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XIV Congresso Brasileiro de Sociologia

28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ)


Grupo de Trabalho: Teoria Sociológica

Elites universitárias e o campo da Ciência Política brasileira hoje: um modelo


teórico-metodológico

Adriano Codato
Fernando Leite
Universidade Federal do Paraná
2

RESUMO
Propomos um modelo de análise para mapear o campo da ciência política
brasileira contemporânea. Pretende-se verificar se há instâncias (agentes,
instituições e “escolas” teórico-metodológicas) hegemônicas no campo e, em
caso afirmativo, nomeá-las. Essas instâncias estão distribuídas e
hierarquizadas conforme a posse de certas espécies de capital (capital
propriamente acadêmico, capital político, capital institucional etc.). Lançamos
mão de várias fontes para revelar as posições de agentes, “escolas” e
instituições de modo a verificar se há ou não instâncias dominantes no campo.
Esse modelo implica na análise: i) da produção acadêmica da ciência política
brasileira; ii) da evolução dos currículos dos principais programas de pós-
graduação da disciplina e iii) da história dos principais agentes (a “elite”) e
instituições do campo.

INTRODUÇÃO
É de conhecimento de todos que o meio acadêmico é um espaço social
como qualquer outro. Como qualquer espaço social, ele é formado por
indivíduos que se relacionam socialmente e através de instituições socialmente
produzidas. Como todo e qualquer espaço social, o meio acadêmico é
atravessado, de alto a baixo, por lutas. Contudo, essas são lutas específicas e
isso confere ao meio acadêmico uma forma que lhe é peculiar, permeado por
valores, representações e visões de mundo também específicas.
Sendo um espaço social, o meio acadêmico possui uma lógica
propriamente social ou, em outras palavras, uma sócio-lógica. Portanto, ele é
também (ou deveria ser) um objeto de estudos da Sociologia. Não há razão
lógica ou científica para excluí-lo do escopo da investigação sociológica. Por
isso mesmo, chama a atenção a ausência de uma Sociologia da profissão
daqueles cuja profissão é fazer Sociologia.
Essa ausência é tanto mais importante quando se sabe que a análise
sociológica das ciências sociais possui um mérito especial, pois confere
reflexividade à disciplina. A reflexividade, neste caso, significa a capacidade de
um agente social olhar para si mesmo de forma objetivante, no intuito de
descobrir e trazer à consciência, ou mais exatamente, revelar os
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constrangimentos sociais que influenciam a prática sociológica (BOURDIEU,


2004; 1992, p. 36-46).
Como nas ciências sociais o objeto de estudo confunde-se com o
observador, ele não faz parte de uma ordem de realidade separada de nosso
espírito; somos assim acometidos por obstáculos metodológicos complexos e
aparentemente insuperáveis. Max Weber (1949) foi o principal sociólogo que
chamou nossa atenção a esses problemas, e um dos que mais contribuiu para
a sua solução.
Além dos cuidados metodológicos específicos exigidos em uma ciência
cujo objeto de estudo não “explode” em nossas mãos quando cometemos um
erro de cálculo, é preciso ser reflexivo. É somente se os cientistas sociais
tiverem consciência das forças sociais que influenciam sua prática científica
que eles poderão ter controle sobre essas forças e, assim, sobre sua própria
prática científica.
Se não fizerem isso, os cientistas sociais correm o sério risco de
construírem uma imagem da prática dos agentes que reflete, na verdade, as
forças sociais que influenciam o cientista social, e não a lógica real que opera
na prática. Nas ciências sociais, a reflexividade é uma condição metodológica
para atingirmos o grau de objetividade que é possível atingir.
Inspirados por essas idéias nós decidimos desenvolver uma pesquisa
sobre o campo da Ciência Política brasileira contemporânea.
Por que o campo da Ciência Política? Já tínhamos noções significativas
sobre ele, que se desenvolveram a partir de observações primárias sobre o
estado atual da hierarquia entre agentes, idéias e instituições. Algumas
características que observamos nesse campo (que veremos adiante)
suscitaram-nos algumas hipóteses. Tivemos, então, a idéia de aplicar a
sociologia de Bourdieu numa pesquisa sobre o campo da Ciência Política
brasileira, inspirados pela curiosidade de desvelar as forças que operam em
seu interior, na esperança de encontrarmos paralelos entre sua produção
acadêmica, sua história institucional e sua estrutura de relações de força.
Achamos que a sociologia de Bourdieu tenha se mostrado um caminho
proveitoso quando se trata de relacionar a análise estrutural à análise histórica
por meio de uma visão agonística das relações humanas.
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Uma pesquisa com esse escopo é evidentemente muito extensa. Por


