Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Introdução
Usando a estrutura das sete áreas e alguns dos respectivos coordenadores
dos colóquios Hoje, a BD, eis uma avaliação breve do ano de 2000, o qual se
confirmou como ano de muitas imagens, isto apesar das nossas histórias aos
quadradinhos continuem território movediço. Para grande parte da pública
opinião é ainda o lugar virgem onde moram e devem morar as infâncias (vide
polémica na sequência da publicação de "Borda D'Água", de Miguel Rocha, na
Pública). Ainda assim, algum ar soprou neste mofo, sem afastar confusões com
a ilustração e a animação, mas não seremos nós a queixarmo-nos das
contaminações. Isto mais não é do que intuição resultante de uma ou outra
experiência, pois continuamos sem fazer ideia (investigada, estudada,
confirmada) do que por cá se entende quando por cá se fala de banda
desenhada. Certo é que há autores, projectos e livros. Nada mau, portanto.
2000 DOSSIÊ 002|259
Crítica
João Paulo Cotrim
Edição
João Miguel Tavares
Witloof, Círculo de Abuso, Nova Comix. Estes três nomes – nomes de três
novas editoras dedicadas à causa da BD – bastariam para classificarmos 2000
como um ano feliz no que diz respeito à edição de banda desenhada. A
proliferação de pequenas editoras tem várias consequências positivas:
aumenta a oferta, dá vazão ao talento dos autores nacionais surgidos na última
meia-dúzia de anos e combate a hegemonia da gigante Meribérica, já que
casas como a Witloof, a BaleiAzul, a Vitamina BD e, recentemente, as Edições
Polvo, começam a penetrar em território que, até hoje, era apenas coutada
sua: os álbuns a cores oriundos do mercado franco-belga. Veja-se o caso
bizarro de Hermann, que, no espaço de um ano, viu diferentes obras suas
saírem para a rua com etiquetas da BaleiAzul, Vitamina BD e Meribérica. Só
em Portugal.
Com olho no outro lado do Atlântico, destaque para o trabalho da Devir, que,
para além dos comics americanos, decidiu investir no talento brasileiro e na
recuperação da saudosa revista Chiclete com Banana. E, no que às revistas
diz respeito, assinale-se o regresso da Quadrado, um pequeno luxo que nós
merecemos e a Bedeteca patrocina.
Fica um desejo para o próximo milénio: que as editoras escapem à ditadura
dos festivais, e iniciem uma política de lançamentos capaz de cobrir o ano
inteiro.
2000 DOSSIÊ 003|259
Autores
Paulo Patrício
AUTORES I
O ano é de boa colheita, é o mínimo que se pode dizer: Luís Louro e Rui Zink
apostaram, António Jorge Gonçalves arriscou, Miguel Rocha insiste, José
Carlos Fernandes reinventa-se, Nuno Saraiva reedita-se e a estes juntam-se
uns quantos nomes desconhecidos, alguns interessantes, e pelo menos três
editoras novas, Witloof, Círculo de Abuso e Nova Comix. A acompanhar e ao
lado de tudo isto está a Bedeteca de Lisboa, num trabalho intenso e de capital
importância para a estranha, e incompreensível, história da bd no nosso país.
Está à vista de todos que existem hoje condições para se ser autor, não há
ainda é a condição de autor de bd, o que é bem diferente, porque esta depende
directamente do estatuto social e artístico. Reconhecido, entenda-se.
Acrescente-se a seguinte formulação clássica: uma obra que apresente a
tendência correcta tem, necessariamente, que apresentar todas as outras
qualidades. Nos nossos autores a tendência neste momento é a correcta, mas
no que diz respeito à qualidade (sentido de obra e pertinência conteúdo)
continuam frágeis. Não sabemos bem porquê, talvez porque se encare a bd
como veículo para qualquer coisa, e não como o meio em si, ou talvez porque
se cultive e apoie uma certa democratização artística e autoral.
A verdade é que estamos no nível um, e a prova disso é que nos outros meios
a questão central de hoje não é a da condição, mas sim o que é o autor, se
isso não passa de uma figura puramente legal ou de uma impossibilidade
conceptual. É uma pena ainda não estarmos a ter essa discussão.
AUTORES II
As letras são contadas e o assunto é complexo, por isso nada melhor que
acreditar que sou Jesus Cristo e fazer o milagre da interpretação: em 1988
Alan Moore abandona a DC e resolve fundar a sua própria editora com a
mulher, escolhem um nome que é um reflexo do amor louco que têm um pelo
outro e os dois pela bd: Mad Love. Passados dois anos, ele termina o
argumento de Big Numbers e convida Bill Sienkiewicz para a desenhar. Este
aceita o projecto contrariado, a disponibilidade era pouca, tanto que ao
segundo número abandona o projecto. Moore tinha previsto essa possibilidade
e chama o desenhador substituto, Al Columbia, que ocupa imediatamente o
lugar. A crise artística e existencial que Columbia atravessa é tão violenta que
ele resolve largar tudo e fugir, sem avisar ninguém ou sequer deixar rastro.
