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RESUMO
A erosão dentária ou perimólise é uma lesão caracterizada pela dissolução do esmalte e dentina causada por
ácidos de origem interna ou externa ao organismo humano que não envolve ação bacteriana. O quadro está
relacionado a uma ingestão freqüente de alimentos ácidos ou à exposição aos produtos estomacais resultado de
vômitos e/ou regurgitações freqüentes. As causas destes últimos envolvem distúrbios gastroesofágicos decorrentes
do uso de medicamentos, gestação, indigestão crônica, hérnias de hiato, doença do refluxo gastroesofágico,
distúrbios psicossomáticos, alcoolismo crônico, entre outras. A escovação logo após o vômito agrava o problema
graças à ação mecânica da escova e aos abrasivos dos dentifrícios. As conseqüências da perimólise são:
hipersensibilidade dentinária, exposição pulpar, diastemas, bordas incisais finas ou fraturadas, perda de dimensão
vertical, proeminência das restaurações de amálgama (graças à dissolução do esmalte circundante),
pseudomordida aberta e comprometimento estético. O tratamento varia desde procedimentos não invasivos como
aplicações de fluoretos, aconselhamento sobre a escovação logo após o ato de regurgitar ou ingerir substâncias
ácidas, até o tratamento endodôntico e reabilitador nos casos mais graves. É grande a responsabilidade do
cirurgião-dentista no trabalho conjunto com a equipe multidisciplinar nos casos de pacientes já diagnosticados e
maior ainda nos casos onde o paciente ainda não recebeu auxílio médico-psicológico para as reais causas do
problema. Apesar disto, grande parte dos cirurgiões-dentistas ainda desconhece o fenômeno.
INTRODUÇÃO
Lesões de erosão dentária, ou perimólise, são dissoluções de tecidos
mineralizados dos dentes, por processos químicos prolongados e freqüentes, que não
envolvem bactérias. Sendo assim, são causados por ácidos de origem interna ou
externa ao organismo humano. As causas de origem externa (erosão extrínseca)
podem estar associadas ao consumo exagerado e contínuo de alimentos e bebidas
ácidas (sucos cítricos e refrigerantes) ou a medicamentos como vitamina C, ácido
clorídrico, ou ácido acetil-salicílico (aspirina).1,2,3
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O papel do refrigerante vem se tornando cada vez
mais importante na geração da perimólise. Na Islândia, o
consumo de refrigerantes aumentou em 16 vezes no período
de 1957 a 2000, principalmente entre adolescentes. Neste
país, foi realizado um estudo que comparou um grupo de
jovens consumidores de refrigerantes e outro grupo de
pacientes com doença do refluxo gastroesofágico. Não
foram encontradas diferenças estatisticamente significativas
entre os dois grupos. Porém, é importante a constatação,
no grupo de consumidores de refrigerantes (que ingerem tal
bebida três vezes ou mais por semana), de que existe uma
chance três vezes maior de desenvolvimento de lesões de
erosão em molares ou incisivos naqueles indivíduos que
ingerem refrigerantes do tipo Cola. Mais lesões de erosão
são encontradas também naqueles indivíduos que
consomem mais de 1 litro de refrigerante (todas as marcas)
por semana.4
Outros fatores têm sido relacionados à perda de
esmalte, como acúmulo de ácidos resultantes da
inflamação gengival, citratos e pirofosfatos contendo ácido
clorídrico e exposições a ácidos industriais.5 A perimólise
também se manifesta entre operários da indústria quando
são submetidos a ambientes ácidos e entre enólogos devido
à exposição crônica do esmalte dentário ao pH ácido do
vinho.6
Além da erosão, existem outras formas clínicas de
perda de esmalte, como a atrição e abrasão, sendo difícil
estabelecer uma diferença entre elas, já que estas
condições freqüentemente ocorrem combinadas.6, 7.
As lesões de causa endógena (erosão intrínseca) são
causadas pela exposição freqüente dos dentes ao conteúdo
ácido do estômago, provocada por vômitos e regurgitações
crônicas. Tal situação é freqüente em pacientes com
distúrbios psicossomáticos como anorexia e bulimia nervosa,
em pacientes com doença do refluxo gástroesofágico e
entre alcoólatras crônicos. As erosões com causas
endógenas são mais severas do que aquelas com causas
externas e o quadro é mais conhecido como perimólise.
Essas alterações podem trazer como conseqüências:
hipersensibilidade dentinária, exposição pulpar, diastemas,
bordas incisais finas ou fraturadas, perda de dimensão
vertical, proeminência das restaurações de amálgama
(aspecto de ilha de metal) , pseudomordida aberta e
comprometimento estético.1,2,3
Outras condições que também causam o vômito
ou a regurgitação como a gestação, a hérnia de hiato e a
indigestão crônica podem causar alterações no esmalte por
proporcionarem o contato do suco gástrico com o esmalte
dentário 7. São, ainda, fatores agravantes do quadro clínico
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A prevalência da erosão dental varia de acordo com
o grupo de indivíduos pesquisados. Na literatura existem
relatos que variam de 2 a 77% sendo que a esta última
porcentagem foi encontrada entre indivíduos vegetarianos
estritos. Entre 117 pacientes que foram encaminhados ao
Hospital da Universidade de Kuopio, Finlândia, para
esofagogastroduodenoscopia devido ao diagnóstico prévio
de doença do refluxo, 28 possuíam erosão dentária (24%).
