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IMPACTOS DOS AGROTÓXICOS NA BIOLOGIA DO SOLO1

Julian Perez Casarino


Sidemar Presotto Nunes

Resumo
O trabalho analisa o impacto dos agrotóxicos na biologia do solo. Partindo de uma revisão de
literatura, procurou-se identificar qual é a importância da biologia do solo do ponto de vista de sua
fertilidade para, logo em seguida, identificar como os agrotóxicos agem nela. A maior parte dos
trabalhos indica que os agrotóxicos provocam pequenos impactos na biologia do solo, pois
identificava-se que a biomassa e a respiração microbiana, por exemplo, se recompunham em um
período de tempo bastante curto. Alguns trabalhos, no entanto, indicam que o consumo de
agrotóxicos tem promovido desequilíbrios na biologia do solo, levando à necessidade de aumentar a
aplicação de fungicidas para tentar conter este desequilíbrio. Isso porque alguns microorganismos
eram mais prejudicados em relação à outros, como os fixadores de nitrogênio em relação aos
patogênicos. Conclui-se que os impactos dos agrotóxicos na biologia do solo devem ser estudados a
partir da ótica da interação, pois estudos específicos, embora importantes, são insuficientes para se
fazer esta avaliação. Isto remete à necessidade de que a pesquisa seja desenvolvida a partir de um
novo paradigma, que considere as interações entre a biologia, a química e a física do solo.

1. Introdução
A biologia cumpre uma importante função na fertilidade dos solos: decomposição da
matéria orgânica e a mineralização e fixação de nutrientes. No entanto, o paradigma predominante
de nutrição de plantas, cujo precursor foi Liebig, orienta-se quase que somente pela nutrição
química, desprezando as interações com a biologia e a física do solo.
Estimulados pela chamada Revolução Verde, os agrotóxicos passaram a ser utilizados na
agricultura com o objetivo de controlar doenças, pragas e plantas indesejadas. De um lado, isto
contribuiu, juntamente com o uso de fertilizantes químicos, com a elevação da produção e da
produtividade agrícola, de outro lado, gerou diversos problemas sócio-ambientais, alguns mais e
outros menos conhecidos.
Os problemas sócio-ambientais mais conhecidos, de uma forma geral, são aqueles mais
facilmente visíveis e que se manifestam imediatamente. Em função da substituição dos agrotóxicos
de efeito agudo por aqueles de potencial bioacumulativo, os efeitos do uso destes produtos tendem a
ser menos visíveis.
O sistema plantio direto, que se caracteriza pelo não revolvimento do solo na implantação e
condução de cultivos agrícolas, tem permitido uma melhor conservação do solo e da matéria
orgânica deste, mas também a elevação do uso de agrotóxicos. O sistema passou a ser adotado no
1
Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Curitiba, 2008.
Brasil a partir de meados do início dos anos 70, mas foi na última década que realmente se
expandiu, passando de 1 milhão de hectares em 1990 para 17,3 milhões de hectares em 2000 e 25,5
milhões em 2005 (Febrapdp, 2008). Em 2005, a área cultivada em sistema plantio direto no mundo
era de 95,5 milhões de hectares, sendo os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina os países que
possuem as maiores áreas neste sistema de cultivo.
Apesar do rápido crescimento da produção agrícola brasileira, pode-se afirmar que o
consumo de agrotóxicos tem se elevado ainda mais. Entre o início dos anos 90 e meados dos anos
2000 a produção de grãos aumentou 101%, enquanto isso os dispêndios com agrotóxicos
aumentaram 291% (MAPA, 2008; IBGE, 2008). O consumo de fungicidas foi o que mais se
destacou neste período, particularmente devido à expansão da área cultivada com soja. Estes dados
indicam a possibilidade de que o uso de agrotóxicos, que se elevou com o plantio direto, estar
interferindo no equilíbrio de fungos e bactérias do solo, modificando as interações descritas
anteriomente.
Para a Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (1999), “no contexto atual, o solo deixa de
ser meramente um meio de produção para também ser considerado valioso mediador dos processos
globais, desempenhando importantes serviços à natureza”. Assim, o solo passa a se tornar um
“recurso natural “não-renovável”, essencial, e que precisa ser explorado racionalmente, de modo a
preservar sua capacidade produtiva, devendo-se ainda promover a recuperação daqueles
naturalmente marginais ou espoliados por uso e manejo inadequados” (SOCIEDADE...., Prefácio,
1999).
O trabalho foi elaborado a partir de duas questões: a) Qual é a importância da biologia do
solo? b) Qual é o impacto dos agrotóxicos na biologia do solo? Procurando responder a estas
questões, o trabalho trata da dinâmica da biologia do solo, dos agrotóxicos na biologia do solo e,
por último, apresenta algumas considerações finais analisando a possibilidade de um novo
paradigma baseado no conhecimento das interações da biologia do solo.

2. Dinâmica da biologia do solo


À primeira vista, impressão que se tem ao observar uma massa de solo é que se trata de um
sólido inerte, composto de partículas minerais que se agregam e permitem a absorção de água e a
penetração de raízes.
No entanto, existe muito mais vida do que se possa imaginar em alguns centímetros cúbicos
de solo. A dinâmica da biologia do solo passou a ser melhor compreendida a partir do final do
século XIX, quando a pedologia – ciência que estuda a dinâmica e estrutura dos solos – começou a
se consolidar como ciência, passando a visualizar o solo como um organismo com dinâmica própria
(LOPES ASSAD, 1997). Porém, mesmo reconhecendo a presença de seres vivos no solo, grande
parte dos estudos realizados para compreensão das dinâmicas do solo sempre estiveram muito mais
voltados ao entendimento das características químicas e físicas dos solos, relegando a um segundo
plano o papel da microflora e dos invertebrados do solo na composição, manutenção e recuperação
da fertilidade dos solos; sendo os estudos de pedobiologia relativamente recentes.
Os solos sustentam uma enorme diversidade de organismos que interagem entre si e
exercem funções fundamentais à manutenção da fertilidade do solo e à nutrição e proteção das
plantas. A quantidade e variedade do número de organismos no solo é variável de acordo com as
diferenças regionais, as técnicas de amostragem, microsítios dentro de um mesmo ecossistema
(principalmente em relação a microrganismos) e evidentemente pelo tipo de uso do solo.
Lopes Assad (1997) indica que, de forma genérica, um metro quadrado de solo sob
vegetação nativa pode conter bactérias e nematóides na casa das centenas de milhões, milhares de
ácaros e colêmbolos e centenas de minhocas, térmitas, formigas, coleópteros e dípteros; os números
aproximados são apresentados na Tabela 1.
Tabela 1: Estimativa de número de indivíduos e de biomassa de alguns organismos do solo (valores adaptados de
vários autores e estimados para 1 m2 de um solo hipotético, não cultivado, sob condições tropicais).
Organismos Quantidade estimada Biomassa
(indivíduos.m2) estimada (g)
Bactérias 1013 - 1014 10 - 102
12 13
Actinomicetos 10 - 10 10 - 102
10 11
Fungos 10 - 10 10 - 102
8 10
Nematóides 10 - 10 0,1-10
Ácaros 1-3 x 105 0,1-10
Colêmbolos 0,5 - 2 x 105 0,5 - 10
Larvas de coleópteros 10 - 103 1 - 102
3
Larvas de dípteros 10 - 10 0,5 - 10
Minhocas 1 - 5 x 102 0,1-1 x 102
Térmitas 102-105 0,05 – 50
Formigas 102- 105 0,05 - 50
Fonte: Lopes Assad (1997)

