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FERNANDO PEREIRA DE ARAÚJO

JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA

Considerações acerca do art. 285-A do Código de Processo Civil

Monografia apresentada à Escola Paulista


da Magistratura, como exigência parcial
para aprovação no 5º Curso de Pós-
Graduação ‘Lato Sensu’ – Especialização
em Direito Processual Civil

São Paulo

2010
FERNANDO PEREIRA DE ARAÚJO

JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA

Considerações acerca do art. 285-A do Código de Processo Civil

Monografia apresentada à Escola Paulista


da Magistratura, como exigência parcial
para aprovação no 5º Curso de Pós-
Graduação ‘Lato Sensu’ – Especialização
em Direito Processual Civil

______________________________________
______________________________________
______________________________________

São Paulo

2010
À Eunice.
Encanto da minha vida.
Pessoa com quem viverei.
Obrigado, Juliana.
Irmã querida e tradutora da família.
RESUMO

Este trabalho destina-se aos estudiosos interessados nos novos rumos do


direito processual civil brasileiro. Seu foco é o art. 285-A do Código de Processo
Civil, regra que introduziu no ordenamento brasileiro o julgamento liminar de
improcedência, ou rejeição imediata da petição inicial.
O trabalho busca mostrar a importância do novo dispositivo, inserindo-o
no contexto das reformas que o Código de Processo Civil vem sofrendo desde os
anos 1990.
Inicia-se com a apresentação do Projeto de Lei nº 4.728/2004 e sua
rápida tramitação e aprovação nas duas Casas do Congresso Nacional. Também se
dá atenção às modificações propostas pelos parlamentares, que resultaram na
redação definitiva da Lei nº 11.277/2006.
Discute-se a importância do princípio constitucional do contraditório e
quais são as implicações da formação da coisa julgada sem a participação do réu.
Conclui-se que o julgamento prima facie de improcedência não causa nenhum
prejuízo à parte contrária.
Também é apresentada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.695-
5, medida tomada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com o
intuito de extirpar a nova regra do Código de Processo Civil. Busca-se demonstrar
que a ação não deverá obter êxito no Supremo Tribunal Federal, pois o art. 285-A
não ofende nenhum princípio constitucional.
Posteriormente, são analisados os pressupostos de incidência do art.
285-A, a saber: a) matéria controvertida; b) unicamente de direito; c) sentença de
total improcedência em casos idênticos no mesmo juízo. Enfatiza-se que o
entendimento a ser reproduzido na sentença de improcedência deve ser aquele
formado nos Tribunais.
O trabalho também explora as sucessivas fases de reformas do Código
de Processo Civil, visto por parte da doutrina como verdadeira colcha de retalhos.
Faz considerações acerca da necessidade de sua substituição por um novo Código.
É mostrada a redação do art. 317 do Anteprojeto de novo Código, dispositivo que
aprimora a regra atual contida no art. 285-A.
Por fim, analisa-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a
respeito do tema.

PALAVRAS-CHAVES: Julgamento, rejeição, improcedência, liminar, demanda,


inicial, citação, réu.
RESUMEN

Este trabajo está direccionado a los estudiosos interesados en los nuevos


rumbos del derecho procesal civil brasileño. El foco de esta disertación es el Artículo
285-A del Código de Proceso Civil, que ha introducido el juicio de improcedencia
liminar en el sistema legal brasileño, a que también podemos llamar de rechazo
inmediato de la petición inicial.
El trabajo pretende enseñar la importancia del nuevo dispositivo, y
insertarlo em el contexto de reformas que el Código de Proceso Civil sufre desde los
años 1990.
La introducción se hace com la apresentación del Proyecto de Ley nº
4.728/2004 y su rápida tramitación y aprovación em las dos Casas del Congreso
Nacional. Las modificaciones propuestas por los parlamentares también reciben
atención aqui, ya que ellas han resultado em la redacción definitiva de la Ley nº
11.277/2006.
También se dicute aqui la importancia del principio constitucional del
contradictorio y las implicaciones de la formación de la cosa juzgada sin la
participación del reo. Se concluye que el juicio prima facie de improcedencia no
causa ningún daño a la parte contraria.
También es introduccida la Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.695-
5, medida tomada por El Conselho Federal de la Orden de los Abogados de Brasil
con el objetivo de extirpar la nueva regla del Código de Proceso Civil. Buscase
demostrar que la acción no deberá obtener éxito en el Supremo Tribunal Federal, ya
que el artículo 285-A no ofende a ningún principio constitucional.
Posteriormente, serán analisados los presupuestos de la aplicación del
artículo 285-A, que són: a) matéria controvertida, b) unicamente de derecho; c)
sentencia de total improcedencia en casos idénticos en el mismo juicio. El trabajo
enfatiza que el entendimiento a ser reproduzido en la sentencia de improcedencia
deve ser lo que fue formado en los Tribunales.
La disertación también explora las sucesivas etapas de reformas del
Código de Proceso Civil, considerado por parte de la doctrina como una verdadera
colcha de patchwork. Son hechas consideraciones sobre la necesidad de su
sustitución por um nuevo Código. Está enseñada la redacción del artículo 317 del
Anteproyecto del nuevo Código, dispositivo que perfecciona la regla actual que está
en el art. 285-A.
Por fin, se hace un análisis de la jurisprudencia del Superior Tribunal de
Justiça sobre el tema.
SUMÁRIO

Introdução 11

Capítulo 1 Projeto de Lei nº 4.728/2004 12

Capítulo 2 Improcedência sem contraditório 18

2.1. Nova técnica de julgamento sumário 18

2.2. Princípio do contraditório 19

2.3. Coisa julgada em relação processual linear 20

2.4. Ausência de prejuízo para o réu 22

Capítulo 3 A ação direta de inconstitucionalidade nº 3.695-5 23

Capítulo 4 Pressupostos de incidência do art. 285-A 27

4.1. Matéria controvertida 27

4.2. Unicamente de direito 28

4.3. Sentença de total improcedência em casos idênticos 29


no mesmo juízo

Capítulo 5 A apelação do autor 34

Capítulo 6 A rejeição liminar da demanda no Anteprojeto do Código de 37


Processo Civil

6.1. Reformas do Código de Processo Civil 37

6.2. Um novo Código de Processo Civil 39

6.3. Redação do art. 317 do Anteprojeto 40

Capítulo 7 Jurisprudência envolvendo o art. 285-A no Superior Tribunal 42


de Justiça

7.1. Recurso Especial nº 780.825/RS 42

7.2. Recurso Especial nº 972.973/RS 44

7.3. Recurso Especial nº 976.143/RS 46

7.4. Recurso Especial nº 984.552/RS 46

7.5. Recurso Especial nº 1.110.549/RS 48


7.6. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 52
31.585/PR

Conclusão 53

Bibliografia 54
INTRODUÇÃO

O intérprete do direito, em especial aquele que lida com o direito


processual civil, tem como condição de sobrevivência a capacidade de compreender
e criticar as novas regras que se lhe são apresentadas pelo legislador.
Uma das que despertou maior discórdia na comunidade jurídica foi aquela
introduzida no ordenamento por meio da Lei nº 11.277/2006. O art. 285-A foi
recebido com alguma perplexidade por alterar paradigmas desde sempre instalados
nas mentes dos profissionais do direito. Afinal, o dispositivo permite, de forma
inédita, que o magistrado analise a questão de direito e rejeite liminarmente a
petição inicial sem a participação do réu.
Neste trabalhou buscou-se afastar algumas dúvidas que rondam a nova
técnica de julgamento sumário, como aquelas suscitadas pelo Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil em relação à sua constitucionalidade. Também são
apresentadas as formas como a doutrina interpreta o dispositivo, de modo a se
tornar eficaz naquilo a que se propõe: debelar processos repetitivos sem ofender a
segurança jurídica, pressuposto do Estado Democrático de Direito.
Assim, resta saudar, com algumas ressalvas, como se verá a seguir, a
nova técnica de aceleração da prestação jurisdicional, cujo escopo maior, sem
dúvida, é a efetivação da garantia constitucional da razoável duração do processo.
1. PROJETO DE LEI Nº 4.728/2004

O dispositivo legal que se irá analisar ao longo deste trabalho tem como
origem o Projeto de Lei nº 4.728/2004, de autoria do Poder Executivo, apresentado à
Câmara dos Deputados em 27/12/2004.
O acréscimo do art. 285-A ao Código de Processo Civil foi proposto pela
Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça1, sem a participação do
Instituto Brasileiro de Direito Processual. O Projeto integrou o pacote legislativo do
Primeiro Pacto Republicano assinado pelos presidentes dos três Poderes da
República em 20042.
Por se tratar de verdadeiro registro das preocupações daquele período e
exprimir os valores que a regra pretende prestigiar, vale a leitura da exposição de
motivos do Projeto de Lei nº 4.728/2004, elaborada pelo então Ministro da Justiça,
Marcio Thomaz Bastos, em mensagem ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula
da Silva:

“Brasília, 19 de novembro de 2004


Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Submeto à consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de lei
que “Acresce o art. 285-A à Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 -
1
“A Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça foi criada com o objetivo de
promover, coordenar, sistematizar e angariar propostas referentes à reforma do Judiciário.
Tem como papel principal ser um órgão de articulação entre o Executivo, o Judiciário, o
Legislativo, o Ministério Público, governos estaduais, entidades da sociedade civil e
organismos internacionais com o objetivo de propor e difundir ações e projetos de
aperfeiçoamento do Poder Judiciário. Esta articulação acontece em relação a propostas de
modernização da gestão do Judiciário e em relação à reforma constitucional e outras
alterações legislativas em tramitação no Congresso Nacional.”: Informação institucional
disponível em http://www.mj.gov.br
2
“O 1º Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e
efetivo, assinado pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em 2004, trouxe medidas
que culminaram em reformas processuais e atualização de normas legais. Dos 32 projetos
que constavam na lista, vinte e quatro foram transformados em leis e um já foi enviado para
sanção do Presidente da República. Outros 15 ainda se encontram em tramitação na
Câmara e no Senado e apenas dois foram arquivados.
Os 11 compromissos fundamentais firmados à época tinham como principal preocupação
combater a morosidade dos processos judiciais e prevenir a multiplicação de demandas em
torno do mesmo tema. As reformas eram reclamadas por toda a comunidade jurídica, que
desejava regras capazes de agilizar e simplificar os julgamentos, sem prejuízo das garantias
individuais.”:
Notícia publicada em 20/04/2009 no site do Supremo Tribunal Federal:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=106429
Código de Processo Civil, relativo à racionalização do julgamento de
processos repetitivo”.
2. Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da
Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema processual
brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao
serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao
contraditório e à ampla defesa.
3. De há muito surgem propostas e sugestões, nos mais variados
âmbitos e setores, de reforma do processo civil. Manifestações de
entidades representativas, como o Instituto Brasileiro de Direito
Processual, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação
dos Juizes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do
Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo são acordes em
afirmar a necessidade de alteração de dispositivos do Código de
Processo Civil e da lei de juizados especiais, para conferir eficiência
à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente
caracteriza a atividade em questão.
4. A proposta vai nesse sentido ao criar mecanismo que permite ao
juiz, nos casos de processos repetitivos, em que a matéria
controvertida for unicamente de direito, e no juízo já houver sentença
de total improcedência, dispensar a citação e proferir decisão
reproduzindo a anteriormente prolatada.
5. A sugestão encontra-se acorde com os preceitos que orientam a
política legislativa de reforma infra-constitucional do processo,
ressaltando que a proposta resguarda o direito do autor apelar da
decisão, possibilitando, ainda, a cassação da mesma pelo juiz, e o
prosseguimento da demanda em primeira instância.
6. Estas, Senhor Presidente, as razões que me levam a submeter a
anexa proposta ao elevado descortino de Vossa Excelência,
acreditando que, se aceita, estará contribuindo para a efetivação das
medidas que se fazem necessárias para conferir celeridade ao ritos
do processo civil.
Respeitosamente,
Marcio Thomaz Bastos”

A ideologia que norteou esse Projeto de Lei e as demais reformas do


Código de Processo Civil pode ser facilmente compreendida a partir de conceitos
como “racionalidade”, “celeridade” e “eficiência”, tudo de acordo com as “diretrizes
estabelecidas para a reforma da Justiça”, em oposição à “morosidade” na tramitação
dos feitos.
A redação primitiva da regra no Projeto era a seguinte:

“Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de


direito, em processos repetitivos e sem qualquer singularidade, e no
juízo já houver sentença de total improcedência em caso análogo,
poderá ser dispensada a citação e proferida sentença reproduzindo
a anteriormente prolatada.
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz, no prazo de cinco dias,
cassar a sentença e determinar o prosseguimento da demanda.
§ 2º Caso mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para
responder ao recurso.”

