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infantis
Tizuko Morchida Kishimoto
Universidade de São Paulo
Resumo
Palavras-chave
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.2, p.229-245, jul./dez. 2001 229
Toys and pedagogical materials at schools for
children
Tizuko Morchida Kishimoto
Universidade de São Paulo
Abstract
230 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.2, p.229-245, jul./dez. 2001
Pesquisar brinquedos e mate ri a is pe da- pesquisa. Definiu-se uma amostra de 20% das
gógicos nas escolas infantis implica investigar escolas municipais de educação infantil por
as concepções de criança e de educação in fan til meio de sorteio. Em 1997, a rede contava com
que de finem o uso desses recursos (Therri a ult, 375 unidades infantis distribuídas em treze
1987), a organização da rotina e do es paço fí si- delegacias regionais, com cerca de 7.114 pro-
co (Edwards, Gandini e For man, 1999) en tre fessores atuando em três períodos (7h às 11h;
outros. Tais quesitos influenciam as re pre sen- 11h às 15h e 15h às 19h).
tações dos usuários, de terminando, em parte, a A grande ma ioria das escolas situava-se
maneira como adultos e crianças sentem, pen- na periferia, cuja clientela era de nível so ci o e-
sam e interagem de finindo for mas de soci a li za- conômico heterogêneo e des favorecido.
ção e apropriação da cultura. Para a manutenção dos materiais, a es-
Forquin (1996) e Apple (1982, 1979) res- cola recebia, do município, um mínimo anual
saltam que a es cola dispõe de uma cultura pró- de R$ 7.500,00 e um máximo de R$ 12.500,00,
pria, resultado de ideologias que refletem o que representa um valor de R$ 0,60 a R$
valores da sociedade. Portanto, investigar va lo- 21,30 para cada criança. Os recursos, pouco
res que orientam a escolha de brinquedos e ma- significativos para aquisição de materiais didá-
teriais pe dagógicos implica buscar as raízes que ticos, eram acrescidos de outras fontes prove-
explicam os usos e significações de tais re cur- nientes de quermesses, festas e doações.
sos na prática pedagógica. Uma das hipóteses é
a de que concepções de criança e de educação Metodologia de pesquisa
infantil es tão na base desses valores.
No contexto atual da educação infantil A pesquisa contou com a colaboração de
os brinquedos têm dois usos com significações dez bolsistas de iniciação científica da FAPESP,
distintas: educadores que va lorizam a so ci a li-
zação adotam o brincar li vre, e os que vi sam à
escolarização ou aquisição de conteúdos es co- 1. Projeto Capes/Cofecub n. 197/96 (Coordenação de Aperfeiçoa-
lares, o brin car dirigido e os jogos edu cativos. mento de Pessoal de Nível Superior e o Programa de Cooperação
Adotou-se nessa pes quisa os conceitos Internacional entre França e Brasil ), sob o título: Recursos e Materiais
educativos disponíveis no sistema formal de educação no Brasil e na
de: 1. brin quedo como obje to, su porte da brin- França: usos e significações em uma perspectiva comparativa, consi-
cadeira; e 2. brincar, como ação lúdica ini ciada derado proposta excelente, envolveu doze pesquisadores brasileiros e
pela criança tendo mo tivação intrínseca quatro franceses. Trabalho coletivo da Faculdade de Educação da USP e
da Universidade Paris 13, efetuado durante quatro anos (1996-2000)
(Brougère, 1995a, 1995b; Kishimoto, 1996). junto à rede infantil do Município de São Paulo e contou com o apoio
A pesquisa, parte do projeto Ca pes/Co fe- financeiro da Fundação para o Apoio à Pesquisa em São Paulo e inúme-
cub nº 197/96,1 foi realizada nas Escolas Mu ni- ros pesquisadores e bolsistas de iniciação científica (FAPESP e CNPq).