Primavesi (1980), citando Dunger (1964) e Kevan (1965), apresenta uma lista de
organismos encontrados em 1 m2 de solo pastoril a 30 cm de profundidade que totalizam cerca de
619g, significando 0,206% do peso total do solo, indicando que mais importante que o volume de
organismos presentes no solo, é a sua taxa de renovação, onde seres como amebas, podem
apresentar 3 a 4 gerações em um só dia, indicando alta taxa de atividade biológica.
A esta enorme diversidade presente nos solos corresponde um complexo sistema de relações
estabelecidas entre os organismos, destes com as plantas e com os restos vegetais e animais que
compõe a matéria orgânica do solo, contribuindo de forma determinante na dinâmica de ciclagem e
disponibilização de nutrientes, agregação e estrutura do solo e até na proteção de plantas.
Como forma de compreender melhor estas dinâmicas, se buscará descrever, de forma
sintética, por não ser este o tema de fundo deste artigo, quais os principais grupos que compõe a
biologia do solo, as relações que estabelecem entre si, com o meio de demais organismos e quais
suas funções na dinâmica dos solos.
2.1 Estrutura e grupos que compõe a biota do solo
O estudo da pedobiologia pode ser feito através de diferentes categorias de atividades ou
presença de organismos, Berthelin et al (1994, apud Lopes Assad, 1997) sugere que é possível
realizar estes estudos de acordo com os grupos de organismos (fauna e microrganismos), pelos
ciclos de carbono (carbono, nitrogênio, fósforo, enxofre, ferro e outros), pelas funções (nitrificação,
celulolise, etc.) ou ainda pelos tipos de ambiente (florestas temperadas, tropicais, savanas, etc.).
Para a descrição neste trabalho, adotaremos o mecanismos de organização através dos
grupos de organismos. Neste sentido, pode-se organizar os organismos que vivem nos solos em dois
grandes e grupos, que depois apresentarão subdivisões ao interior de cada grande categoria.
Inicialmente observa-se um grande grupo formado pelos microrganismos, chamado de microflora,
composto por fungos (Reino Fungi) e bactérias (Reino Monera) e são os grandes responsáveis pela
decomposição da matéria orgânica e mineralização de nutrientes, porém de forma estreitamente
relacionada com a fauna do solo. (LOPES ASSAD, 1997; PRIMAVESI, 1980).
A chamada fauna do solo é composta pela comunidade de invertebrados que vive ou passa
um ou mais de ciclos no solo. Este grupo está divido em três grandes sub-grupos que por sua vez
comportam uma série de reinos e filos. O critério adotado para divisão dos sub-grupos está
relacionado com o tamanho dos seres, formando as categorias de micro, meso e macrofauna.
Existe consenso na nomeclatura estabelecida a esses grupos, porém, a forma de agrupar os
diferentes organismos varia de autor para autor. Para este artigo se adotará o critério estabelecido
por Aquino (2005), baseado no modelo proposto por Lavelle et al (1994), que adota o tamanho e
mobilidade dos seres como critério de classificação. Nesta classificação a microfauna agrupa
invertebrados com diâmetro do corpo inferior a 100 µm, incluindo protozoários (Reino Protista) e
nematóides (Reino Animalia). Os organismos que compõe a microfauna são hidrófilos (necessitam
de água livre no solo), são ligeiramente mais móveis que os microrganismos e alimentam-se destes
(Figura 1).
A mesofauna está composta pelos organismos invertebrados de tamanho médio,
compreendendo 100 µm a 2 mm, onde estão incluídos seres do filo Arthropoda tais como ácaros
(Classe Arachnida, Ordem Acarina) , colêmbolos (Classe Entognatha, Ordem Collembola),
proturos (Classe Insecta, Ordem Protura) e dipluros (Classe Insecta, Ordem Diplura), seres
higrófilos, que necessitam de umidade, ou seja de uma atmosfera do solo com presença de vapor
d’água, se movimentam pelos espaços porosos do solo, porém não são capazes de criar galerias
próprias, sendo muito afetados por processos de compactação do solo.
Figura 1:
Classificação
dos
organismos do
solo com base
no diâmetro
do corpo

Fonte: Aquino (2005)

Os organismos que compõe a macrofauna possuem grande mobilidade no solo, criam suas
próprias galerias, rompendo as estruturas dos horizontes minerais e orgânicos do solo, são grandes
transportadores de materiais e compreendem invertebrados de tamanho entre 2mm a 20mm. Na
macrofauna estão incluídas minhocas (Classe Oligochaeta Ordem Haplotaxida), formigas (Classe
Insecta, Ordem Hymenoptera), cupins e térmitas (Classe Insecta, Ordem Isoptera), podendo incluir
também miriápodos (Classes Chilopoda, Diplopod e, Symphyla), aracnídeos, moluscos e crustáceos
(Aquino, 2005; Lopes Assad, 1997).
Bachelier (1978) e Berthelin et al (1994), citados por Lopes Assad (1997), classificam a
fauna do solo tendo como critério o tamanho destes em escala logarítmica, sendo que nesta
classificação, ainda seria formado um quarto grupo de megafauna (acima de 80mm), composto por
répteis, batráquios e mamíferos (como tatus e ratos).
2.2 Funções e relações entre os organismos vivos do solo
O conhecimento das relações entre os organismos do solo, bem como suas funções dentro
do processo de decomposição de matéria orgânica, mineralização de nutrientes e estruturação do
solo, são de fundamental importância para o estabelecimento de formas de uso e manejo dos solos,
principalmente me atividades agrícolas e florestais.
No entanto, são recentes os estudos que avaliam o comportamento e o papel dos organismos
do solo, sendo principalmente voltados ao papel dos microrganismos (microflora), sendo que
somente nos últimos anos se passou a centrar as pesquisas na micro, meso e macrofauna. Na Tabela
2, modificada por Aquino (2005) a partir de Hendrix et al (1990), elenca algumas das influências
dos microrganismos e dos diferentes grupos da fauna do solo no funcionamento dos ecossistemas.

Tabela 2: Influência da biota do solo nos processos do ecossistema


Ciclagem de nutrientes Estrutura do solo
Microflora Cataboliza a matéria orgânica, Produz compostos orgânicos que ligam
mineraliza e imobiliza nutrientes agregados
Microfauna Regula as populações de bactérias e Pode afetar a agregação do solo por
fungos, altera o turnover de nutrientes meio das interações com a microflora
Mesofauna Regula as populações de fungos e da Produz pellets fecais, cria bioporos,
microfauna promove a humificação
Macrofauna Fragmenta os resíduos de plantas, Mistura partículas minerais e orgânicas,
estimula a atividade microbiana redistribui matéria orgânica e
microrganismos, cria bioporos, promove
humificação, produz pellets fecais
Fonte: Aquino (2005) modificada de Hendrix et al (1990)

Além das condições ambientais (temperatura, umidade, pH e substrato mineral), o principal


fator determinante da presença, diversidade e ação dos organismos do solo está relacionado a
disponibilidade de alimentos, ou seja do tipo e da qualidade da matéria orgânica. Isto porque no
processo de decomposição da matéria orgânica se estabelecem inúmeras relações entre microflora e
fauna do solo, definindo diferentes níveis tróficos de interação, estabelecendo um equilíbrio
dinâmico, através da pressão interespécies, que possibilita a sobrevivência de todos os organismos
no meio, bem como o desenvolvimento da vegetação.
A microflora (microrganismos) é a principal responsável pelo processo de decomposição da
matéria orgânica e mineralização de nutrientes, no entanto este processo se dá em intensa relação
com a fauna do solo, pois é esta que em si, regula a população de microrganismos. No entanto, a
própria fauna do solo possui também um papel direto neste processo de decomposição, sendo que a
morfologia, características comportamentais e fisiológicas são determinantes na definição da
atuação destes organismos (Correia & Oliveira, 2005). A Tabela 3 apresenta uma perspectiva da
distribuição da matéria orgânica entre os diferentes organismos do solo.
Tabela 3: Distribuição da matéria orgânica entre os seres vivos do solo
% que recebem
da matéria Organismos Grupo
orgânica do solo
85% Fungos e bactérias Microflora
8% Protozoários, especialmente amebas Microfauna
3,5% Nematóides, ácaros, insetos Mesofauna
3,5% Moluscos, miriápodes, oligoquetas, etc. Macrofauna
Fonte: Modificado de McFayden, 1961 apud Primavesi, 1980

A principal reação estabelecida entre os organismos do solo está no nível trófico. No que e
refere a macrofauna, esta atua na fragmentação de resíduos, que facilitam a decomposição por parte
dos microrganismos, porém a principal interação ente estes dois grupos se dá pela ingestão dos
microrganismos por parte da macrofauna junto com a serrapilheira, podendo ali se estabelecerem
relações favoráveis, facilitando a digestão – uma vez que os invertebrados não possuem a
capacidade de produzir enzimas que digiram compostos como celulose e lignina – ou inibidoras,
estabelecendo um balanço que regula os processos de decomposição (CORREIA & OLIVEIRA,
2005).
Correia & Oliveira (2005) afirmam que esta relação pode se dar ao acaso, de forma
acidental, e não necessariamente ser mutualística, no entanto, Lopes Assad (1997) citando Lavelle
et al (1995), reforça o caráter de mutualismo destas relações e distingue quatro sistemas digestivos
possíveis:

a) digestão direta - ocorre, por exemplo, em espécies de térmitas que possuem celulases no tubo digestivo;
b) digestão do tipo rume externo - característica de invertebrados que não sintetizam celulase; periodicamente
reingerem seus dejetos e aproveitam-se dos compostos assimiláveis produzidos pela atividade microbiana;
c) mutualismo facultativo - observada em algumas larvas de coleópteros, em térmitas e em minhocas; no tubo
digestivo desses invertebrados, a microflora não específica, ingerida com o material do solo ou da serrapilheira,
encontra condições favoráveis e produz compostos que são assimilados por aqueles organismos;
d) simbioses entre fauna do solo e sua microflora específica - ocorre em espécies de térmitas que possuem
protozoários flagelados e bactérias, encontrados apenas no tubo digestivo desses animais, que digerem a lignocelulose.
(Lopes Assad, 1997)
Se por um lado, microrganismos faciltam o processo de digestão dos invertebrados,
permitindo que assimilem substância que seu próprio trato digestivo não permitiria, por outro seres
da macrofauna no solo possibilitam uma maior mobilidade dos microrganismos no solo, ampliando
sua dispersão.
Como forma de estabelecer uma classificação para estas relações e interações dos
organismos do solo, Lavelle (1997) citado por Correia & Oliveira (2005), identificou três
associações de invertebrados, agrupados de acordo com o recurso que exploram e a relação que
establecem com os microrganismos. São três guildas propostas: i) microteias alimentares (ou
micropredadores), ii) transformadores de serrapilheira (decompositores) e iii) engenheiros do
ecossistema. A Figura 2 explicita os mecanismos de regulação entre os diferentes grupos funcionais
em escalas de tempo e espaço.