isso, como primeira etapa começamos pela identificação das frações
hegemônicas, que chamamos de “elites universitárias”, a partir de três
elementos reais, quais sejam, agentes (neste caso, indivíduos e grupos),
instituições (acadêmicas e universitárias) e a produção intelectual (as idéias, e
neste caso específico, as “escolas” ou correntes teórico-metodológicas que
compõem a produção simbólica do campo). Nesta etapa buscamos responder
às seguintes questões: existem instâncias hegemônicas no campo da Ciência
Política brasileira contemporânea? Caso afirmativo, quais são elas? Esta é a
primeira etapa da pesquisa – a que estamos conduzindo atualmente.
Depois dessa etapa propriamente descritiva, pretendemos partir para a
análise da estrutura e da história do campo da Ciência Política brasileira, na
tentativa de lançar alguma luz sobre as forças que o moldam para aí sim tentar
explicar a razão de as frações hegemônicas serem ocuparem a posição que
ocupam. Logo, não queremos mais saber “quais são”, mas “por que são”. Esta
é a segunda etapa da pesquisa.
Para apreender cientificamente a realidade social é preciso interpretá-la
por meio da óptica de algum método, que contenha conceitos que nos auxiliem
na pesquisa e na tradução da aparente desordem com que nos defrontamos ao
observar a realidade em um modelo logicamente ordenado e racionalmente
apreensível. Sem um modelo não é possível entender cientificamente a
realidade. Para construir um modelo é preciso um método, e todo método
contém necessariamente um conjunto lógico de premissas e induções prévias.
Apresentamos e discutimos, neste trabalho, os elementos gerais do
método que adotamos para analisar o campo da Ciência Política brasileira
contemporânea. Nosso objetivo é organizar e expor tal método da maneira
mais clara possível, submetendo-o ao escrutínio da comunidade científica.
Queremos, com isso, tornar nosso método mais rico e fecundo. Não
desejamos, contudo, que essa exposição teórico-metodológica fosse meta-
teórica, ou uma discussão de teoria pura. É claro que não descuramos da
teoria. Muito pelo contrário, ela é parte fundamental de nossa pesquisa, e
acreditamos que toda visão cientificamente adequada da realidade é uma visão
necessariamente teórica. Mas acreditamos que a teoria deve andar de mãos
dadas com a prática da pesquisa empírica. Em ciência, a teoria deve estar a
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serviço da pesquisa: a teoria deve ser um constructo lógico e racionalmente


ordenado da realidade. Se o trabalho teórico se descola da pesquisa empírica,
isto é, se ele se transforma num fim em si mesmo, acaba todo o
empreendimento científico. Neste caso, o trabalho teórico reduz-se a uma
experiência estética em que teoria gera teoria, numa partenogênese teórica
que não tem como finalidade ajustar-se à realidade, mas cultivar uma
experiência intelectual própria da filosofia ou da arte. Na sociologia, e nas
ciências em geral, ao contrário, a teoria não é nunca uma finalidade, mas o
meio pelo qual reconstruímos a lógica que opera na realidade.
Assim, a discussão teórica dá-se à luz de um objeto de pesquisa, no
intuito de colocar a teoria a serviço da pesquisa social.
I. OBJETO DE ESTUDO
Nosso objeto de estudo são as “elites universitárias” do campo da
Ciência Política brasileira contemporânea, isto é, as “instâncias hegemônicas”
deste campo em seu “momento atual”.
“Instância hegemônica” quer dizer aqueles agentes, instituições e
“escolas” (ou correntes teórico-metodológicas) que detêm as maiores
quantidades dos recursos valorizados no interior do campo. Utilizamos a
palavra “instância” para nos referir a esses três elementos ressaltando sua
condição de produtores de efeitos sociais pertinentes.
Definimos o “momento atual” do campo da Ciência Política brasileira
como o período imediatamente posterior ao processo recente de
institucionalização da disciplina até o ano de 2008. Acreditamos que o que
chamamos de “processo recente de institucionalização” tenha se dado – ou se
aprofundado – principalmente a partir do início da década de 1990,
estendendo-se até os dias de hoje, estimulando o processo de autonomização
do campo da Ciência Política.
Queremos saber se há instâncias hegemônicas no campo da Ciência
Política brasileira contemporânea, tanto do ponto de vista dos agentes e das
instituições como das “escolas” teórico-metodológicas, considerando que não
são necessariamente correspondentes entre si1. Se afirmativo, queremos saber

1
Embora as instituições constituam uma das três instâncias do campo, nosso foco, nesta etapa
da pesquisa, recairá sobre os agentes e as “escolas”. Isso se dá pela imensa dificuldade de se
identificar cientificamente a hierarquia das instituições a partir de nosso modelo. Logo, nesta
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quais são. Trata-se, portanto, de acessar a “topologia” do campo por meio de


suas frações hegemônicas – se existirem. Este é nosso problema e nosso
principal objetivo. Numa etapa posterior, queremos desvelar a sócio-lógica que
estratifica o campo da Ciência Política da forma como o identificamos.

II. PREMISSAS E ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DO MODELO


II.1. Hierarquia, campo e espécies de capital
Como está mais ou menos claro pelas questões de pesquisa, o modelo
ao qual aderimos é marcado por uma visão agonística dos agrupamentos
humanos e seus vários “microcosmos” (inclusive o da Ciência). Chamamos
esses microcosmos de “campo”: daí a expressão “campo da Ciência Política”.
Essa visão implica na premissa de que esse campo, como todos os demais, é
hierarquizado; e que essa hierarquia influencia todos os fenômenos sociais
produzidos no campo, como a produção cultural (as práticas) que, neste caso,
toma a forma de produção acadêmica.
O mundo social, especialmente nas sociedades complexas, é constituído
por inúmeros campos dotados de sócio-lógicas particulares, necessariamente
hierarquizados e atravessados por relações de força (particulares, de acordo
com a sócio-lógica que os define).
Entendemos um “campo” como um espaço de relações, de comunicação
e de luta que segue uma lógica específica tanto em sua dimensão institucional
(possuindo elementos institucionais que lhe são próprios, sejam procedimentos
e organizações formais ou sistemas de normas tácitas) como em sua dimensão
simbólico-cognitiva (possuindo elementos simbólicos específicos, como
esquemas de pensamento e categorias de percepção e apreciação; certa
linguagem, certo estilo etc.). Essa “sócio-lógica” é o que distingue os agentes,
as instituições e os produtos simbólicos de um campo do resto do espaço
social, isto é, de agentes, instituições e produtos simbólicos de outros campos.
O campo, desta forma, possui uma “vida própria”, ou uma lógica particular, que
incide em todos os seus níveis, desde os mais formais aos mais difusos e
tácitos, como as convenções sociais e as práticas e preferências dos agentes.

