fino, o texto curto, tudo isso com pretexto
para o consumo rápido, acrítico e asséptico de doses homeopáticas de informações. A
leitura sem substância, sem significado, sem seqüência, sem unidade e sem
aprofundamento. A passo de cágado, o leitor fornece passivamente respostas a
estímulos a fim de contentar as exigências das provas bimestrais e “ai de quem não ler!”.
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A passo de cágado, de série para série, de ano para ano, e na monotonia curricular
cotidiana, irrompe paulatinamente e a pauladas a morte da curiosidade do leitor.
Passo incerto
Se não se estriba na muleta chamada livro didático, não sabe o que fazer na sala
de aula. Se não repete sempre as mesmas ladainhas e mazelas pedagógicas, as
gramatiquices, as fichas padronizadas de leitura, as interpretações cristalizadas no
tempo, os protocolos autoritários da leitura escolar, não sabe o que colocar no lugar.
Algumas reflexões recentes apontam para o fato de que o professor lê muito
menos do que os alunos. Passo incerto... O repertório de leitura do professor ou parou no
tempo por falta de condições de atualização, ou nunca se formou ao longo de sua própria
escolaridade. Passo incerto... Em uma visita que fiz recentemente ao curso noturno de
uma faculdade particular, o professor responsável me perguntou se existia um método
milagroso para dar aula de prática de ensino a uma classe de “apenas” 130 alunos. Passo
incerto: a leitura escolar oscila entre nada e coisa nenhuma, institucionalizando a
ignorância – os cursinhos que o digam! Daí talvez o grande sucesso da Editora Brasiliense
ao lançar aquela coleção chamada primeiros passos... dos passos incertos, cegos e
ignorantes, aos primeiros passos – isso parece um bom movimento na medida em que já
aponta para a superação do passo de ganso e do passo de cágado, mencionados
anteriormente.
Passos largos
Outros propósitos devem orientar a leitura no contexto escolar: parar de ler para
memorizar normas gramaticais ou conteúdos cristalizados ou superficializantes e, a
passos largos, começar a ler para enxergar melhor o mundo; parar de ler para vomitar
matéria ou apenas imitar, na base da osmose, os cânones dos clássicos e, a passos largos,
começar a ler para compreender esta nossa sociedade e para nos compreendermos
criticamente dentro dela; parar de ler somente às vésperas de exames e datas
comemorativas a fim de reproduzir comportamentos fechados e não-criativos e, a passos
largos, começar a ler para descobrir os porquês dos diferentes aspectos da vida. A
passos largos, ir desautomatizando, ir desrotinizando os protocolos conservadores que
regem a leitura em todos os graus de ensino do país.
E de tudo isso deve estar ancorado numa concepção de leitura que não a veja
como simples resposta passiva e mecânica, bem à moda behaviorista, mas a passos largos,
considere-a enquanto um processo dinamizador da produção de sentidos por um grupo de
pessoas, enquanto transação ou interação entre leitor e diferentes tipos de textos. A
passos largos, é preciso que se saiba traduzir essa concepção da leitura em programas
significativos de ensino, que resultem na transformação, na emancipação, na libertação
dos leitores.
A passos largos, deve-se combater com todas as forças a tendência corrente de
entender o ato pedagógico unicamente como sinônimo de leitura. O ato pedagógico
envolve, sim, leituras da realidade e de textos que expressam realidade, mas esse ato
não pode ser entendido de forma tão mesquinha ou estreita. O ato pedagógico é muito
mais abrangente e complexo. Tem, na base, o diálogo entre professor e aluno e, no
horizonte, os vários campos da cultura e do conhecimento. A leitura, sem dúvida, ajuda
nas caminhadas em direção àquele horizonte, mas leitura não é tudo. A passos largos,
temos de imediatamente construir uma atmosfera de interlocução nas salas de aula,
para que as atividades de ler não ofusquem as atividades de falar, discutir, contar,
debater, ouvir, escrever, etc. Atividades que, frontalmente e a passos largos, podem
destruir a pedagogia do silêncio em nossas escolas e permitir que as vozes dos sujeitos
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estudantes possam ser cruzadas, intercambiadas em esquemas de comunicação
autêntica, menos artificiais, postiços, conservadores e autoritários.