Em 27/12/2004, o Projeto de Lei nº 4.728/2004 foi apresentado pelo


Poder Executivo ao Plenário da Câmara dos Deputados, onde tramitou em regime
de prioridade.
Em 04/02/2005, a Mesa Diretora daquela Casa determinou seu
encaminhamento à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) para
que discutisse e votasse a constitucionalidade e a juridicidade da matéria, nos
termos dos arts. 24, II3, e 544 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados
(RICD).
Já no âmbito da CCJC, em 11/03/2005, o Deputado Federal Roberto
Magalhães (PFL/PE) apresentou emenda supressiva para o fim de retirar da
proposição a expressão: “em processos repetitivos e sem qualquer singularidade”.
Segundo sua justificativa, a finalidade da emenda foi

“tornar o dispositivo a ser incluído mais claro e objetivo, sem que


haja ofensa, conforme original, à realidade fática. A singularidade
exigida é inviável, pois em algum ponto os processos serão
diferenciados, como por exemplo, na diferenciação das partes,
valores, etc.”

Em 17/06/2005, o Deputado Relator João Almeida (PSDB-BA) deu


parecer favorável à constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do Projeto,
3
Art. 24. Às Comissões Permanentes, em razão da matéria de sua competência, e às
demais Comissões, no que lhes for aplicável, cabe:
II - discutir e votar projetos de lei, dispensada a competência do Plenário, salvo o disposto
no § 2º do art. 132 e excetuados os projetos:
a) de lei complementar;
b) de código;
c) de iniciativa popular;
d) de Comissão;
e) relativos a matéria que não possa ser objeto de delegação, consoante o § 1º do art. 68 da
Constituição Federal;
f) oriundos do Senado, ou por ele emendados, que tenham sido aprovados pelo Plenário de
qualquer das Casas;
g) que tenham recebido pareceres divergentes;
h) em regime de urgência;
4
Art. 54. Será terminativo o parecer:
I - da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, quanto à constitucionalidade ou
juridicidade da matéria;
II - da Comissão de Finanças e Tributação, sobre a adequação financeira ou orçamentária
da proposição;
III - da Comissão Especial referida no art. 34, II, acerca de ambas as preliminares.
mas sugeriu, em substitutivo, a alteração do texto da proposição para substituir o
verbo “cassar” pela expressão “decidir por não manter”. Isso porque considerou que
a palavra extirpada é “bastante repudiada por seu cunho autoritário”. Também
asseverou que sua sugestão, que acabou por se incorporar definitivamente ao § 1º
do dispositivo, tinha como intuito conferir-lhe “mais clareza e objetividade e evitar
interpretações que não se coadunem com os propósitos que orientaram a sua
apresentação.”
A expressão “caso análogo”, constante do texto original, foi substituída
por “outros casos idênticos”.
Em 10/08/2005, o substitutivo foi aprovado por todos os integrantes da
CCJC, exceto pelo Deputado Darci Coelho (PP-TO), único parlamentar a enxergar
vícios quanto aos aspectos de constitucionalidade e juridicidade do Projeto.
Por adiantar discussão acerca das questões controvertidas do art. 285-A,
de rigor a transcrição de parte de seu voto divergente, publicado no Diário da
Câmara dos Deputados em 17/08/2005:

“Quer-se estabelecer em seu texto um mecanismo semelhante ao da


tão propalada súmula vinculante, com a diferença, porém, de já se a
prever para aplicação pelo juiz competente para o exercício da
jurisdição em primeiro grau. A sua adoção feriria gravemente o
princípio geral de direito processual da garantia do duplo grau de
jurisdição, eis que estabeleceria a possibilidade de se suprimir o
primeiro grau da jurisdição, à medida que se autoriza o juiz a proferir
sentença apenas reproduzindo o teor de outra anteriormente
prolatada no juízo.
Além disso, vislumbra-se, no conteúdo da proposição em comento,
ofensa também aos princípios e normas gerais que regem a coisa
julgada formal, tendo em vista que se pretende permitir ao juiz do
primeiro grau de jurisdição a prolação de sentença terminativa em
duas oportunidades, quais sejam, no momento anterior à citação da
parte contrária e posteriormente à prática de tal ato, se então houver
apelação e se decidir não a manter e dar prosseguimento normal ao
feito.
Há afronta ainda aos princípios constitucionais da garantia da ampla
defesa e do contraditório, no âmbito do mencionado projeto de lei.
Isto porque se facultaria ao juiz dispensar a citação da parte contrária
e, como se deve saber, tal ato constitui, na sistemática adotada pelo
nosso direito processual, requisito essencial e indispensável para a
regular defesa do réu.”
Diante do decurso in albis do prazo para interposição do recurso previsto
no art. 58, § 1º5, do RICD e no art. 58, § 2º, I6, da Constituição Federal, a Mesa
Diretora encaminhou o Projeto à CCJC para elaboração da redação final, nos termos
dos arts. 58, § 4º7, e 24, II, do RICD.
O texto definitivo do que veio a se tornar a Lei nº 11.277/2006 foi
apresentado pelo Deputado Relator Roberto Magalhães em 14/09/2005 e aprovado
por unanimidade pela CCJC em 29/09/2005.
Então, em 14/10/2005, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados
remeteu o Projeto ao Senado Federal, onde foi identificado como Projeto de Lei da
Câmara nº 101 de 2005 e teve a redação alterada para se substituir “demanda” por
“ação”.
Na CCJC do Senado Federal, o Projeto foi distribuído ao Senador Aloizio
Mercadante (PT-SP), que, em 18/01/2006, emitiu parecer favorável à sua
aprovação, de acordo com os seguintes fundamentos.

“Quanto à constitucionalidade, a proposta não apresenta qualquer


vício, uma vez que é de competência privativa da União legislar
sobre direito processual civil, legítima a iniciativa e adequada a
elaboração de lei ordinária (arts. 22, I, 48 e 61, caput, da Constituição
Federal).
Não há tampouco qualquer obstáculo no que tange à juridicidade do
Projeto, restando observados os princípios do nosso ordenamento
jurídico. Por sua vez, a técnica legislativa empregada no Projeto de
Lei em exame encontra-se adequada aos ditames da Lei
Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.
No mérito, a proposta tem o condão de racionalizar a atividade
jurisdicional, pois confere aos magistrados poderes necessários para
decidir de forma rápida e definitiva os conflitos repetitivos, desde que
os mesmos envolvam matéria exclusivamente de direito, sobre a qual
já exista entendimento consolidado no mesmo juízo. Dessa forma, o
Projeto desonerará as partes injustamente demandadas e também a
estrutura do próprio Poder Judiciário.
5
Art. 58. Encerrada a apreciação conclusiva da matéria, a proposição e respectivos
pareceres serão mandados a publicação e remetidos à Mesa até a sessão subseqüente,
para serem anunciados na Ordem do Dia.
§ 1º Dentro de cinco sessões da publicação referida no caput, poderá ser apresentado o
recurso de que trata o art. 58, § 2º, I, da Constituição Federal.
6
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias,
constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de
que resultar sua criação.
§ 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:
I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do
Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;
7
§ 4º Fluído o prazo sem interposição de recurso, ou improvido este, a matéria será enviada
à redação final ou arquivada, conforme o caso.
A alteração proposta não prejudica as garantias processuais das
partes envolvidas, uma vez que apenas antecipa o momento de
prolação da sentença, tendo em vista a possibilidade do magistrado
antever, com elevado grau de certeza, o desfecho da demanda e
evitar a prática de uma série de atos processuais, os quais mostram-
se desnecessários frente à total improcedência da matéria veiculada
na ação.
A demanda fundada em controvérsia exclusivamente de direito é
baseada apenas em dispositivos normativos ou jurisprudenciais, não
exigindo o desenvolvimento de instrução probatória para sua
solução. Assim, este tipo de demanda, cuja improcedência seja
manifesta e pacificada no Tribunal, não depende de qualquer ato
processual prévio para ser julgada, sendo possível decidi-la logo
após a distribuição.
Assim, os casos tratados pelo projeto prescindem da manifestação
do réu
para ser decidida, uma vez que os elementos contidos na petição
inicial, por si só, já são suficientes para fundamentar o julgamento
definitivo da lide. Com isso, além de deixar de ser citado
desnecessariamente, o réu deixará de arcar com os ônus da defesa
judicial em demanda manifestamente improcedente.
Nesse sentido, a proposta insere em nosso ordenamento
mecanismos que permitem aos magistrados realizarem o julgamento
das referidas ações sem a necessidade de citação do réu, o que não
prejudicará o autor - pois será apenas uma antecipação do resultado
que seria obtido ao final da demanda e este não perde os direitos
recursais que possui - e também não prejudicará o réu - pois a
sentença de improcedência não terá efeitos na sua esfera jurídica -
demonstrando a compatibilidade da proposta com as garantias
processuais previstas em nosso ordenamento.”