Encontraram-no dois anos mais tarde a trabalhar como cozinheiro num
restaurante de terceira. Entretanto, Moore e a mulher separam-se e a editora
acaba.
Esta pequena, complicada e admirável história é contada pelos próprios quase
como uma anedota, porque o tempo concedeu-lhes a capacidade de olharem
para ela como um momento menos feliz do percurso pessoal de cada um, uma
daquelas coisas más que acontecem. Aqui, no nosso país, é vida e a condição
do autor é todos os dias assim.
2000 DOSSIÊ 004|259
Festivais
João Miguel Lameiras
Num ano em que não se realiza o Salão do Porto (com regresso previsto para
2001) mantiveram-se em actividade os dois grandes Festivais de dimensão
internacional: o Festival da Amadora e o Salão Lisboa (a ordem é alfabética,
para não ferir susceptibilidades...).
No entanto, no caso da Amadora houve alterações de comando, com Luís
Vargas a ceder o lugar a Nelson Dona. Uma mudança que acabou por se
reflectir na filosofia do próprio Festival, com a dimensão mais generalista a dar
lugar a um tema aglutinador (neste caso, os super-heróis) e, o que me parece o
mais importante, com um catálogo finalmente digno desse nome!
Quanto ao Salão Lisboa, pelo segundo ano consecutivo no espaço da Standard
Eléctrica, a qualidade de uma programação sem grandes concessões ao
grande público continua sem conseguir atrair espectadores em quantidade
apreciável, o que é pena!
A nível dos pequenos Festivais, com o fim confirmado do Salão de Viseu,
restam as Jornadas da Sobreda (este ano abrilhantado pela presença de
Hermann) e o Salão de Moura, que mesmo sem grandes meios, soube
consolidar um projecto interessante.
Resta evocar a iniciativa Braga Desenhada, promovida pela Juvemedia, que
poderá eventualmente vir a dar origem a um Festival de BD em Braga, e o
número cada vez maior de semanas da BD, promovidas por autarquias ou
universidades, um pouco por todo o país.
Fanzines
Marcos Farrajota
Investigação
Carlos Bandeira Pinheiro
Movimentos
Geraldes Lino
Introdução
Dividida por sete áreas, aí está a avaliação de 2001. Apesar de uma colheita
rica, não podemos ainda ver onde nos levarão cada uma destas acções e
experiências. E até sob a espuma destes acontecimentos hão-de fermentar
muitos projectos e histórias. Certo é que estas listas, com mais ou menos
informação, mais ou menos análise, não justificam pessimismos. A bd nacional
pode até nem existir, mas que se move, lá isso move.
2001 DOSSIÊ 008|259
Crítica
João Paulo Cotrim
Ainda não foi este ano que a crítica nos surpreendeu. Não conseguiu (será que
tentou?) acompanhar a vertigem da criação nacional contemporânea. Um
encontro de críticos sugeriu meia dúzia desses nomes e obras essenciais (na
FNAC, em 27 de Abril. Ver Contador-mor #13). O autor destas linhas, assinou
para o IPLB uma brochura trilingue, com distribuição internacional, BD
Portuguesa/Anos 90 – Guia breve de tendências, autores e temas. Carlos
Pessoa e Nuno Franco recolheram um conjunto de “biografias” de heróis
(Heróis da BD, Público). No terreno das páginas periódicas pouco mudou.
Alguma recensão nas regionais, irregularidade nos jornais de referência (com o
regresso do Blitz à recensão numa página animada por Arnaldo Pedro e o
colectivo Cru). Novidade terá sido os textos de José Marmeleira, na artlink e
Ana Ruivo, no Expresso, curiosamente ambos oriundos do universo das artes
plásticas. Continuaram com mais afinco João Miguel Tavares, João Ramalho
Santos e Pedro Cleto. E com menos Carlos Pessoa ou João Paulo Paiva
Boléo. (As notícias e recensões podem ser acompanhadas na secção recortes
de www.bedeteca.com).
Apesar de não ter saído mais nenhum volume dos Cadernos da Bedeteca, a
Bedeteca editou outro Quadrado, com um dossier sobre os territórios do
feminino (sob batuta de Paulo Patrício). Isto além de Hoje, a BD 1996/1999,
que reúne as comunicações aos colóquios com o mesmo título e onde João
Paulo Paiva Boléo assina dois excelentes e infelizmente actuais retratos da
crítica nacional. Ao belo Muñoz/O Homem de Tinta da China (com um ensaio
de Lorenzo Mattotti) há que somar ainda com alguns dos textos incluídos no
catálogo geral do Salão Lisboa 2001 (Domingos Isabelinho sobre Pedro Nora,
Jan Baetens sobre Vincent Fortemps, António Cabrita sobre Vera Tavares),
bem como o dossier sobre Jijé nele incluído.