O que é necessário para se iniciar uma leitura? O que precisamos ativar em nossa
mente para ler uma bula de remédio é o mesmo que precisamos ativar para ler um poema,
e isto que ativamos para ler o poema é ainda o mesmo que precisamos ativar para a
leitura de uma sentença judicial? Ler em português é o mesmo que ler em uma língua
estrangeira? O que precisamos acionar para a leitura em língua materna é o mesmo que
precisamos acionar para a leitura em outra língua? Em que influi a proximidade desta
segunda língua com a nossa materna? Qual a diferença de se ler em português ou se ler
em uma língua que intermedeia duas outras?
Ângela Kleiman explica que a leitura é um processo interativo, um intervir de
vários fatores individuais, inconscientes e conscientes, que nos fazem compreender um
texto escrito. A compreensão de um texto envolve o entendimento gramatical de
palavras e frases, o entendimento dos argumentos, das motivações e intenções inerentes
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ao próprio texto e ao autor, envolve o entendimento do contexto e do referido. Ou seja,
a compreensão de textos envolve processos cognitivos múltiplos. E aqui, texto é tanto a
bula de remédio quanto a cartilha técnica ou o poema. E tanto faz em que língua seja.
O conhecimento prévio é o nosso repertório, os nossos conhecimentos adquiridos
e que fazem parte de nossa memória e inteligência e que utilizamos quando necessários
na leitura. O conhecimento lingüístico é o básico dos conhecimentos prévios de leitura, é
o falar uma língua desde nascença, é o conhecimento de uso da língua nativa que cada
indivíduo tem. Se falamos melhor o português do que outra língua, leremos melhor em
português do que em outra língua. No conhecimento lingüístico é que entra o saber uma
língua estrangeira, e este conhecimento será graduado conforme a extensão do
entendimento que o indivíduo tem desta outra língua. Quando mais souber esta outra
língua, melhor funcionará o seu conhecimento quando da leitura.
O conhecimento textual diz respeito ao conhecimento dos tipos de textos
existentes, de suas estruturas e tipos de discurso, e de seus usos, o que faz uma homilia
diferente de um poema e um poema diferente de um despacho jurídico, formalmente
falando.
O conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo trata-se de nosso
embasamento cultural, dos conhecimentos que vamos acumulando no cotidiano, nas
nossas experiências, vivências e aprendizagens. Se sabemos que Juó Bananére é um
poeta pré-modernista, brasileiro, satírico, praticamente ignorado e esquecido pela
crítica, de uma estética do falar paródico e macarrônico, leremos tendo estas
informações ativadas na mente e isto interferirá na leitura.
O nosso conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo no
estabelecimento da coerência do texto: de acordo com Koch, se este falar
de coisas que absolutamente não conhecemos, será difícil calcularmos o seu
sentido e ele nos parecerá destituído de coerência. É o que aconteceria a
muitos de nós se nos defrontássemos com um tratado de física quântica!
Adquirimos esse conhecimento à medida que vivemos, tomando contato com o
mundo que nos cerca e experienciando uma série de fatos. Mas ele não é arquivado na
memória de maneira caótica: vamos armazenando os conhecimentos em blocos, que se
denominam modelos cognitivos. Existem diversos tipos de modelos cognitivos, entre os
quais podemos citar:
a) os frames – conjuntos de conhecimentos armazenados na memória debaixo de
um certo “rótulo”, sem que haja qualquer ordenação entre eles; ex: Carnaval (confete,
serpentina, desfile, escola de samba, fantasia, baile, mulatas, etc.), Natal, viagem de
turismo;
b) os esquemas – conjuntos de conhecimentos armazenados em seqüência
temporal ou causal; ex: como pôr um aparelho em funcionamento, um dia na vida de um
cidadão comum;
c) os planos – conjunto de conhecimentos sobre como agir para atingir
determinado objetivo; por exemplo, como vencer uma partida de xadrez;
d) os scripts – conjuntos de conhecimentos sobre modos de agir altamente
estereotipados em dada cultura, inclusive em termos de linguagem; por exemplo, os
rituais religiosos (batismo, casamento, missa), as fórmulas de cortesia, as praxes
jurídicas;
e) as superestruturas ou esquemas textuais – conjunto de conhecimentos sobre
os diversos tipos de textos, que vão sendo adquiridos à proporção que temos contato
com esses tipos e fazemos comparações entre eles.
