Para se responsabilizar juridicamente um cirurgião-dentista por um fato danoso a
um paciente, deve-se concluir pela presença dos três elementos caracterizadores da responsabilidade civil, a saber: conduta (culposa), dano e nexo de causalidade, acrescidos de um quarto pressuposto: o ato lesante. Não há como se atribuir o evento danoso à conduta do cirurgião-dentista se este não agiu com imprudência, imperícia ou negligência, realizando corretamente os procedimentos os quais se propunha executar. Não se configura um dever de reparar prejuízos. Ao paciente cabe o ônus de comprovar que o cirurgião-dentista, pelo seu proceder ou pela técnica empregada, deu azo aos danos sofridos, pois a odontologia é uma atividade que, na sua relação contratual de prestação de serviços odontológicos aos pacientes, tem, como regra geral, por objeto destes contratos obrigações de meios. Ausente, pois, esta prova não há como se responsabilizar o profissional desta área, se este, inclusive, conseguir demonstrar que agiu de acordo com os procedimentos técnicos recomendados para o caso. Não se demonstrando que um dano ocorrido tenha decorrido da falta de diligência no trato com o paciente, não há porque se responsabilizar o cirurgião-dentista pela lesão sofrida pelo mesmo. A culpa é um descumprimento de um dever que o odontólogo podia conhecer e não devia descurar de cumpri-lo. Inexistirá obrigação de indenizar quando o cirurgião-dentista no exercício de sua função não teve uma conduta culposa, ou seja, não atuou com imperícia, imprudência ou negligência. A imprudência é um agir precipitado, açodado, uma falta de prudência no atuar, é uma atitude comissiva; a imperícia é uma inabilidade técnica, uma falta de perícia na atuação do médico - é um despreparo profissional; a negligência trata-se de uma indolência no atuar, a manifestação de uma preguiça psíquica, uma falta de diligência no agir, é um ato omissivo. Se o tratamento foi consentâneo com o que o quadro odontológico apresentado exigia não há do que inculpar o profissional. Também a ausência de nexo causal entre o ato deste e o dano ao paciente exime de ser responsabilizado o profissional. Se faz, sempre, imperiosa a demonstração do nexo causal entre a ação ou omissão e o dano. Se inexistir nexo causal – relação de causa e efeito - entre os alegados danos sofridos e a conduta imputada ao cirurgião-dentista queda improvado que a ação do profissional foi a responsável pelo prejuízo experimentado pelo paciente, eximindo-se este da responsabilidade de ressarcir o prejuízo. Os danos podem ser materiais e morais. O dano material será afastado frente à ausência de demonstração através de documentação idônea, da existência do mesmo. Os danos materiais necessitam da comprovação, pois ditos danos não se sujeitam a presunções nem se caracterizam por mera hipótese, pois resultam da efetiva lesão aos bens ou interesses patrimoniais. O dano moral, por sua vez pode, até, ficar caracterizado, tão só pela presença de um dano estético ou pela existência de um abalo psicológico sofrido. A obrigação do cirurgião-dentista não é, porém, sempre de meios, como ocorre em certas especialidades odontológicas. É o que acontece na especialidade de Endodontia, onde o serviço prestado por este não é vinculado especificamente ao resultado, e sim ao emprego de todos os elementos disponíveis indicados tecnicamente para alcançar a cura. A culpa do profissional surge da inobservância dos cuidados necessários a teor do prescrito no artigo nº951 (“O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização, devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”) do Código Civil brasileiro e no artigo nº186 (“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”) do mesmo Código. Mas, determinadas especialidades odontológicas se caracterizam por ter como objeto da relação contratual uma obrigação de resultado. Pode-se admitir, com prévia análise das circunstâncias do caso concreto, que os contratos de prestação de serviços odontológicos contêm, implícita, uma cláusula de incolumidade do paciente, consubstanciada no dever de cumprimento do tratamento necessário - adequado - sem causar o agravamento da situação ostentada pelo paciente. Portanto, o contrato de prestação de serviços odontológicos constitui-se numa obrigação de meios, ou, em certas ocasiões da atividade profissional odontológica, dependendo do caso, de resultado. E, da lei, transcrevemos de nosso Código Civil, o artigo nº422, verbis: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”. E, nada mais adequado que estabelecer legalmente a necessidade da presença da boa-fé na vontade - no atuar - dos contratantes pois esta visa proteger as expectativas legítimas, dos mesmos, no contrato. Por esclarecedor, adicionamos o ensinamento sobre o aspecto contratual da relação do cirurgião-dentista com o paciente, de Ida T. P. Calvielli: “Assim a obrigação contratual do cirurgião-dentista compreende, fundamentalmente, a realização do serviço convencionado (e que consiste no