Para o Festival da Amadora, João Miguel Lameiras organizou não apenas a
exposição Confluências e Influências Externas na B.D. Portuguesa (1935-2000)
como o conjunto de textos publicados no respectivo catálogo.
Menos jornais, mais livros: o impulso crítico não está morto.
2001 DOSSIÊ 009|259
Edição
João Miguel Tavares
Autores
Paulo Patrício
Está visto, temos quase tudo, mas falta a popularidade. Não no sentido de
sermos todos populares é claro, mas da banda desenhada que fazemos
pertencer outra vez à cultura popular portuguesa, o que não acontece desde
que os nossos livros foram atirados para as livrarias. É como se não houvesse
a banca de jornais, o quiosque ou a tabacaria da esquina, lugares onde vai
toda a gente, principalmente aquela que está-se nas tintas para o que foi dito
aqui. Gente que precisa de histórias, e não as tem à mão.
Festivais
João Miguel Lameiras
Fanzines
Marcos Farrajota
Este ano, a área dos fanzines concretizou-se em mais uma mão cheia de
propostas cheias de energia e inovação, mesmo quando se pode apontar para
algumas das tendências registadas em 2000.
As tendências... a) Namoros com a tecnologia: mais um fanzine em CD-ROM
(pelo colectivo Extractus), mais páginas web: Bizarro, A Língua, Os Positivos e
Zundap, e o grande vencedor, Gritante. Um livrinho com uma bd muda
acompanhado por um CD que tem a sua banda sonora mas também video-clip,
música electrónica e a bd transformada em animação, teve uma instalação no
Salão Lisboa, é preciso dizer mais? b) A periodicidade: para A Língua, Durty
Cat (estreia da Ana Ribeiro) e Gambuzine é trimestral, para o experimental
Succedâneo é uma corrida de dois em dois meses sem perder a qualidade e a
loucura... veio à Bedeteca lançar um número e fez 5 anos de vida, parabéns! c)
Os autores pescados para os formatos profissionais: Esgar Acelerado para o
Blitz, Francisco Vidal e Pepedelrey para a colecção LX Comics.
Quanto a circulação de títulos: o Carneiro Mal Morto voltou, lançaram-se o Ex-
Man (fanzine de ilustração por Miguel Carneiro), o Na verdade tenho 60 anos
(de Joana Figueiredo) e o Zundap (de cultura Pop mas que muito destaca a bd
e ilustração nas suas páginas), continuaram o Bactéria, o Bizarro, o Sub e o
The Killer Season Fanzaíne, o autor Janus voltou com Amaldiçoado. Pelo meio
fica o catálogo de fanzines organizado pelo Gambuzine que pouca
2001 DOSSIÊ 013|259
Investigação
Carlos Bandeiras Pinheiro
Movimentos
Geraldes Lino
Introdução
Crítica
João Paulo Cotrim
É facto comprovado e até temido que houve uma explosão da oferta editorial
da bd. O fluxo mainstream multiplicou-se com a dispersão de editoras e com
óbvios ganhos para o leitor; os norte-americanos estão representados com
excelentes produtos; as traduções chegam em bom ritmo e a produção
nacional (para o melhor e o pior) não deu sinais de diminuir. A partir de uma
experiência inicial da Devir com A Pior Banda do Mundo, de José Carlos
Fernandes, andam no ar mais hipóteses de internacionalizar autores
portugueses. Perante tais movimentações, que faz a crítica? Lê, quando muito.
Pensa muito pouco.
A geografia dos nomes nos lugares (jornais, revistas, net) mantém-se mais ou
menos inalterada, se descontarmos pequenas oscilações e irregularidades,
explicadas sobretudo pelas dinâmicas internas de cada título ou por atenções
de circunstância a certos temas (festivais, o boom da edição, etc). Nas leituras
com olhar crítico continuaram com periodicidade e qualidade regulares: João
Miguel Tavares, no DN; Pedro Cleto, no JN; João Ramalho Santos, no JL e na
Ler. Arnaldo Pedro manteve o mesmo registo no Blitz. João Paulo Paiva Boléo
publicou menos, no Expresso, que acolhe ainda, de vez em quando, Vítor
Quelhas e o autor destas linhas. No Público, continuaram com menos
regularidade e qualidade, Nuno Franco (será que ele entende os textos que
escreve?) e Carlos Pessoa (será que ele revê os textos que escreve?). No DN,
na sua coluna de sábado, e por vezes na revista Op, João Lopes assinou
textos intensos e perspicazes. Como luminoso continuou o trabalho de José
Marmeleira, na Artlink. A “recencionite crónica” (tantas vezes abaixo da
indigência) espalhou-se pela net, por exemplo na Central Comics, ou por outras
publicações mais específicas, como a (trimestral e gratuita) Mondo Bizarre.
