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A competitividade das organizações depende cada vez mais da sua capacidade de Inovação,
quer em relação aos aspectos tecnológicos quer no que respeita à rapidez de decisão e
flexibilidade de adaptação às constantes mutações das expectativas e necessidades dos
clientes. Uma das tendências que se começa a delinear é a associação entre os conceitos de
Inovação e de Qualidade, a qual não parece estar ainda a ser suficientemente explorada.
Clarificam-se assim alguns dos aspectos comuns, dando-se particular ênfase aos contributos
que a Gestão pela Qualidade Total poderá eventualmente dar às actividades criativas,
através da aplicação dos seus conceitos, sistemas e técnicas, por forma a criar sinergias com
valor acrescentado para as organizações.
INTRODUÇÃO
No fim do século passado, diversos factores que se vinham a manifestar há algum tempo
assumiram uma importância primordial no desenvolvimento das organizações. Entre eles
destacam-se a globalização do mercado, a concorrência extremamente agressiva que se
começou a registar a todos os níveis e uma maior exigência por parte dos consumidores.
Como consequência, as organizações viram-se compelidas a adoptar estratégias competitivas
que lhes permitissem adquirir uma grande flexibilidade e rapidez de resposta às solicitações
emergentes. Entre tais estratégias, realçam-se a Gestão pela Qualidade Total e a Inovação.
O conceito de Inovação esteve, durante muito tempo, associado apenas ao desenvolvimento
tecnológico. Contudo, e tal como aconteceu com a Qualidade, também esse conceito tem
evoluído ao longo do tempo, falando-se actualmente da Inovação a nível da estratégia e de
processos operacionais e de gestão. Apesar de se verificar que começa a haver uma
convergência entre os dois conceitos, sendo cada vez mais difícil imaginar a Inovação sem
Qualidade e a Qualidade sem Inovação, constata-se que tal ligação é ainda bastante incipiente.
Parece portanto pertinente procurar aprofundar os aspectos comuns e ultrapassar as limitações
que algumas normas e procedimentos da Qualidade podem colocar à actividade criativa.
Apresentam-se assim alguns aspectos relacionados com o conceito de Inovação, focando-se
em seguida os princípios, sistemas e técnicas da Gestão pela Qualidade Total (GQT).
Exploram-se depois os contributos que a GQT poderá eventualmente dar à consecução de
actividades inovadoras, delineando-se por fim algumas conclusões e perspectivas de
desenvolvimento, designadamente no que se refere à aprendizagem organizacional e seus
reflexos no aumento da competitividade das organizações.
INOVAÇÃO
Existem várias definições de Inovação, muitas das quais relacionadas apenas com o
desenvolvimento tecnológico. No entanto, tem sido notória a tendência de se falar em
Inovação quer a nível da tecnologia e do desenvolvimento de novos produtos quer a nível da
estratégia e da gestão de processos.
A definição de Udwadia (1990) parece ser particularmente pertinente neste contexto:
“Inovação é a criação, desenvolvimento e introdução no mercado de novos produtos,
processos ou serviços”. Nesta perspectiva, a Inovação diferencia-se da Invenção, dado que a
primeira deve ser imediatamente concretizada, enquanto a segunda pode não ter
implementação imediata. Sob a mesma óptica, a Inovação deve desempenhar um papel
importante a diversos níveis:
• Na introdução de mudanças a nível da estratégia das organizações e dos meios
utilizados para concretizar tal estratégia;
• Na renovação e/ou alargamento da gama de produtos, serviços e mercados;
• No desenvolvimento de novos processos produtivos, na distribuição e em todos os
processos operacionais que sejam críticos para a organização.
Verifica-se que as organizações que têm obtido mais vantagens competitivas têm realmente
apostado em actividades inovadoras, designadamente na introdução de novos produtos em
novos segmentos de mercado e na modificação de produtos existentes. No entanto, para que
tal seja concretizado eficazmente, há certas condições que têm de ser satisfeitas (Mosey et al.,
2002):
• Adopção de uma perspectiva multifuncional no que respeita à decisão de desenvolver
novos produtos;
• Comunicação eficaz deste tipo de decisão a toda a organização;
• Conhecimento do mercado e da concorrência;
• Desenvolvimento de planos estratégicos a longo prazo.
