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Transcrição da intervenção de José Gil no Prós e Contras

"E agora, Portugal", emitido a 29 de Março de 2001


Fátima Campos Ferreira (FCF): José Gil, Stéphane Hessel, um francês de 93 anos
escreve um livro que se tornou bestseller em França, em francês chamado
"Engagez-vous, em Português foi traduzido por "Indignai-vos". Talvez
"Comprometei-vos" ou "Empenhai-vos" pudesse ser mais directo. Este homem, de
93 anos, que alias escreve livros também de parceria com um jovem, quer que
esta juventude altere o paradigma em que vivemos. Que o paradigma seja
alterado e os modelos de crescimento, os modelos económicos, tudo isso seja
diferente. O senhor acha que é por aí? Que são eles que vão ter que fazer a
mudança?

José Gil (JG): Não é eles, eu acho que nós todos mas eles certamente que têm
mais energia e mais força de investimento. Agora, o que me parece é que há aqui
uma situação em que nós estamos que é muito particular e que exige, exige uma
realidade que me parece importante para uma eventual saída, não sei. Até agora o
que é que nós temos visto? Temos visto uma falta de coesão social por causa de
certas estruturas profundas da sociedade…

FCP: Portanto uma sociedade muito corporativa em termos de organização de


corporações, é isso?

JG: Er.. Não. É na relação que existe entre, na relação social que existe entre
indivíduos, entre grupos e grupos, entre grupos e indivíduos e entre indivíduos e
instituições. Há uma… e que se, que culmina agora neste vai e vem que nós temos
assistido entre dois partidos que é um espelhamento, um esealhamento, como já
se tem dito, conjugal. Se eu falo nisto é, unicamente, para dizer que isto leva -
quando há um espalhamento conjugal, não sei se lembra de um filme, "Quem tem
medo de Virginia Woolf"…

FCP: Sim

JG: É isso…

FCP: Recordámo-lo ainda há bem pouco tempo com a morte do errs...

JG: E quanto há esse mimetismo perde-se o sentido da realidade. E nós perdemos


o sentido. Não sabemos aonde está e como sair, uns são espelhos de outros, não
é? E há um esfarelamento da coesão social. Ora, quando isto acontece é preciso
um terceiro termo. É preciso um terceiro termo! Quer dizer, porque já não se vê a
realidade. Já não se pode sair. Por onde se sai? De quem é a responsabilidade?
Como fazê-lo? E esse terceiro termo tem que ser um choque, tem que produzir um
choque, tem que ser um termo fora de todos os elementos estruturais que jogam e
que entalam os indivíduos todos e que podem reformar uma coesão social que
nós estamos a perder, constantemente. Quer dizer, é preciso que venha, não
necessariamente toda uma bateria de velhos e antigos e bons mas que já não se
dizem a si valores, mas que apareça um espaço, um espaço em que a
comunidade, a sociedade civil tenha uma pertinência muito maior relativamente ao
sistema dominante que é o sistema partidário, o discurso ideológico, etc, etc. E que
é isso a tal geração, o tal investimento que é necessariamente afectivo, afectivo
quer dizer não unicamente intelectual, mas tem que ser intelectual também, e que
vai criar um espaço, um espaço vazio, um espaço neutro, um espaço onde não
haja egos, onde não haja lutas pelo poder, onde se esqueça precisamente a
ambição pessoal, quer dizer, em que se transforme na acção mesmo, os
indivíduos e os grupos.

FCP: E isso existe, sotor?

JG: Isto existe, se, se… Existe, existe em mil acções, olhe, existe quando um artista
faz uma obra. Isso existe.

FCP: No trabalho de equipa, por exemplo?

JG: Pois. Ou de um trabalho solitário, dito solitário, que nunca é solitário. Não é?
Nós temos uma multidão virtual dentro de nós.

FCP: O Stéphane Hessel diz que vamos caminhar para o indivíduo, que tem que
surgir um poder individual, neste momento. O senhor concorda com isso?

