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Sociedade, Cultura e Poder no Império

tiveram mais facilidade para fazer suas reivindicações.2 Os jornais eram distribuídos por
vendedores ambulantes "rapazinhos italianos, negros e mulatos, que nos deixam quase surdos com a sua
gritaria", conforme nos informa o prussiano Carl von Koseritz3. Os pontos de venda eram os quiosques que
ofereciam também livros, impressos, flores, doces, charutos, cigarros, café e refrescos. Nesses locais, por
onde circulavam as notícias e as "últimas novidades", era comum a leitura dos textos em voz alta. Numa
sociedade marcada pelo analfabetismo, os periódicos eram mais ouvidos e vistos do que lidos. O aumento
do

O processo abolicionista e a construção da Nação

Humberto Fernandes Machado

Na segunda metade dos oitocentos, especialmente a partir de 1880, as elites intelectuais

veiculavam, através da imprensa, idéias que exaltavam o progresso, a civilização e a


público leitor ocorria em função de uma verdadeira "leitura de ouvido". Com este
necessidade de extinguir o escravismo, responsável pelo “atraso” do Império. A
hábito, as idéias abolicionistas eram difundidas mesmo para os analfabetos.4 A Gazeta
escravidão era identificada como obstáculo ao crescimento econômico na medida em que

de Notícias, de Ferreira de Araújo, fundada em 1876, foi o jornal pioneiro


cerceava a modernização agrícola, comercial e industrial do país. Essas justificativas
na campanha abolicionista do Rio de Janeiro. O Abolicionista, criado em 1880 pela
visavam a sensibilizar os senhores sobre as conseqüências nefastas decorrentes da sua
Sociedade Brasileira contra a Escravidão, criticava a escravidão em virtude da “péssima
manutenção. As fugas, revoltas, assassinatos de feitores e de senhores intensificavam-
imagem” que o Brasil tinha no exterior por causa da sua manutenção. A Revista
se. Até mesmo notícias de vinditas pessoais transformavam-se em indícios seguros de
Ilustrada, do imigrante italiano Angelo Agostini, satirizava, através de charges, o
que o sistema estava prestes a se desmoronar. A retórica dessas elites acabava
trabalho escravo e seus defensores. Os jornais de José do Patrocínio, a Gazeta da Tarde,
interpretando e superando os “brados” dos escravos, naquele momento com maior
durante toda a década de 1880, e o Cidade do Rio, a partir do final de 1887, tiveram um
ressonância. Essa superação significava evitar um rompimento traumático, exercendo-se
papel destacado na campanha abolicionista da capital do Império. Na redação da Gazeta
um controle sobre o processo de eliminação do cativeiro.1
da Tarde, na rua Uruguaiana, no centro da cidade, organizou-se, em 1883, a

Com o aumento da publicação de periódicos, a imprensa adquiriu um papel fundamental


Confederação Abolicionista, associação que patrocinou inúmeros eventos contra a
na difusão das idéias abolicionistas, o que influenciou não somente as elites intelectuais.
Os jornais tornaram-se verdadeiras fábricas de notícias e informações para uma
escravidão no Rio de Janeiro. 5
sociedade que estava iniciando um processo de mudanças. Os assuntos políticos e o
abolicionismo “ganharam as ruas” e os segmentos urbanos
A luta antiescravista ocupou vários espaços: do Parlamento às ruas, dos teatros às

igrejas e jornais, das casas grandes às próprias senzalas. Assim, o abolicionismo se


desenvolveu em diversos palcos que serviam para criticar o que Joaquim Nabuco
denominava a "nefanda instituição".6 Festas beneficentes e quermesses também eram

organizadas para angariar a simpatia popular e recursos destinados à alforria dos

cativos. A ação nas vias públicas para convencer os proprietários dos males do cativeiro

também era outro artifício usado pelos militantes. Os abolicionistas da Corte utilizaram

um método que surtia um efeito devastador sobre os senhores. Era o que eles

denominavam a limpeza das ruas, que consistia em pressionar proprietários de escravos

de algumas ruas do centro, escolhidas previamente, para libertarem os seus cativos, sob

ameaça de publicação de seus nomes nos jornais. Cada propagandista ficava responsável

por uma rua, devendo persuadir os senhores a eliminar a mancha que sujava a cidade. A