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Texto 1 - Circuito Fechado
Ricardo Ramos
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme
de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente,
toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos,
gravata, paletó. Carteira níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de
cigarros, caixa de fósforo. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres,
guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro,
papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula, pastas,
caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja,
xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales,
cheques. (...)Como podemos verificar, os modelos cognitivos são culturalmente
determinados e aprendidos através de nossa vivência em dada sociedade.
Em Circuito Fechado, temos uma série de palavras justapostas, quase sem nenhum
elemento de ligação e que nem mesmo chegam a formar frases completas. No entanto,
percebemos claramente que se trata da descrição de um dia normal na vida de um
homem de negócios. Isto acontece porque temos arquivado na memória o esquema
relativo a essas situações. As palavras do texto vão ativar tal esquema, que será posto
em funcionamento para permitir-nos a compreensão do texto. Assim, a seqüência
aparentemente caótica de palavras vai “fazer sentido” para qualquer um de nós e
seremos levados a considerar o texto como coerente.
Texto 2
Muito prazer. Por favor, quer ver o meu saldo? Acho que sim. Que bom telefonar, foi
ótimo, agora mesmo estava pensando em você. Puro, com gelo. Passe mais tarde, ainda
não fiz, não está pronto. Amanhã eu ligo, e digo alguma coisa. Guarde o troco. Penso que
sim. Este mês, não, fica para o outro. Desculpe, não me lembrei. Veja logo a conta, sim? É
pena mas hoje não posso, tenho um jantar. Vinte litros, da comum. Acho que não. Nas
próximas férias, vou até lá, de carro. Gosto mais assim, com azul. Bem, obrigado, e você?
Feitas as contas, estava errado. Creio que não. Já, pode levar. Ontem aquele calor, hoje
chovendo. (...)
O Poema
MIGNA TERRA
(Juó Bananére)
Migna terra tê parmeras,
Che ganta inzima o sabiá,
As aves che stó aqui,
Tambê tuttos sabi gorgeá.
A abobora celestia tambê,
Chi tê lá na mia terra,
Tê moltos millió di strella
Chi non tê na Ingraterra.
Os rios lá sô maise grandi
Dus rio di tuttas naçó;
I os matto si perdi di vista,
Nu meio da imensidó.
Na migna terra tê parmeras,
Dove ganta a galligna dangolla;
Na migna terra tê o Vapr’elli,
Chi só anda di gartolla.
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Posto o poema, ativados os conhecimentos prévios de leitura, poderemos dele nos
aproximar de outras formas e fazermos outras perguntas. Por quê ler um poema ? O que
se pode encontrar em um poema ? E por quê, dentre inúmeros poetas, ler Bananére?
Ângela Kleiman cita Virgínia Woolf para enfatizar o individual na leitura, para
lembrar-nos que é o leitor, e talvez deva ser mesmo só o leitor, que determina seus
objetivos e propósitos de leitura. Mas há um objetivo básico e comum em qualquer
leitura, seja uma bula de remédio, seja um poema, esteja em português ou esteja em
italiano, ou mesmo numa linguagem macarrônica, e este objetivo é a coerência do texto.
A compreensão, o esforço para recriar o sentido do texto, para ler o que foi escrito,
pode ser descrito como um esforço inconsciente na busca da coerência do texto.
Estabelecer objetivos e propósitos de leitura é um caminho de facilitação da busca da
coesão, tanto quanto é a ativação de nosso conhecimento prévio relevante para o assunto
do texto. Ter um objetivo de leitura melhora nossa capacidade de processamento.
