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Entrevista roberto AbdeNur

Diogo SchELp

Diplomacia de palanque
o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos diz que o itamaraty orientou mal o
presidente e que seu sucessor precisa incorporar os valores ocidentais à diplomacia

“A
ceita um copo d’água, um café
ou, quem sabe, um pouco do ca-
viar que me envia sempre um cer-
to amigo iraniano?”, oferece ro-
berto Abdenur, de 68 anos, ao receber a
reportagem de VeJA em seu agradável
apartamento no rio de Janeiro. No hu-
mor característico dos diplomatas, a re-
ferência ao caviar é apenas uma ironia
sobre um dos temas que deixam estupe-
fatos especialistas em política externa, a
estreita relação do governo brasileiro
com o regime do iraniano mahmoud
Ahmadinejad. As ambições nucleares e
a violação assumida de direitos huma-
nos, como o apedrejamento de mulhe-
res por adultério, fizeram do Irã um pá-
ria internacional. Com seus 44 anos de
carreira diplomática, três deles como
embaixador em Washington durante o
primeiro mandato do presidente Lula,
Abdenur é uma das pessoas mais habili-
tadas para avaliar o brasil no quadro
diplomático mundial. Na entrevista a
seguir, ele demonstra o seu assombro
diante da maneira como os preconceitos
ideológicos e o gosto de Lula por um
palanque prejudicaram a imagem do
brasil no exterior.

Que balanço o senhor faz da política


externa do governo Lula? A diplomacia
brasileira tem uma trajetória quase se-

ΩA diplomacia de
cular de buscar maior presença e mais
influência nos foros internacionais.
Nesse ponto, o governo Lula não in-
ventou nada de novo. o problema é a
maneira como isso vem sendo feito.
Lula assemelha-se
A política externa brasileira, nos últi-
mos oito anos, atuou com base na vi-
à do início da ditadura
são de que no mundo ainda há clara-
mente uma contraposição entre ricos e militar, porque ambas
pobres, norte e sul. Isso não faz mais
sentido em um mundo globalizado, em se deixaram guiar
que o poder internacional é difuso, a
por preconceitos
erNANI d`ALmeIdA

China está em ascensão e outros países


dinâmicos e de grande porte, como o
brasil, ganham espaço. Apesar dessa
nova realidade, a política externa de
ideológicos√
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Entrevista roberto AbdeNUr