Figura 2: Regulação das atividades microbianas pelas três associações de invertebrados do solo, em escala de
tempo e espaço.

Alto nível de associação com a microflora

Engenheiros do
ecossistema

Transformadores de
serrapilheira

Incremento da digestão
de compostos orgânicos
Microflora
complexos

Incremento na formação de
estruturas do solo

Fonte: Correia & Oliveira (2005), modificado de Lavelle (1997)

O grupo classificado como microteias alimentares (ou micropredadores), formado


principalmente de protozoários e nematóides, se caracteriza por se alimentarem de microrganismos,
sem estabelecer uma relação mutualística com estes, seu papel está centrado no controle da
biomassa microbiana, garantindo a diversidade pelo controle de grupos dominantes, além de
possibilitar a liberação de nutrientes imobilizados na microflora.
Os transformadores de serrapilheira (ou decompositores), caracterizados pela presença dos
seres da mesofauna, como micro e macroartrópodos, pequenas minhocas e cupins xilófagos que se
alimentam de serrapilheira, estabelecendo uma relação de nível trófico com a biomassa microbiana,
se alimentando desta, mas também exercendo um mutualismo do tipo “rúmen externo”, onde
mircroganismos digerem restos orgânicos que passaram pelo trato digestivo destes invertebrados.
Já os chamados engenheiros do ecossistema são formados por invertebrados da macrofauna,
notadamente minhocas e térmitas, caracterizados pela construção de galerias e poros que persistem
no tempo, afetando o ambiente para os organismos menores. Estabelecem relações com a
microflora no trato digestivo interno, que podem ser obrigatórias (no caso das térmitas) ou
facultativas (minhocas), pela dispersão que realizam, a transformação que promovem no ambiente e
por afetarem e determinarem diretamente a disponibilidade de recursos para as outras espécies, são
determinantes para a diversidade do ecossistema-solo (AQUINO, 2005; CORREIA & OLIVEIRA,
2005).
A Figura 3 exemplifica, a partir de estudo realizado por Hendrix et al (1986, apud
AQUINO, 2005) que avaliou o efeito do plantio direto na cadeia alimentar dos decompositores,
como podem se estruturar as cadeias tróficas dentro do ecossistema-solo.

Figura 3: Cadeia alimentar dos decompostos, tendo como exemplo área de plantio direto
Macrofauna
Minhocas predadora

Nematóides predadores
Densidade
da
Nematóides Nematóides
bacterívoros fungívoros

Mesofauna
Protozoa saprófagos

Bactérias Fungos
Macrofauna
saprófagos
“Recurso-base”

Fonte: Aquino (2005) modificado de Hendrix et al (1986)

2.3 Biota do solo, ciclagem de nutrientes e fertilidade


A determinação da fertilidade de um solo está relacionada, basicamente, a dois aspectos, o
primeiro é relativo à sua composição mineralógica, definida pelas características da rocha de origem
e do processo de intemperização por ela sofrido. O segundo aspecto da fertilidade está relacionado
ao nível de ciclagem de nutrientes de um solo, realizada pela vida do solo, a partir da decomposição
da matéria orgânica (LOPES ASSAD, 1997).
A microflora do solo possui papel fundamental na ciclagem de nutrientes, através da
decomposição de matéria orgânica, estabelecendo uma relação de interdependência com os restos
vegetais, da mesma forma, influencia vários níveis da cadeia trófica, estabelecendo relações com a
micro, meso e macrofauna do solo (XAVIER et al, 2005). No entanto, cabe ressaltar que o processo
de decomposição da matéria orgânica é complexo, uma seqüência de oxidações e reduções, que
demanda várias etapas de transformação, sendo que para cada uma delas existem organismos
específicos (bactérias e/ou fungos) que possuem enzimas específicas para cada processo químico
(PRIMAVESI, 1980). Nesta perspectiva, se reforça a importância não só da manutenção da
quantidade de microrganismos no solo, mas também da sua diversidade, uma vez que ao eliminar a
população de uma espécie pode-se interromper todo o ciclo de decomposição da matéria orgânica.
Da mesma forma, a presença de diferentes enzimas no solo é o que determina sua qualidade,
é através do potencial enzimático de um solo que se promove uma melhor nutrição das plantas, pois
os microrganismos solubilizam uma série de substâncias possíveis de serem aproveitadas pelos
vegetais, reforçando uma vez mais a importância de manter uma boa diversidade de
microrganismos no solo (PRIMAVESI, 1980; CORREIA & OLIVEIRA, 2005).
Para os solos tropicais, a presença desta diversidade de organismos é ainda mais importante.
A proliferação dos microrganismos é determinada pelo pH, temperatura, umidade, tipo da matéria
orgânica e pela riqueza mineral do solo. A junção destes fatores determina quais tipos de
organismos irão se estabelecer e qual o nível de atividade que será desenvolvida. As altas
temperaturas (acima de 20oC) e umidade dos solos tropicais determinam um predomínio de
bactérias no processo de decomposição e ciclagem, sendo estas extremamente ativas, não
permitindo a acumulação de húmus, que é formado basicamente pela atuação de fungos, presentes
em condições de níveis mais baixos de temperatura e umidade; sendo que ambos – bactérias e
fungos – demandam um bom arejamento dos solos para seu bom desenvolvimento (PRIMAVESI,
1980).
A possibilidade de solos tropicais manterem uma vegetação exuberante e de grande porte
está diretamente relacionada com a ação dos organismos do solo, ao prevalecerem nos trópicos
solos de maior nível de intemperização e lixiviação, portanto, geralmente, mais pobres
mineralogicamente; o processo de desenvolvimento da vegetação está determinado pelos altos
níveis de ciclagem de nutrientes, possibilitados pela ação da biota do solo (LOPES ASSAD, 1997).
Como exemplo pode-se tomar os solos amazônicos, onde solos de horizonte A delgado e de
origem mineralogia relativamente ‘pobre’, mantêm altos níveis de produção vegetal pela rápida
circulação de nutrientes, possibilitada pela decomposição da matéria orgânica pelos organismos do
solo, havendo pouca acumulação de material, porém alta disponibilização de nutrientes (RESENDE
et al, 1995 apud LOPES ASSAD, 1997).
Apesar do papel central e de maior volume e intensidade exercido pela microflora do solo na
ciclagem de nutrientes, os invertebrados do solo também possuem papel central da decomposição
da matéria orgânica e disponibilização de nutrientes, seja de forma indireta, pelo estabelecimento de
relações com os microrganismos do solo, seja de forma direta pela digestão, transporte,
incorporação de partículas orgânicas. A Figura 4 demonstra o efeito de alguns invertebrados na
disponibilidade de nutrientes.
Figura 4: Aumento dos nutrientes disponíveis pela ação de alguns invertebrados do solo (em ppm)

Fonte: Primavesi, 1980.