Formular hipóteses é outra atividade relevante para a compreensão de um texto escrito.
Ao formular e testar suas hipóteses de leitura o indivíduo consegue se aperceber melhor
do entorno do tópico, do entorno do tema, consegue reconhecer e recolher peças
importantes para o estabelecimento do entendimento do assunto tratado no texto. É um
modo de estruturar a leitura.
Lemos porque entendendo o texto entendemos o assunto e entendendo o assunto
acumulamos mais conhecimento para entendermos o mundo. Lemos por prazer. Lemos por
obrigação profissional ou estudantil. Lemos para nos reconhecermos ou para nos
afastarmos de nós mesmos. Lemos para confirmar nossas expectativas de mundo ou para
ampliá-las.
Escolher um autor faz parte também, de certo modo, dos objetivos traçados, do
interesse que nos levou a sua leitura. Faz parte do processo de confirmar ou ampliar o
nosso conhecimento. Faz parte também da verificação da impressão que temos sobre
ele, da certificação do que pensávamos a priori sobre ele e sobre o que ele deveria
escrever.
Texto 3
Ninguém = Ninguém
Engenheiros Do Hawaii
Composição: Desconhecido
Texto 4
Uns iguais aos outros
Titãs
01 02 03 04
05 06 07 08
09 10 11 12
13 14 15 16
17 18 19 20
21 22 23 24
25 26 27 28
29 30 31 32
19
33 34 35 36
REFERÊNCIAS
ANEXOS
Texto 1
Querida Valência
Não estou sendo precipitado e nem desejo catalisar nenhuma reação irreversível entre
nós dois, mas sinto que estrôncio perdidamente apaixonado por você. Sabismuto bem que a amo. De
antimônio posso lhe assegurar que não nenhum érbio e que trabário muito para levar uma vida estável.
Lembro-me de que tudo começou nurário passado, com um arsênio de mão, quando
atravessávamos uma ponte de hidrogênio. Você estava em um carro prata, com rodas de magnésio.
Houve uma atração forte entre nós dois. Acertamos os nossos coeficientes, compartilhamos nossos
elétrons, e a ligação foi inevitável. Inclusive depois, quando lhe telefonei, mesmo pega de enxofre, você
respondeu carinhosamente: “Próton, com que tenho o praseodímio de falar?”
Nosso namoro é cério. Estava indo muito bem, como se morássemos em um palácio de ouro
e nunca causou nenhum escândio. Eu brometo que nunca haverá gálio entre nós e até já disse
quimicasaria com você. Espero que você não esteja saturada, pois devemos buscar uma reação de adição
e não de substituição.
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Soube que a Inês lhe contou que eu a embromo: manganês cuidar do seu cobre e acredite
níquel digo, pois saiba que eu nunca agi de modo estanho. Caso algum dia apronte alguma, eu sugiro que
procure um avogrado e que me metais na cadeia.
Sinceramente, não sei por que você está à procura de um processo de separação, como se
fôssemos misturas e não substâncias puras! Mesmo sendo um pouco volátil, nosso relacionamento não
pode dar erradio. Se isso acontecesse, irídio emboro urânio de raiva. Espero que você não tenha tido
mais contato com o Hélio (que é um nobre!), nem com o Túlio e nem com os estrangeiros (Germânio,
Polônio e Frâncio). Esses casos devem sofrer uma neutralização ou, pelo menos, uma grande diluição.
Antes de deitar-me, ainda com o abajur acésio, descálcio meus sapatos e mercúrio no
silício da noite, pensando no nosso amor que está acarbono e sinto-me sódio. Gostaria de deslocar este
equilíbrio e fazer com que tudo voltasse à normalidade inicial. Sem você minha vida teria uma densidade
desprezível, seria praticamente um vácuo perfeito. Você é a luz que me alumínio e estou triste porque
atualmente nosso relacionamento possui pH maior que 7, isto é, está naquela base. Aproveito para
lembrar-lhe de devolver o meu disco da KCI.
Saiba, Valência, que não sais do meu pensamento, em todas as suas camadas.