ΩO Itamaraty não
Lula tem procurado apresentar o brasil sabe dizer ‘não’ a gráfica tinha até pouco tempo atrás um
como líder dos países pobres. É preci-
so abandonar essa visão. Lula, e isso cria bom público lá fora. Até a eleição de
barack obama, nos estados Unidos,
em 2008, Lula era o governante mais
O senhor escreveu que a diplomacia situações como as que respeitado e estimado no exterior. ele
brasileira precisa recuperar o seu “lado acumulou um bom capital político,
ocidental”. Por quê?  o brasil, nos úl-
timos anos, relegou a um plano de
envolveram o Brasil e o principalmente pela conjuntura econô-
mica favorável. Por mais atuante e
quase irrelevância o compromisso
com dois valores fundamentais para a
Irã. Não há benefício charmoso que Lula seja, ele não teria
a mesma audiência nem o mesmo
política externa: a democracia e os di-
reitos humanos. estes são valores oci-
algum em aproximar-se prestígio se tivesse posto a economia
brasileira no chão.
dentais e, também, brasileiros. Não
podemos esquecer que a cultura políti- do Irã, muito menos em Como Lula usou esse prestígio?  Lula,
ca do nosso país descende do Ilumi-
nismo, da renascença, do Humanis- nível presidencial. por sua sofreguidão em ser popular
com todo o mundo e por ignorar as cir-
mo, da revolução Americana, da de- cunstâncias das situações em que se
claração dos direitos Humanos e do
multilateralismo. o brasil precisa in-
Ahmadinejad é líder de meteu, pôs a perder uma parte conside-
rável do capital político adquirido para
corporar ao seu arsenal diplomático
uma maior adesão a esses valores.
um regime teocrático, si e para o brasil. Quando Ahmadine-
jad veio a brasília e disse apoiar a can-
está nas mãos do próximo presidente
fazer isso, seja ele quem for.
violento e isolado√ didatura do brasil a uma vaga perma-
nente no Conselho de segurança,
nós perdemos muito voto. todos os
Como?  eu não prego a adoção de atitu- que se preocupam com o Irã — e na
des ingênuas, em que o brasil se sinta a situações como as que envolveram re- lista estão a maior parte dos vizinhos
palmatória do mundo e saia por aí ba- centemente o brasil e o Irã. Há uma árabes, os europeus, os americanos, os
tendo nos países que não se comportem empatia clara entre Lula e o presidente canadenses, os australianos e os japo-
bem. tampouco precisamos nos privar iraniano mahmoud Ahmadinejad, da neses — veem com desconfiança esse
de ter relações, dentro dos limites dos mesma forma que, paradoxalmente, tipo de apoio. o ocaso da diplomacia
nossos interesses, com países autocráti- houve entre Lula e o seu colega ameri- brasileira, portanto, acarreta uma perda
cos ou violadores dos direitos huma- cano George W. bush. Como brasil e não apenas para a persona do Lula,
nos. A diplomacia tem de ser pragmáti- estados Unidos têm laços estabeleci- mas também para a imagem do brasil.
ca e realista o suficiente para entender dos, a afinidade entre Lula e bush po- dói imensamente ver as credenciais do
que, até certo ponto, você pode e deve dia ser usada para conseguir avanços brasil para ocupar uma vaga perma-
levar adiante intercâmbios econômicos nas relações bilaterais. Não há benefí- nente no Conselho de segurança da
e até diálogo político com certos paí- cio algum, no entanto, em aproximar- oNU serem seriamente prejudicadas
ses. Incorporar os valores ocidentais se do Irã, muito menos em nível presi- por todos esses erros de política exter-
também não significa ser submisso ao dencial. Ahmadinejad é o líder de um na. Não se trata de uma perda irreversí-
que dizem americanos ou europeus. regime teocrático, violento e isolado vel, mas não podemos ignorá-la.
internacionalmente. Apesar disso, Lula
O chanceler Celso Amorim disse que diz que tem uma relação de carinho Como o senhor avalia as relações do go-
“negócios são negócios” ao justificar a com o iraniano. o brasileiro entrou nis- verno brasileiro com o presidente vene-
visita de Lula a uma ditadura africana. so movido por seu instinto positivo de zuelano Hugo Chávez?  É uma aberração
Esse é o pragmatismo de que o senhor projetar o país no cenário internacional. diplomática. o brasil é condescendente
fala?  Não. Há limites para a diploma- Faltou alguém dizer a ele: “Presidente, com Chávez, com evo morales, da bo-
cia presidencial. Quando o presidente atenção. Veja as circunstâncias: o que lívia, e com rafael Correa, do equador,
entra em cena, atribui-se à relação com está acontecendo no Irã é muito sério”. apenas por representarem regimes
determinado país um peso político identificados como de esquerda. Isso é
muito maior. o presidente é a instância O que explica essa atitude?  Há um pa- um erro, porque não existe política ex-
mais elevada da diplomacia, e é preciso lanquismo na política externa, algo terna de esquerda. A diplomacia tem de
dosar a sua exposição, pois ela traz que reflete muito a natureza pessoal refletir os interesses do estado, não de
consigo o endosso e a imagem de todo de Lula. A preocupação maior do Ita- um partido. o governo brasileiro é ati-
o país. o problema é que o Itamaraty maraty tem sido armar palanques para vamente solidário e conivente com
não sabe dizer “não” a Lula, e isso cria o presidente. essa diplomacia ceno- Chávez, um líder que está em etapa
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ΩO Brasil relegou a
adiantada na consolidação de uma dita- um plano de quase relações com a China e fechar um
dura. A Venezuela ainda não é Cuba,
mas está se cubanizando. Chegou a ser irrelevância o acordo nuclear com a Alemanha.