limpeza da Rua do Ouvidor e do Largo de São Francisco, onde se situava a Escola

Politécnica, em abril de 1884, foi saudada de forma entusiástica pelos jornais

abolicionistas da cidade, com festas e bandas de música.7 Aniversários, casamentos,

bodas, nascimentos ou falecimentos serviam de cenário

para as festas de entrega das cartas de alforria. Nas reuniões, de preferência

públicas, descritas pelos jornais como produto do esforço dos abolicionistas,

enfatizava-se a generosidade dos senhores. O Clube de Libertos de Niterói, por

exemplo, preparou uma festa, na qual distribuíram dez cartas de alforria após

discursos de diversos oradores.8

No Teatro Polytheama, situado no centro da cidade, os abolicionistas organizaram

uma sessão de poesias, com destaque para o Navio Negreiro de Castro Alves, cuja

renda seria para "conceder a liberdade" a uma escrava.9

O Cidade do Rio convidou seus leitores a uma quermesse organizada na Igreja Nossa

Senhora do Rosário, por uma confraria negra, "em prol dos seus irmãos escravos".10
Outras associações ligadas à luta antiescravista, como por exemplo o Clube Dramático

Abolicionista, tinham como objetivos dar espetáculos em teatros públicos ou patrocinar

conferências e concertos, aplicando a renda obtida para a compra da liberdade de

escravos ou para criar escolas noturnas para libertos.11

Outras, como as Caixas Emancipadoras, visavam a obter cartas de alforria com

recursos provenientes de doações, festividades e do pecúlio de escravos. Tinham

como alvos, além de libertar, "educar o maior número de sócios de condição servil

[...] e socorrer esses mesmos sócios em casos de perseguição", como o Centro

Abolicionista Ferreira de Menezes, fundado na redação daGazeta da Tarde, em

1882.12

Leilões, coletas de dinheiro, através de subscrições públicas, livros de ouro serviam

também para atingir os objetivos dos abolicionistas. Os jornais sempre davam grande

destaque às conferências de oradores abolicionistas. Os teatros ficavam superlotados. Por

ocasião das comemorações pela abolição da escravidão no Ceará, em 1884, o teatro

Polytheama, no centro da cidade, foi todo decorado por coroas de flores e bandeiras das

sociedades abolicionistas do Rio de Janeiro. A leitura de uma carta de Joaquim Nabuco,

que estava na Europa, as execuções do Hino Nacional e do Guarani, de Carlos Gomes,

marcaram o início de um "verdadeiro carnaval" com a participação de dez mil pessoas. As

ruas centrais, com destaque para a Rua Uruguaiana, onde se encontrava a redação da

Gazeta da Tarde, foram palco de festividades repletas de "alegria e entusiasmo".13

Mas nem sempre essas manifestações eram tão pacíficas, principalmente aquelas que faziam denúncias
contra as arbitrariedades dos governantes. As atitudes das autoridades durante o Gabinete do Barão de
Cotegipe contribuíram para o aumento
da tensão entre os abolicionistas e os que desejavam a preservação do cativeiro. A proibição de
"ajuntamentos em praças e ruas" quase provocou um confronto de graves proporções, em agosto de 1887,
quando a Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro organizou um debate sobre a escravidão no Teatro
Polytheama. Durante o discurso de Quintino Bocaiúva, explodiram bombas dentro do recinto. Em seguida,
entraram "policiais armados de cacetes", que lutaram com os assistentes. Após a expulsão dos policiais para
o jardim, o recinto foi invadido por "um piquete de cavalaria e outro de infantaria". O embate foi evitado
após entendimentos mantidos entre os líderes e as autoridades policiais. Os espectadores foram para a Rua
do Ouvidor, protestando contra o governo e aclamando a Confederação Abolicionista.14

A tentativa de proibição de reuniões públicas não surtia efeito, pela repercussão do

abolicionismo nos vários setores da sociedade, inclusive pela resistência do próprio

escravo.