Após a aprovação do Projeto da CCJC do Senado, a Lei nº 11.277


finalmente foi sancionada pelo Presidente da República em 07/02/2006 e publicada
um dia depois no Diário Oficial da União. De acordo com seu artigo 3º, a entrada em
vigor ocorreu 90 dias após a data de sua publicação.
O texto definitivo do art. 285-A do Código de Processo Civil acabou sendo
o seguinte:

“Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito


e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em
outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida
sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5
(cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da
ação.
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu
para responder ao recurso.”
2. IMPROCEDÊNCIA SEM CONTRADITÓRIO

2.1. NOVA TÉCNICA DE JULGAMENTO SUMÁRIO

O art. 285-A não é o primeiro caso em que o Código de Processo Civil


admite a possibilidade de um julgamento imediato de rejeição do pedido. “Já
constava do art. 295, inc. IV, do Código de Processo Civil, desde sua promulgação,
a previsão de que a petição inicial seria indeferida quando o juiz verificasse, desde
logo, a decadência ou a prescrição.”8 É que, nos termos do art. 269, IV, o legislador
determinou serem de mérito essas matérias, acolhendo lição de Liebman9.
Ocorre que a decretação da prescrição ou da decadência “não reclamava
maior pesquisa de fato, resumindo-se a uma questão de direito, constatável após
simples operação aritmética de contagem do tempo de inércia do titular do direito
afetado pela causa extintiva.”10
Já o art. 285-A do Código de Processo Civil inovou ao permitir o
pronunciamento sobre a questão de fundo sem a participação do réu. Essa nova
técnica de julgamento sumário causou desconforto àqueles que defendem a
manutenção do sistema processual brasileiro tal como fora instituído em 1973.
De fato, à primeira vista, a regra parece atingir o próprio conceito de
processo, que é

8
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 14
9
Prescrição e decadência “atingem o mérito, consolidam definitivamente uma situação de
direito substancial e tornam improcedente o pedido que foi formulado pelo autor. Tanto
basta para poder-se afirmar que dão lugar a questões compreendidas no mérito e não
podem ser examinadas no despacho saneador. É verdade que, entre as questões da lide, a
prescrição e a decadência deverão ser examinadas em primeiro lugar, porque, se
subsistentes, tornam inútil qualquer outra investigação. Mas esse caráter preliminar
compete-lhes dentro da órbita da lide, considerada em seu sentido próprio e restrito, como
matéria a ser decidida na sentença final, que será proferida depois de realizada a audiência
de instrução e julgamento. LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro.
Araras-SP: Bestbook, 2001, p. 114.
10
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 14
“o procedimento realizado mediante o desenvolvimento da relação
entre seus sujeitos, presente o contraditório. Ao garantir a
observância do contraditório a todos os ‘litigantes em processo
judicial ou administrativo e aos acusados em geral’, está a
Constituição (art. 5º, inc. LV) formulando a solene exigência política
de que a preparação de sentenças e demais provimentos estatais se
faça mediante o desenvolvimento da relação jurídica processual.” 11

2.2. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

Não se duvida da imprescindibilidade do contraditório, princípio que, junto


com a ampla defesa, é corolário do devido processo legal.

“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo,


atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade
e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade
total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa
(direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de
produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz
competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal) .”12

“O contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo


a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato
produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de
dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma
interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.” 13

Tanto o direito de ação como o direito de defesa são manifestações do


princípio do contraditório.

“A garantia do contraditório compreende para o autor a possibilidade


de poder deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos
11
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 285.

12
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos
arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5.
ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 257.

13
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos
arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5.
ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 258.
de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência e
conteúdo do processo e poder reagir, isto é, fazer-se ouvir. Para
tanto, é preciso dar as mesmas oportunidades para as partes
(Chancengleichheit) e os mesmos instrumentos processuais
(Waffengleichheit) para que possam fazer valer em juízo os seus
direitos.”14

Tamanha é a importância do princípio constitucional do contraditório que


parte da doutrina considera a existência da citação um pressuposto processual
objetivo intrínseco15. Cabe lembrar que os pressupostos processuais e as condições
da ação formam categoria mais ampla denominada “pressupostos de
admissibilidade de julgamento de mérito” ou “requisitos de admissibilidade do
provimento jurisdicional”.
No processo de conhecimento, a sentença de mérito só poderá ser dada
(não importando ainda se favorável ou desfavorável) se estiverem presentes esses
requisitos gerais16.

2.3. COISA JULGADA EM RELAÇÃO PROCESSUAL LINEAR

Embora a sentença de mérito exija o preenchimento dos pressupostos


processuais, o art. 285-A faculta ao magistrado negar a pretensão deduzida pelo
demandante mesmo sem se ter formado a relação jurídica processual triangular,
cujos integrantes são autor, Estado e réu. Em outras palavras, o dispositivo em
análise possibilita o julgamento de mérito e a consequente formação da coisa

14
NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil
comentado e legislação extravagante. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 145.

15
Também seria pressuposto processual objetivo intrínseco a regularidade procedimental. A
ausência de impedimentos como coisa julgada, litispendência e compromisso arbitral seria
pressuposto objetivo extrínseco. Os pressupostos subjetivos em relação ao juiz seriam
investidura, competência e imparcialidade. Em relação às partes seriam capacidade de ser
parte, capacidade de estar em juízo e capacidade postulatória.

16
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 289.
julgada material17 a partir de uma relação processual meramente linear, entre autor e
Estado, haja vista a dispensa de citação do réu. Assim, a regra causa verdadeiro
rompimento do sistema processual tradicional.
Fundamental observar que

“em razão do referido artigo, os efeitos projetados para fora do


processo, sujeitos à imutabilidade decorrente da coisa julgada
material, poderão atingir a esfera jurídica do réu – ressalve-se desde
já que apenas positivamente, para favorecê-lo –, sem que este
sequer tenha sido chamado a comparecer ao processo: bastará
para tanto que o autor não apele da sentença proferida nos moldes
do artigo 285-A. Introduziu-se no Código, portanto, a possibilidade
de o réu ausente, receber tutela jurisdicional plena18, como
conseqüência do julgamento de plano de total improcedência do
pedido do autor.”19

2.4. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O RÉU

17
Nelson Nery Junior e Rosa Nery afirmam que o julgamento de improcedência previsto no
art. 285-A gera apenas coisa julgada formal, dada a ausência de citação do réu: “A situação
expressa na norma comentada é assemelhada àquela do indeferimento da petição inicial
(CPC 295). A citação é elemento de existência do processo (CPC 267 IV), caracterizado
como relação jurídica trilateral (autor-réu-juiz). Sem a citação o processo, quanto ao réu,
ainda não existe. No entanto, mesmo sem a citação do réu, pode haver processo,
consubstanciado em relação bilateral (autor-juiz). Entretanto, sem a integração do réu pela
citação não há litígio (CPC 219 caput), de modo que se o juiz julgar o pedido improcedente e
não houver recurso, a sentença faz coisa julgada formal, mas não material. Ademais, o CPC
472 determina a vinculação da coisa julgada às partes. Se o réu não tiver sido citado não
haverá partes e, consequentemente, não haverá coisa julgada, nem para o autor. Neste
caso o autor pode repropor a mesma ação. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 580.
18
“Assentado que tutela jurisdicional plena será outorgada sempre àquele dos litigantes que
tiver razão segundo os ditames do direito substancial, segue-se que a tutela ministrada ao
réu em caso de improcedência da demanda do autor consiste em aliviá-lo da pretensão
deste. A sentença de improcedência da demanda do autor tem sempre o mesmo teor de
uma sentença que julgasse procedente ação meramente declaratória movida por ele, réu.
Como é notório, a sentença que rejeita a demanda do autor, negando-lhe a tutela
pretendida, tem sempre natureza declaratória e declara sempre algo a favor do réu: ou a
existência da relação jurídica que o autor pedira que fosse declarada inexistente (na
improcedência da ação declaratória negativa), ou a inexistência de qualquer direito ou
relação jurídica entre as partes (na improcedência de todas as demais ações). Ocorrendo a
coisa julgada material, será definitivo o afastamento da pretensão do autor, tanto quanto são
definitivos os efeitos da sentença irrecorrível que acolha a demanda do autor” (Cândido
Rangel Dinamarco. Tutela jurisdicional. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São
Paulo: Malheiros, 2001. v. II, p. 828-829).
19
BRESOLIN, Umberto Bara. Reflexões sobre a reforma do código de processo civil.
(Coord. Carlos Alberto Carmona). São Paulo: Atlas, 2007, p. 384.
Ainda a respeito da necessidade de citação do réu, válido o ensinamento
de Enrico Tullio Liebman:

“Primeiro e fundamental requisito para a existência de um processo


sempre foi, é, e sempre será, a citação do réu, para que possa ser
ouvido em defesas. Audiatur et altera pars. É com a citação que se
instaura o processo. Sem esse ato essencial não há
verdadeiramente processo, nem pode valer a sentença que vai ser
proferida. Um cidadão não pode ser posto em face de uma sentença
que o condena quando não teve oportunidade de se defender.
Sempre foi assim e façamos votos para que sempre assim seja.” 20

De fato, o caput do art. 214 do Código de Processo Civil afirma que a


citação inicial do réu é indispensável para a validade do processo.
Cabe observar que Liebman volta suas preocupações apenas para o
perigo de condenação de alguém que foi privado de defesa. Porém, não trata da
possibilidade de julgamento de improcedência sem a oitiva do réu. Obviamente,
nessa hipótese não há motivo para aflição, dada a ausência de prejuízo para quem
foi processado, mas não foi condenado.
Isso porque,

“Se o pedido do autor é rejeitado liminarmente e o decisório transita


em julgado, nenhum prejuízo terá suportado o demandado, diante
da proclamação judicial de inexistência do direito subjetivo que
contra este pretendeu exercitar o demandante. Somente como
vantajosa deve ser vista, para o réu, a definitiva declaração de
certeza negativa pronunciada contra o autor.”21

Dessa forma, o princípio do contraditório não é um fim em si mesmo, ou


seja, não pode ser imposto quando é inútil, como é o caso do art. 285-A, sob pena
de tornar desnecessariamente custosa a marcha do processo, em prejuízo da
efetividade.

20
Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras-SP: Bestbook, 2001, p. 141.

21
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 18
3. A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3.695-5

O art. 285-A do Código de Processo Civil prestigia a celeridade ao


encerrar abruptamente o processo após a distribuição, sem prever sequer a
intimação da parte contrária para se manifestar ou ao menos tomar ciência da
demanda que lhe foi movida.
Como era de se esperar, essa pontual subversão do sistema processual
tradicional atingiu diretamente a classe dos advogados, profissionais que não são
mais necessários para responder a teses já repetidamente repelidas no juízo em que
proposta a ação.
Com isso, criou-se o risco de milhares de processos que discutem uma
mesma questão de direito serem decididos sem a contratação de um defensor, o
que, por óbvio, fere interesses corporativos.
Sintomaticamente, foi o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil quem bateu às portas do Supremo Tribunal Federal para questionar a
constitucionalidade da nova regra. Assim, em 29/03/2006 foi ajuizada a Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 3.695-5.
A despeito dos interesses que conduziram ao ajuizamento da ADIN, os
argumentos utilizados pelo Conselho Federal da OAB merecem discussão, pois
evidenciam a falta de técnica do legislador e orientam a forma como o dispositivo
deve ser interpretado. Porém, decididamente, não são suficientes para que o
Supremo venha a declarar a lei inconstitucional.
Segundo a petição inicial da ADIN, “a possibilidade de dispensa da
apresentação de defesa e a reprodução de sentença em outro feito prolatada
(sentença emprestada), está a macular o art. 5º, caput, com os incisos XXXV, LIV e
LV da Constituição Federal.”22
Para sustentar a tese de que a norma afronta a isonomia, afirma-se que,

22
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
“na administração do aparelho judiciário, juízes dispõem-se em
varas diversas, havendo, em algumas, além do titular, um substituto
auxiliar. Muitas vezes, varas permanecem sem titular por longos
períodos, havendo sucessivos juízes substitutos que por elas
passam em períodos nem sempre longos. Proferem os juízes, por
outro lado, sentenças aos milhares, cuja publicidade restringe-se, de
fato, aos litigantes dos feitos nos quais são proferidas, uma vez que,
como regra, não são publicadas na íntegra, nem se encontram
disponíveis nos meios ordinários de pesquisa de jurisprudência. A
norma atacada permite a utilização de sentença prolatada em outro
processo, no mesmo juízo, para dar fim a processo proposto
posteriormente. Institui entre nós uma sentença vinculante,
impeditiva do curso do processo em primeiro grau. Ante a
diversidade de juízes e varas, o diploma normativo permite que os
processos debatendo o mesmo tema, mas distribuídos a diferentes
magistrados, tenham curso normal ou abreviado, conforme tenha
sido proferida ou não sentença relativa ao mesmo assunto no juízo.
Quebra, desse modo, o princípio da isonomia.”