2. Ver outros artigos da autora que tratam desta pesquisa: Toys and
cipais de Educação Infantil de São Paulo Pedagogical Materials: Uses and Meagnings. In: THE 2ND
(EMEIs) freqüentadas por crianças de 4 a 6 INTERNATIONAL TOY RESEARCH CONFERENCE. 1999, Halmstad-
anos durante o período de 1996-1998. Uma Sweden. Abstracts. 1999, p.35-36; Salas de aulas nas escolas infantis
e o uso de brinquedos e materiais pedagógicos. In: 23º REUNIÃO ANUAL
parte dos resultados do trabalho foi in cor po ra- DA ANPED, 2000. Caxambu: Minas Gerais, 2000. Educação não é privi-
da a este artigo. 2 légio. Programas e Resumos. 24 a 28 de setembro de 2000. Caxambu/
Rio de Janeiro: DP&A editora, 2000. p.133-133; BROUGÈRE, Gilles;
ALMQVIST, Birgitta; KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Preséntation d’une
Delimitação do campo de enquête international sur le materiel ludique dans les systemes presco-
pesquisa laire. In: COLLOQUE INTERNATIONAL SUR LE JOUET, Angoulême-
France. 9-14 novembre 1997. Université Poitiers. Resumés, p.9-14 A;
Salas de aulas de escolas infantis: domínio da fila, tempo de espera e
A rede municipal de educação infantil de falta de autonomia da criança. Nuances, Presidente Prudente, v.5, n.5,
São Paulo foi escolhida para a realização da p.1-7, 1999.
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dois do CNPq e quinze alunos de pós-graduação Foram distribuídos em média nove ques-
latu senso e strictu senso. Foi essencial para tionários para cada unidade sorteada contem-
essa tarefa: a oferta de três cursos3 para subsi- plando os professores que atuam nas faixas
diá-los na aquisição de referencial teó ri- etárias de 4, 5 e 6 anos, nos três períodos de
co-metodológico para a condução da pesquisa; trabalho. A devolução tardia dos questionários
o acompanhamento semanal com reuniões; a preenchidos pelas unidades (até meados de ju-
utilização de câmaras de vídeo e aprendizagem nho/98) foi outro entrave que retardou a análi-
de processos de minutagem (foram contratados se estatística e exigiu a prorrogação do
serviços de especialistas da Escola de Comunica- trabalho dos bolsistas por mais um semestre.
ções e Artes para o treinamento dos alunos em Do total das escolas sorteadas (84 es co-
filmagens); contatos com o estatístico para aná- las), foram devolvidos 482 questionários dos
lise de gráficos e tabelas; e a exigência de parti- 704 distribuídos, representando uma amostra
cipação em Simpósios de Iniciação Científica e de 65%, num universo de 20% das EMEIs da
atividades previstas no cronograma voltadas cidade de São Pa ulo (Quadro 1).
para o saber/fazer da pesquisa. As observações se manais de atividades
Professores colaboradores do Projeto Ca- lúdicas, a pro dução de vídeos e as entrevistas
pes/Cofecub: He lena Chamlian, Manoel Ori os- foram realizadas no segundo semestre de
valdo de Moura, Maria Felisminda de Rezende e 1997, em treze unidades contemplando-se o
Fusari e Mauro Go mes de Matos discutiram critério da diversidade para representar o uni-
com os pesquisadores o significado de brin que- verso da pesquisa. A análise qualitativa teve
dos e materiais pedagógicos em campos como como suporte os diários de bordo, resultado
os das Artes, da Educação Fí sica e Matemática. de observações, os episódios transcritos e mi-
A coleta de dados foi realizada com o uso nutados nas ses sões de duas a três horas de
de questionário estruturado, en trevistas se - vídeos (autorizadas pela secretaria e pe los
mi-estruturadas e vídeos. professores) e o conteúdo das entrevistas,
O questionário (Brougère, 1991, 1993), classificado conforme crité ri os de Bardin.