Organismos da mesofauna, como diplópodes e corós, pela sua capacidade de consumo da


serrapilheira, formação de galerias e liberação de dejetos contribuem de forma significativa para o
enriquecimento do solo com nutrientes como N, C, Ca, Mg, P e K (no caso dos diplópodes) e
melhorias nos teores de acidez (pH), Ca, Mg, P, K e matéria orgânica, além de reduções nos níveis
de Alumínio, no caso dos corós (Correia e Oliveira, 2005). Solos com boa presença de mesofauna
melhoram a CTC do solo e a matéria orgânica produzida tende a níveis de pH mais básicos, além de
reduzir a presença de fungos por pré-digerirem a matéria orgânica, reduzindo riscos de doenças
fúngicas (PRIMAVESI, 1980).
Da mesma forma, reservatórios de fósforo (P) adsorvido no solo podem ser disponibilizados
para as plantas pela ação dos organismos do solo (KER & RESENDE, 1996 apud LOPES ASSAD,
1997). Invertebrados como minhocas, formigas e térmitas exercem importante papel na
disponibilização de nutrientes, pela associação a microbiota do solo e principalmente pelos grandes
deslocamentos realizados, que permitem homogeneização do solo e transporte de matéria orgânica.
No âmbito da macrofauna, apesar de serem vistos, na maioria dos casos, como insetos-praga
de culturas, as térmitas exercem importantes funções dentro do ecossistema-solo, sua capacidade de
digestão de resíduos orgânicos de maior relação C/N, pela associação com microrganismos dentro
do seu processo digestivo, tornando estes acessíveis e assimiláveis por outros organismos, inclusive
as plantas, através do auxílio na humificação da matéria orgânica. Sua atuação, apesar de
concentrada no ninho, resulta em fortes modificações neste espaço e no seu entorno, estudos
identificaram aumentos nos teores de Ca, Mg, Fe e Mn em áreas de ninhos e próximas a ele (Egier,
1984 apud Lopes Assad, 1997). A associação de térmitas com microrganismos fortalece a ação
destes no ninho e seu entorno, acelerando a ciclagem de nutrientes e a reabsorção dos nutrientes por
produtores primários (CORREIA & OLIVEIRA, 2005).
Oligoquetos em geral contribuem de forma significativa na mineralização de N no solo, sua
própria decomposição representa uma importante fonte de nitrogênio, promovem, através da
formação de galerias verticais e horizontais, a movimentação de resíduos e, conseqüentemente, de
nutrientes dentro horizonte orgânico e deste com os horizontes minerais. As associações que
minhocas realizam com a microflora permitem que possa se alimentar de substratos complexos,
eliminando matéria orgânica estabilizada, possibilitando a liberação de nutrientes facilmente
assimiláveis, solos ingeridos por minhocas chegam a apresentar oito vezes mais fósforo disponível
que áreas testemunha (CORREIA & OLIVEIRA, 2005).
Além destes dois importantes grupos, formigas, também frequentemente vistas como pragas,
possuem importante contribuição no enriquecimento de cálcio nos seus ninhos e entorno,
cumprindo também importante papel no revolvimento do solo (PRIMAVESI, 1980).
O que merece destaque nesta análise é que existe um complexo emaranhado de relações
entre microflora, fauna, condições ambientais, substrato e material orgânico disponível que permite
a colonização do solo por inúmeros organismos que são fundamentais no funcionamento, equilíbrio
e determinação da fertilidade do solo, sendo que a exclusão ou eliminação de um ou outro grupo
traz prejuízos a toda a cadeia ali estabelecida.
Além dos aspectos já indicados sobre a influência positiva dos organismos do solo,
principalmente na ciclagem de nutrientes, outras funções importantes são cumpridas pela biota do
solo que melhoram sua qualidade e permitem o estabelecimento de ricos ecossistemas em sua
superfície.
A biota do solo exerce importante papel na agregação do solo, onde microrganismos
possibilitam a estabilização de agregados, pela formação de materiais húmicos degradados; assim
como micro, meso e macrofauna também influenciam nesta agregação pela ingestão, decomposição
e excreção de materiais do solo, misturando compostos orgânicos e minerais (Lopes Assad, 1997).
A figura 5 traz um quadro das relações entre matéria orgânica, microrganismos e seu papel na
estruturação dos solos.
Figura 5: Inter-relação entre microorganismos, matéria orgânica e agregação e interferência do manejo do solo

Fonte: Moreira & Siqueira, 2006, p. 107


Galerias formadas pela macrofauna facilitam a infiltração de água, arejamento e penetração
de raízes no solo, a movimentação entre camadas do solo promovida por estes organismos pode ter
implicações importantes na renovação de nutrientes minerais, influenciando, inclusive, na própria
gênese do solo pela intensa movimentação de partículas.
Em síntese, as relações estabelecidas entre fauna e microflora do solo são de fundamental
importância para a regulação de ciclos biológicos que determinam a qualidade física e química do
solo, bem como a disponibilidade de nutrientes para os vegetais, a Figura 6 expõe a complexidade
de relações e funções exercidas pelos organismos na dinâmica dos solos. Esse complexo sistema
está inter-relacionado, mantendo um equilíbrio dinâmico e sutil, que depende sobremaneira da
presença dos organismos do solo em toda sua diversidade.

Figura 6: Processos biológicos do solo: suas inter-relações e funções no ecossistema

Fonte: Siqueira & Trannin, 2003, apud Moreira e Siqueira, 2006, p.165)
3. Os agrotóxicos na biologia do solo
A partir da compreensão da presença e dinâmica dos organismos do solo, notadamente das
interações que se estabelecem entre os diferentes grupos que compõe os níveis tróficos da cadeia da
biota do solo: microrganismos, micro, meso e macrofauna; parte-se neste item para a observação
dos possíveis impactos dos agrotóxicos nesta biota do solo.
Para iniciar esta discussão buscamos estabelecer um contexto geral sobre a introdução dos
agrotóxicos na agricultura, seus benefícios e efeitos, compreendidos de uma forma mais ampla, para
então observar como se dá o efeito destes nos diferentes grupos de organismos do solo.
Como aspecto final deste tópico, faremos uma abordagem da relação entre uso dos
agrotóxicos, controle de pragas e doenças, efeitos na biota do solo e rendimentos agrícolas,
baseados numa leitura a partir da Teoria da Trofobiose, proposta por Francis Chaboussou,
estabelecendo relações que apresentam questionamentos sobre a eficácia e a necessidade do uso de
agrotóxicos na produção agrícola.

3.1 Aspectos gerais da introdução do uso de agrotóxicos


A introdução dos agrotóxicos no Brasil se deu, principalmente, pela difusão da chamada
‘Revolução Verde’ na agricultura. Proposta surgida no âmbito do pós II Guerra. A ‘Revolução
Verde’ caracterizou-se como modelo de produção que estimula adoção de uma série de tecnologias
da caráter de amplo uso, tais como fertilizantes quimicamente sintetizados, agrotóxicos, sementes
melhoradas de uma reduzida vairedade de espécies (atualmente, variedades transgênicas) e
maquinário agrícola (MARCATTO, s/d).
A justificativa apresentada por governos e instituições multilaterais, entre elas a FAO, assim
como pela indústria, era da necessidade de ampliação da produção de alimentos, dentro de uma
leitura neo Malthusiana - em ascenção nos anos 60 e 70 – que colocava como grande limite para o
desenvolvimento da humanidade, o aumento populacional.
O modelo proposto à época e diga-se, hegemônico até os dias de hoje, se sustentava no
discurso modernista do pós-guerra, estimulador dos processos de industrialização e da imposição da
técnica sobre o saber tradicional, notadamente na agricultura. Delgado (2001, p. 162) resgata o
contexto dos anos 60 no Brasil, quando se deu o grande processo de expansão da ‘revolução verde’
no Brasil, as “chamadas cinco funções da agricultura: liberar mão-de-obra para a indústria; gerar
oferta adequada de alimentos; suprir matérias-primas para indústrias; elevar as exportações
agrícolas; (e) transferir renda real para o setor urbano.”
Neste sentido, o desenvolvimento de órgãos de pesquisa e assistência técnica, a
disponibilidade de crédito atrelado a aquisição de insumos, a reformulação de currículos
universitários foram algumas das ações estatais voltadas ao fortalecimento e expansão da ‘revolução
verde’ (Marcatto, s/d; Delgado, 2001; Riechmann, 2003; Rüegg et al, 1991) como meio de expandir
a produção de alimentos.
Esta agricultura industrializada (GUZMÁN et al, 2000), densamente demandadora de
tecnologia e insumos externos à propriedade agrícola, trouxe alguns impactos ao ambiente pelo seu
perfil tecnológico e estratégia de apropriação dos recursos naturais, conforme aponta o quadro 1.

Quadro 1: Efeitos negativos da agricultura industrializada


Recurso Externalidade Ações

- Eliminação da flora em terrenos não cultivados


- Erosão hídrica e eólica - Revolvimento excessivo e profundo
- Não reposição de matéria orgânica
- Queima de resíduos de colheitas
- Pastoreio excessivo
- Degradação química e salinização - Irrigação com água salubre
Solo - Intrusão marinha pela superexploração de
-aqüíferos
Aplicação de pesticidas e adubos industriais
- Revolvimento excessivo e profundo
- Não reposição de matéria orgânica
- Degradação biológica e física
- Queima de resíduos de colheitas
- Aplicação de pesticidas e adubos industriais

- Efeito estufa e mudanças climáticas - Combustão de motores de maquinário agrícola


- Aplicação de pesticidas e adubos industriais
- Redução da camada de ozônio
Atmosfera - Queima de resíduos de colheitas
- Chuva ácida
- Superacúmulo de estercos
- Poluição

- Contaminação dos recursos marinhos - Aplicação de pesticidas e adubos industriais


Água
e fluviais - Superacúmulo de estercos

- Utilização de sementes híbridas e variedades


- Perda de diversidade genética e exógenas e exploração de raças de gado com base
Recursos genéticos
conhecimento agropecuário genética reduzida e não adaptada aos ecossistemas
locais.