JG: Eu, eu diria, tem que surgir um poder singular, de uma singularidade. O
indivíduo…

FCP: Tem que ser uma vontade própria de cada um para depois partir para o
colectivo

JG: …uma vontade que atravessa cada um… Não é? Como se diz? Desculpe este,
esta comparação, quem faz a obra de arte não é, não é um, um senhor que assina.
São uma série de forças que o atravessam. Portanto ele é submergido. É preciso
que nós, nós passemos a gostar de nós, e dos outros, hum? Porque essa estrutura
de que eu falei, que está, subjaz à sociabilidade portuguesa, faz de nós, er… er…
uma comunidade que… er… er… perversamente se entretece e se enlaça
paranoicamente, por afastamento.

FCP: O senhor disse recentemente…

JG: …é esquisito mas é assim.

FCP: …a olhar para a política nota que não há políticos, não há responsabilidade,
ou políticos que se alcem a uma responsabilidade nacional. O senhor diz isso…

JG: Sim...

FCP: …numa entrevista recente. Isso quer dizer…

JG: …disse

FCP: …que este espaço de jovens, estes jovens que era nisso que creio que
estava a pensar, podem criar, neste momento, pode ocupar esse espaço de, de
responsabilidade ou…
JG: Mas é…

FCP: …ou ou podem cair em convulsão, podendo vir a assistir convulsões de rua,
a situações mais ou menos até violentas?

JG: …claro. Nós estamos a deixar irromper enfim o real e o real é sempre violento
na sua irrupção. Agora pode acontecer muita coisa. A situação é tal que pode
aparecer um demagogo populista e apresenta-se como transcendendo todos
estes partidarismos e representa o interesse nacional e é capaz de…

FCP: As pessoas neste momento estão a pensar: "o que é que ele quererá dizer"?
Que estes partidos não servem? Que… que… ou são estes políticos? Como é que
o senhor professor agora faz aí uma tradução para aquilo que é o nosso espaço
público com essa sua reflexão? Como é que as pessoas devam olhar para estas
querelas inter-partidos e para o espectro da situação política, neste momento,
agora muito mais nas mãos do próprio Presidente da República que vai reunir o
Conselho de Estado, e já ouviu os partidos, e vai convocar certamente eleições?

JG: Pois! O que eu digo é que esta, o que deve acontecer, o que pode acontecer,
de melhor, é criar um espaço de fora. Fora disso. Não…

FCP: Um governo de iniciativa presidencial,…

JG: Não estou…

FCP: …de incidência…

JG: …a falar do governo.

FCP: parlamentar?

JG: Não estou a falar de governo. Estou a falar de investimentos sociais: como
agir? É preciso que a sociedade civil possa inventar-se, inventar soluções,
pequenas soluções. E isto significa espaços. Imagine que aparecia uma TV, um
canal de televisão que não estivesse, não estivesse, abs.. absolutamente sujeito a
nenhuma influência partidária nem a um discurso ideológico. Que é que
aconteceria? Onde se pudesse exprimir a sociedade civil?

FCP: Mas esse…

JG: Que não estivesse submetido…

FCP: …está num canal onde isso tem sido possível com as condicionantes
daquele que é o espaço mediático…

JG: O espaço mediático…


FCP: …de certa forma.

JG: …por si só, é um espaço que condiciona de uma maneira não neutra.

FCF: Eu gostava de introduzir aqui agora outra questão que é a questão do risco.
Nestes períodos históricos têm que se correr riscos, já foi assim no passado, no
passado em muitos momentos da história, até no passado recente, depois do 25
de Abril houve quem corresse riscos para que o país se enverdasse por uma
democracia, plena, e, nós hoje tememos que não haja quem queira correr riscos
por um conjunto variado de factores entre eles, entra outra vez a comunicação
social que há pouco (penso que foi o António Hespanha que referiu). Professor
José Gil, faz falta quem corra esse risco deliberado atravessando-se pelo interesse
público maior na sociedade?