utilizado em pesquisa similar nas escolas ma- A equipe de vinte e sete pesquisadores
ternais francesas, adaptado após pré-teste, entrevistou professores, colheu observações
contém oito categorias de brinquedos e mate- das práticas pedagógicas nas atividades vincu-
riais: 1. atividades simbólicas; 2. agru pamento, ladas a brincadeiras, em vídeos e fotografias e
reconstituição de imagens; 3. construção; 4. subsidiou a análise de usos e significações.
manipulação; 5. regras; 6. pedagógicos de Ma- Uma amostra de treze vídeos foi produzida em
temática, História, Ge ografia, Linguagem, treze instituições infantis, selecionada de
Ciências; 7. comunicação; e 8. motricidade e modo a incluir as especificidades da rede:
educação física. O instrumento prevê, ainda, dimensão da escola, número de alunos, locali-
categorias para analisar as formas de uti li za- zação, áreas como parque, biblioteca e brin-
ção: não-uso; uso um dia , de 2 a 4 dias, todos
os dias e ocasiões especiais. Tendo em vis ta os
objetivos da pes quisa, foi acrescentado o item 3. O Curso Jogo e Cultura I discutiu conceitos de jogo, brinquedo,
Materiais Pedagógicos. O questionário, bas tan- brincadeira e material pedagógico e sua relação com a educação
infantil, dando uma iniciação aos referenciais teóricos. O Curso Jogo e
te detalhado, inclui em cada categoria uma lis- Cultura II analisou os referenciais teóricos relacionados à cultura, ao
tagem de brinquedos com cerca de cinco a significado da qualidade da educação infantil, às discussões dos
vinte e quatro itens e foi preenchido pelos pro- Parâmetros Curriculares de Educação Infantil e à presença da
brincadeira na escola.O Curso Jogo e Cultura III ofereceu informações
fessores e coordenadores pedagógicos, em mui- complementares sobre condução de pesquisa etnográfica e análise de
tos casos, com o auxílio dos pesquisadores. dados coletados dentro do quadro de referência proposto.
1 7 63 49 77,7%
2 12 108 68 62,96%
3 5 45 40 88,88%
4 5 45 34 75,5%
5 6 54 27 50%
6 7 63 56 88,88%
7 7 63 62 98,41%
8 5 45 27 60%
9 6 54 27 50%
10 5 45 15 33,33%
11 3 27 17 69,96%
12 7 63 15 23,80%
13 3 27 18 66,66%
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Ta be la 1. Dis po ni bi li da de de brin que dos e ma te ri a is pe da gó gi cos.
Ta be la 2. Dis po ni bi li da de/uso de brin que dos, mate ri a is para ati vi da des de agru pa men to, re cons ti tu i ção de ima gens.
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Ta be la 3. Dis po ni bi li da de/uso do ma te ri al de ma ni pu la ção, lo co mo ção e equi lí brio
para ati vi da des mo to ras e de Educa ção Fí si ca.
No caso das atividades motoras e de Edu- 1993, 1998b; Ca nho la to et al., 1990; Fil gue i-
cação Física (Tabela 3), os itens mais citados ras, 1998).
são bolas de borracha (82,9%), bambolês É significativo o percentual de instru-
(61,1%), que existem em mais da meta de das mentos de percussão, na área de Música, o que
escolas infantis e que são usados mais fre qüen- poderia configurar sua valorização (Tabela 4).