etapa da pesquisa vamos nos aproximar da hierarquia institucional indiretamente, desvelando


as frações hegemônicas do ponto de vista dos agentes e das “escolas”. Como estes elementos
estão intimamente ligados às instituições, supomos que deve haver certa correspondência
entre a posição que cada um ocupa em sua respectiva hierarquia.
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Um campo é específico porque ele possui alguma espécie de capital


particular. Um capital é uma propriedade atuante (BOURDIEU, 2003a, p. 133),
ou seja, um princípio específico de divisão (a partir do qual se organizam as
relações sociais entre os agentes) e de visão (a partir do qual se constituem os
esquemas de pensamento, as visões de mundo, as categorias de percepção e
de apreciação da realidade). Na realidade concreta, os capitais são os vários
valores socialmente instituídos que são compartilhados pelos agentes, que
orientam a sua vida e pelos quais eles competem. Os agentes incorporam esse
“capital” por meio dos processos de socialização em que se envolvem; das
relações sociais e das relações de comunicação, ou seja, por meio da ação
concreta e da vida cotidiana.
Uma espécie de capital é também um poder pelo qual os agentes
competem e lutam (sejam quais forem os métodos) para possuir e acumular.
Os agentes estão, assim, dispostos em uma estrutura de relações sociais
organizadas em torno de determinados valores que os distinguem, gerando
necessariamente uma hierarquia.
A distribuição de capital (entre os agentes) determina as posições
sociais dentro dessa estrutura. Num campo determinado, a distribuição de seu
capital específico determina as posições neste campo específico. Quanto mais
deterem dos valores correntes, pertinentes e eficazes do campo, mais elevada
a sua posição social. Mas os campos não são universos fechados em si
mesmos, estão socialmente integrados, da mesma forma que estão os
indivíduos e grupos. As relações entre valores (capitais) e agrupamentos
distintos compõem o “espaço social global”, que chamamos ordinariamente de
“sociedade” e outros de “mundo social”. Ele também possui uma hierarquia,
uma hierarquia entre campos e, portanto, entre agentes. Neste caso, a posição
dos agentes no espaço social global depende da posição que seu campo
ocupa na hierarquia dos campos, ou, em outras palavras, da hierarquia entre
os vários valores e princípios de divisão e visão componentes do mundo social.
O campo é, assim, uma estrutura dinâmica de agentes dispostos em função da
quantidade e da espécie de capital que possuem (Cf. Bourdieu, 1996, p. 13-34;
2003a, p.131-161 e 1984, p. 226-256).
No caso específico do campo da Ciência Política brasileira, para a
primeira etapa de nossa pesquisa, vamos supor que o campo constitui-se, de
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forma determinante, a partir (i) do capital institucional, que se refere às


propriedades temporais correntes e eficazes no campo, tais como a posse de
recursos que conferem poder sobre a produção e reprodução acadêmica, a
ocupação de postos estratégicos em organizações, a posse de recursos
institucionais, recursos econômicos etc., tratando-se de um tipo de poder
político particular do campo da Ciência Política; e (ii) do capital propriamente
acadêmico, que se refere aos valores e propriedades intelectuais detidas pelos
agentes e reconhecidas pelos pares (BOURDIEU, 2003b e 1983a).

II.2. A questão da dominação


É preciso tecer algumas considerações a respeito do que chamamos de
“visão agonística” dos agrupamentos humanos. Não faz sentido realizar um
estudo de elites se não aderirmos à idéia de que os agentes e instituições que
analisamos são hierarquizados, seja qual for a forma, seja qual for a lógica
específica a que obedecem. O conhecimento acumulado em ciências sociais
fornece ampla evidência que demonstra a incidência universal de hierarquias
nas formações sociais, especialmente nas sociedades complexas, e mesmo
onde as relações de força aparentemente inexistem, como nas economias de
dádiva.
Entretanto, embora a seguinte proposição esteja presente na maior parte
das aplicações do modelo ao qual nos filiamos praticamente como uma
premissa, consideramos apressado pressupor que o campo possui elementos
“dominantes”, especialmente porque não consideramos que a existência de
hierarquia implique universalmente na existência de uma fração “dominante”,
pelo menos no sentido que atribuímos a este termo2. Tomamos isso como algo
a ser verificado: seja o monopólio ou oligopólio dos recursos valorizados (que
chamamos de “hegemonia”); seja a imposição por meio do exercício do poder,
no sentido dos subjetivistas; seja mesmo o domínio sistemático por meio do