Entretanto, a utilização de sentença prolatada em outro processo em


nada ofende a isonomia. Isso porque a sentença emprestada será fruto do
entendimento reiterado do magistrado acerca de uma determinada questão de
direito. Para que seja reproduzido em casos análogos, esse entendimento deve ser
consolidado após vasta discussão acerca da matéria.
Dessa forma,

“para legitimar a aplicação da nova regra incorporada ao Código de


Processo Civil, faz-se mister que, antes da fixação do ‘paradigma’
ou do ‘precedente’, que autorizará o proferimento da sentença de
rejeição liminar da petição inicial, haja, na medida do possível – e
cada caso será um caso –, a mais ampla e exauriente discussão
sobre o tema. Fere o princípio do devido processo legal e do acesso
à Justiça pensar diferentemente. Enquanto houver argumentos que
pareçam, para quem os argúi, relevantes e pertinentes para levar o
magistrado a decisão diversa daquela que lhe serve para proferir as
decisões de rejeição liminar, é fundamental que o art. 285-A não
seja aplicado. Sua aplicação escorreita, portanto, em perfeita
harmonia com o ‘princípio constitucional do processo’, pressupõe
que as teses jurídicas favoráveis e contrárias a um determinado
ponto de vista sejam exaustivamente abordadas, enfrentadas e
discutidas em juízo. Até porque, pelo sistema processual civil, a
possibilidade de debate a posteriori da questão é apequenada não
só pelo que é possível extrair da letra do art. 285-A mas também
porque a apelação interposta da sentença que o aplicar nem sequer
terá revisão (art. 551, § 3º).”23
23
BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume
2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280,
de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 64/65.
Cássio Scarpinella Bueno24 chega a propor que, antes da fixação do
paradigma, o “juízo” deve fazer publicar editais de convocação de entes
representativos da sociedade civil organizada e dos interesses específicos das
pessoas estatais e governamentais para que apresentem, perante seu juízo, as
teses favoráveis ou contrárias sobre a específica questão jurídica sub judice. Por
serem essenciais à função jurisdicional do Estado, conforme os arts. 127 e 133 da
Constituição Federal, também sugere que sejam oficiados o Ministério Público e a
Ordem dos Advogados do Brasil para que possam, querendo, levar ao “juízo” uma
proposta de solução para aquela tese jurídica.
Apesar das severas críticas feitas pela Ordem, a demora no deslinde da
Ação Direta de Inconstitucionalidade somente favorece a sedimentação do art. 285-
A entre os profissionais do direito.
Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região:

“Estando pendente de julgamento da ADI n. 3.695, em que foi


argüida a tese de inconstitucionalidade de tal preceito legal, sem
que tenha sido concedida qualquer medida de amparo à pretensão
deduzida pela OAB, a presunção de constitucionalidade da lei (...)
permite reconhecer legítimo o julgamento liminar que se proferiu na
instância de origem.”
(Apelação em Mandado de Segurança nº 304.507, 3ª Turma,
Relator: Desembargador Carlos Muta, j. 12.6.2008, maioria).

“Cumpre esclarecer que a Lei n. 11.277/2006, que acrescentou o


art. 285-A ao ordenamento processual pátrio, está sendo
questionada no Supremo Tribunal Federal por intermédio da Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 3.695, proposta pelo Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Distribuída em
29.3.2006, a ADI em comento recebeu, em 5.7.2006, parecer da
Procuradoria Geral da República, no sentido da improcedência do
pedido da OAB, sendo que até o momento não há decisão a
respeito por parte daquela Suprema Corte. Portanto, mantém-se
imaculado o dispositivo legal em análise, não havendo razão para
questionar a sua aplicabilidade.”
(Apelação Cível nº 1239616, 3ª Turma, Relator: Desembargadora
Cecília Marcondes, j. 14.2.2008, v.u.).

24
BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume
2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280,
de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 65/66.
4. PRESSUPOSTOS DE INCIDÊNCIA DO ART. 285-A

4.1. MATÉRIA CONTROVERTIDA

A utilização do termo “matéria controvertida” não conta com a simpatia de


boa parte da doutrina. Isso porque, diante da falta de citação e contestação, não
seria de boa técnica se falar em “controvérsia”: “a controvérsia nasce ao ensejo da
contestação, oportunidade em que o réu deve alegar toda a matéria útil à sua
defesa, por força do princípio da eventualidade”25
Assim, unicamente de direito seria a matéria deduzida na petição inicial
como causa de pedir.
Em razão da falta de citação, o julgamento previsto no art. 285-A ocorre
sem que se torne litigiosa a coisa, nos termos do art. 219, caput, do Código de
Processo Civil. Como somente a citação gera situação processual de existência de
“matéria controvertida”, a norma realmente padece de falta de técnica ao se valer
dessa expressão. Assim, na norma comentada, “onde está escrito ‘matéria
controvertida’ deve-se ler ‘pretensão que já tenha sido controvertida em outro
processo julgada improcedente pelo mesmo juízo’.”26
Entretanto, há quem considere as críticas exageradas, pois

“o fato de não ter havido citação e contestação não autoriza, por si,
a conclusão de que não tenha se formado, no âmbito do direito
material e em caráter pré-processual, uma controvérsia jurídica
entre as partes. Aliás, se existir evidência, verificável de plano, de
que não haja controvérsia pré-processual estabelecida entre as
partes, o caso é de manifesta ausência de interesse de agir, o que
impõe ao juiz, antes mesmo de chegar à fase do art. 285-A, do
Código de Processo Civil, o indeferimento da petição inicial (art. 295,
III, do Código) e conseqüente extinção do processo sem resolução
do mérito (art. 267, I, do Código).”27
25
LOPES, João Batista. Ação declaratória. 5ª ed. Coleção Estudos de Direito de Processo
Enrico Tullio Liebman, volume 10, São Paulo: RT, 2002, p. 135.
26
NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil
comentado e legislação extravagante. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.
580.

27
JACOB, Luiz Guilherme de Almeida Ribeiro; SALVADOR, Antonio Raphael Silva. Notas ao
art. 285-A, do Código de Processo Civil in Direito Processual Civil – Alterações do Código
4.2. UNICAMENTE DE DIREITO

Não é pacífico o emprego das expressões “matéria unicamente de direito”


ou “matéria exclusivamente de direito”.
Sua utilização no Código de Processo Civil não é nova. O art. 330, I,
prevê que o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença quando a
questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não
houver necessidade de produzir prova em audiência. Já o art. 515, § 3º, dispõe que
nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal
pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e
estiver em condições de imediato julgamento.
A polêmica reside na inexistência de ação que envolva puramente, tão-
somente, questão de direito. Por trás dela sempre haverá algum fato.
Por isso, nesses três casos

“não há, propriamente, uma questão, unicamente de direito no


sentido que consta da regra aqui comentada. Ela, a questão, é, no
máximo, predominantemente de direito porque a mera existência de
um autor, de um réu e de um substrato fático que reclama a
incidência de uma norma jurídica já é suficiente para que haja
questão de fato no caso concreto. Mas, e aqui reside o que releva
para compreensão do art. 285-A, esta questão de fato é alheia a
qualquer questionamento, a qualquer dúvida, ela é padronizada ou,
quando menos, padronizável; ela, a situação de fato, não traz, em si,
maiores questionamentos quanto à sua existência, seus contornos e
seus limites. O que predomina, assim, é saber qual o direito
aplicável sobre aqueles fatos que não geram dúvidas, que não
geram controvérsia entre as partes e perante o juiz.”28

A regra prevista no art. 285-A será aplicável se, mesmo supondo


verdadeiros os fatos narrados na inicial (ou mesmo que haja prova documental de
sua ocorrência), “no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência
em outros casos idênticos”. Assim, é o fundamento jurídico da pretensão do autor o

de Processo Civil. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p. 207.


28
BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume
2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280,
de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 68.
fator determinante para o julgamento liminar de improcedência ou o prosseguimento
da demanda, com a citação do réu para oferecer defesa.
É evidente a relação entre os arts. 285-A e 330:

“Ambos os institutos se apresentam como técnicas de abreviação do


procedimento em prol da celeridade processual: o julgamento
antecipado é juridicamente possível desde que manifestamente
desnecessária a instrução, dada a condição de suficiência
probatória; o julgamento antecipadíssimo é juridicamente possível
desde que manifestamente desnecessária a apresentação da
defesa, posto que, ainda tomando-se por verdadeiros os fatos
alegados pelo autor, a solução jurídica não lhe favoreceria.”29

4.3. SENTENÇA DE TOTAL IMPROCEDÊNCIA EM CASOS IDÊNTICOS NO


MESMO JUÍZO

Mais uma vez fica visível a falta de técnica do legislador. Porém, desta
vez o problema não se restringe a questões meramente semânticas.
Exigir que o art. 285-A somente seja aplicado quando “no juízo já houver
sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos” significa,
a um só tempo, conceder poder excessivo a um único magistrado e desprezar a
importância da jurisprudência formada nos tribunais superiores.
Antes de abordar esses pontos, faz-se necessário um olhar sobre o
alcance de “improcedência em outros casos idênticos”:

“Para fins do art. 285-A, o que interessa é a existência de elementos


para a total improcedência da demanda pendente de julgamento, e
isso não passa necessariamente pela integral rejeição da demanda
anterior, que podia ter objeto mais amplo. Por isso, não ficam
descartadas para o conceito de casos idênticos sentenças de
improcedência parcial, desde que a parcela julgada improcedente
cubra todo o objeto do processo pendente.”30

29
JACOB, Luiz Guilherme de Almeida Ribeiro; SALVADOR, Antonio Raphael Silva. Notas ao
art. 285-A, do Código de Processo Civil in Direito Processual Civil – Alterações do Código
de Processo Civil. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p. 209.
30
BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. O novo CPC: a terceira etapa da reforma. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 198.
Em relação à exigência de que o juízo se paute em “casos idênticos” que
já tenha julgado, cabe notar, mais uma vez, a imprecisão técnica da expressão. É
que as causas se identificam e se distinguem pelo pedido e pela causa de pedir.
Ademais, se a narrativa dos fatos em duas demandas for diversa, também não se
poderá falar em “casos idênticos”. Dessa forma,

“Se as causas fossem idênticas teriam de reproduzir partes, pedidos


e causas de pedir. Ter-se-ia litispendência ou coisa julgada, o que
provocaria extinção do processo sem julgamento de mérito (CPC,
art. 301, §§ 1º, 2º e 3º, c/c art. 267, V). A identidade, portanto, que
se reclama, para aplicar o art. 285-A, localiza-se no objeto da causa,
isto é, na questão (ponto controvertido) presente nas diversas ações
seriadas.”31

O art. 285-A prevê a reprodução do teor da sentença de improcedência


anteriormente prolatada. Assim, não há que se falar em juntada da sentença anterior
para fundamentar o a nova decisão no caso em julgamento. Ou seja,

“Se o magistrado já tiver concluído em outros processos, que aquela


pretensão não deve ser acolhida, fica dispensado de citar o réu,
podendo julgar antecipadamente o mérito da causa. O dispositivo
não autoriza a simples juntada da sentença já proferida, mas sim
que seu teor, seu conteúdo, seja reaproveitado para solucionar a
nova demanda. É preciso demonstrar que a ‘ratio decidente’ da
sentença-paradigma serve à solução do caso ora apresentado ao
magistrado.”32

Um dos raros temas em que quase há unanimidade na doutrina se


relaciona com o emprego do termo “juízo” na redação do dispositivo. Poucos o
aceitam de bom grado. De início, cabe lembrar que “juízo tem o significado de órgão
judiciário. No mesmo foro, pode haver vários juízos, que são as varas de uma só
comarca.”33
E como ficariam as situações em que há divergência entre o juiz titular e
seu colega auxiliar, integrantes de uma mesma vara, para fins de aplicação do art.
285-A? Prevaleceria a posição do titular? Daquele que julgou a matéria antes?