temente em ocasiões especiais e em um dia na O alto percentual desses materiais (mais de
semana. Outros ma teriais como petecas, bolas 59,5%) nem sempre significa sua incorporação
de teci do, bolas de futebol, bas tões para ao cotidiano. A análise da forma de uso mostra
corrida, argolas, cordinhas para cavalgar são o predomínio de ”ocasiões especiais”, o que
citados por 10% a 20% dos professores. Mes mo significa “de vez em quando”. Se considerar-
a bola de borracha, um dos brinquedos mais mos o chocalho: 23,2% não o utilizam e 68,3%
tradicionais da cultura brasileira, tem uso diá- utilizam-no em ocasiões especiais, concluímos
rio pouco significativo (12,3%) (Kishimoto, que o total de 91,5% de professores deixam de
1998b). usar sistematicamente tal item. O mesmo ocor-
Os itens destinados às brincadeiras tra di- re com o triângulo e o reco-reco. Normalmente
cionais, embora valorizados em documentos um terço dos professores respondem que não
oficiais, acabam ten do presença pouco signi fi- usam tais recursos e o restante, apenas em
cativa nas unidades infantis (Kishimoto, 1992, ocasiões especiais, nas festas de fim de ano ou
Ta be la 5. Dis po ni bi li da de/uso de ma te ri a is de co mu ni ca ção via ve í cu los vi su a is, so no ros, au di o vi su a is, infor má ti cos.
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Ta be la 6. Dis po ni bi li da de/uso do ma te ri al or ga ni za dor de am bi en tes e ins ta la ções fi xas
para ati vi da des mo to ras e de Educa ção Fí si ca.
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uma con cep ção de edu ca ção infan til que pri - para con tar his tó ri as dis per sa a aten ção das
vi le gia a re pro du ção da es cri ta em de tri men to cri an ças que con ver sam com co le gas ou ten -
de ati vi da des que fo ca li zam ex pe riên ci as com tam che gar per to do pro fes sor para ver a
jo gos, artes, ciên ci as, lin gua gem, li vros in fan- ima gem do li vro, si tu a ção que re ve la a ne ces-
tis en tre ou tros. A prá ti ca de ver fil mes em si da de de re or ga ni za ção do es pa ço fí si co.
vídeo, ou vir his tó ri as e mú si ca apa re ce uma Não bas ta ade quar o es pa ço fí si co e in tro du-
vez por se ma na ou em oca siões es pe ci a is. zir ma te ri a is, é pre ci so sa ber con tar his tó ri as
Algu mas uni da des infan tis con tam com sala e en vol ver os alu nos. Os cur sos de for ma ção
am bi en te para com pu ta do res. Como me di a dor ini ci al, em nível mé dio e su pe ri or, du ran te
do co nhe ci men to, o com pu ta dor é aná lo go ao dé ca das, não con ta vam em seus cur rí cu los
brin que do, a qual quer ele men to da na tu re za com Li te ra tu ra Infan til, Artes Vi su a is e Plás -
ou do mun do cul tu ral. Em ins ti tu i ções in fan tis ti cas, Te a tro, Músi ca, Dança, en tre ou tros,
de qua li da de, nas sa las de ati vi da des, há para for mar o pro fis si o nal de edu ca ção in -
espaços in te gra dos, com áre as des ti na das à fan til. Como exi gir com pe tên ci as nes sas
leitura, faz-de-conta, cons tru ções, arte, áreas, se não se ofe re ce for ma ção com pa tí-
comunicação, in for má ti ca en tre ou tros. Que vel? O olhar pou co di fe ren ci a do do co or de-
ra zão jus ti fi ca uma sala com com pu ta do res na dor pe da gó gi co, que re ce beu for ma ção
se pa ra da da ati vi da de diá ria dos alu nos? O si mi lar à dos pro fes so res, não pos si bi li ta uma
com pu ta dor como um re cur so para de sen vol- for ma ção con ti nu a da que leve à des co ber ta
ver a lin gua gem e a co mu ni ca ção não de ve ria de no vos olha res (Kis hi mo to, 1999, 2001). A
es tar na área da lin gua gem, ao lado da má qui- ado ção de ins tru men tos para ava li ar a prá ti-
na de es cre ver, li vros, pa pel, qua dro-negro? O ca pe da gó gi ca como os des ti na dos à ob ser-
com pu ta dor é um fim em si mes mo ou meio va ção dos itens: cri an ça, es pa ço fí si co,
para de sen vol ver a lin gua gem e a co mu ni ca- se le ção de ma te ri a is, en vol vi men to de alu -
ção en tre as cri an ças? nos, pro fes so res e pro ces sos in te ra ti vos, 6 se -
Ce nas de ví deo mos tram pro fes so res ria um dos ca mi nhos para o co or de na dor
con tan do his tó ri as para trin ta e cin co ou qua - pe da gó gi co ini ci ar a ava li a ção da prá ti ca pe -
ren ta cri an ças sen ta das em uma gran de roda. da gó gi ca em con jun to com os pro fis si o na is.