2
Entendemos “dominante” como aquela instância ou fração do campo que (1) impõe às outras
instâncias ou frações do campo a sua visão de mundo como as “regras do jogo” e como os
princípios segundo os quais se hierarquiza e se valoriza os bens e os agentes em jogo, (2)
incutindo nos dominados a sua visão e valores (sem, contudo, fornecê-los os esquemas e os
instrumentos necessários para realizar e acumular adequadamente essa visão e esses
valores); (3) e que impõe seus valores como os valores legítimos, isto é, tendo sua posição
superior na hierarquia reconhecida positiva ou negativamente mesmo por aqueles que não
possuem esses valores. Como se percebe, quando falamos em “hegemônico” nos referimos a
uma posição hierárquica superior, definida a partir do monopólio ou oligopólio dos recursos
mais valorizados, sem, contudo, designar esse mecanismo tácito de dominação.
9

poder simbólico. Não é fácil provar cientificamente que uma instância qualquer
de um campo é “dominante” no sentido ‘praxiológico’ (BOURDIEU, 1983b, p.
47) ou mesmo no objetivista.
Além disso, investigar a existência das frações hegemônicas é uma
forma de ter acesso ao campo, identificando seus valores correntes e recursos
socialmente eficazes e mapeando sua hierarquia. Como temos a pretensão,
numa etapa posterior, de explicar as causas da composição de certas frações
dessa hierarquia, esse mapeamento precisa antecipar as etapas da pesquisa
referentes à construção de indicadores capazes de detectar e reconstruir
adequadamente a estrutura do campo tanto a partir das manifestações
subjetivas (dos grupos e indivíduos) como por meio de critérios objetivos
(oriundos da lógica das instituições sociais).

III. OS CAPITAIS E OS ELEMENTOS DA REALIDADE SOCIAL


Os capitais são o ponto de partida de nossa pesquisa. Eles tomam
várias formas: manifestam-se em todos os elementos da realidade social e,
portanto, no campo da Ciência Política.
Existem nas instituições do campo, como as estruturas de posições, os
procedimentos, as normas e as regras compartilhadas coletivamente, podendo
ser formalizadas, juridicamente sancionadas ou mesmo legitimadas por uma
autoridade como o Estado. Em nosso caso, trata-se das instituições
acadêmicas e universitárias que oferecem cursos e possuem programas de
ensino ou pesquisa em Ciência Política, ou que possuem produção acadêmica
em Ciência Política.
Existem nos agentes, sedimentados em forma de categorias de
percepção e esquemas de ação que orientam seu pensamento, orientando
assim sua ação. Em nosso caso, trata-se dos indivíduos e grupos que possuem
posições em instituições acadêmicas e universitárias de Ciência Política ou
produção nesta área3.

3
Usamos, neste trabalho, uma acepção restrita do conceito de “agente social”. Tal conceito
usualmente se refere a qualquer instância socialmente condicionada da realidade social que
produz efeitos socialmente pertinentes. Assim, indivíduos, grupos e mesmo instituições, por
exemplo, podem ser indicados pelo conceito de “agente”. Em nossa acepção, restringimos o
conceito de “agente” aos indivíduos e grupos socialmente condicionados e que produzem
efeitos sociais pertinentes.
10

Existem também nos produtos culturais, ou seja, na produção simbólica


coletiva, produto da ação dos agentes. Esses produtos culturais estão
integrados em sistemas simbólicos que chamamos de ordem simbólica. Em
nosso caso, trata-se das “escolas” ou correntes teórico-metodológicas
componentes do campo. Tais constructos do campo da Ciência Política tomam
uma forma particular porque são construídos a partir da função de nomear,
classificar e reconstruir de modo pretensamente científico o campo político ou
os fenômenos políticos em geral.
Consideramos tais elementos como elementos reais, ou seja, fatos
objetivos que existem em qualquer realidade social, ainda que tenhamos dado
um nome arbitrário para eles. Nossas denominações teóricas (“agentes,
instituições e cultura”) pretendem reunir e organizar os elementos reais (os
indivíduos, os grupos, as formas de pensamento, os sistemas simbólicos, as
organizações burocratizadas...), tornando-os racionalmente apreensíveis.
Esses elementos possuem um aspecto muito importante, também
presente na realidade objetiva: eles são inter-relacionados. Os agentes são
quem constroem as “escolas” teórico-metodológicas e dão vida às instituições,
porque são eles que efetivamente pensam, escrevem textos, publicam artigos e
livros, participam de eventos, ocupam os cargos das instituições, povoam as
universidades etc. Os agentes possuem um papel ativo, de construção, difusão
e reprodução, em todas as dimensões da realidade social.
Mas as instituições também influenciam e constroem os agentes,
incutindo-los certos esquemas de pensamento e visões de mundo por meio do
exercício sistemático de estímulos e constrangimentos, explícitos e tácitos,
oriundos das próprias interações sociais e das coerções e censuras a que o
agente é submetido a partir da coletividade.
As “escolas” teórico-metodológicas, como sistemas simbólicos,
compõem parte dos estímulos e constrangimentos sociais aos quais os
agentes estão expostos em vida, e que são incorporadas por meio do contato e
das interações sociais, traduzindo-se subjetivamente em esquemas de
pensamento e visões de mundo. Elas são transmitidas aos agentes por meio
de instituições de difusão e reprodução cultural, como as universidades, as
escolas, os institutos de pesquisa etc. Dependem, portanto, de instituições que
as difundam, estando efetivamente ligadas às instituições e fazendo parte
11