É certo que surgiram duas novas revistas, a Comix e a Metal Hurlant, mas sem
grandes reflexos para além de uma bem intencionada divulgação. O Festival da
Amadora publicou, com a Devir, um catálogo desastrado – o dedicado a Alan
2002 DOSSIÊ 019|259
Edição
João Miguel Tavares
Donde, surge a questão inevitável: Haverá lugar para todas as editoras? Quem
vai comprar o meio milhão de livros que foi lançado no mercado? Ninguém,
claro. O próximo ano vai com certeza ser de recessão. Donde, é aproveitar o
tempo de vacas gordas, porque não se voltará a editar tanto e com tanta
qualidade tão depressa.
Autores
Paulo Patrício
Não me lembro de outro ano assim, absurdo e cinzento como este, onde quase
tudo mudou, mas nada foi definitivo. A euforia autoral e editorial alternativa
parou sem dar explicações, não sabemos o que é feito de todos os autores que
andaram por aí até agora, nem temos folheado nada das editoras que existiam
para os publicar.
É uma infelicidade não haver sinais alternativos, mas eles não poderiam
persistir muito mais tempo, ou ter a sua importância, sem que o outro lado
estivesse presente em força, o das editoras com vocação comercial. Foi uma
experiência que não obedeceu a mais elementar das regras: para cada acção
há uma reacção oposta. Aquilo que as editoras alternativas publicaram flutuou
entre a banda desenhada e a ilustração, entre a banda desenhada e a pintura,
entre a banda desenhada e outra coisa qualquer que ninguém sabe bem o que
2002 DOSSIÊ 021|259
é, nem sequer os próprios autores. Foram anos de estilo, e ainda que isso
tenha algum mérito artístico, a verdade é que alguns autores fizeram uso do
estilo para combater a incapacidade de contar histórias e disfarçar falhas de
linguagem. O estilo é a forma como a linguagem de um determinado autor se
apresenta, parte de um conjunto de regras artificiais estabelecidas pelo autor e
tem como objectivo criar a ilusão de que as soluções utilizadas são aquelas e
não poderiam ser outras.
A dificuldade está na capacidade que cada autor tem ou não de ser um bom
ilusionista, e dentro dos alternativos nós tivemos bons ilusionistas, maus
ilusionistas, ilusionistas assim-assim que sempre foram entusiasmando o
público com alguns truques, vá lá. Agora que as potenciais grandes
companhias de circo nacionais marcam terreno nas entradas das cidades, com
ilusionistas de renome internacional e outras criaturas amestradas em cartaz,
não há reacção por parte dos ilusionistas alternativos, que entretanto vão
fazendo o que podem pela vida a vender bifanas em estradas secundárias e
portas de discoteca. É triste, mas é verdade, só houve reacção quando existia
uma editora moribunda e vários apoios institucionais. Fomos nós no nosso
melhor.
Festivais
João Miguel Lameiras
Num ano em que não se realizou o Salão do Porto e em que do Salão Lisboa
apenas tivemos direito à mostra da Ilustração Portuguesa, agora no magnífico
espaço do Oceanário, o Festival da Amadora viu-se naturalmente guindado a
uma posição de maior destaque neste balanço.
Com isso, e com o regresso do Salão Lisboa, 2003 promete ser um ano muito
mais animado, no que aos Festivais de BD diz respeito...
2002 DOSSIÊ 023|259
Fanzines
Marcos Farrajota
- Saíram monográficos: “Há uma luz que nunca se apaga” de José Lopes
(editado por Geraldes Lino) e “Zé Mesias deputado” de Artur Varela (pela
Zundap), e ainda os auto-editados “Uma porta serve para entrar como para
sair” de Pedro Moura e da coreana Koh Eun-Kang, “Aconteceu” de Rohke
Vorne e Phermad, e “Paris morreu” de Nuno Duarte e Pepedelrey, todos eles
criando os seus selos editoriais, Montesinos (de Pedro Moura em Seul), Dr.
Makete (de Vorne) e El Pep (de Pepedelrey).
Amadora é que pela segunda vez consecutiva não se interessou por uma feira
de fanzines - e ainda bem, dado o mau gosto galopante e exacerbado da
edição deste ano até dava mau nome aos fanzines estarem-lhe associados!
Investigação
Miguel Coelho
Que 2002 foi um ano muito fértil na edição de álbuns, ninguém duvida. No
entanto, ao nível da investigação, o ano foi bastante pobre, comparando com
qualquer um dos últimos seis anos...
Considero que quem escreve sobre BD, nomeadamente nos jornais, revistas
ou outros suportes, para além de emitir as suas opiniões deverá ter em conta a
“formação” do leitor, dando-lhe pistas acerca de outras obras de um mesmo
autor, autores que utilizaram um mesmo tema, circunstâncias que ditaram
determinada situação, explicar a terminologia do meio ou outras informações
2002 DOSSIÊ 028|259
Movimentos
Geraldes Lino
Associações bedéfilas.
O Clube Português de Banda Desenhada, editou o 101º nº do Boletim CPBD.
