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que a distribuição de votos entre “esquerda” e “direita”, tal como os eleitores
revelam percebê-las em pesquisas eleitorais, aproxima-se das proporções de
deputados federais pertencentes aos partidos percebidos como situando-se em
cada categoria. Contudo, serão indícios como esse suficientes, em combinação
com as constatações de Singer, para considerar “ideológico” o eleitorado
brasileiro, ou ver a presença forte da ideologia no condicionamento da decisão
eleitoral?
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sabem, a correlação inicial do voto com a identificação esquerda-direita se
intensificará entre os que sabem, enquanto se reduzirá ou eventualmente
desaparecerá entre os que não sabem.
Sartori é mal lido por Singer, que o invoca para assimilar (p. 37)
“identificação ideológica” com imagem e esta com a idéia de um eleitorado
“cognitivamente pouco estruturado”. Na própria passagem de Sartori citada
por Singer a respeito, entretanto, a importância das imagens partidárias para o
voto aparece condicionada a que a política “se desenvolva”, o eleitor adquira
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“capacidade de abstração” e o sistema partidário seja estruturado de modo
efetivo por partidos de massas. Na verdade, a propósito da comparação das
orientações partidário-eleitorais na América do Norte e na Europa, Sartori
relaciona mesmo explicitamente a capacidade (note-se bem) de situar-se na
escala esquerda-direita a “populações de elite”, tais como os estudantes
universitários (e o eleitorado europeu em geral), embora sustente que se pode
atingir o ponto em que o simbolismo emocional das imagens ideológicas
sobrepuje sua função cognitiva (vejam-se, por exemplo, as páginas 341 e 354,
nota 55, de Parties and Party Systems).
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contraposição singela entre “ricos” e “pobres” que estudos anteriores há muito
nos mostram em operação no eleitorado popular brasileiro (que certamente
sabe o que significa ser rico ou ser pobre) e da qual continua a valer-se o
nosso velho populismo: haverá aí algo relevante para as verificações que
Singer relata? Isso permite assinalar que o trabalho de Singer furta-se
inteiramente ao diálogo adequado com estudos brasileiros anteriores em que,
como nos de minha própria autoria, são perseguidos os matizes de
identificações políticas diversas e estáveis que diferem, justamente, em sua
articulação com os fatores de maior ou menor sofisticação intelectual e com a
capacidade de apropriada compreensão de questões políticas específicas
(issues) de natureza variada.
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SIMPLES E TORTO
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tentar apontar os simplismos e exageros quanto à leitura dessa possível
ideologização que resultam dos defeitos da análise de Singer.
Singer afirma que “fez o teste” (onde? quais são os números?) e que a
correlação entre os desinformados é “fortemente significativa”. Ora, essa
reiteração do uso ritualista de coeficientes de significação, em que o livro é
abundante, ilustra o equívoco banal de esquecer que a significação estatística,
a qual se refere a erro amostral, não tem nenhuma conexão necessária com a
intensidade das correlações: correlações fracas podem ser significativas. No
“teste” feito, como se comparam, do ponto de vista da intensidade, as
correlações que se dão nos casos dos informados e dos desinformados? A
possibilidade que avento tem a ver com algo substantivo: mesmo numa boa
amostra (ou no universo...), eleitores desinformados podem, sim, estabelecer
por acaso a correspondência “correta” entre o voto e a autolocalização,
particularmente tratando-se de categorias pouco numerosas em ambas as
variáveis. Não vejo como se poderá negar tal possibilidade, quanto à qual
coeficientes de significação nada acrescentam.
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mesmo não sendo capaz de verbalizá-lo, o eleitor teria a percepção “intuitiva”
do conteúdo de “esquerda” e “direita”, esse algo não pode ser senão que tal
eleitor se encontraria em níveis intermediários de cognição, diferentes dos do
eleitor que não tem sequer essa intuição. Ora, o que nos interessa são
precisamente os matizes que o eleitorado apresenta a respeito. Trabalhos
anteriores já foram, quanto a isso, muito além de André Singer, revelando a
articulação de níveis diversos de cognição e estruturação ideológica com
condições socioeconômicas distintas e seus efeitos sobre o voto. “Dialogar
adequadamente” com esses trabalhos seria levá-los em conta e procurar
avançar com respeito a eles. E caberia esperar que André Singer, para
esclarecer a “relevância” de esquerda e direita, tratasse, quem sabe, de
mostrar-nos como a operação dessas categorias se relaciona com os matizes já
estabelecidos.
Vale talvez a pena esperar uma segunda edição revista. Bem revista.