C2 CORREIO POPULAR
Campinas, quarta-feira, 30 de março de 2011
bruno ribeiro
Resposta em
forma de carta
Senhor R., ontem recebi o
seu e-mail. Nele, o senhor —
que se diz “um crítico do jor-
nal, para o bem e para o
mal” — aproveita para ridicu-
larizar o meu trabalho. Não
faz uma simples crítica. Fos-
se e eu responderia cordial-
mente, como em geral costu-
mo fazer.
O senhor (não vou citá-lo
nominalmente para não dar-
lhe cartaz) diz que as coisas
que escrevo são insuportá-
veis e intragáveis. E que, exa-
tamente por isto, cancelou
— ou deixou de renovar — a
assinatura do jornal que pa-
ga o meu salário. É um direi-
to seu.
Mais: com deselegante iro-
nia, o senhor afirma que gos-
tava de mim (ou me tolera-
va) quando eu “escrevia ape-
nas sobre croquetes, cacha-
ças e afins”.
Logo de saída, comete
sudoku
cruzadas
CADERNO C
Editora: Daniela Prandi daniela@rac.com.br - Editor assistente: Rodrigo de Moraes
duas injustiças: a primeira é
que nunca escrevi apenas so-
bre botecos — sou crítico de
música há dez anos. A segun-
da é que tenho o direito de
escrever sobre o que bem en-
tender.
Acusar-me de “tentar im-
por aos outros o que aprendi
nos botecos do Rio de Janei-
ro” é, para dizer o mínimo,
leviano. Todos os colunistas
deste veículo são livres para
defender as suas verdades.
Às vezes nossas ideias coinci-
dem, outras não — assim é a
democracia.
A liberdade de opinião é
um valor democrático que
custou a vida de muitos bra-
sileiros entre 1964 e 1985, pe-
ríodo em que o país submer-
giu na lama de uma ditadura
que censurava, prendia e tor-
turava quem ousasse defen-
der o contraditório.
Também sou leitor e mui-
Os jogos
pertencem aos
livros Sudoku
Puzzles 100,
volumes 1, 2,
3, 4, 5, 6 e 7
publicados pela
Verus Editora.
Mais
informações em
www.verusedito-
ra.com.br
tos colunistas me enfastiam.
O método mais eficaz — o
mais óbvio! — que encontrei
para me livrar de aborreci-
mentos foi deixar de lê-los.
Ignoro solenemente seus tex-
tos e a vida se faz mais leve.
Portanto, confesso não en-
tender o motivo de tanto
ódio. Se o senhor foi capaz
de cancelar a assinatura do
jornal para não cair na tenta-
ção de ler o que escrevo, se-
ria lógico que deixasse de
acompanhar em definitivo
os meus escritos. No entan-
to, parece que o senhor con-
tinua lendo assiduamente es-
ta coluna — um vício secreto
do qual se envergonha, mas
não se liberta.
Se nada lhe interessa nas
histórias brasileiras que res-
gato, paciência. Há — como
o senhor mesmo frisou —
centenas de outros colunis-
tas melhores do que eu, es-
crevendo sobre temas que
lhe agradam mais.
Na semana passada, en-
quanto eu lembrava Tenório
Júnior, pianista de Vinicius
de Moraes que desapareceu
sob a ditadura militar, o se-
nhor citava o fascista Benito
Mussolini em sua página no
twitter. Vê-se que estamos
em campos totalmente opos-
tos. Mas isto não é motivo
para que eu opere manobras
visando expulsá-lo da comu-
nidade ítalo-brasileira da
Como jogar
* Cada fileira (vertical e horizontal) de-
verá conter números de 1 a 9;
* Cada grade menor, de 3 x 3 quadra-
dos, deverá conter números de 1 a 9;
* Nas fileiras horizontais e verticais da
grade maior, cada número deverá apare-
cer uma só vez;
* O objetivo do jogo é preencher cada
quadrado com um número de 1 a 9,
considerando que o número deverá apa-
recer apenas uma vez na horizontal, na
vertical e na grade menor.
Resposta
qual o senhor faz parte.
“Bruno Ribeiro é um sujei-
to monocórdico (sic)! Se fos-
se violonista só saberia dedi-
lhar uma nota. Ele já cansou
muitos leitores ao escrever
insistentemente sobre a Re-
volução de 1964!”, brada o se-
nhor.
Não vou discorrer outra
vez sobre o absurdo de cha-
mar um golpe de revolução.
Se o senhor e seus amigos es-
tão cansados com a recorrên-
cia deste assunto em minha
coluna, ótimo. É justamente
o que pretendo: vencer pelo
cansaço os que apoiaram a
tortura em meu país.
quadrinhos
Tatu-man / Bira
Tubino / Tannus Jr.
Dilbert / Scott Adams
Xaxado / Antonio Cedraz
Hagar / Dik Browne
Recruta Zero / Mort Walker
Em contrapartida, muitos
são os leitores que me escre-
vem, solidários a esta luta in-
glória. Estes são a esmagado-
ra maioria — o que reforça a
convicção de que a justiça se-
rá feita. Iremos ressuscitar a
memória de nossos mortos e
desaparecidos até que suas
presenças se tornem pesos
insustentáveis sobre os om-
bros da sociedade. Os que
apoiaram o golpe já enterra-
ram nossos irmãos em valas
comuns. Querem também
enterrar a História?
Dizer que o Brasil estava
“seriamente ameaçado por
comunistas que queriam im-
plantar a ditadura do proleta-
riado” é acreditar em conto
de fadas. Esta ideia era pura
paranoia macarthista disse-
minada pelos órgãos de pro-
paganda durante a Guerra
Fria.
Aonde nos levou esta pa-
ranoia? Partidos de esquerda
fechados e obrigados a atuar
na clandestinidade, deputa-
dos e militantes presos, jor-
nalistas censurados, oposito-
res do regime torturados à
exaustão — muitos executa-
dos covardemente quando
já se encontravam desarma-
dos e sob a custódia do Esta-
do. São crimes que a Anistia
não alcança.
Amanhã é dia 31 de mar-
ço. O senhor certamente irá
celebrar o golpe e desejar vi-
da longa aos que torturaram.
Eu me lembrarei dos mortos
com muito respeito e admira-
ção.
“Passadas várias décadas
as feridas estão cicatrizadas;
menos para Bruno Ribeiro
que por algum motivo muito
íntimo, suponho eu, não pas-
sa um parágrafo sequer de
suas crônicas rançosas sem
citar algo ligado a esse perío-
do da História”, insiste o re-
cado.
Neste caso, o senhor tem
razão. Tenho um motivo
muito íntimo para manter es-
ta ferida aberta. Este motivo
se chama patriotismo. Não o
patriotismo separatista —
que o senhor gosta de osten-
tar nas redes sociais (quando
sugere a independência de
São Paulo, por exemplo). Fa-
lo do amor à pátria em sua
plenitude.
Às vezes este amor ao Bra-
sil se manifesta na alegria
que me traz um samba de
Noel Rosa, um choro de Pi-
xinguinha ou um drible de
Garrincha. Às vezes ele está
na tristeza que sinto quando
me lembro de um homem
que saiu de casa para mudar
o mundo e desapareceu nas
trevas.
Sem mais.
I I Bruno Ribeiro é jornalista da Agência
Anhanguera de Notícias
(bruno@rac.com.br)