delas. E quem efetivamente transmite essas “escolas”, no interior das


instituições, são os agentes, por meio de suas práticas culturais.
Dessa forma, agentes e “escolas” compõem instituições; agentes
constroem “escolas” e instituições; “escolas” e instituições constroem agentes.
Os elementos da realidade social influenciam-se e determinam-se mutuamente,
e é necessário tratá-los como elementos de um sistema de determinação
mútua.
Para que nosso modelo da estrutura do campo da Ciência Política seja
realista, é preciso orientar nossa pesquisa de acordo com tal lógica, que
pensamos estar presente na realidade: é estudando tais elementos dessa e de
outras realidades sociais que identificamos e temos acesso os capitais
correntes e socialmente eficazes, bem como sua distribuição, dos quais
derivam os fenômenos sociais que observamos e que queremos em certo
momento explicar. Esse raciocínio organiza toda a pesquisa.
IV. ELEMENTOS DA REALIDADE SOCIAL E TÓPICOS
METODOLÓGICOS
Em primeiro lugar, separamos artificialmente os elementos reais e
chamamo-los de “instâncias”. Nossa pesquisa estrutura-se em torno desses
elementos-instâncias, ajustados às manifestações que possuem no campo da
Ciência Política, quais sejam: instituições e grupos acadêmicos e “escolas”
teórico-metodológicas. Essas instâncias correspondem ao que nós
consideramos serem os principais elementos do mundo social: agentes,
produtos culturais e sistemas de posições, regras, procedimentos etc.
instituídos socialmente nas mentes e nas coisas (“estruturas”).
Em função dessas instâncias, derivamos vários tópicos metodológicos a
partir dos quais estruturamos toda a nossa pesquisa. Cada tópico metodológico
reúne e integra uma série de técnicas de pesquisa e instrumentos de
investigação. Nosso objetivo com isso é manter nossa pesquisa o mais
condicionada quanto possível por elementos da realidade: queremos que os
elementos teóricos que organizam nossa pesquisa, como os tópicos
metodológicos, refiram-se diretamente a realidades objetivas.
Assim, há vários fenômenos que são objetos de pesquisa, que se
relacionam com todas as instâncias de pesquisa, às vezes mais com umas do
que outras: artigos publicados em periódicos, currículos acadêmicos, trajetória
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de vida, trajetória acadêmica, tipo de revistas acadêmicas, instituições


acadêmicas, programas de pós-graduação, entre outros. Cada um desses
fenômenos consiste numa frente de investigação, ou melhor, num tópico
metodológico para acessar a distribuição dos capitais.
As várias técnicas e instrumentos de pesquisa são então organizados a
partir desses tópicos e em função das características específicas desses itens:
são escolhidas para comporem o instrumental de um tópico metodológico
aquelas técnicas e instrumentos que considerarmos mais eficazes na
apreensão dos fenômenos sociais contemplados por cada tópico.
Finalmente, os instrumentos e técnicas de pesquisa são relacionados
entre si, colocando em relação também os tópicos, tentando simular, no
modelo analítico, a realidade objetiva – que é relaciona e inter-relacionada.
Imagem 1 – Diagrama da metodologia aplicada na pesquisa

Fonte: Elaboração dos autores.


A partir desse raciocínio, dizemos que cada tópico metodológico
consiste numa frente de investigação para acessar a distribuição dos capitais.
Pretendemos, com isso, identificar as frações hegemônicas e, aos poucos,
reconstruir teoricamente a estrutura do campo.

V. APLICAÇÃO DO MODELO À ETAPA DE IDENTIFICAÇÃO DAS


FRAÇÕES HEGEMÔNICAS
Neste ponto, aplicamos o modelo às circunstâncias que envolvem a
primeira etapa de nossa pesquisa, qual seja, a identificação das frações
hegemônicas do campo da Ciência Política brasileira contemporânea.
Para a primeira etapa, fizemos também um recorte histórico para definir
o que significa “contemporâneo”: chamamos de “contemporâneo” o período
que vai de 1989 até 2008 na história do campo da Ciência Política brasileira.
Embora arbitrário, esse recorte foi definido em função de uma hipótese de
trabalho (muito precária, a propósito): pensamos que, em função do tipo de
desenvolvimento da disciplina, tende a haver uma relação de heteronomia do
campo da Ciência Política brasileira diante do campo político propriamente dito,
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de modo que eventos deste último influenciem os fenômenos e a história


daquele.
Acreditamos, por exemplo, que a redemocratização brasileira e o
colapso da URSS tenham influenciado a hierarquia das “escolas” ou correntes
teórico-metodológicas hegemônicas da Ciência Política brasileira, sendo,
portanto, fatores importantes para entender o estado atual deste campo.
Tal influência externa pode ter contribuído, de forma aparentemente
contraditória, para o aprofundamento da institucionalização do campo da
Ciência Política, ao favorecer a inclusão e a disseminação de escolas teórico-
metodológicas típicas da Ciência Política norte-americana, especialmente
aquelas “escolas” neo-institucionalistas, marcadas por uma visão do ofício do
cientista político como um trabalho especializado sobre um universo especial
de fenômenos – os fenômenos políticos. Essa presunção, contudo, poderá ser
modificada à medida que a pesquisa progredir.
Não é possível contemplar todos os tópicos metodológicos existentes
nesta etapa da pesquisa. Como seu objetivo é detectar e definir os pólos
hegemônicos existentes e não explicar a razão de tais pólos serem
hegemônicos, é possível delimitar a amplitude de nossa pesquisa, conduzindo-
a a partir dos seguintes tópicos:
i. Agentes e “escolas”
Análise da produção acadêmica, composta pela análise de uma amostra
de 273 artigos publicados, a partir de 1989, em três periódicos brasileiros de
Ciência Política/Ciências Sociais, e de uma amostra (a ser definida) de
publicações em eventos como o Encontro Anual da Anpocs e o Encontro da
Associação Brasileira de Ciência Política.
Os seguintes critérios são utilizados para a escolha, hierarquização e
mensuração de capital das revistas: (i) nota no Qualis/Capes; (ii) número de
citações nos Indicadores Bibliométricos do SciELO; (iii) filiação institucional; e
(iv) presença no ISI/Citation Index. A partir desses critérios, selecionamos três
periódicos: Dados (Iuperj), Revista Brasileira de Ciências Sociais (Anpocs) e
Opinião Pública (Unicamp).
A produção acadêmica é, a nosso ver, um indicador seguro, entre
outros, para identificar a hierarquia entre as várias “escolas” ou correntes
teórico-metodológicas do campo. Acreditamos que analisando a produção
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intelectual, tal como representada nessas revistas, podemos descobrir a