Dois outros aspectos merecem, desde já, alguma reflexão. O primeiro é que a Inovação, no
seu sentido mais abrangente e radical, exige um grande envolvimento da gestão de topo,
sendo essencial que esta seja um factor impulsionador de todas as actividades e abordagens
inovadoras. O segundo relaciona-se com o facto de a Inovação ser uma preocupação
essencialmente a nível de grandes empresas, não estando ainda o conceito a ser
suficientemente interiorizado pelas PMEs (Pequenas e Médias Empresas), o que, obviamente,
pode limitar bastante a sua competitividade.
Com efeito, tem-se constatado que as PMEs se deparam com sérias dificuldades a nível da
Inovação, no geral, e no desenvolvimento de novos produtos em particular, destacando-se,
entre outras limitações (Cozijnsen et al., 2000; Woodcock et al., 2000; McAdam e
Armstrong, 2001):
• A falta de liderança;
• A ausência ou insuficiência de estruturas, procedimentos e métodos sistemáticos
conducentes à Inovação;
• A falta de procedimentos documentados na fase de desenvolvimento de novos
produtos, incluindo a falta de recolha, tratamento e registo de dados relacionados com
o processo de desenvolvimento;
• O desconhecimento das práticas da concorrência;
• Um envolvimento tardio, no processo de desenvolvimento de produtos, dos
colaboradores ligados ao fabrico;
• Grande receio de mudanças/inovações por parte dos colaboradores;
• Conflitos entre indivíduos e/ou entre departamentos;
• Formação/qualificação de recursos humanos insuficiente;
• A falta de envolvimento dos clientes nos processos de inovação.
Sendo a falta de recursos um dos maiores problemas com que as PMEs se defrontam, será de
extrema importância, na procura e adopção de estratégias competitivas conducentes a um
desenvolvimento económico-social sustentável, racionalizar os meios existentes. Como tal, e
considerando que a Inovação é realmente estratégica, interessará cada vez mais aprofundar as
sinergias entre a Inovação e outros conceitos e estilos de gestão, como a Gestão pela
Qualidade Total, por forma a aumentar a capacidade competitiva das organizações,
independentemente da sua localização, dimensão ou sector.
Matriz
de
Correlações
Como
Requisitos do projecto
Tipo de característica 1 5
Avaliação
Importância
O quê Matriz
(1a5)
de competitiva
relações pelo cliente
Dificuldade técnica
Quanto
Especificações de
projecto
5
. Avaliação competitiva
.
. técnica
1
Abs
Importância técnica
Rel
Responsabilidade
da Gestão
Clientes Clientes
Requisitos Realização
do Produto Produto
Entrada
Saída
Figura 3 – Norma ISO 9001:2000
A ISO 9004:2000 refere os requisitos que podem contribuir, numa óptica da GQT, para o
progresso das organizações. O modelo é semelhante ao da ISO 9001, mas contempla todas as
partes interessadas (clientes, colaboradores, accionistas, fornecedores e sociedade em geral) e
não apenas o cliente.
O século passado foi também marcado pelo desenvolvimento de modelos de auto-avaliação,
basicamente assentes nos princípios da GQT, que permitem a identificação de pontos fortes e
de potenciais oportunidades de melhoria.
No contexto europeu assume especial relevo o Modelo de Excelência da EFQM (European
Foundation for Quality Management) o qual, para além de ser aplicado como ferramenta de
auto-diagnóstico, serve de base à atribuição de prémios a organizações que se destacam pelas
suas práticas da Qualidade. O modelo abrange todas as partes interessadas no desempenho de
uma organização e contempla nove critérios, dos quais cinco se relacionam com os meios que
conduzem a quatro grupos de resultados (Figura 4).
Os critérios são por sua vez desdobrados em trinta e dois sub-critérios que são analisados e
pontuados por forma a fazer-se um diagnóstico da situação. Numa perspectiva dinâmica, a
inovação e a aprendizagem contínua devem contribuir para a melhoria dos meios que, por sua
vez, conduzem à excelência dos resultados.