Abracidos do
Marcelantanio.
Texto 2
Antena Ligada
Lourenço Diaféria
Troquei meu televisor em branco-e-preto por um televisor em cores com controle remoto,
para facilitar a vida de meus filhos, que agora, sabe como é, época de provas, estão se virando mais que
pião na roda. Imaginem que outro dia, um professor teve a coragem de mandar meu filho, gavião da fiel,
fazer um trabalho sobre o Sócrates.
Fiquei uma arara.
Em todo caso, apanhei a revista Placar e recomendei que o garoto consultasse os arquivos
da Folha e o Jornal da Tarde. Não é por ser meu filho, mas o guri caprichou do primeiro ao quinto.
Tirou zero. Puxa, assim também é demais. Resolvi levar um papo com o professor, ver se
não era perseguição. O professor foi muito gentil, porém ninguém me tira da cabeça que ele é
palmeirense disfarçado de são-paulino. Garantiu-me que havia ocorrido um equívoco. O Sócrates que ele
queria é um craque da redonda que tomou cicuta. Essa é boa! Por que não me avisou antes? Como é que
vou adivinhar que o homem jogava dopado?
Me manquei, mas o professor percebeu o meu azedume. Disse que ia dar uma nova
oportunidade e pediu um trabalho sobre o Guarani.
Deixa que eu chuto, falei a meu filho. Pode contar comigo na regra três. Peguei a
escalação completa do Guarani. Não é para falar, mas o trabalho escolar ficou um luxo!. Estava
esperando pro meu filho, no mínimo, aprovação cum laude e placa de prata para não dizer medalha de
honra ao mérito. Pois deu zebra.
Começo a desconfiar que o tal professor me armou uma arapuca e entrei fácil, de otário.
Sabem o que o mestre fez? Deu outro zero pro meu filho. Essa não deixei barato. Fui de peito aberto,
às falas:
- Ilustre – eu disse – com o perdão da palavra, mas que diabo de safadeza vossa senhoria
anda arrumando pro meu garoto gavião-da-fiel?
Que grande cínico! O homem me olhou com aqueles olhos de olheiras – acho que tem
almoçado e jantado mal, sei lá, dizem que professor padece um bocado – coçou a cabeça e murmurou:
Texto 3
BOM-BOCADO DE MEDO
INGREDIENTES
- personagens misteriosos (vampiros, bruxas, fantasmas, múmias, caveiras, monstros, insetos
gigantescos, objetos que ganham vida e se tornam assassinos...)
- lugares tenebrosos (castelos e casas mal-assombradas, abismos, cemitérios, pântanos...)
- tempestades violentas (chuvas torrenciais, ventos, granizos, trovões, relâmpagos...)
- noites intermináveis
- fatos inexplicáveis (sempre assustadores)
- trilhas sonoras que causam pânico
MODO DE FAZER
Junte todos os ingredientes e tempere tudo com uma grande quantidade de suspense.
Deixe assar em forno brando e, em alguns momentos, passe rapidamente para temperatura máxima.
Desligue o forno somente quando o prato estiver no ponto.
RENDIMENTO
Gritos de pavor, arrepio, palpitações, suor frio, enjôos, desarranjos e muitos pesadelos,
tanto dormindo quanto acordado.
VALOR CALÓRICO
Embora esta receita seja bastante “calórica”, ela tem o poder de provocar o
emagrecimento, pois, às vezes, faz perder o apetite e o sono.
Texto 4
Propaganda demais
Em uma loja de usados, chega um rapaz com uma televisão . O dono da loja pergunta para o mesmo:
- Quer vender a televisão por quê?
- É que fiquei viciado em propaganda e isso tá estragando a minha vida.
- Como assim?
- Bom, eu vejo um produto, e meu lado Sérgio fala “ experimenta, experimenta”. Aí,
você já viu: DVD R$ 500,00, celular R$ 800,00, nome no CERASA e no SPC, não tem preço.
- Então, um dinheirinho agora vai bem?
- Refresca até pensamento!