hierarquia do campo da Ciência Política do ponto de vista das “escolas” ou
correntes teórico-metodológicas predominantes.
Por sua vez, como a produção acadêmica equivale a tomadas de
posição acadêmicas por parte dos agentes, trata-se, provavelmente, da
principal porta de acesso à hierarquia geral do campo. Por isso, este tópico é
interessante por poder desvelar ligações significativas entre certas instituições
e determinadas “escolas” teórico-metodológicas, por meio de cruzamentos de
dados. Assim, por exemplo, verificamos a qual instituição são filiados os
acadêmicos que produziram os trabalhos analisados. Podemos, com isso,
indiretamente identificar se há tendências teórico-metodológicas definidas na
produção das instituições em questão.
Isso vem ao encontro de uma hipótese importante de nossa pesquisa: a
hierarquia teórico-metodológica deve estar ligada a outras, como a institucional
ou mesmo a hierarquia entre agentes, abrindo caminho para o esclarecimento
da hierarquia do campo da Ciência Política.
Fazemos a análise da produção acadêmica da seguinte maneira.
Em primeiro lugar, definimos uma amostra da produção, ponderada por
periódico, para que nossas inferências fossem estatisticamente relevantes: 125
artigos para o periódico Dados, 115 para a Revista Brasileira de Ciências
Sociais e 33 para Opinião Pública, totalizando 273 artigos de um universo de
1100, contemplando o período de 1989 até 20084. A seguir, foi preciso
identificar a posição dos artigos analisados, ou seja, a que “escola” ou corrente
pertenciam. Isso é feito identificando recorrências teórico-metodológicas nos
artigos, agrupando-os em classes que consideramos serem “escolas” ou
correntes teórico-metodológicas (como marxismo, comportamentalismo, neo-
institucionalismo histórico, neo-institucionalismo de escolha racional,
culturalismo etc.). Para fazer essa classificação, fazemos um esquema de
atributos, que nos serve de referência, construído a partir de trabalhos sobre a
história da Ciência Política elaborados por autores como Gabriel Almond, David
Easton, John Dryzek, Michael Stein, John Gunnel, Theda Skocpol, Morris
Fiorina, John Ferejohn, Robert Goodin, Hans-Dieter Klingemann e outros.

4
Com a exceção óbvia de “Opinião Pública”, que teve sua primeira publicação em 1993.
15

Construímos, assim, um modelo das principais “escolas” ou correntes do


campo a partir do reconhecimento e das categorias do próprio campo.
A partir desse esquema buscamos nos títulos, nos resumos, nas
palavras-chave, nas introduções e nas conclusões dos trabalhos analisados
aqueles elementos presentes nas classes de nosso modelo. Construímos,
então, tabelas de freqüência no intuito de mostrar a distribuição da produção
acadêmica, isto é, a predominância e não-predominância das várias “escolas”.
Acreditamos que a predominância na produção esteja ligada ou mesmo seja
um reflexo da posição hierárquica que determinada “escola” ocupa no campo
de produção cultural da Ciência Política brasileira contemporânea.
Presumimos, portanto, que se uma maioria relativa de acadêmicos produzirem
orientados segundo determinada “escola”, ela deve ser hegemônica (segundo
o sentido que demos a este termo).
Por fim, cruzamos os dados de produção acadêmica com a filiação
institucional dos cientistas que produziram os artigos (considerando inclusive a
sua trajetória), com o intuito de estabelecermos relações entre produção
acadêmica e as instituições universitárias. Acreditamos que esse cruzamento
permita-nos ter acesso, indiretamente, a outra dimensão da hierarquia da
Ciência Política brasileira, a hierarquia institucional.

ii. Instituições e “escolas”


Análise dos principais cursos ou programas de pós-graduação em
Ciência Política, contemplando aspectos institucionais e a composição das
disciplinas ofertadas, bem como suas ementas. O principal critério para a
escolha dos programas a serem analisados é a nota no Qualis, da Capes.
É muito importante estudar as instituições e as “escolas” teórico-
metodológicas de forma conjugada. Acreditamos que o conteúdo dos
programas de pós-graduação seja a principal variável que une esses dois
elementos do campo: supomos que deve haver alguma relação entre a posição
das instituições acadêmicas na hierarquia das instituições e a posição das
“escolas” na hierarquia dos produtos culturais.
Além disso, os programas de pós-graduação relacionam agentes,
“escolas” e instituições como nenhum outro tópico metodológico.
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Vários cruzamentos entre esses elementos são possíveis a partir deste