O Grupo Bedéfilo Sobredense mantém as Jornadas de BD da Sobreda e o
fanzine Cadernos Sobreda BD, agora no nº18. Nas associações informais, a
Tertúlia BD de Lisboa há 17 anos que homenageia autores todos os meses, a
Tertúlia Lisboa de Fanzines comemorou os 30 anos do primeiro fanzine em
Portugal, com colóquio e expo na Livraria Ler Devagar, a Associação Chili Com
Carne, de Cascais, teve duas feiras de zines em Lisboa, uma no edifício A
Capital, outra no Espaço Vírus, o Atelier Toupeira, de Beja, fez exposições no
Salão BD de Moura e na Bejalternativa, nesta também uma feira de fanzines.
Concursos.
Mantêm-se os da Amadora (Festival), de Moura (Salão), da Sobreda
(Jornadas), da Livraria Dr. Kartoon, de Coimbra, e da Junta de Freguesia de
Olhão. Surpresa foi o do Jornal de Notícias, sob o tema "O Crime Não
Compensa".
2002 DOSSIÊ 029|259
Cursos
Em Lisboa: no AR.CO, Ilustração e BD, por Alice Geirinhas, Daniel Lima e
Nuno Saraiva; na Bedeteca, Workshop de Ilustração e BD, por Alice Geirinhas
e Marcos Farrajota, Às voltas com a BD e O que é um fanzine?, ateliers por
Rosário Tavares. Na Amadora: no CNBDI, Curso de Iniciação à BD, o 2º por
Rui Brito, e Workshop Faz Fanzines, por Geraldes Lino; na Escola Intercultural,
Workshop de Literatura Gráfica, por Álvaro Áspera dos "Fazedores de Letras".
Em Beja: o Museu Regional organizou Ateliers de BD, um na Casa da Cultura,
outro no Jardim Público, ambos dirigidos por Paulo Monteiro.
Exposições.
Em Lisboa, organizadas pela Bedeteca: Conto(s) Contigo, colectiva, com
edição das bedês em cartazes, expostos em vários locais, um deles o Forum
Cap Mag, em Paris, e Interpretações Desenhadas, adaptações à BD de obras
literárias. Ainda em Lisboa, no edifício A Capital, Mutate & Survive, Exposição
Internacional de BD + Ilustração, na Livraria Municipal, a Semana de BD e
Ilustração, e no Instituto Franco-Português 10 Autores Contemporâneos em
França. No CNBDI da Amadora esteve Alan Moore, aliás, pranchas de vários
artistas para quem ele tem feito argumentos. Em Faro, Fragmentos, expo de
Cartoon e BD, de Phermad, na Galeria do I.P.J.; no mesmo local, Mais Jovem,
pranchas de bd de Bruno Silva. Em Loulé, na Casa da Cultura, de novo
Phermad com Já Aconteceu. Em Loulé e São Brás de Alportel, esteve A Pior
Banda do Mundo, de José Carlos Fernandes.
Sítios na Internet.
Um novo site: www.bizarro.cc
Livrarias Especializadas.
Mais uma em Lisboa, Kingpin of Comics, e outra no Porto, a Fantas Comic.
Introdução
Crítica
Pedro Moura
Não quero com isto dizer que o que se escreve é mau ou inconsequente.
Baldick diz ainda que a crítica moderna se divide sobretudo em dois campos: o
do mercado, “porque é que se deve comprar este livro?”, e o educacional,
“porque é bom este livro?”. Mais uma vez, o fiel português força um prato bem
abaixo do outro. O do mercado.
salutar que surjam projectos de toda a índole. Toda. Goste-se ou não. Portugal
tem assistido nos últimos anos a um crescimento, que talvez tenha abrandado
neste último ano, mas não substancialmente, do seu “mercado”.
Os gregos poderiam ter palavras mais esquisitas que as nossas, mas todas
tinham a sua função consistente, e infelizmente hoje confundem-se. Estética,
aisthētiké, significava “faculdade de sentir ou compreender pelos sentidos”.
Menos conhecida é talvez a estese, de aísthēsis, “faculdade de sentir ou
compreender pelos sentimentos” (veja-se o dicionário etimológico de J.P.
Machado). Presumo não ser necessário discorrer muito que, se a segunda
faculdade esbarra contra essa grande aporia usualmente coroada com o
anexim De gustibus et coloribus non est disputandum, a primeira exige um
mais relevado balanço analítico e cerebral.