- Disfunções fisiológicas - Aplicação de pesticidas e adubos industriais


Vida silvestre
- Morte - Queima de resíduos de colheitas

- Disfunções fisiológicas - Aplicação de pesticidas e adubos industriais


Seres humanos
- Morte

Fonte: GUZMAN et al. (2000)


Neste contexto é que se dá a grande difusão do uso de agrotóxicos na agricultura, os quadros
de evolução do consumo de agrotóxicos são crescentes no Brasil, sem que necessariamente
correspondam a aumentos na área cultivada e na produção agrícola.
O gráfico a seguir apresenta a evolução da produção de grãos, área cultivada e consumo de
agrotóxicos no Brasil entre 1995 e 2005. Verifica-se que no período considerado o aumento do
consumo de agrotóxicos aumentou acima da produção de grãos.
Evolução da área agrícola, da produção de grãos e do dispêndio com
agrotóxicos no Brasil (1995=100)

700

600

500

400

300

200

100

0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Produção 100 87,0 94,7 94,9 104,1 105,3 124,5 122,7 156,7 148,8 140,5
Área 100 88,7 91,9 90,8 97,0 99,6 98,5 105,7 116,2 126,0 127,8
Inseticidas 100 110,8 137,1 171,6 175,8 203,5 186,1 138,0 213,9 314,6 348,3
Fungicidas 100 121,7 157,0 192,2 186,1 167,6 159,7 158,8 314,3 611,5 480,0
Herbicidas 100 120,4 145,5 163,9 140,8 155,8 136,9 118,3 182,5 219,2 207,9
Agrotóxicos total 100 116,7 142,0 166,5 151,6 162,8 148,9 127,1 204,2 292,6 276,3

Gráfico 1: Evolução da área agrícola, produção de grãos e do dispêndio com agrotóxicos no Brasil (1995=100).
Fonte: MAPA (2008); IBGE (2008).

Estima-se que no mundo sejam comercializados atualmente mais de cem mil fórmulas, a
base de cerca de 1.500 princípios ativos diferentes e que de 1945 até os dias de hoje, tenha se
passado de um consumo anual de praticamente zero para cerca de 2,6 milhões de toneladas de
princípio ativo por ano (RIECHMANN, 2003, p. 151/152).
Interessante observar como, na maioria das situações, o desenvolvimento de um princípio
ativo se apresenta como solução eficaz e de baixo impacto para o ambiente e saúde humana, o que
normalmente torna-se falso com o decorrer dos anos, tal qual ocorreu com os organoclorados,
altamente difundidos nos 50 e 60, apontados como solução inequívoca para o controle de patógenos
e doenças, tendo como ícone a ampla difusão do DDT, hoje proibido mundialmente pelos seus
efeitos tóxicos à saúde humana e pela sua alta persist6encia no ambiente - solo e água (RÜEGG et
al, 1991; RIECHMANN, 2003).
Assim se apresentam os atuais agrotóxicos, dentre eles o herbicida de uso mais destacado, o
glifosato (nome comercial Round-up), apontado como herbicida de rápida degradação e baixa
toxicidade, mas para o qual já se têm observado efeitos para espécies de predadores benéficos tais
como artrópodes, coleópteros e ácaros; e detritívoras como os anelídeos e para o qual se verifica um
alto grau de acumulação em frutos e tubérculos; e para o qual, apesar de seu rápido grau de
degradação no solo, observa-se um maior acúmulo em aquíferos (RIECHMANN, 2003, p. 168 e
175).
Agrega-se a esta perspectiva, o fato de se haverem poucos estudos, principalmente àquele de
médio e longo prazo, sobre os efeitos dos agrotóxicos no ambiente e saúde humana, da falta de
técnicas que permitam a identificação de algumas formulações e, principalmente, dos metabólitos
formados a partir do processo de degradação das formulações iniciais, os quais podem ser tanto ou
mais perigosos que seus compostos originais (ZILLI et al, 2008; RIECHMANN, 2003).
Aspectos observados no âmbito da difusão planetária dos agrotóxicos apontam para os
riscos pouco avaliados dos impactos do uso deste tipo de substância, onde:
“o chamado efeito de destilação global determina que os contaminantes orgânicos
persistentes, como os compostos organoclorados e outros, se deslocam pela atmosfera
desde regiões tropicais e temperadas até as latitudes mais altas, onde se condensam e
impregnam a vegetação, o solo e a água.
Por isto se tem encontrado contaminantes como estes nas árvores e no gelo das
regiões árticas e subárticas, ou nos lagos de alta montanha, antes tidos como áreas
impolutas. (...)
(...) Na Europa, um grupo de pesquisadores suiços descobriu que grande parte da
água de chuva européia contém níveis de agrotóxicos tão elevados, que esta seria ilegal se
fosse ministrada como água potável.” (RIECHMANN, 2003, p. 165)

3.2 Efeitos do uso de agrotóxicos na comunidade da biota do solo


A maior parte dos estudos sobre o efeito dos agrotóxicos sobre a biologia do solo analisa a
partir da microbiologia. Para Ferreira et al (2006), os indicadores microbiológicos devem “regular
os processos ecológicos do solo e refletir as condições dos manejos atuais, sendo úteis para
determinar os efeitos positivos e negativos sobre a qualidade do solo e a sustentabilidade das
práticas agrícolas. Indicadores como a biomassa microbiana do solo (BMS), a respiração basal do
solo (RBS) e o quociente metabólico (qCO2) vão dar informações que servirão de subsídios para
uma avaliação da qualidade do solo” (FERREIRA et al, 2006, p.311).
Para Kennedy (1999), “práticas culturais, como a aplicação de agrotóxicos, podem interferir
diretamente na estrutura da comunidade microbiana do solo e naquela associada às raízes vegetais”
(KENNEDY, 1999, apud ZILLI et al, 2008).
Estudos mais avançados buscam analisar os impactos de resíduos tóxicos nos
microrganismos a partir da ação de algumas enzimas, notadamente a desidrogenase, pois reflete a
atividade oxidativa total da microbiologia do solo (DICK & TABATABAI, 1993 apud Andréa et al,
2004). Cabe ressaltar que os critérios de avaliação acima descritos são parâmetros que permitem
aferir a atividade total da microbiota, sem diferenciar quais grupos de organismos estão atuando e se
há prevalecimento de um grupo sobre o outro, aspecto pouco abordado ou relegado à segundo plano
nas análises, seja pela falta de informações ou instrumentos de avaliação, mas também pela
ausência de uma abordagem sistêmica da dinâmica da biologia do solo, uma vez que há
especificidade de ação de determinados microrganismos na decomposição da matéria orgânica e
conseqüentemente na mineralização de nutrientes.
São controversos os resultados observados em relação ao efeito dos agrotóxicos no volume
total da atividade microbiana, seja pelas avaliações da biomassa microbiana (BMS), da respiração
basal (RBS), do quociente metabólico (qCO2) ou da atividade enzimática. De uma forma geral,
análises realizadas em solos na presença de agrotóxicos, tendem a mostrar alterações na atividade
microbiana nos primeiros dias ou semanas após a aplicação, porém com uma retomada aos níveis
prévios a aplicação depois de determinado período, sendo que esta variação de tempo está
diretamente relacionada ao princípio ativo do agrotóxico, ao tipo de solo, características climáticas
e a quantidade de ‘alimento’ ou seja, matéria orgânica presente no solo em estudo.
Ferreira et al (2006) avaliaram o impacto dos agrotóxicos utilizados em uma localidade do
município de Paty do Alferes-RJ, onde predomina o cultivo de tomate e outras olerícolas, na
microbiota do solo, através das análises de BMS, RBS e qCO2. O estudo não esteve voltado para
ação de uma agrotóxico específico, mas para o conjunto dos produtos utilizados na região, que
chegou a 14 produtos comerciais durante o ciclo da planta, entre inseticidas, fungicidas e acaricidas,
sendo pelo menos 4 deles da classe I (extremamente tóxico).
Os resultados obtidos dão conta de uma redução da biomassa microbiana do solo e valores
maiores de qCO2 na época de plantio (março) em relação ao período em que as áreas estiveram em
pousio (agosto), indicando redução da atividade biológica e relacionando com um estado de estresse
do ecossistema em época de manejo, que leva à perda de fertilidade e maior suscetibilidade dos
cultivos ao ataque de pragas e doenças.
Andréa et al (2004) ao avaliar o impacto do glyphosate na atividade da desidrogenase, não
encontrou diferenças estatísticas, ao avaliar solo areno-barrento da região de Campinas-SP em
condições de laboratório, em período de 2 e 4 meses após aplicação do herbicida, em diferentes
níveis de concentração, em relação a amostras de solos sem o uso do agrotóxico.
Zilli et al (2007), encontraram resultados próximos a estes, em relação ao efeito do
glyphosate, em áreas cultivadas sob plantio direto em Roraima, porém, avaliando BMS e qCO2,
porém, em associação com o herbicida imazaquin se observaram reduções significativas na BMS,
sendo que nos tratamentos com glyphosate chegou a se observar aumento da BMS nos primeiros
dias de avaliação. No mesmo experimento, realziaram-se tratamentos sob plantio convencional,
verificando aumentos gradativos nos teores nos primeiros dias, havendo uma tendência ao retorno
da biomassa inicial, em ambos tratamentos, ao final de 60 dias.
O que chama a atenção na avaliação realizada pelos autores é que um dos tratamentos –
cerrado nativo – além de possuir BMS acima das áreas de cultivo, possui um comportamento
estável no decorrer dos 60 dias, não havendo variações importantes como nos tratamentos com
herbicidas, mesmo sendo estas para o incremento da BMS, o que indica algum tipo de alteração no
comportamento da comunidade de microrganismos (Figura 7).
Figura 7: Variação da biomassa microbiana do solo (µg-1 de C de solo), ao longo do período de 60 dias, em
expermiento de soja utilizando a aplicação de diferentes herbicidas. C – controle, G – glyphosate, I – imazaquin,
TFL – trifluralin e CN – cerrado nativo.