JG: Com certeza. Com certeza e é uma falta constante, eu acho que há, que nós
estamos a discutir, no fundo, pressupondo dois planos que é preciso distinguir. Um
é o plano das instituições, o plano da… formador dos indivíduos, etc. E depois o
plano individual. O plano das… dos espaços fora ou entre as instituições, hum? E
estamos a pôr toda a esperança, não nas instituições, não nos políticos, não no
sistema (excepto a Lídia Jorge) no sistema democrático, mas o sistema
democrático, se ele deixa essas linhas de fuga passar, não é? E passar para
essas linhas de fuga. Ora, donde é que pode vir um movimento de transformação?
Se pensarmos têm que vir dos dois porque a coisa, a coisa, quer dizer, o encimes..
mes.. mas.. mento, a nossa tristeza profunda… Nós estamos aqui a falar de forças
vitais, mas onde é que estão as forças vitais? Nós temos muito mais forças vitais
do que aquelas que nós mostramos. Portanto, falta-nos o quê para essa (não
gosto da palavra, já foi criticada) mobilização, esse movimento nas linhas de fuga?
O que é que nos falta? Falta-nos expressão. Expressão vital. E expressão vital
significa expressão de corpos, expressão de palavras, expressão de jogos,
expressão de encontros, expressão de criatividade que se fala tanto e que está tão
fora. Como disse o senhor João Salgueiro, o senhor professor Salgueiro, tudo
começa quando somos pequeninos. Tudo começa na escola. Tudo começa
quando a criança é pedagogizada a toda a força, como se o destino da criança
fosse um futuro e que não tivesse um presente, não é? Quando se fala destas
manifestações é a conquista de um presente, porque ele nos escapa, hum? E é a
conquista de nós próprios porque precisamente nós estamos, estamos partidos,
divididos entre o povo, que são os outros, o povo português e depois eu próprio,
que não pertenço a esse povo, e que o critico - o povo português é horrível, etc,
etc, etc - quer dizer, eu estou fora. Portanto, mas como estou dentro eu sou dois.
Ora, o que me parece é que nós chegamos a um tal momento de crise…

FCP: Chocamos uns com os outros,...

JG: …que somos capazes de…

FCP: …demos com o nariz no espelho.


JG: …e isso significa termos uma outra relação com o outro. Mas concreta, de
corpo a corpo, de corpo a espaço. E é o que acontece naquilo que se chama
manifestação política. Bom, mas para mudar essa formação da criança, que depois
passa à escola, e na escola é burocratizada, é avaliada de uma maneira… e isto
está a passar para a universidade, isto leva a criança e o adolescente e o jovem
na universidade a uma coisa ho… terrível, que eu acho, que falta em Portugal, que
é a exigência de pensar. Nós não queremos pensar no esforço de pensar que é
um prazer de pensar. Não. É a tal força da doxa, a força da opinião, a força dos
hábitos e… e… e dos hábitos da conversa habitual, Quando há! Ora, como fazer,
mostrar, mostrar que há um outro prazer e há um prazer… repare como os
portugueses estão, estão ossimbiotizados, a relação ou é uma relação de
simbiose, em que ali há, há o tal espelhamento, não é? ou, ou não se tocam. Não
se tocam, não fazem assim [toca no convidado do lado] e não têm aquela, aquela,
por exemplo, como os brasileiros têm, não é? Há uma separação dos corpos, que
é formada por essa pedagogização desde a escola, portanto, os dois planos, o
plano político e o plano, o plano das instituições, e o plano da vida, hum? têm que,
têm que se articular de maneira a que o plano, a responsabilidade das instituições,
do poder político, etc, etc, se exerça antes de mais na educação para criar espaços
de expressão, espaços não de inibição e de formatação, como se diz, para a vida
deixar a vida jorrar no que ela tem de imprevisível e isso é criação. Porque não é
segundo uma… e isso é pensamento. Uma das coisas que me surpreende mais, e
que me surpreendeu mais na universidade - e falo de acordo com o que disse o
professor Hespanha - os nossos alunos são inteligentes, como todos, às vezes
mais inteligentes…

FCP: Mas estão adormecidos...

JG: Er…

FCP: …é isso?

JG: Er… mas não mostram a inteligência, mas não exigem de si o esforço, é
preciso que o esforço de pensamento seja uma exigência da universidade.

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