Dos regulares, com grande destaque para todos os Joões seguidos de mais
dois nomes (presumo que seja uma tramóia maçónica) – João Miguel Tavares,
João Miguel Lameiras, João Ramalho Santos e João Paulo Cotrim, o que
pautava as suas escritas mantém-se. Os critérios de visibilidade,
disponibilidade e imediatez no mercado operam sobre as obras escolhidas,
mas são estas as pessoas que melhor escrevem nas publicações regulares do
país. João Miguel Tavares é algo desigual na sua escrita e considerações, mas
tem uma produção assombrosa a louvar. Permita-me que chame a atenção
para o facto de que a bd não é um género, mas sim um modo, o qual
compreende vários géneros em si. Presumo ser fácil renovar a caixa no fim de
cada artigo. João Miguel Lameiras é uma pessoa, como sempre, bem
informada e esclarecedora, perguntando-me apenas se não se perde essa
informação toda no jornal em que escreve e o seu fascínio por obras que, não
obstante estarem disponíveis nova e mais facilmente em Portugal, pouca
novidade trazem. João Paulo Cotrim continua a ter o dom da palavra, mas é
2003 DOSSIÊ 035|259
Afora estes recenseadores, Carlos Pessoa parece ter-se reduzido este ano às
notas que vão saindo no Público que acompanham a edição do Tintim, pelo
que não há muito a dizer; Pedro Cleto, que infelizmente tem muito pouco
espaço, parece fazer a maioria das suas escolhas de temas num site
francófono e simplesmente traduzir as notícias de que vai sabendo…
Que não dos regulares, alguns dos artigos pecam por variadíssimas razões:
alguns são fracamente mal escritos, com um português desassociado das
regras elementares da sintaxe, ou chãos. Mais grave em termos informativos é
não procurarem garantir que os dados sejam verdadeiros e exactos, chegando-
se a falar de Marcos Farrajota como director da Bedeteca, e da BD Fórum
como orientada para “o ensaio e a vanguarda”!
Há surpresas, ainda que dúbias, por vezes. José Mário Silva deu alguma
atenção ao livro recentemente editado em Portugal Fantomas contra os
vampiros multinacionais, criado sobre um texto de Julio Cortázar. Mas
infelizmente deixa o facto deste ser um volume de bd (híbrido) praticamente
desapercebido.
Quanto à publicação Juve BD, que segundo o design parece um panfleto das
promoções de um supermercado, se fosse dirigido “à pequenada”, aceitar-se-
ia, e mesmo assim... Como algo feito por adultos cultores de um tipo de leitura,
informados ou não – e não discuto o aspecto comercial, de que já falei – é de
uma reflexão inexistente, se não mesmo anedótica.
2003 DOSSIÊ 036|259
Uma vez que há um certo culto do autor instaurado, uma mitificação dos
desenhadores ou escritores, elevados a “génios”, é quase como se esses seres
humanos não tivessem momentos de maior ou menos felicidade nas criações,
como se as suas obras fossem sempre um crescendo, o que não é verdade em
praticamente nenhum autor. Os novos trabalhos de autores como José Carlos
Fernandes, Arlindo Fagundes, Nuno Artur Silva e António Jorge Gonçalves,
Diniz Conefrey, Luís Louro, são vistos como objectos de comemoração, e não
se pensa mais sobre a importância desses trabalhos perante um panorama que
não apenas o nacional, o que esbate em muito o valor dessas obras.
2. ao falarem de Nós Somos os Mouros, editado pela Assírio & Alvim, não vi
uma só referência à edição original da revista Le Cheval sans Tête, Nous
Sommes Les Maures, da editora Amok, de 1998. Menção que nem a edição da
A&A tem, sem prefácio, explicação, comentário, nota. Ambas as edições têm
diferenças significativas, sobretudo de cortes, apesar da portuguesa
acrescentar dois textos de Jõao Paulo Cotrim e Hernández Cava, e uma bd de
JPC e Daniel Lima. Mas porque em nada se falou?
Volto a repetir. O que nós temos que passa por “crítica” está associado
sobretudo à resenha jornalística, atenta ao mercado. E infelizmente, no
panorama das publicações culturais em Portugal pouca ou nenhuma atenção
dá a esta arte. A Magazine Artes publica artigos de JPC, mas as outras revistas
de temas culturais não olham nesta direcção. Noutros países, nem sempre é
assim. A Beaux Arts dedicou em 2003 dois números hors-série à bd. Apesar
desta não ser das revistas mais sofisticadas sobre artes em França, e alguma
das informações contidas nestes números ser “requentada”, as bds inéditas e
as pequenas biografias não são de desprezar de todo. Mais longe, na Coreia
do Sul, a Wolganmisool, revista sobre a cena das artes visuais do burgo, no
seguimento da exposição La Dynamique de la BD Coréenne no 30º Festival de
Angoulême, publicou 5 artigos relativos ao tema “Art & Comics”.
de análise que tento avançar, mal ou bem. Julgo que se referiram ao meu texto
sobre O Diário de K., de Filipe Abranches, como “excesso académico”, mas
ninguém me apresentou questões de fundo, estrutural ou até de pertinência.
Gostaria de ver surgir discussões entre quem pensa a bd. Para que eu possa
aprender, sobretudo, em como o fazer. Este espaço é único, mas não é bom
que o seja.