Fonte: Zilli et al (2007)

Ao avaliar o efeito do fungicida metalaxil na região de Petrolina-PE sobre o carbono da


biomassa microbiana (Cmic), comprimento da hifa viva, atividades da desidrogenase e fosfatase e
atividade hidrolítica do diacetato de fluoresceína (FDA), as duas últimas, indicadores da atividade
enzimática dos mircrorganismos do solo; Silva et al (2006) apesar de verificar efeitos sobre o Cmic
em períodos de 28 e 42 dias após a aplicação em diferentes níveis de concentração, observaram que
ao final de 119 dias houve uma recuperação da microbiota, havendo inclusive incremento de Cmic
dos solos tratados em relação ao controle.
Tal comportamento é atribuído ao fato da aplicação do fungicida ter aumentado a fonte de
C, favorecendo a atividade de alguns tipos de bactérias (MONKIEDJE et al, 2002 apud SILVA et
al, 2006). Relacionado a este aspecto está a influência do fungicida na biomassa fúngica, onde as
autoras observaram reduções aos 28 dias de aplicação, mas uma recuperação desta massa fúngica
aos 119 dias, que atribuem a um aumento das espécies resistentes, ou pela eliminação de
competição por fungos inibidos pelo fungicida ou ainda pelo aumento da fonte de carbono.
Em relação à atividade enzimática, tanto para o FDA, quanto para a fosfatase ácida, se
verificaram aumentos no período inicial até o 28o dia, voltando aos níveis normais ao final do
experimento, no que se refere a desidorgenase observaram-se efeitos do metalaxil, porém pouco
significativos.
Da mesma forma, MOREIRA & SIQUEIRA (2006, p. 275) indicam que os efeitos de
agrotóxicos sobre microrganismos são muito variáveis, de acordo com a natureza do produto,
dosagem e ferquencia de aplicação, mas demonstram alguns exemplos dos impactos causados por
três dos principais agrotóxicos utilizados, conforme observado na Tabela 4.
Tabela 4. Impactos de pesticidas na densidade de populações de microrganismos e processos no solo,
avaliados pela diminuição em relação ao controle.
Característica Brometo de metila 2, 4 D Atrazina
-------------------------------- % de redução ----------------------------------
População rizóbio 99 (30) 85 (34) 55 (79)
População actinomicetos 43 (365) 50 (32) 0 (85)
População de fungos 78 (28) 0 63 (100)
Nitrificação 99 (84) 14 (28) 26 (82)
Respiração 11 (660) 6 (14) 7 (19)
Fonte: Moreira & Siqueira (2006), modificado de Domsch et al, 1983.
Como se observa, a maior parte dos estudos insiste na capacidade regenerativa da fauna
microbiana, pois as populações poderiam se restabelecer na maioria dos casos em um período
bastante curto, menos de 90 dias. Uma grande parte dos trabalhos cita a atividade microbiana em
função da capacidade de biorremediação. Apesar disso, há uma concordância de que a microbiota
sofre modificações devido ao uso de agrotóxicos, pois uma ou outra espécie poderia sofrer maiores
impactos. O que isto pode significar para a fertilidade do solo?
Um aspecto a destacar está relacionado ao perfil dos estudos realizados, em sua maioria
centrados na avaliação de impactos quantitativos sobre as populações de organismos do solo, pouco
se avaliando sobre características qualitativas destas populações, tais como estruturação e
biodiversidade das comunidades. LANGENBACH (1994 apud MOREIRA & SIQUEIRA, 2006)
aponta que agrotóxicos atingem de forma diferenciada grupos de bactérias, citando como exemplo
que enqaunto Bacillus megaterium é inibido por 10 diferentes inseticidas, Sarcina lutea é inibida
por dois. Estes efeitos de caráter qualitativo, pouco avaliados, podem afetar e causar desbalanços na
comunidade microbiana, afetando a qualidade e fertilidade do solo.
Zilli et al (2008), avaliando os efeitos do glyphosate e do imazaquin verificaram que:
1. Os herbicidas à base de glyphosate e imazaquin não ocasionaram alterações significativas no teor de C da
biomassa microbiana do solo, na respiração basal do solo e no quociente metabólico.
2. Os herbicidas à base de glyphosate e imazaquin ocasionaram alterações na comunidade bacteriana
associada ao rizoplano de soja em todas as coletas realizadas, alterações estas detectadas por meio dos perfis
eletroforéticos obtidos por DGGE e RISA.

Ao realizar análises de perfis de DNA das comunidades de microrganismos do solo, ZILLI