Mu i tas per dem o in te res se pela im pos si bi li da-
de de vi su a li zar ima gens do li vro, ou tras ten -
6. Ver a esse respeito as escalas produzidas pelo Projeto Effective
tam apro xi mar-se para ver e ou vir e são Early Learning, High/Scope, Early Childhood Education Scale
re pre en di das. A ina de qua ção do es pa ço fí si co (Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2001).
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podendo usar, ain da, os que fi cam no ar má rio, a elemento integrante da educação infantil,
“bi bli o te ca”). anunciado em 1999, pelas Diretrizes Cur ri cu-
Armá rio 8 – fan to ches fe i tos pe las pró pri as pro - lares Nacionais de Educação Infantil.
fes so ras (cer ca de quin ze) e bo ne cos (a co or de- O brincar requer en volvimento emo ci o-
na do ra disse que: “as pro fes so ras usam quan do nal, contato soci al, ações físicas, além de re la-
que rem cha mar a aten ção das cri an ças no co me- ções cognitivas na expressão e apreensão das
ço da aula ou para con tar his tó ri as”). regras da brincadeira (Lima, 1989; Wallon,
Armá rio 9 – ma te ri al de co la gem. 1966; Vygotski, 1988). Há professores que, ao
Armá rio 10 e 11 – Brin que dos pe da gó gi cos (jo - relacionar o movimento à bagunça, adotam
gos de en ca i xe, lig-lig, blo cos ló gi cos). atitudes como obrigar crianças a cantarem
(Kis hi mo to, 1998b, p. 74) sentadas na cadeira. Em músicas que falam do
corpo e pe dem mo vimentação que exigem a
Essa forma de organização dos materiais imobilidade e o silêncio, apontando o con tro-
é coerente com a estrutura de atendimento de le do corpo, nas senhas para ir ao banheiro, na
crianças, em três turnos. A ine xistência, no convicção de professores de que o brincar é
contrato dos professores, de tempo diário para no parque e na sala é li ção. Nas entrevistas, os
planejamento e reorganização de ma teriais é professores afir mam que o playground é
outro fa tor que, somado a uma política pú blica espaço para brincadeira e a sala, para estudo e
de estruturação do espa ço físico, sem áreas al- trabalho.