31
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do código de processo civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 16/17
32
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 12 ed. Salvador: Podivm, 2010,
p. 473).
33
DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário de direito processual. Fundamentos do
Processo Civil Moderno. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 1, p.185.
Daquele que acompanha a orientação jurisprudencial do Tribunal? Afinal, seria
necessário que ambos julgassem da mesma forma?
Umberto Bara Bresolin afirma que

“se num mesmo juízo houver precedentes de lavra de outros juízes


(que porque há mais de um juiz no mesmo juízo, quer porque os
anteriores juízes daquele juízo tenham sido promovidos,
transferidos, aposentados etc.), nada obsta que aquele magistrado
que pessoalmente não tenha julgado precedente algum possa
aplicar o art. 285-A se estiver convencido do acerto da decisão. Por
outro lado, se aquele juiz não tiver decidido precedentes naquele
juízo (por mais que o tenha feito em outros juízos que integrou), o
novo dispositivo não poderá incidir.”34

No mesmo sentido, Luiz Guilherme de Almeida Ribeiro Jacob e Antonio


Raphael Silva Salvador entendem que

“em face do claríssimo texto da lei, é certo que o juiz de uma vara
não pode invocar, como precedente apto a justificar a invocação do
art. 285-A, um julgamento anterior de outra vara, posto que se
estaria diante de julgamentos oriundos de juízos diversos.”35

Interpretação mais ampliativa permitiria que um mesmo órgão fracionário


de Tribunal utilizasse o art. 285-A para julgar improcedentes ações de sua
competência originária.
A despeito de toda a controvérsia que rodeia a forma de interpretação do
termo “juízo”, a solução encontrada pelo legislador não ajuda a aperfeiçoar o
sistema processual. Incentivar o surgimento de jurisprudência oriunda de órgãos
monocráticos pode afrontar a isonomia entre os jurisdicionados, criando grave
problema de insegurança jurídica.
Por isso, parece mais correto o entendimento segundo o qual, para ser
aplicado, o art. 285-A

“depende da existência de decisões uniformes não dos próprios


juízos de primeiro grau de jurisdição (leia-se sentenças) mas, bem
diferentemente, dos Tribunais superiores ou, quando menos, dos

34
Reflexões sobre a reforma do código de processo civil. (Coord. Carlos Alberto Carmona).
São Paulo: Atlas, 2007, p. 388/389.
35
JACOB, Luiz Guilherme de Almeida Ribeiro; SALVADOR, Antonio Raphael Silva. Notas ao
art. 285-A, do Código de Processo Civil in Direito Processual Civil – Alterações do Código
de Processo Civil. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p. 210.
Tribunais de segundo grau de jurisdição. (...) a melhor interpretação
a ser dada ao art. 285-A é aquela que admite a rejeição liminar da
petição inicial apenas quando a ‘tese repetitiva’ já tenha sido
repelida pelos Tribunais superiores, como objetivamente podem
demonstrar suas súmulas ou, quando menos, a sua jurisprudência
notoriamente dominante.”36

O raciocínio exposto acima colide com a posição majoritária, que aceita


sem maiores questionamentos que o entendimento singelo do juízo de primeiro grau
seja suficiente para a rejeição liminar da petição inicial. Porém, ela vem sendo aceita
pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme recentes julgados:

“Não se configura a violação do art. 285-A do CPC quando a causa


tenha sido julgada de acordo com o entendimento consolidado sobre
o tema nesta Corte Superior.”
(EDcl no AgRg no Ag 1161425/RJ, Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe
14/06/2010)

"Afasta-se a alegação de violação do artigo 285-A do CPC, tendo


em vista que a causa foi julgada de acordo com o entendimento
consolidado sobre o tema nesta Corte Superior.”
(AgRg no Ag 1161425/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 13/05/2010)

Adotando-se essa orientação interpretativa, esvaem-se as críticas como a


de que a regra permitiria ao juízo criar precedentes vinculantes: Apesar da
discordância em relação a elas, é preciso conhecê-las para criticá-las:

“O julgamento de processos repetitivos, com base em precedentes


do juízo, objeto do disposto no art. 285-A do CPC, é uma
excrescência. Fere o direito de ação e a garantia do contraditório,
que não pode ser vista, apenas, na perspectiva do réu, uma vez
que, hodiernamente, essa garantia traduz-se no direito atribuído à
parte de influir em todos os atos processuais, assistindo, portanto,
também ao autor e impondo-se, igualmente, à observância do juiz.
Ademais, o citado artigo confere ao juiz de primeiro grau poderes
análogos ao que resulta da súmula vinculante, privativa do Supremo
Tribunal Federal e decorrente de norma expressa da Constituição.
No caso, tem-se um precedente vinculante, sem súmula que o
consubstancie e sem disposição constitucional que o autorize!”37
36
BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume
2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280,
de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 54/55.
37
MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. As reformas do CPC. Revista Eletrônica “Atualidades
Jurídicas” do Conselho Federal da OAB, março/abril de 2008, número 1. Disponível em
http://www.oab.org.br/oabeditora/revista/0803.html
Por fim, registre-se que a interpretação sugerida está em conformidade
com o contexto normativo em que se inserem os arts. 518, § 1º, 120, parágrafo
único, 475, § 3º, 481, parágrafo único, e 557, caput e § 1º-A, todos do Código de
Processo Civil. Observe-se que esses dispositivos prestigiam precedentes
jurisprudenciais consolidados, e não precedentes de órgãos de primeiro grau, como
aparentemente faz o art. 285-A.
5. A APELAÇÃO DO AUTOR

A regra inscrita no art. 285-A tem por escopo pôr fim ao processo
imediatamente após seu surgimento. Talvez esse seja o motivo do pouco cuidado
com que trata da hipótese de apelação do autor em face da sentença proferida
liminarmente.
O § 1º do art. 285-A prevê que “se o autor apelar, é facultado ao juiz
decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o
prosseguimento da ação.”
Assim, em caso de apelação, ao juiz é permitido reconsiderar sua
sentença no prazo de cinco dias. Possibilidade semelhante é prevista nos casos de
indeferimento da petição inicial, nos termos do art. 296: “Indeferida a petição inicial,
o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas,
reformar sua decisão.” Sendo destinado ao juiz, o prazo é impróprio, de modo que o
juiz pode se retratar até que determine a citação do réu.”
Mais comum que a hipótese de retratação é aquela em que o juiz decide
manter a sentença liminar de rejeição da petição inicial e determinar a citação do réu
para responder à apelação, conforme disposição do § 2º: “caso seja mantida a
sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.”
Naturalmente, o autor/apelante poderá questionar toda a matéria
relacionada à sentença, inclusive seu enquadramento no art. 285-A, comparando-a
com a forma como os tribunais superiores decidem a mesma questão
predominantemente de direito.
Uma vez mantida a sentença, haverá citação do réu para responder, ou
seja, apresentar contrarrazões. Essa citação é imperiosa para que o réu tenha
“condições de participar ativamente do procedimento, trazendo as razões que
entender oportunas para a manutenção da sentença e quiçá, até mesmo, para ver o
autor condenado no pagamento de litigância de má-fé.”38
Por representarem a primeira manifestação do réu no processo, as
contrarrazões passam a ter conteúdo de resposta à apelação. Assim,

38
BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume
2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280,
de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 77.
“Cumpre analisar se o réu pode se valer das demais modalidades de
resposta (...). O réu não pode reconvir em contra-razões de
apelação. Como a demanda inicial e a reconvenção devem ser
julgadas na mesma sentença (CPC, art. 318), se o réu ingressa no
processo com a causa já julgada, ele só poderá reconvir por ocasião
de eventual invalidação da sentença liminar, hipótese em que o feito
voltaria a correr com a sua intimação para oferecer as respostas
cabíveis (art. 297). Caso porém não surja para o réu essa
oportunidade de reconvir, ele ainda poderá demandar contra o autor
autonomamente em outro processo.
Resta verificar se o réu pode suscitar exceções de impedimento, de
suspeição e de incompetência relativa. Salvo para esta última, a
solução é negativa. É que eventual reconhecimento de suspeição ou
impedimento não tem relevância na designação do tribunal de
segundo grau que julgará o recurso e eventualmente a causa.
Nessas condições, portanto, somente o reconhecimento de
incompetência relativa teria a aptidão de interferir no julgamento da
apelação. Trata-se de direito legítimo do réu que não pode ser
tolhido, mas – frisa-se – exclusivamente nas hipóteses em que o
juízo declinado na exceção de incompetência relativa estiver
vinculado a outro tribunal local. Assim, o réu pode formular, nas
contra-razões, um último pedido subsidiário – e dependente da sorte
da apelação – de reconhecimento da incompetência e de remessa
dos autos ao juízo competente.
(...) Semelhante solução deve ser adotada no que tange ao direito
do réu de provocar a intervenção de terceiros no processo, por meio
da denunciação da lide ou do chamamento ao processo. (...)
Considerando o custo e a eventual desnecessidade de trazer outras
pessoas e demandas para o processo, a melhor forma de viabilizar
a preservação desse legítimo interesse do réu é novamente o
pedido subsidiário nas contra-razões.”39

Questão pertinente é saber se o Tribunal pode aplicar a Teoria da Causa


Madura (art. 515, § 3º), julgando desde logo a lide que esteja em condições para
tanto. A resposta é positiva, pois o réu já terá tido oportunidade de se defender
amplamente em suas contrarrazões. Nesse caso, essa peça assume verdadeiro
papel de contestação, razão pela qual o princípio do contraditório estará
suficientemente garantido. Portanto, ausente peculiaridade fática que exija produção
de provas na caso concreto, não haveria sentido em determinar a devolução dos
autos ao juízo monocrático, que já se pronunciou a respeito da questão de direito.