O acto da leitura crítica é legítimo, sobretudo tendo em conta o que diz Manuel
Frias Martins sobre a crítica como “projecto de recuperação mimética de
eventuais paradigmas que circunscreveram a produção de um texto” (itál. orig.;
ver. cap. II de Matéria Negra. Cosmos: 1993). Existem muitas categorias,
escolas, e posições às quais a análise se poderá relacionar: a obra na sua
genealogia, a sua relação ao cânone, os temas étnicos, sexuais, políticos e
ideológicos, as categorias da retórica (e as especificidades deste modo) a que
obedece e desobedece, aspectos psicológicos, sociológicos, de diálogo fora do
seu campo de acção, de comentário perante um interlocutor imediato ou menos
imediato, seguir a teoria da recepção ou integrá-la numa rede de influências,
aferroada sobretudo na trilogia de Harold Bloom sobre a teoria do revisionismo,
etc. São poucos os que o fazem, para além de chamar a atenção para o que
está disponível nos escaparates. Não é preciso mais atenção ao que se vai
publicando num círculo mais vasto – pois quem escreve sabe-o – mas é
preciso que o coloquem à disposição dos leitores, e integrem o que falem
nesse esquema mais vasto. Não sou apologista do fanzine per se – apenas se
a qualidade e metodologia do mesmo importa – mas é preciso falar mais da
produção nacional, de outros objectos editoriais mais híbridos, menos
concretos, debruçarem-se mesmo sobre bds curtas que surgem pelas
publicações. Parece existir algum tipo de cegueira, de adversidade
generalizada a este tipo de produção.
Aparte Domingos Isabelinho (que viu publicado no final de 2002 no The Comics
Journal um belíssimo artigo sobre o último livro de Baudoin), é raro ver alguém
fazer comentários e leituras que respeitem a recuperação mimética que
mencionei Muitos assustam-se com o que se diz, mas o que é dito é pensado.
E falar de Gardfield? Não me lixem!
2003 DOSSIÊ 039|259
Edição
João Miguel Tavares
À margem das editoras propriamente ditas, 2003 ficou sem dúvida marcado
pela aposta na BD de dois jornais de grande tiragem. O Público está a editar a
obra completa de Tintim e o Correio da Manhã tem vindo a distribuir aos
domingos uma miscelânea de títulos que abarcam múltiplos autores e múltiplos
estilos. Ambos os projectos parecem estar a ser bem sucedidos, o que
2003 DOSSIÊ 042|259
demonstra que a BD continua a ser uma arte capaz de apelar a uma larga fatia
de público.
Em jeito de conclusão, devo afirmar que o próximo ano vai com certeza ser de
recessão. Donde, é aproveitar o tempo de vacas gordas, porque não se voltará
a editar tanto e com tanta qualidade tão depressa.
Autores
Paulo Patrício
autores e poupar críticos, assim, sem mais nem menos. Quem tem de provar
alguma coisa são os autores, foi a estranha, curta e grossa resposta que eu
ouvi do crítico, isto como se os autores não pudessem exigir nada dos críticos,
nem sequer um português bem escrito. Sem se dar ao trabalho de me dar mais
explicações, levantou-se, pediu-me dinheiro para o café e foi-se embora sem
se despedir. Angustiado de morte, limitei-me a pensar que Joyce tinha razão.
Festivais
João Miguel Lameiras
Em relação ao Festival da Amadora, esta 14ª edição foi marcada pela ausência
de uma série de autores anunciados, não compensadas pelas presenças
surpresa dos argentinos Carlos Trillo e Eduardo Risso. Em termos de
exposições, uma evidente melhor gestão cenográfica do espaço ingrato da
Escola Intercultural, não escondeu a falta de critério da exposição principal,
dedicada às “Mulheres na BD”. De qualquer modo, nem o público nem os
editores faltaram ao encontro e, para o ano, com o Festival a atingir a sua 15ª
edição, é natural que o Festival aposte mais forte em termos de autores e
exposições.
Mas, para 2004, a grande dúvida será ver como evoluem o BD Fórum e o
Salão de BD daExponor e até que ponto essa evolução irá ou não influenciar
os Festivais da “velha guarda”.
2003 DOSSIÊ 045|259
Fanzines
Marcos Farrajota
Haverá só uma crise geracional? Também, e uma económica que deve explicar
a ausência de mais zines. Mesmo para um tipo de produção barata como a dos
zines exige algum tempo e dedicação. Nestes tempos stressados que vivemos
percebe-se que há pouco “tempo-é-dinheiro” para os zines.
Ainda assim continuaram: Durty Kat (da Ana Ribeiro), Terminal (com 4
números de uma só vez), Saboniz (dedicado a ilustração e design por Nuno
Valério), o velho Shock (com o Tornado do Estrompa a comemorar 10 anos),
Carneiro Mal Morto, Porca Frita e Notibó (ambos das Caldas da Rainha), o
eterno extravagante Succedâneo (de João Bragança), Zundap (zine de cultura
Pop e com morte anunciada para 2004), Sub (de Pitchu!) e O Papel do Monstro
(de estudantes da FBAUL). E dos que continuaram o que teve mais impacto foi
o Ups! (da Guarda) que foi acompanhado por uma exposição e que recrutou
ainda os talentos de Rafael Gouveia, Filipe Abranches e André Lemos.