- Mas a sua TV tá um lixo!
- Não é nenhuma Brastemp!
- E essa marca aí consome muita eletricidade.
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- É, energia que dá gosto!
- Que preço tá pedindo?
- Qué pagá quanto, não, diz aí, qué pagá quanto, qué pagá quanto?
- Por esse abacaxi aí, posso fazer um cheque de R$ 20,00.
- Ah, faz um 21....
- Mas, R$ 1,00 muda alguma coisa?
- Sensível diferença.
- Cara, seu caso é sério. Tô sensibilizado. Vou te pagar os R$21,00 por essa porcaria e
ainda vou te dar 30 paus para ver se tu esquece esse tal de comercial aí.
- 51, hum, uma boa idéia.
www.charges.com.br
Texto 5
O relógio
Calendário indígena
Janeiro – chove muito. Nesse mês quem tem filho rapaz, acima de 14 anos, fica em reclusão.
Fevereiro – as pessoas que têm roças fazem cercas de paus roliços em volta da roça para as plantas não
serem destruídas pelos porcos-do-mato. Nesse período, fica difícil a pescaria.
Março – as pessoas costumam construir as suas casas.
Abril – as pessoas que fizeram as casas arrancam sapé para cobri-las.
Maio – os rapazes que entraram em reclusão são soltos para começarem a lutar para a preparação do “
Kuaryp”.
Junho – as aldeias que se juntaram com a aldeia onde será realizado o “ Kuaryp” farão a entrega do
polvilho.
Julho – é a época da desova de tracajá e começam os preparativos para a festa do “Kuaryp”.
Agosto – época da festa do “Kuaryp”.
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Setembro – início das primeiras chuvas.
Outubro – época que as frutas do pequi começam a cair.
Novembro – época que os rios começam a encher.
Dezembro – as pessoas das aldeias do Alto Xingu fazem vários tipos de festas.
Janeiro – mês de festa – reveillon “ póim, póim, gut, gut, gut”, praia “ tchibun, tchibun”, e também de
comprar material escolar.
Fevereiro – mês de festa – carnaval “ sangue, suor, cerveja, samba e....” , praia, feriado, Quaresma “
compra peixe, muito peixe, bacalhau” .e também de pagar os impostos .
Março – mês de festa – Páscoa “coelhinho da páscoa, que trouxes para mim....” e também de comprar
ovos de chocolate, coelhos de chocolate, chocolate, chocolate “ compre baton, compre baton”
Abril – mês de festa – Descobrimento do Brasil “ aí, Cabral, salve, salve”, e também de comprar o
presente da mamãe
Maio – mês de festa – Dia das mães, abolição da escravatura, mês das noivas, e também de comprar, se
não comprou no mês anterior, o presente da mãe.
Junho – mês de festa – Dia dos namorados, santo Antônio, São João, São Pedro e também de comprar o
presente para o seu amor, ou se não tiver amor, de comprar muito chocolate para compensar a falta
daquele. Também de comprar rifa de sinhazinha, canjica, quentão, milho verde....
Julho – mês de festa – férias escolares, dia da vovó, e também de comprar o presente desta e preparar
para o mês seguinte.
Agosto – mês de festa – dia dos pais, do folclore, e também de comprar o presente do papai.
Setembro – mês de festa – independência do Brasil, feriado, e como bom brasileiro, comprar, comprar,
mesmo sem motivo aparente.
Outubro – mês de festa – dia das crianças, da padroeira do Brasil, e também de comprar brinquedos e
outras coisas que os pequenos desejem.
Novembro – mês de festa – dia de finados, da proclamação da república, e também de comprar velas,
flores, arranjos para levar aos mortos.
Dezembro – mês de festa – Natal “jingle bels, jingle bels”, e também de comprar presentes, muitos
presentes, lembranças, e de lembrar do nascimento de Jesus.
.......... e começa tudo de novo, já pensando nas férias, na praia, carnaval, páscoa, dia das mães, dia dos
namorados, dia dos pais, dia das crianças, dia de finados, dia de Natal. Engraçado, nossos anos giram
realmente em torno de “dias”!!!