et al (2007 e 2008) apontam para efeitos que não são mensuráveis em avaliações realizadas a partir
de volumes totais da biomassa microbiana ou de sua atividade no solo, via respiração ou atividade
enzimática.
Ao verificar que não havia similaridade na composição genética das comunidades
bacterianas entre os tratamentos com herbicida e controle, os autores apontam para uma perspectiva
de um efeito pouco avaliado: a diversidade de microrganismos. Como exemplo, ZILLI et al (2008)
apontam estudos que têm demonstrado efeito negativo de glyphosate sobre Azotobacter
(WACHOWSKA & BANASZKIEWICZ, 1999) e sobre Pseudomonas (KREMER et al, 2005),
bactérias que cumprem funções importantes no solo, enquanto se verificaram estímulos a fungos
fitopatogênicos como Rhizoctonia (SMILEY et al, 1991), Pythium (DESCALZO et al, 1998),
Phytophtora (JOHAL & RAHE, 1984) e Fusarium (LAVESQUE et al, 1993; KREMER, 2003;
KREMER et al, 2005).
O mesmo estudo aponta que para além da não similaridade entre as comunidades do
tratamento controle e com herbicidas, apesar das últimas terem a mesma ou maior biomassa
microbiana, não se verificou tendência a um aumento da similaridade com o tempo, indicando que
ou efeito é de longo prazo, ou é irreversível (ZILLI et al, 2008). Kennedy (1999, apud ZILLI et al,
2008) alerta para que alterações na comunidade microbiana do solo, mesmo que temporárias,
podem acarretar numa ruptura do equilíbrio dinâmico do solo, afetando ciclagem de nutrientes,
controle de doenças e outros, onde hoje se pode agregar a própria liberação de CO2, tida como
efeito positivo, de alta atividade microbiana, mas que em excesso, para além dos limites naturais do
ecossistema, pode gerar gases de efeito estufa.
Importante destacar ainda, que vários podem ser os motivos que levam ao predomínio de
determinada comunidade de bactérias ou fungos sobre as demais, entre os quais pode se citar a
eliminação de determinado grupo pela ação do(s) agrotóxico(s), neste caso herbicidas; que muitas
vezes pode ser causada não pelo seu ingrediente ativo, mas pelos metabólitos formados a partir de
sua decomposição por parte dos próprios microrganismos do solo, compostos estes muito pouco
conhecidos e estudados (ZILLI et al, 2008). Um outro fator pode estar relacionado a seleção de
bactérias resistentes ao herbicida e seus metabólitos, ou ainda a eliminação de inimigos naturais e
oferta de compostos que são degradados por alguns grupos, que seriam favorecidos em detrimento
dos demais.
Como alerta, cabe ressaltar que a difusão da soja RR (transgênica), resistente ao glyphosate,
demanda maior volume de uso deste herbicida – estudos da SEAB/PR apontam para uma
concentração até 5 vezes maior de glyphosate em soja transgênica em relação à convencional
(SCALICZ, 2007) – pode afetar a sanidade das plantas, uma vez que o uso do glyphosate está
associado ao favorecimento de microrganismos patógenos.
Se por um lado, se observam controvérsias e insuficiência metodológica na avaliação de
efeitos dos agrotóxicos sobre a microbiota do solo, mais complexa se torna esta discussão quando se
trata da micro, meso e macrofauna do solo. Os estudos, mais escassos nesta área, já apontam para
efeitos importantes dos agrotóxicos na composição de determinados grupos de invertebrados do
solo, principalmente no que se refere ao efeito de inseticidas, que por muitas vezes não conseguem
ter a especificidade suficiente para atingir somente os organismos-alvo.
Estudo realizado no município de
Densidade
Coimbra-MG por Araújo et al (2004) da
comunidad
buscou verificar os efeitos da deltametrina
e de macro e
– inseticida amplamente utilizado para mesofauna
do solo em
controle da lagarta-do-cartucho em milho
– em populações de coleópteros do solo
em sistemas de plantio direto e
convencional, verificando que houve uma
redução, principalmente no grupo de
detritívoros da espécie Nitidulidae, pelo
efeito do sistema de plantio convencional
e do inseticida, sendo a associação das
duas condições onde houve o pior efeito.
Estes invertebrados são fundamentais na
função de quebra de resíduos para facilitar
sua decomposição e conseqüente ciclagem
de nutrientes.
Lima et al (2007), comparando
efeitos no solo comparando sistemas de produção convencionais e orgânicos, baseados no cultivo
de algodão no Ceará, não observaram alterações significativas nos aspectos químicos e físicos do
solo, porém, ao avaliar a composição da meso e macrofauna edáfica, identificaram que áreas sob
cultivo orgânico apresentaram número maior de indivíduos por m3 de solo, destacando que nas
áreas de produção orgânica, os indivíduos estavam concentrados (80%) na camada superficial (0-
10cm), pela melhores condições de aeração e disponibilidade de alimentos. Já nas áreas de manejo
convencional (intensas em uso de inseticidas, herbicidas e fungicidas), a fauna, além de em menor
número, se distribuía na camada de 10-20cm, fator atribuído ao uso superficial de agrotóxicos,
destacando-se os inseticidas (Figura 8).
Outro aspecto que vale ressaltar desta avaliação é o predomínio de indivíduos adultos nas
áreas orgânicas das ordens: Hymenoptera, Isoptera, Anelídeo e Coleóptero em ordem decrescente.
Sendo que nas áreas de cultivo convencional prevaleceram as ordens Coleóptera, Hymenoptera e
Ispotera. Destaca-se a ausência de minhocas (anelídeos) nos solos das áreas convencionais, sendo
estes organismos fundamentais no processo de decomposição da matéria orgânica e estruturação do
solo. Da mesma forma, se destaca que a maior presença de coleópteros nas áreas de manejo
convencional, está relacionada a presença do bicudo (Anthonomus grandis Boheman) e de larvas do
curuquerê (Alabama argillacea), ambas pragas do algodoeiro. As áreas orgânicas apresentaram
maior diversidade de indivíduos nas coletas feitas na serrapilheira, fator fundamental para a
manutenção do equilíbrio do ecossistema (Figura 9).

Figura 8: Percentagem relativa das principais ordens da comunidade de macro e mesofauna no solo (a) e na
serapilheira (b) das áreas com cultivo de algodão orgânico e convencional, no município de Tauá-CE.

Fonte: Lima et al (2007)

Para Moreira & Siqueira (2006), os pesticidas interferem direta ou indiretamente na biota
associada. No primeiro caso, a própria biota é atingida pelo pesticida e, no segundo caso, a biota
sofre a interferência através de sua cadeia trófica. Os autores descrevem esta interferência conforme
a figura a seguir.
Figura 9: Possíveis efeitos dos pesticidas sobre os componentes bióticos do agroecossistema (Moreira e Siqueira,
2006, p. 266).
São poucos os estudos que avaliam o impacto dos xenobióticos à macrofauna, apesar de sua
importância na cadeia trófica de uma forma geral. Para Brown, “as minhocas são os principais representantes
da macrofauna e são importantes no ciclo de nutrientes, estando relacionadas à decomposição do material
vegetal, distribuição de nutrientes no solo, disponibilizando-os para a absorção pelas plantas” (BROWN et
al. 1998, apud FREITAS, 2007).

Figura 10: Atividade da biomassa em relação à transformação dos xenobióticos no solo (MOREIRA e
SIQUEIRA, 2006, p. 283).