ternativas, dificulta a in serção do brin car. O brincar associado à Educação Física,
Sá (1979), Pinazza (1989), Marson (1989), ao descanso, à ação espontaneísta da cri ança,
Pereira (1997), Veillard (1996), Kishimoto (1998 ao movimento e à ati vidade externa (pátio e
a, 2001), entre outros, discutem os objetivos das parque,) explica o baixo percentual, apenas
escolas infantis brasileiras e a presença marcan- 2,5% de brincadeiras nas salas de atividades,
te de atividades destinadas à escrita e ao cálculo demonstrando como os valores dirigem as
reforçadas pela reivindicação de pais e professo- práticas pedagógicas (Forquin, 1996; Almqvist,
res, reiterando os valores da sociedade para a re- 1994). Apenas 10,5% dos brinquedos e ma te-
produção dessa prática. Embora os Referenciais riais pedagógicos disponíveis nas escolas en -
Curriculares de Educação Infantil e as Diretrizes contram-se nas salas de atividades, o restante
Curriculares de Educação Infantil assinalem a fica nos parques, pátios e outros es paços
brincadeira como um dos eixos da educação in- (Kishimoto, 1998b, p. 2). As crianças re be-
fantil e autores adotados em projetos pedagógi- lam-se contra a interdição do brincar, nas
cos, como Piaget (1978) e Vygotski (1988) constantes fugas, sis tematicamente re pri mi-
erijam-na como atividade relevante e predomi- das, em busca de representações simbólicas e
nante na idade infantil, o brincar parece não ter momentos de interação en tre pares, brin can-
espaço na rotina das escolas infantis paulista- do debaixo das mesas, enquanto o professor
nas, exceto em ocasiões especiais, preparadas corrige algum tra balho (Wajskop,1995), es ca-
com grande esforço da equipe, portanto, sem pando à “violência simbólica” (Biarnés, 1999)
continuidade e qualidade, pois a freqüência a que são sub me ti das.
pressupõe a qualidade (Nóvoa, 1992; Formosi- A ocupação do espaço físico não é ne u-
nho, Oliveira-Formosinho, 2001). tra. A forma de construção e a disposição e
Nas sa las de atividades, a ausência da uso das salas refletem a expectativa de com-
produção infantil, quer nas paredes ou em ou- portamento de seus usuários (Dayrell, 1996;
tros espaços, mostra a pouca relevância da ex- Fryberg, 2000). O espaço arquitetônico ex -
pressão infantil e o princípio da estética, pressa uma concepção educativa. Mesas com
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Se o cotidiano das escolas infantis ca rece de criança e de educação infantil que va lo ri-
de brinquedos e materiais pedagógicos, cabe zem a expressão e a socialização desde os cur-
questionar não só as concepções de criança e sos de formação inicial e con tinuada,
de educação infantil, mas se os cursos de for- retomadas pela equipe da escola, com apo io
mação ini cial e continuada têm incluído em da família e da co munidade, den tro de uma
seus currículos a temática do brincar como par- política pública que sustente essa pers pec ti va.
te da formação profissional. A pre sença, nos Tais orientações moldam o pro jeto peda gó gi-
currículos, de referenciais teóri cos que ana li- co, gerando espaços para a estruturação de
sam o brincar não é suficiente para alterar a ambientes de li vre exploração, no qual o brin-
prática pe dagógica (Schön, 1990; Zeichner, car pode ter lugar concomitante a outros, ne -
1993), que requer o questionamento das ações cessários para a educação da criança pequena.
do cotidiano infantil à luz dos quadros teó ri cos A marca privilegiada da expressão gráfi-
para reordenar o cotidiano. É necessário ana li- ca no cotidiano infantil decorrente da ausência
sar o cotidiano den tro de uma pedagogia crí ti- de outras linguagens, como a simbólica e a ar-
ca e ul trapassá-la, buscando uma pedagogia tística, a motricidade vista como atividade
transformadora. As formações inicial e con ti- externa e descanso do espírito, a rotina da ins-
nuada devem incluir brincadeiras como es tra té- tituição infantil carente de alternativas para a
gi as para ini ciar as re flexões. É brincando e criança e o brincar na perspectiva espontaneís-
pensando so bre o brincar que se adquire cons- ta e didática, indicam que as Escolas Munici-
ciência sobre sua im por tân cia. pais de Educação Infantil têm como foco
O es paço do brincar no con texto da edu- conteúdos escolares, marginalizando a sociali-
cação infantil requer a partilha de concepções zação e a expressão de crianças de 4 a 6 anos.
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Re ce bi do em 04.10.01
Apro va do em 05.12.01
Tizuko Morchida Kishimoto é professora titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, coordenadora do
Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos e do Museu da Educação e do Brinquedo e docente e pesquisadora em
educação infantil.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.2, p.229-245, jul./dez. 2001 245