A extinção legal do “cancro roedor” do Império foi realizada através de um processo

liderado pelos abolicionistas que destacavam a ausência de rupturas traumáticas e

dentro da “ordem”. Não interessava ressaltar, naquele momento de “euforia” para

aquela intelectualidade, que os escravos lutaram, elevando os seus “brados”, apesar do

chicote sobre as suas costas. Através desse ponto de vista, percebe-se como os jornais

enfatizavam a forma “pacífica” de eliminação do cativeiro. O Cidade do Rio , de José do

Patrocínio, por ocasião das festividades pela abolição, assinalava como a “nação” agiu

de uma forma irmanada para eliminar a “mancha” que a impedia de alcançar o patamar

dos “países civilizados”.

A maior Revolução Social de nossa terra está sendo feita entre bênçãos e
flores. Nada mais extraordinário: bastaram o atrito da imprensa e o calor
da palavra para limar os grilhões de três séculos de cativeiro. O que há de
mais admirável na nova fase de nossa vida civilizada é a uniformidade de
pensamento, desde o governo até o último
liberto.1
5

Na Corte, os jornais patrocinaram festividades, como missas que reuniram, além da

família imperial e do gabinete, uma verdadeira multidão. Procissões, regatas na

enseada de Botafogo, corridas de cavalo, teatros franqueados ao público, fizeram parte

das celebrações. As ruas da cidade foram ornamentadas com bandeiras e flores. Nas

sacadas dos sobrados, os panos coloridos retrataram a alegria da população. A

mobilização dos setores urbanos, com o apoio da imprensa, contribuiu para a derrocada

de uma estrutura secular que impedia o país de galgar os degraus do progresso e da

civilização.16

Mas, para que essa meta fosse alcançada, tornava-se essencial implementar reformas

mais profundas que eliminassem o “legado da escravidão”, como Joaquim Nabuco

ressaltou: “acabar com a escravidão, não basta; é preciso destruir a obra da

escravidão”. O abolicionista desejava inserir o Brasil escravista na “civilização moderna”,

e uma das formas para sua efetivação seria a repartição das terras para “melhorar a

sorte dos escravos.”17

Nabuco defendia a aplicação de uma lei agrária que permitisse ao Estado se apropriar de

áreas não-produtivas, visto que a propriedade tinha, além de direitos, deveres. No seu

modo de ver “as reformas sociais” deveriam prevalecer sobre as políticas.18

A Gazeta da Tarde, de José do Patrocínio, já clamava, em 1881, a necessidade do

estabelecimento de mudanças substanciais para garantir a sobrevivência dos exescravos,

após a abolição. Segundo o jornal, tornava-se urgente dividir os latifúndios improdutivos,

com o objetivo de “vender pequenos lotes de terra para libertos e imigrantes”.19

Logo após a abolição, José do Patrocínio cobrou também do governo a “divisão da


terra”, pois essa medida se tornou, em função da “vingança” dos fazendeiros, uma necessidade imperiosa:
“[...] é mister empregar os libertos para que não apodreçam nos campos, como bestas.”20

Os abolicionistas destacavam que uma outra forma para “arrancar o negro da ignorância

e da inércia” era a universalização da educação básica. Para que isso fosse alcançado, o

Estado deveria fazer a “propagação da instrução pública, esta sólida argamassa com que

os povos livres fundamentam a suas instituições”.21

Essa proposta se relacionava aos ideais de progresso e civilização absorvidos pelos

abolicionistas. Para eles, a educação seria um dos mecanismos para retirar o país do

“atraso” e, ao mesmo tempo, permitir que o ex-escravo não fosse simplesmente alvo da

exploração dos antigos senhores. Ou seja, a criação de condições para que os libertos se

tornassem participantes ativos da “modernização” do país.

Joaquim Nabuco defendia também a imigração européia que teria o mérito de conduzir o

país a um “crescimento orgânico e portanto homogêneo”, acabando com o “antagonismo

latente das raças”.22

A partir da incorporação do contingente de ex-escravos seria possível, segundo ele, o

estabelecimento de uma “nova sociedade”, mais harmônica superando todas as

conseqüências nefastas de séculos de escravidão. Já em 1884, conclamava a “raça

negra” para que se empenhasse na construção do “futuro do nosso país”, apesar das

“grandes dificuldades, desigualdades e opróbrios” que deverá vencer.23

Percebe-se, portanto, no discurso do abolicionista, uma preocupação com a harmonia

racial e o receio de convulsão social. O ingresso de imigrantes europeus serviria,

conforme o seu ponto de vista, para a eliminação do estigma racial e das origens

africanas pelo processo de integração do negro no mundo dos brancos.


