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José Gil (JG): Não é eles, eu acho que nós todos mas eles certamente que têm
mais energia e mais força de investimento. Agora, o que me parece é que há aqui
uma situação em que nós estamos que é muito particular e que exige, exige uma
realidade que me parece importante para uma eventual saída, não sei. Até agora o
que é que nós temos visto? Temos visto uma falta de coesão social por causa de
certas estruturas profundas da sociedade…
JG: Er.. Não. É na relação que existe entre, na relação social que existe entre
indivíduos, entre grupos e grupos, entre grupos e indivíduos e entre indivíduos e
instituições. Há uma… e que se, que culmina agora neste vai e vem que nós temos
assistido entre dois partidos que é um espelhamento, um esealhamento, como já
se tem dito, conjugal. Se eu falo nisto é, unicamente, para dizer que isto leva -
quando há um espalhamento conjugal, não sei se lembra de um filme, "Quem tem
medo de Virginia Woolf"…
FCP: Sim
JG: É isso…
JG: Isto existe, se, se… Existe, existe em mil acções, olhe, existe quando um artista
faz uma obra. Isso existe.
JG: Pois. Ou de um trabalho solitário, dito solitário, que nunca é solitário. Não é?
Nós temos uma multidão virtual dentro de nós.
FCP: O Stéphane Hessel diz que vamos caminhar para o indivíduo, que tem que
surgir um poder individual, neste momento. O senhor concorda com isso?
JG: Eu, eu diria, tem que surgir um poder singular, de uma singularidade. O
indivíduo…
FCP: Tem que ser uma vontade própria de cada um para depois partir para o
colectivo
JG: …uma vontade que atravessa cada um… Não é? Como se diz? Desculpe este,
esta comparação, quem faz a obra de arte não é, não é um, um senhor que assina.
São uma série de forças que o atravessam. Portanto ele é submergido. É preciso
que nós, nós passemos a gostar de nós, e dos outros, hum? Porque essa estrutura
de que eu falei, que está, subjaz à sociabilidade portuguesa, faz de nós, er… er…
uma comunidade que… er… er… perversamente se entretece e se enlaça
paranoicamente, por afastamento.
FCP: …a olhar para a política nota que não há políticos, não há responsabilidade,
ou políticos que se alcem a uma responsabilidade nacional. O senhor diz isso…
JG: Sim...
JG: …disse
FCP: …que este espaço de jovens, estes jovens que era nisso que creio que
estava a pensar, podem criar, neste momento, pode ocupar esse espaço de, de
responsabilidade ou…
JG: Mas é…
FCP: …ou ou podem cair em convulsão, podendo vir a assistir convulsões de rua,
a situações mais ou menos até violentas?
JG: …claro. Nós estamos a deixar irromper enfim o real e o real é sempre violento
na sua irrupção. Agora pode acontecer muita coisa. A situação é tal que pode
aparecer um demagogo populista e apresenta-se como transcendendo todos
estes partidarismos e representa o interesse nacional e é capaz de…
FCP: As pessoas neste momento estão a pensar: "o que é que ele quererá dizer"?
Que estes partidos não servem? Que… que… ou são estes políticos? Como é que
o senhor professor agora faz aí uma tradução para aquilo que é o nosso espaço
público com essa sua reflexão? Como é que as pessoas devam olhar para estas
querelas inter-partidos e para o espectro da situação política, neste momento,
agora muito mais nas mãos do próprio Presidente da República que vai reunir o
Conselho de Estado, e já ouviu os partidos, e vai convocar certamente eleições?
JG: Pois! O que eu digo é que esta, o que deve acontecer, o que pode acontecer,
de melhor, é criar um espaço de fora. Fora disso. Não…
FCP: parlamentar?
JG: Não estou a falar de governo. Estou a falar de investimentos sociais: como
agir? É preciso que a sociedade civil possa inventar-se, inventar soluções,
pequenas soluções. E isto significa espaços. Imagine que aparecia uma TV, um
canal de televisão que não estivesse, não estivesse, abs.. absolutamente sujeito a
nenhuma influência partidária nem a um discurso ideológico. Que é que
aconteceria? Onde se pudesse exprimir a sociedade civil?
FCP: …está num canal onde isso tem sido possível com as condicionantes
daquele que é o espaço mediático…
JG: …por si só, é um espaço que condiciona de uma maneira não neutra.
FCF: Eu gostava de introduzir aqui agora outra questão que é a questão do risco.
Nestes períodos históricos têm que se correr riscos, já foi assim no passado, no
passado em muitos momentos da história, até no passado recente, depois do 25
de Abril houve quem corresse riscos para que o país se enverdasse por uma
democracia, plena, e, nós hoje tememos que não haja quem queira correr riscos
por um conjunto variado de factores entre eles, entra outra vez a comunicação
social que há pouco (penso que foi o António Hespanha que referiu). Professor
José Gil, faz falta quem corra esse risco deliberado atravessando-se pelo interesse
público maior na sociedade?
JG: Com certeza. Com certeza e é uma falta constante, eu acho que há, que nós
estamos a discutir, no fundo, pressupondo dois planos que é preciso distinguir. Um
é o plano das instituições, o plano da… formador dos indivíduos, etc. E depois o
plano individual. O plano das… dos espaços fora ou entre as instituições, hum? E
estamos a pôr toda a esperança, não nas instituições, não nos políticos, não no
sistema (excepto a Lídia Jorge) no sistema democrático, mas o sistema
democrático, se ele deixa essas linhas de fuga passar, não é? E passar para
essas linhas de fuga. Ora, donde é que pode vir um movimento de transformação?
Se pensarmos têm que vir dos dois porque a coisa, a coisa, quer dizer, o encimes..
mes.. mas.. mento, a nossa tristeza profunda… Nós estamos aqui a falar de forças
vitais, mas onde é que estão as forças vitais? Nós temos muito mais forças vitais
do que aquelas que nós mostramos. Portanto, falta-nos o quê para essa (não
gosto da palavra, já foi criticada) mobilização, esse movimento nas linhas de fuga?
O que é que nos falta? Falta-nos expressão. Expressão vital. E expressão vital
significa expressão de corpos, expressão de palavras, expressão de jogos,
expressão de encontros, expressão de criatividade que se fala tanto e que está tão
fora. Como disse o senhor João Salgueiro, o senhor professor Salgueiro, tudo
começa quando somos pequeninos. Tudo começa na escola. Tudo começa
quando a criança é pedagogizada a toda a força, como se o destino da criança
fosse um futuro e que não tivesse um presente, não é? Quando se fala destas
manifestações é a conquista de um presente, porque ele nos escapa, hum? E é a
conquista de nós próprios porque precisamente nós estamos, estamos partidos,
divididos entre o povo, que são os outros, o povo português e depois eu próprio,
que não pertenço a esse povo, e que o critico - o povo português é horrível, etc,
etc, etc - quer dizer, eu estou fora. Portanto, mas como estou dentro eu sou dois.
Ora, o que me parece é que nós chegamos a um tal momento de crise…
JG: Er…
FCP: …é isso?
JG: Er… mas não mostram a inteligência, mas não exigem de si o esforço, é
preciso que o esforço de pensamento seja uma exigência da universidade.