risível quando Lula disse que lá há um


compromisso com
Há aspectos positivos na política externa
“excesso de democracia”. seu entusias- de Lula?  tenho muito respeito pelo
mo chegou ao ponto de incentivar fi- presidente Lula, com quem tive uma
nanciamentos com dinheiro dos contri-
buintes brasileiros na Venezuela e de
valores fundamentais relação muito amena e respeitosa du-
rante o período em que fui embaixador
tentar colocar o país como membro
pleno do mercosul. Como a Venezuela
para a política externa: sob sua gestão. Não desmereço, portan-
to, suas realizações, entre as quais está
de Chávez, que é contra a democracia e
o livre-comércio, pode ser parte do
a democracia e os a participação no G-20 [grupo que reú-
ne os países mais ricos do mundo e as
mercosul? eis por que democracia e
direitos humanos não são simplesmente direitos humanos. principais potências emergentes], em
que o brasil exerce um papel relevante
valores abstratos. eles devem ser de-
fendidos porque têm impacto sobre É preciso incorporar na prevenção de novas crises financei-
ras. outra medida valiosa, adotada logo
questões muito concretas, como o co- no início do primeiro mandato, foi
mércio, a segurança regional, os ata-
ques contra os interesses de empresas
ao arsenal diplomático aliar-se a Alemanha, Japão e Índia no
chamado G-4, para levar adiante o de-
brasileiras e o narcotráfico. uma maior adesão aos bate para a ampliação do Conselho de
segurança. essa iniciativa perdeu força
Quais são os sinais da conivência com
Chávez?  A excessiva identificação com
valores ocidentais√ com a decisão brasileira de envolver-se
na questão nuclear iraniana. o brasil,
Chávez fez com que, desde cedo, fal- que antes passava uma imagem de
tasse equilíbrio na postura brasileira campeão da não proliferação nuclear,
em relação à Colômbia e à Venezuela. internas da Venezuela, que enfrenta agora parece aceitá-la com rabugice.
Isso ficou claro em julho passado, uma crise de desabastecimento e não
quando Chávez rompeu com o país vi- pode se dar ao luxo de cortar os laços A política externa recebe a devida aten-
zinho [porque o então presidente co- comerciais com a Colômbia. ção na campanha eleitoral?  esse nunca
lombiano Álvaro Uribe denunciou que é um tema de destaque no debate políti-
a Venezuela dá guarida às Forças Ar- Há semelhanças entre a política externa co, mas alguns de seus componentes fo-
madas Revolucionárias da Colômbia lulista e a do presidente Ernesto Geisel ram levantados quando os candidatos
(Farc)]. Chávez foi pego com a mão na (1974-1979), que também deu ênfase à da oposição falaram de direitos huma-
massa, mas o brasil fez pouco-caso do aproximação com países do chamado nos no Irã e da produção de coca na
fato de as Farc estarem gostosamente Terceiro Mundo?  A diplomacia do go- bolívia. Nesse ponto específico, as crí-
instaladas em território venezuelano. verno Lula assemelha-se mais à dos ticas não deveriam ter sido direcionadas
em nenhum momento o brasil levan- primeiros anos da ditadura militar, contra o governo boliviano, mas contra
tou a voz contra o que foi na realidade porque ambas se deixaram guiar por o brasileiro. evo morales é um cocalei-
um embargo de Chávez contra a Co- preconceitos ideológicos. os erros do ro e, como tal, obviamente quer que seu
lômbia, proibindo importações daquele atual governo nascem de uma orienta- país produza mais coca. Já o governo
país. se a política externa brasileira ção supostamente esquerdizante e da Lula, com seu desejo de ser bonzinho
fosse ditada pelos interesses de longo simpatia por regimes populistas e an- com os outros países, nunca usou os ca-
prazo do estado, da nação, e não por tiamericanos. Já a diplomacia da pri- nais políticos para cobrar da bolívia
preferências ideológicas, pessoais, de- meira década da ditadura militar era uma atitude mais severa para barrar a
veria ter havido desde cedo mais equi- excessivamente pautada pela ideologia saída de cocaína para o brasil. esse fato
líbrio no trato com os dois países. o anticomunista. A submissão a essa foi confirmado para mim por uma fonte
resultado, melancólico, é que o brasil agenda incluiu episódios lamentáveis, boliviana muito bem informada.
perdeu a credencial para ser um me- como a participação de tropas brasilei-
diador daquele conflito. o Itamaraty e ras na invasão americana da república Como é a relação de Lula com Obama?   
os conselheiros de Lula tentam insi- dominicana, em 1965, e o apoio a Lula começou a bater em obama antes
nuar que o presidente ajudou os dois Portugal, na oNU, contra os movi- de eleito e não cansa de dar canelada
países a reatar. É até possível que o mentos de libertação nacional na Áfri- no americano. Creio que há, aí, um ele-
presidente tenha aconselhado Chávez a ca. o governo Geisel corrigiu erros mento de ciúme, porque obama tirou
moderar suas atitudes. mas o que fez como esses ao reconhecer o governo de Lula a posição privilegiada no pa-
diferença, mesmo, foram as questões pós-independência em Angola, iniciar lanque global. ß
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