Cláudia Maris Tullio
Texto 6
Aula de Matemática
Poesia Matemática
Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?" indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A alma irmãs -
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas senoidais
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas
euclideanas
E os exegetas do Universo Finito,
Romperam convenções newtonianas
e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar.
Uma Perpendicular.
25
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas
para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo.
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a
Relatividade.
E tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como aliás, em qualquer
Sociedade.
Millôr Fernandes
(Em: "Trinta anos de mim mesmo")
Texto 7
IMPRENSA INFORMA O FIM DO MUNDO
Texto 7
O classificado através da História
27
SÍTIO - Vendo. Barbada. Ótima localização. Água à vontade. Árvores frutíferas. Caça abundante. Um
paraíso. Antigos ocupantes despejados por questões morais. Ideal para casal de mais idade. Negócio de Pai
para filhos. Tratar com Deus.
CRUZEIRO – Procuram-se casais para um cruzeiro de 40 dias e 40 noites. Ótima oportunidade para fazer
novas amizades, compartilhar alegre vida de bordo e preservar a espécie. Trazer guarda-chuva. Tratar com
Noé.
ELEFANTES – Vendo. Para circo ou zoológico. Usados, mas em bom estado. Já domados e com baixa do
exército. Tratar com Anibal.
CAVALO – Troco por um reino. Tratar com Ricardo III.
CISNE – Troco por qualquer outro animal de porte, mais moço. Deve ser macho. Tratar com Leda.
LEÃO – Oferece-se para shows, aniversários, quermesses, et. Fotogênico, boa voz, experiência em cinema.
Tem referências da MGM, para a qual trabalhou até aposentadoria compulsória.
ÒRGÂO – Compro qualquer um. À vista. Também a audição, o sistema linfático, etc. tratar com Dr.
Frankestein, no Castelo.
CABEÇAS – Compro para coleção. Tenho as de João Batista, Maria Antonieta e todo o bando de Lampião.
COZINHEIRA – Procuro. Para família de fino trato. Deve ter experiências em banquetes e uma boa mão para
venenos. Se falhar, pode dormir no emprego, para sempre. Tratar com Lucrécia Bórgia.
TORRO TUDO - E toco cítara. Tratar com Nero.
BARBADA - Vendo ótima residência por preço de ocasião. Motivo: força maior, 117 quartos, 80 banheiros,
amplos salões, lustres, tapetes, deps. compls. para 200 empregados, 50 vagas na estrebaria. Centro de
terreno ajardinado. Tratar com Luiz XVI, em Versalhes, antes que seja tarde.
TELEFONE – Pouco usado. Prefixo 1. Tratar com A.G. Bell.
CASAMENTO – Homem só, boa aparência, situação estável. Procura moça para ser companheira pelo resto da
vida dela. Procurar Barba Azul.
CORRESPONDÊNCIA – Quero me corresponder com qualquer pessoa em qualquer lugar. Escrever para
Robinson Crusoé, com urgência.
CHICOTE - Correntes, arreios, chapa quente. Cadeirinha de Afrodite. Cabrito Mecânico, grande seleção de
alicates, uma prensa, ferros para marcação. Vendo tudo com manual de instrução. Motivo prisão. Tratar com
Marquês de Sade.
ASSISTENTE DE PINTOR – Deve ter prática em pintar de costas. Preciso de assistente porque estou
momentaneamente impossibilitado de trabalhar. Caiu pingo no meu olho. Procurar Michelangelo, na Capela
Sistina.
ENGENHEIRO – Precisa-se urgente, para substituir elemento demitido. Motivo: embriaguês. Tratar
prefeitura de Pisa, Itália.
TRIPULANTES – Preciso para excursão marítima. Jogo tudo nesta empreitada. Tentaremos provar que se
pode chegar à Índia viajando para o Oeste. Se conseguirmos, seremos famosos. Se não, a história nos
esquecerá. Tratar com Cristóvão Colombo.