seu plano de tratamento) que poderá ser considerada cumprida, em determinados casos, se o profissional agiu com zelo e diligência (obrigação de meio). Em outros somente o resultado desobrigará o profissional” (Responsabilidade Profissional do Cirurgião Dentista, in: COMPÊNDIO DE ODONTOLOGIA LEGAL. Moacyr da Silva (Coordenador), Rio de Janeiro: Editora MEDSI, 1997, p.402-03). E, enfatizamos o que diz ainda Ida Calivielli: “A obrigação contratual do cirurgião- dentista, portanto, compreende o dever de executar o serviço convencionado obedecendo à adequação técnica e científica” (op.cit., p.404). Mas certo é que demonstrado que os sofrimentos físicos e morais padecidos por um paciente após tratamento odontológico a que for submetido decorreram de imperícia, negligência ou imprudência do profissional, ficará caracterizado o dever deste de indenizar o mal causado, eis que presente o elemento integrador da responsabilidade civil, a culpa. Em sede de relação de consumo, portanto sob a égide do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº8.078, de 11/09/1990), em seu artigo nº14, no parágrafo 4º (“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa), que o afirma explicitamente, há que se provar a culpa do profissional liberal. E, profissional liberal que é, aí está situado o cirurgião-dentista. A responsabilidade civil do cirurgião-dentista pode se dar pelo fato de terceiro, como diz o Código Civil brasileiro, em seu artigo 932, no inciso III, verbis: “São também responsáveis pela reparação civil: (...) III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;”, podendo levar o cirurgião-dentista a ser responsabilizado pelos danos causados ao paciente por outrem. Enfatize-se, aqui, a responsabilidade civil do cirurgião-dentista pelo fato de terceiro, nos termos deste artigo, no que tange aos seus auxiliares, e até no que se relaciona aos cirurgiões-dentistas que executam, conjuntamente ou isoladamente, serviços nos seus pacientes. Ele tem responsabilidade tanto in eligendo, ou seja, tem o dever de escolher bem aqueles que vão lhe auxiliar na sua azáfama diária junto aos pacientes, como também tem responsabilidade in vigilando, qual seja, a de supervisionar, vigiar e fiscalizar a atividade dos mesmos. Estando presentes os quatro elementos, que compõe a responsabilidade subjetiva (teoria do dano), a saber, ato lesivo, dano, nexo causal e culpa ao agir, fica certo que é necessário que o profissional tenha que ressarcir o paciente dos prejuízos decorrentes do seu serviço imperfeito. Podem ocorrer danos materiais para o paciente, em decorrência de um serviço odontológico mal executado, como também danos morais. O arbitramento, tarefa sensível, pelo julgador, da indenização pelos danos morais deve ser moderado e eqüitativo, atento às circunstâncias de cada caso, evitando que se converta a dor em instrumento de lucro (de lucro capiendo), levando-se, porém, sempre em consideração as dores, a vergonha, o constrangimento suportados pelo autor da ação judicial, inclusive verificando-se o quanto estes se prolonguem no tempo. Se mal executado um serviço, isto implicará na devolução do valor cobrado, ou seja, ressarcimento dos danos materiais, podendo caracterizar-se, até, a necessidade da indenização por danos morais. A responsabilidade civil pelo fato da coisa, na atividade do cirurgião-dentista, é prevista em nosso Código Civil brasileiro, numa interpretação extensiva, do artigo nº938 do Código Civil brasileiro: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido”. Procedendo a execução de serviço com material inadequado, pode-se atribuir a este a responsabilidade pelo fato da coisa, gerando a necessidade de ressarcir os danos causados. O mesmo se pode dizer do equipamento que utiliza. O procedimento odontológico de colocação de prótese dentária, diante da finalidade para a qual é destinado, tem merecido tratamento pelo nosso ordenamento jurídico como uma obrigação de resultado. A responsabilidade decorrente do fato do serviço implica, frise-se, na reexecução por conta do prestador do serviço defeituoso, ou restituição da quantia paga, em caso de insucesso no tratamento. Para o entendimento do que sejam obrigações de meios e obrigações de resultado, veja-se o escólio de Marcelo Leal de Lima Oliveira: “Foi Demogue – nota do autor: jurista francês René Demogue que em 1925 divulgou a classificação das obrigações contratuais em obrigações de meios e obrigações de resultado – o primeiro a fazer a distinção entre obrigações de meio e de resultado. Para ele, há uma obrigação de meio quando a própria prestação nada mais exige do devedor além de, pura e simplesmente, empregar determinados meios sem se importar com os resultados. Nas obrigações de resultado, o devedor se obriga a realizar um fato determinado, a atingir certo objetivo” (RESPONSABILIDADE CIVIL ODONTOLÓGICA. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.71-72). E, o mesmo Marcelo Oliveira complementa: “Assim, pode-se afirmar que as obrigações de resultado são aquelas em que, além do esforço necessário, o devedor se obriga a atingir determinado resultado útil de sua atividade. (...) As obrigações de meio, por sua vez, são aquelas em que o devedor se obriga a utilizar-se de suas habilidade técnicas e capacidade pessoal para a realização de determinado fim, não estando, contudo, sua obrigação vinculada ao resultado final desta atividade” (op.cit., p.72-73). O caso fortuito e a força maior eximem o profissional de ser responsabilizado pelos danos porventura sofridos pelo paciente como bem diz o artigo n°393 do Código Civil pátrio, verbis: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Também a culpa exclusiva do paciente exime o profissional. Além disso, o Código Civil brasileiro prevê, em seu artigo de nº944 (“A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”) que na determinação do “quantum debeatur” (valor pecuniário a ser pago ao prejudicado) seja levado em consideração o grau de culpa do agente lesante. A realidade atual nos tribunais brasileiros, faz sobressair deste contexto uma tendência dos tribunais de, no caso concreto, em situações jurídicas da postulação de ressarcimento de prejuízos causados por cirurgião-dentista, analisarem as circunstâncias peculiares de cada tratamento, para só assim optar entre considerar a obrigação, no que se refere àquela pela qual este se comprometeu com o seu paciente, como sendo de meios ou de resultado. Este parece ser o entendimento jurisprudencial e doutrinário. Em certas especialidades os tribunais brasileiros despegam-se da interpretação de que a obrigação do cirurgião-dentista seja de meios e aceitam tratar, em termos jurídicos, e dentro do processo judicial, que a mesma seja uma obrigação de resultado, com a evidente implicação legal, no campo processual, de ocasionar o que é ditado pela doutrina pátria: a inversão do ônus da prova. Em conseqüência desta inversão do ônus de fazer prova no processo, passa a ser atribuição, quando em juízo, do cirurgião-dentista eximir-se, através do devido conjunto probatório, de ter atuado com negligência, imprudência ou imperícia, comprovando que o eventual insucesso no tratamento odontológico, se existente, deveu-se ao caso fortuito (casus), força maior (vis major), ou mesmo culpa exclusiva do paciente. Existe uma listagem oficial de especialidades integrantes do exercício profissional da Odontologia expressa na Resolução n°63/2005, do Conselho Federal de Odontologia, no artigo nº39. Dentre elas consegue-se identificar quais especialidades são aceitas, como tendo por objeto contratual, via de regra, uma obrigação de resultado. As especialidades de Implantodontia e, também é admitido, Prótese Dentária, estão entre aquelas que apresentam-se como regidas na relação contratual por uma obrigação de resultado, ainda que não se exclua a aleatoriedade nestes tratamentos, mesmo que numa pequena proporção, e portanto, sendo aceita a possibilidade de não se obter ao final do tratamento o objetivo terapêutico perseguido pelo cirurgião-dentista, e esperado pelo paciente. A aleatoriedade - a álea - que, sempre, vai ter a possibilidade de se inserir na evolução dos tratamentos odontológicos, é devida à possível imprevisibilidade dos fenômenos biológicos das estruturas orgânicas, que são o campo de atuação do cirurgião-dentista. Além destas especialidades descritas como tendo uma obrigação de resultado, com as devidas ressalvas feitas, podemos citar como colocadas situando-se entre as especialidades cujo objeto jurídico do contrato de serviços odontológicos afigura-se, predominantemente, como sendo uma obrigação de resultado estas: Dentística Restauradora, Odontologia em Saúde Coletiva, Odontologia Legal, Patologia Bucal, e Radiologia. E, tendo como seu objeto contratual, preferencialmente - conceitualmente - uma obrigação de meios estas: Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais, Endodontia, Odontopediatria, Periodontia, Ortodontia, Prótese Buco-Maxilo-Facial, Estomatologia, Disfunção Têmporo-Mandibular e Dor Oro-Facial, Odontologia do Trabalho, Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, Odontogeriatria e Ortopedia Funcional dos Maxilares. Emerge do exposto que a tendência dos julgadores em nosso país, mesmo respeitando, e levando em consideração, na avaliação da lide, a inclusão em um ou outro grupo, no que tange à qualidade da obrigação contratual (de meios ou de resultado) que se estabelece entre o cirurgião dentista e o paciente, é avaliar as características do caso concreto, como sói acontecer nas lides jurídicas, ao manejar processualmente as postulações judiciais de ressarcimento, pelos pacientes, em termos de insucesso em tratamentos odontológicos. NERI TADEU CAMARA SOUZA ADVOGADO E MÉDICO DIREITO DA SAÚDE Rua Upamaroti, 649 - Porto Alegre - RS - CEP 90820-140 Telefones: 0xx51.3247.2572/3247.2530 E-mail: resp@via-rs.net Autor do livro: RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DO MÉDICO - 2ª edição - 2006 - LZN Editora - Campinas - SP - Site: lzn.com.br