Inovação e Aprendizagem
Resultados
Pessoas
Pessoas
90
90
Meios Resultados
500 500
Figura 4 – Modelo de Excelência da EFQM
Nesta perspectiva, torna-se claro que a GQT é associada apenas ao conceito de melhoria
contínua, enquanto a Inovação apresenta um cariz mais radical e descontínuo. No entanto,
esta visão parece ser algo simplista, na medida em que há relações que se podem facilmente
estabelecer. Um dos aspectos que interessa desde já referir é que a maioria das inovações se
tem baseado ou no efeito cumulativo de mudanças progressivas de produtos e processos
existentes ou na combinação criativa de ideias, técnicas e métodos já existentes (Arias-Aranda
et al., 2001). Na sua globalidade, a GQT pode suportar os processos de Inovação a qualquer
nível, a desejada Inovação Total, que não se deve confinar apenas aos aspectos tecnológicos.
Efectivamente, na óptica de uma cultura GQT, a organização é constituída por uma rede de
processos que devem ser continuamente melhorados por forma a aumentar o valor
acrescentado para todas as partes interessadas. Esta perspectiva proporciona muitas
oportunidades de inovação quer a nível tecnológico quer a nível organizacional. Por outro
lado, se a organização verificar que as melhorias contínuas não são suficientemente
inovadoras, pode sempre optar por mudanças radicais, embora devidamente ponderadas, tal
como preconizado pela denominada Reengenharia de Processos. Num e noutro caso, vários
dos princípios e técnicas da Qualidade podem ser facilmente relacionados com a Inovação,
como ilustrado no Quadro 2.
Como se pode depreender pelo Quadro 2, várias são as sinergias que podem ser criadas numa
organização que adoptou a GQT. Em primeiro lugar, a cultura prevalecente na organização
ajudará, certamente, a atenuar ou mesmo eliminar a resistência, por parte dos colaboradores,
às mudanças, organizacionais ou tecnológicas, radicais ou não. Por outro lado, as diversas
parcerias estabelecidas, quer com clientes quer com fornecedores, contribuem, em larga
medida, para estimular a Inovação (Lorente et al., 1999). Outro exemplo processa-se a nível
do desenvolvimento de novos produtos e serviços que, mercê da concorrência agressiva
instalada mundialmente, tem de ser cada vez mais rápido e inovador. Técnicas como a
Análise Modal de Falhas e Efeitos, o QFD, o Desenho de Experiências e os Métodos de
Taguchi assumem aqui um papel fundamental, podendo ser decisivos na obtenção de produtos
realmente inovadores.
Outros exemplos são o Brainstorming, os métodos de resolução estruturada de problemas e as
ferramentas básicas e de gestão da Qualidade que podem estimular a criatividade das equipas
pluridisciplinares, levando-as a inovar produtos e processos. Também o Benchmarking, que é
actualmente indissociável da GQT, pode e deve desempenhar um papel fundamental na
Inovação ao permitir o conhecimento das melhores práticas dentro da organização, no mesmo
sector de actividade ou em outros sectores diferentes daquele onde a organização opera.
Diversos estudos têm comprovado que, na verdade, as organizações que adoptaram a GQT
têm tido mais facilidade em inovar produtos, processos e sistemas de gestão. Particularmente
no que respeita às PMEs, verifica-se que há, realmente, uma correlação positiva entre
Qualidade e Inovação como demonstrado, por exemplo, por McAdam et al. (1998) e
McAdam e Armstrong (2001).