Texto 8
Era uma vez uma Árvore que crescia em muitos países. Crescia no Brasil, no Chile, na França, no Canadá, na
Jamaica, em muitos e muitos outros e até no Japão.
Era uma vez um Sol que se encantava com as cores do amanhecer no mundo inteiro.
Era uma vez um Rio que corria apressado para se encontrar com os outros rios do mar.
Era uma vez uma Pedra que há milhões de anos estava parada no mesmo lugar.
Era uma vez uma Lua que adorava abrir claridades na noite e espiar pelas janelas das casas.
Era uma vez um Vento que sonhava em balançar o planeta Terra.
Era uma vez uma Escuridão que escondia a Árvore, o Sol, o Rio, a Pedra, a Lua e se misturava com o Vento.
Era uma vez um Índio que pintava o corpo, que brincava, tocava e dançava, que gostava de correr na mata e
também do calor da fogueira, e que falava com a Árvore, com o Sol, com o Rio, com a Pedra, com a Lua, com o
Vento e com a Escuridão.
28
Era uma vez uma História que algum dia começou.
Era uma vez Eu, Você, e Tudo o que existe.
Liliana Iacocca. Eu, você e tudo que existe. São Paulo, Ática, 1991.
Bertold Brecht
- Que pão!
Doce? de mel? de açúcar? de ló? de ló de mico? de trigo? de milho? de mistura? de rapa? de saruga? de soborralho?
do céu? dos anjos? brasileiro? francês? italiano? alemão? do chile? de forma? de bugio? de porco? de galinha? de
pássaros? de minuto? ázimo? bento? branco? dormido? duro? sabido? saloio? seco? segundo? nosso de cada dia?
ganho com o suor do rosto? que diabo amassou?
- Uma uva!
Branca? preta? tinta? moscatel? isabel? maçã? japonesa? ursina? mijona gorda? brava? bastarda? rara? de galo? de
cão? de cão menor? do monte? da serra? do mato? de mato grosso? de facho? de gentio? de joão pais? do
nascimento? do inverno? do inferno? da praia? de rei? de obó? da promissão? da promissão roxa? verde da fábula
de La Fontaine? espim? do diabo?
- Ô diabo!
Lúcifer? belzebu? azabel? exu? marinho? alma? azul? coxo? canhoto? beiçudo? rabudo? careca? tinhoso? pé-de-
pato? pé-de-cabra? capa verde? romãozinho? bute? cafute? pedro botelho? temba? tição? mafarrico? dubá? louro?
a quatro?
- É uma flor!
Da noite? de um dia? do ar? da paixão? do besouro? da quaresma? das almas? de abril? de maio? do imperador? da
imperatriz? de cera? de coral? de enxofre? de lã? de lis? de pau? de natal? de são miguel? de são benedito? da
santa cruz? de sapo? do cardeal? do general? de noiva? de viúva? da cachoeira? de baile? de vaca? de chagas? de
sangue? de jesus? do espírito santo? dos formigueiros? dos amores? dos macaquinhos? dos rapazinhos? de pelicano?
29
de papgaio? de mel? de merenda? de onze horas? de trombeta? de mariposa? de veludo? do norte? do paraíso? de
retórica? neutra? macha? estrelada? radiada? santa? que não cheira?
- É uma bomba!
De sucção? de roda? de parede? premente? aspirante-premente? de incêndio? real? transvaliana? vulcânica?
atômica? de hidrogênio? de chocolate? suja? de vestibular de medicina? de anarquista? de são joão e são pedro? de
fabricação caseira? de aumento do preço do dólar? enfeitada? de zoncho? de enfeito psicológico?
- É um amor!
Perfeito? perfeito da china? perfeito do mato? perfeito azul? perfeito bravo? próprio? materno? filial?
incestuoso? livre? platônico? socrático? de vaqueiro? de carnaval? de cigano? de perdição? de hortelão? de negro?
de deus? do próximo? sem olho? à pátria? bruxo? que não ousa dizer seu nome?
- Vá em paz!
Armada? otaviana? romana? podre? dos pântanos? de varsóvia? de requiescat? e terra?
- Vá com Deus!
Qual?