tópico. Assim, a partir da análise da posição de um elemento, podemos ir
lançando luz sobre a posição dos outros. Por exemplo. Começamos analisando
o conteúdo dos programas de pós-graduação, ou seja, as disciplinas ofertadas
e suas ementas. Isso já nos fornece informações valiosas acerca da
composição do campo de produção cultural (a hierarquia das “escolas”) do
campo da Ciência Política. Adicionando à equação a classificação dos
programas feita pela Capes, por meio de índices como o Qualis, pode-se
estabelecer uma relação entre a posição de instituições e “escolas” teórico-
metodológicas. Com isso, já não teríamos apenas uma imagem da composição
das “escolas”, mas noções sobre a sua hierarquia. Em virtude da relação,
teríamos o mesmo para as instituições.
Para tornar o quadro mais rico, podemos também adicionar os agentes à
equação: poderíamos, por exemplo, considerar o número de suas publicações
nos periódicos de maior prestígio acadêmico, sem esquecer de qualificá-las
considerando as citações recebidas e até o reconhecimento social, por meio de
opiniões e outras manifestações subjetivas. A formação dos professores de
pós-graduação e sua trajetória acadêmica também podem ser indicadores
fecundos, além de vários indicadores em potencial que podem ser extraídos do
currículo Lattes. Com isso, supomos, vamos esclarecendo as posições de cada
elemento do campo da Ciência Política a partir das relações que um elemento
estabelece com os outros; e a análise dos programas de pós-graduação é um
tópico privilegiado para este fim.
O cruzamento deste tópico com outros também deve ser extremamente
fecundo. Com a produção acadêmica dos agentes mais seu vínculo
institucional, por exemplo, pode fornecer indícios relevantes acerca da
composição das frações hegemônicas do campo, tanto a partir da dimensão
das “escolas” como das instituições, e até dos agentes.
Há outra idéia implícita neste tópico, que convém explicitar: existe
transferência ou mesmo transmutação de capital (poder, prestígio, influência,
reconhecimento...) entre agentes, instituições e “escolas”. A hierarquia de cada
um influencia de alguma forma na hierarquia do outro. Assim, por exemplo, um
conjunto de grandes acadêmicos contribui para que a instituição a que fazem
parte também ocupe posição privilegiada no campo acadêmico, e o mesmo
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tende a ser verdade reciprocamente. Isso pode não ser verdade para todas as
orientações teórico-metodológicas (produtos culturais), já que pode haver
intelectuais famosos cujo pensamento está fora de moda; mas em algum
momento houve a correspondência entre o prestígio de um agente e o prestígio
de uma orientação; e uma “escola” famosa certamente possui acadêmicos
prestigiados.
Isso é lógico pela própria natureza do mundo social, em que esses
elementos estão integrados e são inseparáveis. Colocá-los em relação é, na
verdade, uma condição para nos aproximarmos da realidade. Mas isso não é
igual a dizer que as hierarquias sejam necessariamente correspondentes: a
exata maneira como se relacionam e o grau em que correspondem deve ser
averiguado por meio da pesquisa.
Uma análise diacrônica, da evolução daqueles aspectos dos programas
analisados, também deve fornecer informações importantes sobre a dinâmica
das hierarquias. De preferência, essa análise deve ser feita desde a gênese
dos programas de pós-graduação analisados; ou, pelo menos, a partir de
hipóteses e impressões sobre a história do campo, baseados na literatura
existente a respeito.
Por fim, é interessante comparar tais elementos dos programas de pós-
graduação da Ciência Política brasileira aos de outros países da América
Latina.
iii. Agentes, “escolas” e instituições
Análise da história dos principais elementos do campo em função do
problema e das hipóteses de pesquisa, ou seja, das trajetórias acadêmicas dos
principais agentes do campo e da constituição das principais instituições de
ensino e pesquisa em Ciência Política.
Vamos ater a nossa atenção, inicialmente, à constituição do grupo de
cientistas políticos mineiros e cariocas e do importante eixo UFMG-Iuperj, a
partir dos anos 1960 (FORJAZ, 1997) e aos “grupos” filiados sucessivamente à
USP e à Unicamp.
A principal forma de tratar a história do campo nesta pesquisa é como
uma história das lutas sucedidas no interior do campo, entre os agentes,
“escolas” e instituições, a partir de uma dada posição e de uma dada
disponibilidade de recursos (poder) do qual dependeram as estratégias de cada
18

elemento envolvido. Essas estratégias e os cursos de ação tomados produzem


efeitos no campo, podendo provocar transformações em sua forma e estrutura,
nas idéias e representações correntes e no sistema de posições sociais. Esta é
uma história interna, do desenvolvimento das instituições acadêmicas, dos
programas de pós-graduação e das “escolas” teórico-metodológicos, à luz das
relações e das lutas sociais.
É necessário considerar também a história externa, contemplando a
relação dos elementos do campo com elementos externos. Essa história
relaciona-se à dinâmica das espécies de capital e a dinâmica externa do
campo, ou seja, as relações estabelecidas com outros valores e campos. Essa
etapa é importante porque nos fornece informações sobre as espécies de
capital correntes no campo e o grau de autonomia em relação a outros
campos. Isso é de grande importância porque teoricamente nenhum campo é
absolutamente autônomo, isto é, totalmente fechado sobre si. Dependendo do
grau de autonomia do campo, ele é mais ou menos influenciado pelos valores,
pelos princípios e pela lógica de outros campos. Caso tal influência seja
significativa, ou seja, se o grau de autonomia do campo for relativamente baixo,
seu funcionamento interno pode depender de outros campos. Neste caso, se
desconsiderarmos a história externa cegamo-nos a um importante aspecto da
realidade.
A história é auxiliada por todos os outros tópicos metodológicos, por
todas as outras frentes de pesquisa: elas são, contudo, aplicadas
diacronicamente. Assim, por exemplo, observamos as transformações da
produção acadêmica, dos programas de pós-graduação, da hierarquia das
instituições etc. O apoio bibliográfico, neste tópico, é especialmente importante.
iv. Agentes
É importante realizar entrevistas com determinados agentes do campo,
especialmente aqueles que chamamos de “principais” ou “hipoteticamente
hegemônicos”.
A entrevista tem vários objetivos, entre eles, reconstruir a trajetória dos
agentes segundo eles próprios. A reconstrução de si próprio possui prós e
contras.
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Indica as visões de mundo, e, de forma velada, as posições sociais.