Os xenobióticos, quando atingem a fauna do solo, podem passar por mecanismos


bioquímicos que ou mineralizam ou produzem metabólitos residuais. Ou seja, a molécula pode não
ser mais encontrada em seu estado original, mas em uma forma residual transformada. A
valorização da biorremediação da microfauna parte deste contexto.
3.3 Dúvidas e incertezas sobre o efeito e eficácia dos agrotóxicos
A necessidade do uso de agrotóxicos sempre esteve associada a efetividade no controle a
pragas, doenças e plantas invasoras, com a finalidade última de obter melhores rendimentos na
agricultura e garantir a produção de alimentos.
Esta máxima, proposta e difundida pelas instituições e governos através da ‘Revolução
Verde’, conta com mais de 40 anos de expansão praticamente em nível global. A difusão das
técnicas e princípios da produção convencional é amplamente adotada, por intermédio de políticas e
estímulos, na maioria dos países de relevante produção agrícola.
No entanto, como já foi citado anterioremente, a expansão global das práticas da ‘revolução
verde’ não se deu somente nos campos da produção, mas também de seus efeitos e impactos sobre
os recursos naturais (solo, água, atmosfera, fauna, florestas) e na saúde humana. Tais efeitos
poderiam ser justificados, caso o avanço no uso dos agrotóxicos – e demais tecnologias da
revolução verde - possuíssem efeitos efetivamente positivos sobre a produtividade agrícola. Porém,
estudos realizados no âmbito da dinâmica fisiológica de plantas, bem como dados sobre as
melhorias nos rendimentos da agricultura parecem não demonstrar esta efetividade.
Francis CHABOUSSOU (2006), precursor da Teoria da Trofobiose, difundida nos anos 80,
atento para os impactos do uso de agrotóxicos sobre a fisiologia das plantas, na dinâmica nutricional
destas, aponta que o uso de agrotóxicos leva a uma série de efeitos negativos que, em boa parte dos
casos, leva ao efeito inverso ao controle de pragas e doenças, marcadamente pelo efeito sobre a
proteossíntese das plantas – capacidade de formar proteínas a partir de aminoácidos – ou pelo
estímulo à proteólise – quebra de proteínas para formação de aminoácidos livres (DAROLT, 2001).
Ao desenvolver sua argumentação em torno da Teoria da Trofobiose, Chaboussou
demonstra que a maioria dos organismos ‘inferiores’ – em grande parte os causadores e doenças e
danos às plantas – pelas suas características exigem alimentar-se de susbstâncias solúveis, pois são
as únicas capazes de assimilar. A disponibilidade de substâncias solúveis na planta se dá, em grande
parte, pelo favorecimento da proteólise ao invés da proteossíntese, em grande parte atribúido ao uso
de agrotóxicos e outras práticas da agricultura convencional, como adubação química e lavração de
solos (CHABOUSSOU, 2006, p. 77 e 142).
Estudos que avaliaram a proliferação de ácaros em plantas sob efeito de inseticidas e
fungicidas (DDT, Carbaryl, Captan e ésteres fosfóricos), indicam que plantas sob aplicação destes
possuíam maiores índices de infestação, pois a aplicação dos agrotóxicos repercute de forma
positiva no potencial biótico dos organismos, pelo enriquecimento do tecido das plantas com
substâncias solúveis, pela redução da proteossíntese (ibid, p. 142 e 143).
Michel (1964 apud CHABOUSSOU, 2006, p. 145) avaliou também o aumento na
longevidade, fecundidade e redução do ciclo evolutivo (ritmo mais acelerado de sucessão de
gerações) de pulgões em plantas de fumo tratadas com Mevinphos (inseticida fosforado). Assim
como no caso dos ácaros, estudos de plantas de beterraba sob efeito de DDT (SMIRNOVA, 1963
apud CHABOUSSOU, 2006, p. 146), verificaram aumento da taxa de fecundidade, atribuída a um
aumento nos açúcares pela ação do agrotóxico, afirmando que as plantas se encontravam em estado
de proteólise dominante.
Mesmo no caso de lepidópteros, que não permanecem durante todo o ciclo na planta, se
verificaram maiores taxas de fecundidade e longevidade, assim como menores taxas de mortalidade
em plantas de trigo sob aplicação de DDT e Carbaryl (CHABOUSSOU, 2006, p. 149).
Da mesma forma se observa na incidência de doenças fúngicas e bacterianas, onde plantas
de videira e moranguinhos tratadas com Zineb e Maneb apresentaram maior incidência de ‘mofo
cinzento’ (Botrytis cinerea) do que as testemunhas não tratadas; atribuído aos maiores teores de
zinco na planta, provocado pelo uso de agrotóxicos, e que levaram a desequilíbrios bioquímicos nas
plantas (ibid, 2006, p. 151 e 152).
Agrega-se a esta problemática o desenvolvimento de resistências por parte de vetores de
doenças, pragas e plantas invasoras aos agroquímicos que são utilizados para seu ‘controle’, como
resposta evolutiva à pressão exercida sobre suas populações. De fato, em 1986 já eram conhecidas
500 espécies de invertebrados resistentes aos 5 agrotóxicos mais utilizados, 20 espécies de insetos
resistentes a todos os inseticidas, 80 das 500 plantas invasoras mais conhecidas resistentes a
herbicidas, ao menos 70 espécies de fungos que resistem à fungicidas e 10 de roedores que não são
afetados por raticidas (RIECHMANN, 2003, p. 171).
A baixa especificidade dos agrotóxicos utilizados elimina também uma série de outros
organismos benéficos, entre eles inimigos naturais das pragas-alvo, o que a médio prazo fortalece a
população de pragas por reduzir o controle biológico sobre estas. Desta forma ”a sequência
‘agrotóxicos-pragas resistentes-mais agrotóxicos’ é um espiral ascendente para os resultados
financeiros das transnacionais que fabricam os agrotóxicos, porém, uma terrível espiral descendente
para a biosfera e a saúde dos seres vivos” (RIECHMANN, 2003, p. 172. Tradução dos autores).
De fato, há consonância entre o proposto por Chaboussou (2006) no nível da fisiologia das
plantas e o efeito dos agrotóxicos sobre seus mecanismos bioquímicos, favorecendo a incidência de
pragas e doenças; e as perdas em quantidade e biodiversidade de organismos do solo –
comprometendo sua fertilidade e em consequência o estado nutricional e na sanidade das plantas.
Algumas informações extraídas de Riechmann (2003, p. 166 e 167) demonstram que muito além
dos impactos ambientais e na saúde humana, os resultados que se dizem atingir com o uso de
agrotóxicos são passíveis de muitos questionamentos, conforme o quadro abaixo (Figura 12).
Figura 11: Alguns feitos dos agrotóxicos
 Nos cinquenta anos transcorridos desde que o uso de agrotóxicos se tornou generalizado, a porcentagem de
perda de colheita à causa de pragas não tem se reduzido de forma notória. Os insetos, plantas invasoras e
doenças das plantas ainda levam consigo um 30 ou 35% das colheitas em todo o mundo, ou seja, praticamente
os mesmo números da era pré-química;
 O uso de grande parte dos agrotóxicos responde a motivos cosméticos mais do que agronômicos ou
nutricionais. Nos EUA calcula-se que 60 a 80% dos agrotóxicos aplicados em citrus, e 40 a 60% dos utilizados
em tomates, são usados somente para melhorar a aparência dos vegetais (sem melhora nutritiva alguma);
 No que se refere ao milho e trigo (culturas que recebem 30% de todos os agrotóxicos utilizados na
agricultura nos EUA, o país que mais consome agrotóxicos no mundo), calculou-se que as perdas por pragas
aumentariam somente 1 ou 2% caso não se utilizasse nenhum tipo de agrotóxico;
 Nos EUA, entre 1945 e 1990, o uso de inseticidas sintéticos multiplicou-se por 10, porém as perdas por
insetos quase duplicaram no mesmo período;
 Na Espanha, desde o fim dos anos 40 até início dos 90, o uso de agrotóxicos se multiplicou por onze, as
perdas agrícolas por pragas aumentaram entre 7 e 13%;
 Menos de 0,01% dos agrotóxicos aplicados em culturas, atingem seu alvo (pragas). O restante, 99,9%,
contaminam a terra, água, ar e os corpos dos seres vivos;
 Na Suécia, entre 1985 e 1990, conseguiu-se reduzir em 50% o uso de agrotóxicos sem redução do
rendimento agrícola;
 O que se ganha por um lado, pode-se perder pelo outro. A Associação Ecologista Malaya Sahabat Alam
observou que uma estranha doença (wabak kudis) estava dizimando os peixes dos arrozais, uma importante
fonte de proteína para os agricultores: os peixes pareciam apodrecerm vivos e perderem as escamas. O
Instituto de Pesquisa da Pesca de Penang provou que se tratava de uma septicemia hemorrágica causada
pelos agrotóxicos;
 Estudo da Universidade de Cornell sobre a agricultura mundial, avaliou no final dos anos 70 que, se não se
utilizassem agrotóxicos, as perdas monetárias por pragas aumentariam 9% e as perdas de colheita (medidas
em energia alimentaria) aumentariam somente 4%.

Fonte: adaptado e traduzido de Riechmann (2003, p. 166-168)

4. Considerações finais: a possibilidade de uma outra leitura a partir de um novo


paradigma baseado no conhecimento das interações da biologia do solo

A biologia do solo cumpre um importante papel na fertilidade do solo. Apesar do aumento


da produção agrícola mundial e de uma maior preocupação ambiental, poucos estudos têm sido
desenvolvidos atualmente considerando as interações neste nível. Trata-se de trabalhos que, em
função da primazia do paradigma da fertilidade química, ficaram à margem da pesquisa científica a
partir dos anos 50 do século passado, conforme identificaram Moreira e Siqueira (2006).
A rápida evolução no consumo de agrotóxicos no Brasil, bem acima da variação da
produção agropecuária, dão indicativos de que os agrotóxicos, em conjunto com os fertilizantes
químicos e práticas de manejo da agricultura convencional, tem promovido desequilíbrios e
aumentado a incidência de doenças. Tudo isso ainda sem considerar os impactos à saúde humana e
ao meio ambiente como um todo. Neste sentido é que o entendimento das interações torna-se
importante.
A teoria da trofobiose, formulada por Chaboussou, vai neste sentido. O autor afirma que os
agrotóxicos e fertilizantes contribuem com a geração de desequilíbrios na fisiologia das plantas ao
modificar a dinâmica dos aminoácidos e proteínas, favorecendo o surgimento de doenças.
Identificou-se através do presente trabalho que o efeito também pode ser direto na biologia do solo,
criando condições para que alguns organismos se beneficiem em relação à outros.
Neste trabalho identificou-se a necessidade de que os impactos dos agrotóxicos devam ser
estudados a partir da interação entre os diversos organismos que compõem a biologia do solo. Isto
porque, estudos pontuais, como a respiração microbiana, apesar de importantes, normalmente não
captam os desarranjos na vida do solo. Isso pôde ser verificado através dos estudos que
identificaram que os fungos e bactérias causadores de doenças foram beneficiados em relação aos
que estabelecem simbiose com as plantas, como os fixadores de nitrogênio.
A falta de estudos qualitativos, assim como a leitura dos efeitos dos agrotóxicos a partir de
de grupos isolados de organismos, não possibilitam uma leitura do conjunto das interações entre os
diferentes organismos do solo, assim como da diversidade dentro de cada grupo (microrganismos,
micro, meso e macrofauna); relações estas fundamentais no processo de ciclagem de nutrientes e na
composição da fertilidade do solo.
A avaliação de impactos sobre a diversidade de organismo e sobre os diferentes grupos que
compõem a biota do solo indicam comprometimentos à fertilidade do solo. Neste sentido, a
debilitação das plantas pelo uso de agrotóxicos – conforme desenvolvido pela teoria da trofobiose –
aliada a perda de fertilidade e conseqüente má nutrição das plantas, geram desequilíbrios que
comprometem sanidade e produtividade das culturas, estabelecendo uma cadeia descendentes de
efeitos, que tornam a agricultura cada vez mais demandadora de agroquímicos sem observar os
necessários incrementos na produção, porém gerando inúmeros efeitos negativos sobre recursos
naturais e saúde humana.

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