Conclui-se, pelo exposto, que há realmente uma convergência entre os dois conceitos, sendo
cada vez mais difícil imaginar a Inovação sem Qualidade e a Qualidade sem Inovação. Um
dos aspectos que não poderá ser, certamente, menosprezado é a flexibilidade que as normas e
procedimentos da Qualidade deverão ter por forma a não dificultar ou mesmo impedir toda e
qualquer actividade criativa. Nesta perspectiva, tem de haver o discernimento necessário por
parte dos gestores da Qualidade e demais colaboradores por forma a encarar tais
procedimentos como guiões válidos num determinado contexto e não como normas rígidas e
imutáveis que não admitem qualquer interferência com carácter criativo. Os procedimentos
devem constituir um mínimo daquilo que se espera dos colaboradores, os quais devem, a
partir daí, melhorar as suas competências e capacidades usando a sua criatividade de forma
inovadora (Kondo, 2000).
CONCLUSÕES
Demonstrou-se que se torna realmente desejável a existência de uma simbiose entre a Gestão
pela Qualidade Total e a Inovação, por forma a dotar as organizações de vantagens
competitivas sustentáveis, essenciais para a sua sobrevivência num mercado cada vez mais
global e exigente. Com efeito, várias das dimensões da GQT, como a focalização no cliente, a
formação, o trabalho em equipa, a autonomia e responsabilização dos colaboradores, a gestão
por processos, as parcerias e as técnicas, podem contribuir para que a organização desenvolva
as suas actividades de forma realmente inovadora. No entanto, para que tal seja possível, é
necessário que o conceito de GQT seja percebido por todos os colaboradores e, em particular,
pelos gestores de topo.
O ensino e a formação profissional devem desempenhar aqui um papel fundamental.
Paralelamente, as empresas e outras instituições devem também fomentar uma cultura de
aprendizagem organizacional e criar mecanismos que lhes permitam gerir com eficiência o
conhecimento existente (quer o implícito quer o explícito). Efectivamente, o conhecimento
organizacional é um património valioso que tem de ser preservado. A sua gestão adequada
estimula o desenvolvimento de actividades cada vez mais criativas, designadamente as
relacionadas com a Qualidade, o que permitirá, certamente, a obtenção de níveis cada vez
mais elevados de competitividade.
Estas afirmações aplicam-se tanto às grandes empresas como às PMEs. No último caso, é
também cada vez mais visível a tendência de formação de redes, quer sectoriais quer
regionais, que facilitam a troca de experiências e, consequentemente, a aprendizagem
colectiva, com evidentes benefícios para a Qualidade e Inovação.
REFERÊNCIAS
Aria-Aranda, D., Minguela-Rata, B. e Rodríguez-Duarte, A., Innovation and firm size: an
empirical study for Spanish engineering consulting companies, European Journal of
Innovation Management, Vol. 4, Nº 3, 2001, pp. 133-141.
Cozijnsen, A.J., Vrakking, W.J. e Ijzerloo, M., Success and failure of 50 innovation projects
in Dutch companies, European Journal of Innovation Management, Vol. 3, Nº 3, 2000, pp.
150-159.
Kondo, Yoshio, Innovation versus Standardization, The TQM Magazine, Vol. 12, Nº 1, 2000,
pp. 6-10.
Lorente, A.R.M., Dewhurst, F. e Dale, B.G., TQM and business innovation, European Journal
of Innovation Management, Vol. 2, Nº 1, 1999, pp. 12-19.
McAdam, R., Armstrong, G. e Kelly, B., Investigation of the relationship between total
quality and innovation: a research study involving small organisations, European Journal of
Innovation Management, Vol. 1, Nº 3, 1998, pp. 139-147.
McAdam, R. e Armstrong, G., A symbiosis of quality and innovation in SMEs: a multiple
case study analysis, Managerial Auditing Journal, Vol. 16, Nº 7, 2001, pp. 394-399.
Mosey, S., Clare, J.N. e Woodcock, D.J., Innovation decision making in British
manufacturing SMEs, Integrated Manufacturing Systems, Vol. 13, Nº 3, 2002, pp. 176-184.
Udwadia, F.E., 1990, Creativity and innovation in organizations: two models and managerial
implications, Technological Forecasting and Social Change, Vol. 38, Nº 1, 1990, pp. 65-80.
Woodcock, D.J., Mosey, S.P. e Wood, T.B.W., New product development in British SMEs,
European Journal of Innovation Management, Vol. 3, Nº 4, 2000, pp. 212-221.