FONSECA, João Francisco Naves da. O julgamento liminar de improcedência da


39

demanda (art. 285-A): questões polêmicas. Disponível em http://www.google.com.br/url?


sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F
%2Fnovo.direitoprocessual.org.br%2FfileManager
%2FJoo_Francisco_Naves_da_Fonseca___O_julgamento_liminar_de_improcedncia_da_de
manda_art_285_A.doc&ei=GP_4TLCAIs2r8Ab-
nPSKCQ&usg=AFQjCNE1afNU6K5vw1uiiv67uDMTvgNPvg
Outra dúvida que pode surgir diz respeito à possibilidade de o Relator dar
provimento monocrático ao recurso de apelação quando se defrontar com a situação
do art. 557, § 1º-A, qual seja, decisão recorrida em manifesto confronto com súmula
ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal
Superior. Nesse caso, deve-se reformar a sentença, “reconhecendo-se, desde logo,
razão ao autor, afinando o julgado, de uma vez, à diretriz jurisprudencial superior,
em nome da racionalidade e economia da atividade jurisdicional.”40

40
BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil, volume
2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280,
de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 81.
6. A REJEIÇÃO LIMINAR DA DEMANDA NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL

6.1. REFORMAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O Código de Processo Civil passou por um consistente movimento de


reformas a partir do início dos anos 1990. O escopo de sua remodelação contínua
desde então foi a concretização das premissas postas na Constituição Federal, para
que a tutela jurisdicional pudesse ser mais efetiva e tempestiva, sem pôr em risco a
segurança jurídica.
E para que serviriam as reformas? A nova corregedora do Conselho
Nacional de Justiça, Eliana Calmon, chegou a afirmar que “há um atraso de cem
anos no modelo de julgamento da Justiça brasileira.” Esse diagnóstico precedeu
uma resposta em tom de desabafo para a indagação acima: “é preciso abandonar o
modelo de ser uma Justiça artesanal, de fazer julgamentos longos, com discussões
intermináveis sobre decisões que já estão pacificadas com jurisprudência ou
súmulas vinculantes.”41
Até meados de 2009, apostava-se na continuidade das mudanças
setoriais do Código vigente, como atesta Carlos Alberto Carmona ao comentar os
quinze anos de reformas:

“A primeira dúvida que assalta quem se interessa em reformar um


conjunto sistemático de normas é o caminho a seguir: seria
conveniente propor a redação de um novo código? Seria mais
conveniente reformar o velho código, ainda que correndo o risco de
transformá-lo numa ‘colcha de retalhos’ ou num ‘mosaico’, como
acusaram alguns? A experiência traumática da tramitação do
Código Civil provavelmente serviu de freio para aqueles que
acreditavam na possibilidade de dotar o país de um novo diploma
processual. Com efeito, a demora na revitalização do Código de
Processo Civil seria desastrosa, aumentando de forma insuportável
o que hoje convencionou-se denominar ‘custo Brasil’. A crise do
processo recomendava remédio de ação rápida e, assim, o método
que acabou adotado pelo grupo que se empenhou nas reformas foi
o de apresentar propostas pontuais, que pouco a pouco moldaram a
nova fisionomia do Código de Processo Civil.”42
41
Folha de S. Paulo, A7, 21/09/2010.
42
Reflexões sobre a reforma do código de processo civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 1/2.
As reformas verificadas durante últimas décadas foram fortemente
aplaudidas pela maior parte da doutrina, que as considerou exitosas em seu intuito
de modernizar o processo, tornando-o compatível com as necessidades e as
exigências da vida contemporânea. De fato, era preciso dar ouvidos à sociedade,
que ainda clama por uma justiça menos morosa.
Assim, em relação às reformas, Cândido Rangel Dinamarco diz que

“sua implantação depende da disposição a romper com


preconceitos. As miradas na história das instituições processuais e
em ordenamentos processuais estrangeiros deixam patente que
muito pouco há de universal ou eterno nos técnicas adotadas em
determinado país e em dado momento, sendo irracional o
exagerado apego a dogmas herdados e atualmente cultivados.
Nesse quadro, o desenho do futuro do processo civil brasileiro pode
deixar de ser mero e tolo exercício de uma futurologia irracional para
ser uma futurologia assentada na consciência de certas forças
propulsoras. As previsíveis resistências culturais – que se fazem
sentir sempre que se pensa em inovar – quando bem direcionadas
servirão de prudentes advertências contra excessos ou sandices
inovadoras, mas apesar delas tudo indica que, em certos pontos
muito importantes, o processo civil brasileiro está a caminho de
importantes aperfeiçoamentos.”43

Os preconceitos e resistências culturais a que esse autor se refere


parecem muito bem sintetizados nas palavras de José Ignacio Botelho de Mesquita,
para quem

“o movimento de ataque subterrâneo ao sistema processual


começou na década de 1980. Seu primeiro marco, fadado ao
completo malogro, já então perfeitamente previsível e hoje
desavergonhadamente ocultado, foi a criação dos juizados de
pequenas causas em 1984. De lá para cá sobrevieram mais de 20
anos de sucessivas "reformas" processuais, sempre a pretexto de
conferir celeridade e eficiência ao processo. Na verdade, porém,
sem outro escopo que o de inflar o poderio dos órgãos do Judiciário
e do Ministério Público, chegando ao extremo de quebrar, além da
coluna dorsal do processo civil, cada uma das suas articulações
com o todo, a ponto de autorizar que do processo se dissesse - sem
exagero algum note-se - ter-se transformado em um monstrengo
invertebrado e fotofóbico, avesso às luzes da ciência, surdo às
exigências da experiência concreta e aos reclamos do futuro. Sem
exagero algum? É claro! A perversão do processo tornou-se tão
evidente que acaba de receber certificado oficial, atestado de óbito
do processo, passado pelo presidente do Senado. Reconhecendo
43
Instituições de direito processual civil, volume I. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 313/314
terem as sucessivas reformas conduzido o processo civil à ruptura
fatal do seu sistema, concebeu uma comissão a quem encarregou
da feitura de outro Código de Processo Civil, mandando ao lixo os
trapos e farrapos do Código de 1973. É, pois, público, notório e
oficial o reconhecimento da redução a frangalhos do CPC, de 1973,
mercê da pseudociência que o avassalou.”44

6.2. UM NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Pois bem, nem mesmo transcorreu tempo suficiente para a perfeita


assimilação das mais recentes inovações, como é o caso do próprio art. 285-A, e o
Senado Federal “achou que chegara o momento de reformas mais profundas no
processo judiciário, há muito reclamadas pela sociedade e especialmente pelos
agentes do Direito, magistrados e advogados.”45
Assim, de acordo com o Ato do Presidente do Senado Federal nº 379, em
setembro de 2009 foi nomeada a Comissão de Juristas destinada a elaborar um
Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil. Esse grupo foi presidido pelo
Ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, e contou com a participação de
Teresa Arruda Alvim Wambier (Relatora) Adroaldo Furtado Fabrício Humberto
Theodoro Júnior, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro, José Roberto dos Santos Bedaque
Almeida, José Miguel Garcia Medina, Bruno Dantas, Jansen Fialho de Almeida,
Benedito Cerezzo Pereira Filho, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Elpídio Donizetti
Nunes.
Segundo José Sarney, então presidente do Senado Federal, a comissão
“trabalhou arduamente para atender aos anseios dos cidadãos no sentido de
garantir um novo Código de Processo Civil que privilegie a simplicidade da
linguagem e da ação processual, a celeridade do processo e a efetividade do
resultado da ação, além do estímulo à inovação e à modernização de
procedimentos, garantindo o respeito ao devido processo legal.”

44
Disponível em http://www.anpr.org.br/portal/index.php?
option=com_newsclipping&Itemid=142&task=view&idNoticia=27434&dia=8&mes=1&ano=20
10
45
Anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em
http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf
Os ideais do anteprojeto podem ser assim resumidos: “o tempo é muito
lento para os que esperam e muito rápido para os que têm medo.”46
Observe-se que a iniciativa de elaboração de um novo estatuto
processual civil não interrompeu o movimento de reformas do código vigente. Prova
disso é a edição das Leis nos 12.32247, de 8.9.2010, 12.19548, de 14.1.2010, 12.12549,
de 16.12.2009, e 12.12250, de 15.12.2009.

6.3. REDAÇÃO DO ART. 317 DO ANTEPROJETO

O dispositivo correspondente ao atual art. 285-A do Código de Processo


Civil encontra-se no art. 317 do Anteprojeto, cuja transcrição é medida que se
impõe:

“Art. 317. Independentemente de citação do réu, o juiz rejeitará


liminarmente a demanda se:
I – manifestamente improcedente o pedido, desde que a decisão
proferida não contrarie entendimento do Supremo Tribunal Federal
ou do Superior Tribunal de Justiça, sumulado ou adotado em
julgamento de casos repetitivos;
II – o pedido contrariar entendimento do Supremo Tribunal Federal
ou do Superior Tribunal de Justiça, sumulado ou adotado em
julgamento de casos repetitivos;
III – verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição;
§ 1º Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em
julgado da sentença.
§ 2º Aplica-se a este artigo, no que couber, o disposto no art. 316.”

Embora não seja possível adivinhar se esse será o texto definitivo do art.
317, as melhores em relação ao atual art. 285-A são visíveis.

46
Lição de William Shakespeare dirigida por Luiz Fux ao presidente do Senado Federal.
Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf
47
Transforma o agravo de instrumento interposto contra decisão que não admite recurso
extraordinário ou especial em agravo nos próprios autos.
48
Altera o art. 990, para assegurar ao companheiro sobrevivente o mesmo tratamento legal
conferido ao cônjuge supérstite, quanto à nomeação do inventariante.
49
Acrescenta parágrafo ao art. 1.050, para dispensar, nos embargos de terceiro, a citação
pessoal.
50
Altera o art. 275, incluindo como sujeitas ao procedimento sumário as causas relativas à
revogação de doação.
No Anteprojeto, prevaleceu a sugestão, aqui acatada, de que o
julgamento liminar de improcedência precisa estar de acordo com entendimento
reiterado dos Tribunais superiores. Ou, ao menos, a sentença não poderá contrariar
a jurisprudência dominante. Assim, ficará excluída a livre utilização de precedentes
do “juízo”, como ocorre hoje.
Outro ponto interessante é a exigência de intimação do réu acerca do
trânsito em julgado da sentença. Apesar de não haver previsão nesse sentido na
regra vigente, nada impede que se preste essa informação tão útil ao réu, que ficará
muito satisfeito em descobrir a existência de coisa julgada em seu favor.
7. JURISPRUDÊNCIA ENVOLVENDO O ART. 285-A NO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA

7.1. RECURSO ESPECIAL Nº 780.825/RS

“Processo civil. Busca e apreensão proposta com fundamento em


contrato de financiamento com alienação fiduciária. Demanda
extinta, sem apreciação do mérito, em primeiro grau, antes da
citação do réu. Apelação do requerente. Negativa de provimento e
reforma, de ofício, pelo Tribunal, para o fim de julgar improcedente,
no mérito, a demanda. Impossibilidade.
- É ilegal a decisão do Tribunal que julga improcedente, de ofício, o
pedido formulado em ação de busca e apreensão com fundamento
em contrato de financiamento com alienação fiduciária, na hipótese
em que o juízo de primeiro grau havia extinguido o processo antes
mesmo da citação do réu.
- O julgamento de mérito de uma demanda sem a citação do réu só
veio a ser admitida posteriormente, em hipóteses específicas, pelo
art. 285-A, do CPC, introduzido pela Lei nº 11.277/06, norma essa
que não estava vigente à época do julgamento do processo sub
judice e que, ainda que assim não fosse, não se aplicaria à
controvérsia.
Recurso especial provido.”
(REsp 780.825/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 05/03/2007, p. 282)

Cuida o caso de ação de busca e apreensão de bem objeto de contrato


de financiamento com alienação fiduciária.
Em primeiro grau, o processo foi extinto sem julgamento do mérito, com
fundamento na impossibilidade jurídica do pedido, antes mesmo da citação réu,
conforme possibilita o art. 295, inc. I, do CPC, combinado com o inciso III do
parágrafo único desse mesmo artigo.
Ao julgar o recurso interposto em face dessa sentença, o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento ao apelo do autor. Porém, de ofício,
desconstituiu a decisão de primeiro grau para julgar improcedente o pedido
formulado. Assim, o Tribunal gaúcho analisou e rejeitou o mérito da demanda sem
determinar a citação do réu, sob o argumento de que tal providência seria permitida
pelo art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, por se tratar de matéria unicamente
de direito.
Ocorre que, para Nancy Andrighi, Relatora do recurso especial interposto
pelo autor/apelante, “neste ponto excedeu-se o Tribunal. Não havia, no Código de
Processo Civil, à época em que foi decidido este processo, a possibilidade de se
julgar o mérito de uma ação sem, antes, proceder à citação do réu. Tal possibilidade
apenas surgiu com o acréscimo, promovido pela Lei nº 11.277/2006, do art. 285-A
no CPC, autorizando a extinção do processo com resolução de mérito nas hipóteses
de ajuizamento de demandas idênticas perante o mesmo juízo, nas quais já tenha
sido proferida sentença de total improcedência e em que a matéria discutida seja
exclusivamente de direito. À época do julgamento do processo sub judice, todavia, a
referida regra não existia. A autorização contida no art. 295 do CPC, de que se valeu
o Juízo de Primeiro Grau ao prolatar a sentença, refere-se apenas à extinção do
processo sem a apreciação do mérito.”
Para embasar sua decisão, a Ministra Nancy Andrighi se valeu do
seguinte julgado:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO.