Aqueles que possuíam a lesão eram mais velhos, tinham
histórico de refluxo há mais tempo que os que não
apresentaram lesões e consumiam mais beta-bloqueadores.
Neste estudo foi observado também que os pacientes que
tinham erosão possuíam menos dentes do que aqueles que
não possuíam a condição.8
Em relação ao refluxo esofágico, cerca de 1/3 da
população de países industrializados é afetada e indivíduos
adultos de ambos os sexos são atingidos. Isto pode ser
causado pelo tipo de alimentação (comidas gordurosas ,
café em excesso, alimentos ácidos, vinagre, comidas
apimentadas e bebidas alcoólicas), obesidade,
medicamentos usados de forma contínua
(antiespasmódicos, antiinflamatórios não esteroidais e
anticolinérgicos) ou por uma crise emocional.3,8
A bulimia e a anorexia nervosa predominam no sexo
feminino, em jovens entre 17 a 25 anos, de classe média
alta, muito preocupadas com o peso e a forma do corpo.
Na bulimia o indivíduo ingere, episodicamente, excesso de
alimento seguido de auto-acusação e depressão. Esses
sentimentos levam-no à indução do vômito. Um mínimo de
dois episódios de comilança por semana durante pelo
menos três meses , preocupação exagerada com peso e
forma, sentimento de perda de controle durante a
alimentação, entre outros, são critérios usados para
diagnosticar bulimia. 1,3 Na anorexia nervosa o paciente
desenvolve aversão a qualquer alimento. Em alguns casos
a falta de apetite é interrompida por surtos de bulimia. Entre
seus sinais e sintomas estão uso abusivo de laxantes e
diuréticos, desnutrição, ansiedade e estresse emocional,
amenorréia, insônia, hipotensão, hipotermia, bradicardia e
alterações eletrolíticas.3, 7 De acordo com a literatura, cerca
de 1 a 2% da população de mulheres, jovens e adultas são
afetadas pela bulimia que é mais prevalente do que a
anorexia.11 Os distúrbios alimentares são freqüentes, também,
entre as idades de 9 a 17 anos em um percentual
preocupante (13%) e podem ser atribuídos à ansiedade.6
Segundo o Dr. Goerge Vaillant, citado por Pegoraro
et al.3, cerca de 10% da população mundial é alcoólatra
crônica com predomínio na população adulta masculina.
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sido perdido de maneira que as coroas fiquem muito curtas
e afuniladas no sentido vestíbulo palatino. Para estes quadros,
abordagens mais conservadoras tais como coroas metalo-
cerâmicas fixadas por resina, precedidas de tratamento
endodôntico radical, podem ser consideradas.11
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cirurgião-dentista deve estar atento em relação aos
comportamentos alimentares nocivos, pois estes estão se
tornando comuns entre a população mundial. Muitas vezes,
o paciente tende a omiti-los, na anamnese, por vergonha
ou por não considerá-los como problemas,
É fundamental o portador de lesões de perimólise,
ser conscientizado sobre o problema e sobre a inutilidade
de se proceder ao tratamento cosmético/restaurador das
lesões sem um trabalho árduo no sentido de controle do
comportamento alimentar nocivo. Por isto, o paciente deve
ser estimulado a procurar ajuda médica e psicológica, já
que o fenômeno, em muitos casos, envolve tanto aspectos
físicos quanto aspectos comportamentais. Trabalhando
sozinho, o cirurgião-dentista pode não conseguir a adesão
do paciente para a apreensão de hábitos saudáveis e por
isto deve sempre tentar envolver o cliente num trabalho com
a equipe multidisciplinar.
ABSTRACT
Perimolysis, or dental erosion, is a dental lesion characterized by dentinal and
enamel dissolution caused by acids of internal or external origin to the human
organism, without bacterial involvement. This is related to frequent acid-food
intake, or to exposure to gastric products resulting from vomits and/or frequent
regurgitation. The latter may be caused by the use of medicine, pregnancy,
chronic indigestion, hernias, gastro-oesophageal reflux disease, chronic
alcoholism, psycho-somatic disturbance, etc. Tooth brushing just after vomiting
worsens the erosion problem due to the mechanical action of the tooth brush and
abrasive tooth paste. The consequences of perimolysis are: dental hypersensitivity,
pulpar exposure, diastemas, broken and sharp teeth edges, loss of vertical
dimension, damage of amalgam restorations (due to surrounding enamel
dissolution), pseudo-open bite, and aesthetic risking. Treatment ranges from non-
invasive procedures, such as fluoride applications, to endodontic treatment and
total prosthetic rehabilitation. Since it has multifactorial causes, dentists should
treat the patient with the aid of a multidisciplinary team, mainly because he/she
will need a psychological support to treat the real cause of the problem. Despite
its importance, many dentists are not aware of this problem.
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