Fornece informações da relação que os agentes têm com os outros por meio
das representações sobre sua posição e sobre as dos outros. A representação
que os agentes fazem de si e dos outros fornece informações sobre as lutas do
campo e sua hierarquia, visto que são dependentes delas. Além disso, pode
fornecer informações muito ricas sobre todo o universo de pesquisa, sobre
todos os indicadores e tópicos da pesquisa, e eventualmente muito mais, já
que contém certa margem de imprevisibilidade que pode ser útil, chamando
nossa atenção a aspectos que ignoramos.
Entre os tópicos e indicadores já definidos, as entrevistas podem
complementar diretamente a história do campo tanto a partir da dimensão
institucional como a das “escolas” ou dos agentes (suas carreiras, suas
estratégias, suas concepções e opiniões etc.). Mais do que isso, as entrevistas,
sendo manifestações concretas do pensamento dos agentes, exprimem sua
visão sobre si e sobre o campo, ou seja, sobre a realidade objetiva que os
cercam. Como essa é a realidade que tentamos reconstruir teoricamente com
os indicadores “objetivos”, a entrevista é um teste a esses indicadores. Ela dá
relevo aos dados, mostrando sua realidade prática, seus efeitos práticos, e
suas inconsistências.
Mesmo quando a entrevista contraria os dados, isso é útil na medida em
que pode indicar falhas nos indicadores e no modelo teórico do campo. E
quando essa contradição é apenas aparente, isto é, quando o agente faz uma
representação oposta aos dados porque está motivado a inverter ou subverter
a realidade que os dados captam, isso pode comprovar os dados na medida
em que poder manifestar, de um lado, uma tentativa de exaltar sua posição
atual de modo a ascender ainda mais nas hierarquias do campo, e, de outro,
uma resistência subjetiva a uma realidade inconveniente (mais
especificamente, à posição insatisfatória que se ocupa no campo), o que é um
dado importante de uma situação concreta no campo que produz efeitos
negativos na consciência, como, por exemplo, uma situação de descenso ou
de marginalização que suscita toda sorte de recalques que levam o agente a
fazer uma representação distorcida e mesmo ideal de sua posição e dos
outros, na tentativa de mudar a realidade.
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Utilizando uma linguagem mais técnica, a entrevista manifesta as


espécies de capital operantes no campo bem como o tipo e a posse de capital
do entrevistado. Consiste num dos elementos da dimensão subjetiva da
realidade social que está ligada à realidade objetiva. Percebemos a relação do
agente com o mundo externo a ele, isto é, as visões de mundo correntes, as
instituições existentes e outros agentes. Ela também é uma forma de testar a
nossas hipóteses sobre a estrutura do campo e nos fornece mais informações
para apreendê-lo. A entrevista é um dos principais instrumentos para se
construir uma história das lutas acadêmicas.
Evidentemente, é preciso ter um questionário. Para fazer isso, é preciso
ter mente todo o modelo teórico adotado e as finalidades da pesquisa, como os
problemas de pesquisa, as hipóteses e os tópicos metodológicos definidos. A
entrevista deve pelo menos fornecer informações sobre esses componentes. É
preciso, portanto, ter atenção para que ela não se restrinja à trajetória
acadêmica do entrevistado, ou à sua autobiografia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos, neste trabalho, um modelo teórico a ser aplicado numa
pesquisa para identificar as frações hegemônicas do campo da Ciência Política
brasileira, no intuito de descobrir as razões de tais frações ocuparem a posição
que ocupam.
Esse modelo constrói-se em torno de três elementos principais: agentes,
instituições e “escolas” ou correntes teórico-metodológicas.
Esses elementos estão distribuídos e hierarquizados no campo segundo
princípios de divisão e estratificação determinados. Supomos, neste caso, que
sejam o capital acadêmico e o institucional. Lançamos mão de vários métodos
para identificar a distribuição de capitais e as posições de cada elemento da
pesquisa. Entre estes elementos, partimos dos agentes e “escolas”, de modo a
verificar se há instâncias hegemônicas e, se afirmativo, saber quais são elas.
Nosso método compõe-se pela análise, sempre de uma maneira relacionada,
da produção acadêmica contemporânea da Ciência Política brasileira, dos
principais programas de pós-graduação dessa disciplina e da história dos
principais agentes (a trajetória acadêmica), “escolas” e instituições do campo.
Acreditamos que, por meio desse instrumental teórico-metodológico, podemos
21

contribuir para a construção de um modelo científico que dê conta da realidade


da Ciência Política brasileira contemporânea.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, Pierre. 2004. Science of Science and Reflexivity. Cambridge:
Polity Press.
_____. 2003a. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
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Grandes Cientistas Sociais, n. 39. São Paulo: Ática, p. 122-155.
_____. 1983b. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato. Pierre
Bourdieu. Coleção Grandes Cientistas Sociais, n. 39. São Paulo: Ática, p. 46-
81.
FORJAZ, Maria C. S. 1997. A emergência da Ciência Política no Brasil:
aspectos institucionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.
12, n. 35, fev.
WEBER, Max. 1949. Methodology of the Social Sciences. Glencoe: The Free
Press.

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