INDEFERIMENTO DA INICIAL. APELAÇÃO. JULGAMENTO DE
MÉRITO. ART. 515, § 3º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE.
1. "Nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito
(art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar
questão exclusivamente de direito e estiver em condições de
imediato julgamento" (art. 515, § 3º, do CPC).
2. Indeferida a petição inicial (art. 295, II, c/c o art. 267, I), não pode
o Tribunal, ao reformar a sentença, julgar, desde logo, o mérito da
causa, tendo em vista a ausência de citação do demandado.
3. Recurso especial a que se dá provimento.”
(REsp 691.488/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/09/2005, DJ 26/09/2005, p. 228)

A Relatora descarta eventual argumento segundo o qual a improcedência


da demanda seria benéfica para o réu não citado. Isso porque

“a regularidade da decisão do mérito da ação tem de levar em conta


a possibilidade de tal julgamento ser revertido em sede de recurso
especial, inclusive em prejuízo do réu. Sem sua citação, isso seria
impossível. A postura adotada pelo aresto recorrido, portanto,
representa uma clara ofensa à norma do art. 515, §3º, do CPC.”

Portanto, tendo em vista que esse dispositivo autoriza o julgamento de


mérito da ação apenas nas hipóteses em que a causa estiver em condições de
imediato julgamento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
“deveria, de duas, uma: (i) ou coadunar com o entendimento do
Juízo de Primeiro Grau, no sentido de que seria juridicamente
impossível a pretensão de busca e apreensão do bem diante da
suposta ausência de mora; ou, (ii) entender que tal ausência é
questão afeita ao mérito da controvérsia, determinando, como
conseqüência, a reforma da sentença para que fosse regularmente
formada a relação processual. Ao julgar improcedente o pedido, o
Tribunal implicitamente reconheceu a presença das condições da
ação e pressupostos processuais, cuja apreciação é prejudicial em
relação ao mérito. Sendo assim, o procedimento correto seria o
descrito no item "ii", supra.”

Por esses motivos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça deu


provimento ao recurso especial e determinou a devolução do processo ao Juízo de
Primeiro Grau.
Nota-se que o juiz da comarca de origem tinha liberdade para julgar
extinto o feito sem exame de mérito. Se formou sua convicção no sentido de que o
caso era de impossibilidade jurídica do pedido, nada mais correto do que reconhecer
de plano a ausência dessa condição da ação e indeferir a petição inicial sem a
participação do réu.
Diante da interposição de recurso de apelação, o magistrado cumpriu o
que está previsto no art. 296 do Código de Processo Civil, encaminhando os autos
ao tribunal competente imediatamente após decidir pela manutenção de sua
sentença no prazo de 48 horas.
Ocorre que aí se encontra a origem do problema: ao considerar o pedido
juridicamente possível, a ausência de citação do réu impedia o Tribunal de julgar o
mérito da causa.
Nesse caso, parece que o Tribunal teria agido de forma mais prudente se,
de ofício, houvesse determinado a citação do réu/apelado para responder ao
recurso, tal como dispõe o art. 285-A, § 2º. Essa providência, além de possibilitar a
ampla defesa e o contraditório, tornaria possível a aplicação do referido art. 515, §
3º, pois apenas assim a causa estaria em condições de imediato julgamento.

7.2. RECURSO ESPECIAL 972.973/RS


“RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL E DIREITO
ADMINISTRATIVO – SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES –
TELEFONIA FIXA – TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA – VIOLAÇÃO
DOS ARTS. 165, 458 E 535, I E II, DO CPC – OFENSA A DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS.
1. Descabe ao STJ, em sede de recurso especial, analisar possível
ofensa a dispositivo constitucional.
2. Acórdão recorrido que deixou de analisar questões oportunamente
suscitadas em torno do art. 285-A do CPC e que, em tese, poderiam levar
o julgamento a um resultado diverso.
3. Retorno dos autos ao Tribunal a quo para suprir omissão.
4. Recurso especial provido conhecido em parte e, nessa parte, provido.”
(REsp 972.973/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
julgado em 12/02/2008, DJe 22/02/2008)

Em primeiro grau, foi julgada improcedente, nos termos do art. 285-A,


ação declaratória de nulidade de cobrança de tarifa básica mensal, cumulada com
pedido de repetição de indébito.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento ao recurso
de apelação interposto pelo autor, sob o argumento de que não restou configurada
ilegalidade ou abusividade na cobrança, pois a relação de prestação de serviços de
telefonia fixa foi estabelecida entre a empresa telefônica e o consumidor.
A parte autora, desde a apelação, sustentou que não foram apreciadas as
questões fáticas deduzidas a partir dos documentos por ela juntados, que
comprovariam que a empresa concessionária de telefonia teria descumprido as
disposições legais do Código de Defesa do Consumidor e da Resolução 85/98 da
Anatel. Segundo essa norma, a ré é obrigada, no contrato de adesão firmado com o
usuário, a prever os valores das tarifas ou preços que cobra, o que não teria
ocorrido. Além disso, afirmou que o contrato de adesão sequer foi aprovado pela
Anatel. Por isso, concluiu que não poderia ter sido sentenciado o feito com amparo
no art. 285-A do Código de Processo Civil.
Nos embargos de declaração voltou o recorrente a suscitar a questão e o
Tribunal, não obstante ter sido oportunamente levantado o tema, deixou de
pronunciar-se especificamente a respeito da aplicabilidade do art. 285-A.
Ao decidir o recurso especial, a Relatora Eliana Calmon considerou que

“o julgador não está obrigado a responder a questionário da parte,


mas não pode deixar de se manifestar sobre questão
oportunamente suscitada e que, em tese, poderia levar o julgamento
a um resultado diverso. Daí ter ocorrido, in casu, violação aos arts.
165, 458, II, e 535 do CPC.”
Com essas considerações, conheceu em parte do recurso especial e,
nessa parte, deu-lhe provimento, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal a
quo a fim de suprir omissão.

7.3. RECURSO ESPECIAL Nº 976.143/RS

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TARIFA DE


ASSINATURA BÁSICA MENSAL. RECURSO ESPECIAL. ARTS.
165, 458 E 535, I E II, DO CPC.
VIOLAÇÃO.
1. Quando o acórdão recorrido deixa de analisar questões
oportunamente suscitadas em torno do art. 285-A do CPC que, em
tese, poderiam levar o julgamento a um resultado diverso, devem os
autos retornar ao Tribunal de origem para suprimento da omissão.
2. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.”
(REsp 976.143/RS, Rel. MIN. CARLOS FERNANDO MATHIAS
(JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA,
julgado em 18/03/2008, DJe 04/04/2008)

O presente caso é semelhante ao analisado no item anterior. Ambos têm


por objetivo a declaração de ilegalidade da cobrança da tarifa denominada
assinatura básica mensal de telefonia fixa, bem como a restituição das quantias
pagas.
Assim como decidiu a Ministra Eliana Calmon no julgamento do RESP
972.973/RS, o Relator Carlos Fernando Mathias considerou que

“embora não esteja o julgador obrigado a pronunciar-se sobre todas


as alegações das partes, não pode deixar de se manifestar sobre
questão oportunamente suscitada e que, em tese, poderia levar o
julgamento a um resultado diverso. Daí configurar, in casu, a
violação aos arts. 165, 458, II, e 535 do CPC.”

7.4. RECURSO ESPECIAL Nº 984.552/RS


Tendo em vista os dos dois casos acima, parecia que a Segunda Turma
do Superior Tribunal de Justiça havia firmado posição no sentido de que, nas
hipóteses de julgamento liminar de improcedência, os órgãos de segundo grau
deveriam analisar expressamente as questões relativas ao preenchimento dos
requisitos de aplicação do art. 285-A, sob pena de nulidade do acórdão.
Todavia, ao julgar novamente a questão pertinente à legalidade da tarifa
básica mensal de telefonia fixa, a Ministra Eliana Calmon reviu seu posicionamento,
conforme se depreende da seguinte ementa:

“RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL E DIREITO


ADMINISTRATIVO – SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES –
TELEFONIA FIXA – TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA –
VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 E 535, I E II, DO CPC – OFENSA
A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS.
1. Descabe ao STJ, em sede de recurso especial, analisar possível
ofensa a dispositivo constitucional.
2. Acórdão recorrido que deixou de analisar questões
oportunamente suscitadas em torno do art. 285-A do CPC mas que,
em razão do entendimento consolidado nesta Corte, adotado
inclusive pelo Tribunal de origem, não poderiam levar o julgamento a
um resultado diverso. Ausência de utilidade do retorno dos autos à
origem.
3. Recurso conhecido em parte e, nessa parte, não provido.”
(REsp 984.552/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 06/03/2008, DJe 25/03/2008)

Ao decidir o recurso especial, a Relatora considerou que, no mérito, o


Tribunal de origem adotou entendimento consentâneo com o consolidado no
Superior Tribunal de Justiça. Por isso, não vislumbrou utilidade no pedido de retorno
dos autos ao Tribunal para que se manifestasse acerca da matéria relativa ao art.
285-A.
Em suas palavras:

“é certo que o julgador não está obrigado a responder a questionário


da parte, mas não pode deixar de se manifestar sobre questão
oportunamente suscitada e que, em tese, poderia levar o julgamento
a um resultado diverso, o que não é o caso dos autos, pois o
Tribunal de origem adotou entendimento consentâneo com o
consolidado nesta Corte.”

Assim, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça negou


provimento à parte conhecida do recurso especial.
Cabe observar que este julgado representa valioso avanço em relação ao
foi decidido nos Recursos Especiais 972.973/RS e 984.552/RS, pois prestigiou o
direito material e a orientação jurisprudencial pacificada na Corte superior. De nada
adiantaria anular um acórdão que julga questão exclusivamente de direito, como é a
da legalidade da assinatura mensal de telefonia fixa, e que está em consonância
com a jurisprudência predominante dos tribunais superiores.