Apesar desses intelectuais abolicionistas se envolverem na luta antiescravista, eles não

estavam imunes à influência de idéias estereotipadas em relação aos negros, muitas

delas divulgadas pela imprensa, como: inferioridade racial, propensos à violência, à

marginalidade e à desordem, mantenedores de relações familiares promíscuas e que só

trabalhavam sob vigilância, através de castigos24. Essas idéias, imbuídas de

preconceitos, consideravam que os ex-escravos, livres, manifestariam seus maus

instintos e abandonariam o trabalho, porque, para eles, liberdade era o meio de exercer

a ociosidade. Portanto, a sociedade seria ameaçada se não se tomassem “medidas

preventivas”, em relação à massa de libertos25. De acordo com essas idéias, o negro

possuía características que não eram condizentes com os comportamentos e interesses

que levariam os povos ao caminho do “progresso” e da “civilização”.

O desafio que se apresentava para essas elites intelectuais era a forma de inserir negros

e mestiços na sociedade, após a abolição. Essa questão foi objeto de estudos e teorias,

no final do século XIX, sobre a própria formação da nação no Brasil, que se vinculava

diretamente à “questão racial” e à busca de uma nova identidade, que seria dada pela

mestiçagem e pela teoria do branqueamento.26

A necessidade de integrar uma parcela expressiva de ex-escravos à sociedade tornase

crucial nesse momento em que os intelectuais, em especial os abolicionistas, ainda

estavam influenciados, mesmo inconscientemente, por visões preconceituosas em relação

ao que genericamente era denominado de “povo”. Para que isso fosse concretizado

deveria ser eliminada formas pejorativas e excludentes, como “Zé povinho”, utilizadas,

inclusive por abolicionistas, como José do Patrocínio, em seus jornais.27


Assim, o debate sobre a “nação” envolvia, portanto, a questão do embranquecimento no

período, e que marca ainda hoje o preconceito em relação ao negro na sociedade

brasileira. O padrão estético ocidental -a cor branca- caracteriza, profundamente, o

cotidiano brasileiro, seja através dos manuais didáticos ou então pelos valores

disseminados pelos meios de comunicação, que apresentam a cultura negra de forma

estereotipada. O aspecto folclórico, não raro ressaltado, objetiva, em última instância,

reduzi-la a padrões inferiores. Essas posições se assemelham às justificativas utilizadas

para manter os negros no cativeiro: o negro boçal, infantilizado, seria o único capaz de

enfrentar a dura labuta das atividades agrícolas.

Malandro, ladrão, feio, preguiçoso são imagens distorcidas decorrentes de séculos de

escravidão. Os defensores da escravidão, no Brasil Império, usavam esses estereótipos

para respaldar a violência.

Com essas concepções predominantes, as elites intelectuais que atuaram na campanha

abolicionista, através da imprensa, direcionavam a sua retórica para a construção de uma

nação, incorporando os antigos escravos ao mundo dos brancos. Mas, a inserção dos ex-

escravos foi realizada sem propostas concretas de redução das relações excludentes e

hierarquizadas existentes. A postura paternalista caracterizou sua atuação, pois

entendiam a abolição como uma concessão, uma dádiva dos abolicionistas aos escravos.

Esses eram considerados incapazes de agirem por conta própria, necessitando, portanto,

da sua “tutela” e proteção para representálos e conquistar os seus direitos. Joaquim

Nabuco era bastante explícito ao afirmar que o abolicionista era o “advogado gratuito de

duas classes sociais que, de outra forma, não teriam meios de reivindicar os seus

direitos, nem consciência deles. Essas classes são: os escravos e os ingênuos”28.


As propostas de reformas visavam, acima de tudo, a situar o país no rol das nações

“civilizadas”. No entanto, nem o mais tênue sopro atingiu os libertos, após a extinção

legal da escravidão. É só observarmos a situação atual do negro e a preservação de toda

uma estrutura hierárquica e excludente que caracteriza as relações sociais no Brasil,

apesar das reformas defendidas pelos abolicionistas. Assim, a análise dos vários

discursos abolicionistas nos permitem avaliar as dificuldades para a implementação de

mudanças mais profundas, embora reconheçamos que as condições eram bastante

adversas em função de uma estrutura secular que traz conseqüências nefastas até os

nossos dias.

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