7.5. RECURSO ESPECIAL Nº 1.110.549/RS

“RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO


ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE
SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA.
SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS.
POSSIBILIDADE.
1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de
processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no
aguardo do julgamento da ação coletiva.
2.- Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º,
103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do
Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se
harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da
potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal
resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil,
com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n.
11.672, de 8.5.2008).
3.- Recurso Especial improvido.”
(REsp 1.110.549/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 14/12/2009)

Causou celeuma na comunidade jurídica o posicionamento adotado pela


maioria dos integrantes da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, segundo
o qual “para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, ajuizada ação coletiva, suspendem-
se as ações individuais até o julgamento da ação coletiva.”
De acordo com o voto do Relator, Ministro Sidnei Beneti, a legislação
atual permitiria a suspensão do andamento de milhares de processos individuais,
para o aguardo de prévio julgamento da mesma tese jurídica de fundo neles contida.
Assim, o julgamento definitivo da macro-lide multitudinária dispensaria a apreciação
da mesma questão inúmeras vezes, evitando verdadeiro estrangulamento dos
órgãos jurisdicionais, em prejuízo da totalidade dos jurisdicionados.
Para o Ministro Sidnei Beneti,

“o mais firme e decidido passo recente no sentido de ‘enxugamento’


da multidão de processos em poucos autos pelos quais seja julgada
a mesma lide em todos contida veio na recente Lei dos Recursos
Repetitivos (Lei 11.672, de 8.5.2008), que alterou o art. 543-C do
Código de Processo Civil, para quando houver multiplicidade de
recursos com fundamento em idêntica questão de direito.”

Ainda segundo o Relator,

“no atual contexto da evolução histórica do sistema processual


relativo à efetividade da atividade jurisdicional nos Tribunais
Superiores e nos próprios Tribunais de origem, as normas
processuais infraconstitucionais devem ser interpretadas
teleologicamente, tendo em vista não só a realização dos direitos
dos consumidores mas também a própria viabilização da atividade
judiciária, de modo a efetivamente assegurar o disposto no art. 81
do Código de Defesa do Consumidor, de forma que se deve manter
a orientação firmada no Tribunal de origem, de aguardo do
julgamento da ação coletiva, prevalecendo, pois, a suspensão do
processo, tal como determinado pelo Juízo de 1º Grau e confirmado
pelo Acórdão ora recorrido.
Atualizando-se a interpretação jurisprudencial, de modo a adequar-
se às exigências da realidade processual de agora, deve-se
interpretar o disposto no art. 81 do Código de Defesa do
Consumidor, preservando o direito de ajuizamento da pretensão
individual na pendência de ação coletiva, mas suspendendo-se o
prosseguimento desses processos individuais, para o aguardo do
julgamento de processo de ação coletiva que contenha a mesma
macro-lide. A suspensão do processo individual pode perfeitamente
dar-se já ao início, assim que ajuizado, porque, diante do julgamento
da tese central na Ação Civil Pública, o processo individual poderá
ser julgado de plano, por sentença liminar de mérito (CPC, art. 285-
A), para a extinção do processo, no caso de insucesso da tese na
Ação Civil Pública, ou, no caso de sucesso da tese em aludida ação,
poderá ocorrer a conversão da ação individual em cumprimento de
sentença da ação coletiva.”

Dessa forma, vê-se que o Relator do Recurso Especial 1.110.549/RS tem


forte apreço pelas novas tendências do direito processual, chegando ao ponto de
defender a suspensão do processo individual tão logo seja distribuído. Tudo para dar
preferência ao julgamento da ação coletiva que trata de matéria comum. De fato, é
mais sensato aguardar o deslinde da macro-lide representativa da controvérsia do
que dar continuidade a milhares de ações que, no fim das contas, deverão se
submeter ao que os tribunais superiores vierem a decidir.
Como observado acima, o art. 285-A foi um dos fundamentos desse
polêmico acórdão. O raciocínio parece perfeito: se uma questão de direito for
decidida em sede de ação coletiva de forma contrária à pretensão de um
determinado grupo (ex: legalidade da tarifa básica mensal de telefonia fixa), a
tramitação das diversas ações individuais que tratam da mesma matéria terá sido
inútil.
Como medida de política judiciária e racionalização da marcha
processual, é preferível a suspensão das ações individuais logo em seu nascedouro,
antes da citação do réu. Isso porque, dependendo do que restar decidido na ação
coletiva, poderão ser julgadas improcedentes de plano, sem onerar toda a
sociedade.
Ademais, seja qual for o resultado da ação coletiva, a suspensão das
ações individuais sempre trará maior segurança jurídica, haja vista a impossibilidade
de surgirem decisões contraditórias sobre uma mesma matéria.
Em que pese a argumentação defendida pelo Relator, deve-se dar
ouvidos às indagações lançadas pelo Ministro Fernando Gonçalves, único a divergir
da maioria: “a) teria a titular do direito individual de submeter-se aos interesses de
uma ação coletiva? b) Seria a transmigração do individual ao coletivo de natureza
impositiva?”
Ele mesmo responde:

“Penso que não. Antes mesmo de se analisar que ação coletiva


traria as conseqüências benéficas ao Tribunal de Justiça de origem,
livrando-o de centenas e centenas de ações idênticas e este
Tribunal Superior de iguais números de recursos que seriam
incorporados a outras dezenas e dezenas de milhares de processo,
não creio que se devam violar princípios fundamentais da cidadania,
preconizado no inciso II do art. 1º da Constituição Federal. O direito
à cidadania deve ser exercido nos limites da lei, certo de que
‘ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei’ (art. 5º, inciso II da Constituição Federal).
A admissibilidade por parte da titular do direito de ação à
substituição processual, disciplinada na Ação Coletiva, tem natureza
facultativa. E, sendo de natureza facultativa, não pode a ação
individual sofrer suspensão impositiva, se assim não o desejar o
titular do direito material. Tem ela o direito de ver prosseguir a sua
ação individual e os Tribunais não podem negar-lhe a jurisdição
buscada porquanto “A lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, inc. XXV, CF). (...) Não
há como se considerar o acúmulo de ações a serem julgadas, o
assoberbamento dos tribunais, como princípio maior do que os
direitos constitucionais assegurados ao cidadão e que a eles
afrontam.”

Assim como o Ministro Fernando Gonçalves, a maior parte da doutrina é


contrária à submissão obrigatória das ações individuais a uma determinada ação
coletiva.
Neste sentido, ensina Ada Pellegrini Grinover que

"mesmo sendo ela favorável e projetando-se seus efeitos erga


omnes ou ultra partes (nos termos dos incis. I a III do art. 103 c/c
seus §§ 1º e 2º), o autor que já pôs em juízo sua ação individual e
que pretenda vê-la prosseguir em seu curso, não será beneficiado
pela coisa julgada que poderá eventualmente formar-se na ação
coletiva".51

Igualmente, ensina Hugo de Nigro Mazzilli que nas ações coletivas que
versem sobre interesses individuais homogêneos, em que se cogite de
litispendência com as ações individuais dos lesados que visem à reparação do
prejuízo divisível, naquilo que tenha de idêntico com o dos demais lesados, "se o
autor da ação individual preferir não requerer sua suspensão, sua ação prosseguirá
e não será afetada pelo julgamento da ação coletiva, mas se preferir a suspensão da
ação individual, poderá habilitar-se como litisconsorte na ação coletiva".52
O Desembargador Gilberto dos Santos, integrante da 11ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, invoca ainda a celeridade para
defender o prosseguimento das ações individuais:

“A simples propositura de ação coletiva é insuficiente para justificar


a suspensão das ações individuais que estão em trâmite no primeiro
grau de jurisdição, ainda que tenham objeto idêntico, sob pena de
afronta ao princípio constitucional da celeridade processual. Isso
porque, não raro, as ações individuais são julgadas (e até mesmo
cumpridas) antes da ação coletiva, de modo que a suspensão
acarretaria enormes prejuízos às partes e a efetividade da justiça.
Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor é categórico ao
estabelecer no seu artigo 104 que as ações coletivas não induzem
litispendência, portanto devendo a ação individual prosseguir.”
(Agravo de Instrumento nº 990.10.159384-0, j. 24/06/2010).

51
"Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do Anteprojeto,
5ª Ed. Revista e Ampliada, pág. 733"
52
"A defesa dos interesses difusos em juízo, Ed. Saraiva, pág. 161"
7.6. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 31.585/PR

“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO DE ICMS.


PRECATÓRIO CEDIDO. DECRETO 418/2007. INDEFERIMENTO
LIMINAR DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. O indeferimento liminar da inicial do mandado de segurança pode
ocorrer tanto pela não observância das regras processuais para o
processamento do feito - ensejando a denegação do mandamus sem
apreciação do mérito - como também pelo reconhecimento da decadência
e pela aplicação do art. 285-A, do CPC, resultando no julgamento liminar
de mérito. Aplica-se, subsidiariamente, o Código de Processo Civil ao
procedimento previsto para a ação mandamental.
2. O julgamento da demanda com base no art. 285-A, do CPC, sujeita-se
aos seguintes requisitos: i) ser a matéria discutida exclusivamente de
direito; ii) haver o juízo prolator do decisum julgado improcedente o
pedido em outros feitos semelhantes, fazendo-se alusão aos fundamentos
contidos na decisão paradigma, demonstrando-se que a ratio decidendi ali
enunciada é suficiente para resolver a nova demanda proposta.
3. No caso, o acórdão recorrido indeferiu a inicial, ao argumento de que
não havia direito líquido e certo à compensação do tributo, tendo em vista
precedente da Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná, que reconheceu a constitucionalidade do Decreto 418/2007. Não
se indicou expressamente a aplicação do art. 285-A, do CPC, nem houve
menção aos fundamentos de decisões anteriormente proferidas pelo
mesmo juízo em processos semelhantes.
4. O aresto impugnado deve ser anulado para que seja reapreciada a
petição inicial do mandado de segurança, à luz dos dispositivos
processuais incidentes na espécie.
5. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.”
(RMS 31.585/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA,
julgado em 06/04/2010, DJe 14/04/2010)
CONCLUSÃO

Conclui-se esta dissertação com a esperança de que tenha sido útil ao


leitor.
Como visto, um único artigo de lei pode suscitar infinitas questões,
cabendo ao intérprete optar pelos caminhos que melhor satisfaçam a finalidade do
processo, mero meio para a concretização do direito material.
O art. 285-A, a despeito das imprecisões técnicas, é regra que veio para
ficar. Prova disso é a sucessão de normas de abreviação e aceleração do processo,
resguardados os princípios e garantias constitucionais.
Espera-se que a magistratura não hesite em utilizar desta faculdade que a
lei lhe confere, que beneficia toda a coletividade ao abreviar a tramitação de
processos sabidamente improcedentes e que apenas assoberbam os tribunais
pátrios.
9. BIBLIOGRAFIA

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Paulo: Saraiva, 2006.

BRESOLIN, Umberto Bara. Reflexões sobre a reforma do código de processo civil.


(Coord. Carlos Alberto Carmona). São Paulo: Atlas, 2007.

BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil,


volume 2: comentários sistemáticos às leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-
2006, e 11.280, de 16-2-2006. São Paulo: Saraiva, 2006.

CARMONA, Carlos Alberto. Reflexões sobre a reforma do código de processo civil.


São Paulo: Atlas, 2007.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,


Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 12 ed. Salvador: Podivm,
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DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário de direito processual. Fundamentos do


Processo Civil Moderno. São Paulo: Malheiros, 2001. v. 1.

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