Novos títulos: O/velha Negra (da Madeira), Espiral (de Noé Touraldo), A Carne
(de Ana Ribeiro e Miguel Tavares) e Jungle Juice (de Rute Santiago e Pitchu!).
2003 DOSSIÊ 046|259
Não houve o Na verdade tenho 60 anos mas Joana Figueiredo editou os novos
mini-zines Menina Jesusa e Chicken Bloody Rice, ambos de ilustração e o
último com restos (falsos) de arroz de cabidela que ainda assim fez um cromo
da bd vomitar!
Feiras pelo país inteiro: Caldas da Rainha, S.Romão, Cacilhas (devia ser o ano
da Feira de Fanzines de Almada mas tal não aconteceu infelizmente), Cascais,
Lisboa (Salão Lisboa, Estufa Fria, ZDB Tercenas), a maior parte delas
organizadas pelo colectivo Crime Creme ou pela Associação Chili Com Carne.
Houve uma exposição de fanzines em Viseu intitulada Cidade Desconhecida e
ainda participação de alguns títulos em eventos como o Mercado Negro (Porto)
e Mundo Mix (Lisboa). A maior feira dedicada às edições alternativas foi
Fantasias de Natal (no Cais do Sodré), organizada por um grupo entre os quais
incluía o zine Succedâneo e Associação Chili Com Carne.
Frente a esta miséria medieval, o que dá para concluir é que os projectos que
mais se destacaram em 2003 foram os que resultaram de esforços conjuntos –
de colectivos. Num ano em que no Salão Lisboa esteve presente o associação
eslovena Stripcore – que levou a desconhecida bd eslovena à
internacionalização, num país com menos condições do que o nosso! – não se
pode dizer não há bons exemplos para conhecer e copiar. Não é à toa que
destaco “Puro Capricho”, uma estranha brochura do colectivo In Útil que saiu
durante uma exposição de artes plásticas na Galeria Parthenon. Trata-se de
uma fotonovela realizada e produzida pelo colectivo e paginada por Miguel
Rocha. A atmosfera da fotonovela lembra ingenuamente as bd’s de M.A. Martin
pelo “gore” cirúrgico e é o caso mais feliz em volta da bd e edição
independente para 2003. O irónico disto é que este trabalho cheio de frescura
resulta de esforços conjuntos de pessoas à margem da bd e da edição - se
2003 DOSSIÊ 047|259
Investigação
Adalberto Barreto
Na verdade tinha uma vaga ideia de que o conceito tem sentidos diferentes
consoante a disciplina e que dentro das diferentes disciplinas também pode ter
sentidos e alcances distintos consoante as escolas ou doutrinas. De qualquer
modo, sabendo de antemão que não iria entrar em campos ocultos como a
investigação da paternidade, criminal, paranormal, militar, matemática ou
darwiniana, quedo-me, assim, pela tradicional investigação em Ciências
Sociais e dentro desta, não vou entrar em campos como a economia ou o
direito, pelo que me fico na INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA (com recurso à
tradicional pesquisa documental em fontes publicadas há mais de 25 anos) e
pela INVESTIGAÇÃO SOCIOLÓGICA (com recurso aos métodos estatísticos,
às entrevistas e aos inquéritos).
Para finalizar esta espécie de introdução resta-me referir que só irei escrever
sobre os trabalhos de investigação que chegaram ao público em suporte de
papel ou digital. Ou seja só me vou referir àqueles trabalhos que foram
publicados em livros, revistas ou na Internet. Isto para deixar bem claro que
todos os eventos ou exposições que tiveram lugar no ano de 2003 e que
obrigaram os responsáveis ou comissários a um inquestionável trabalho de
investigação mas que não estão documentados de uma forma acessível não
serão aqui referenciados.
A todos aqueles que virem omitidos neste texto os seus trabalhos, peço desde
já desculpas antecipadas.
A PESQUISA HISTÓRICA
BEDETECA 2003
O grande laboratório de investigação em Portugal (o seu catálogo conta com
mais de 20 monografias referentes a grandes nomes e momentos da história
da BD portuguesa e internacional), viu reduzida significativamente desde 2002
a sua actividade nesta área, a ponto de podermos referir que no ano de 2003
muito pouco se produziu no âmbito da investigação histórica.
Por outro lado, o Salão Lisboa, que teve como país convidado a Alemanha e
como tema “As fronteiras” acolheu sobretudo exposições de autores
contemporâneos. As duas exposições (também integradas no Salão) que
decorreram nas instalações da Bedeteca “A navalha de pitanga” e “Check in”
são exposições de âmbito contemporâneo (embora a Pitanga tenha sido
publicado pela primeira vez em 1985 com La chavalita), pelo que não vale a
pena aqui desenvolver.
Um bom artigo (pequeno mas com muita informação) da autoria de Pedro Cleto
sobre a guerra na banda desenhada (“Conflitos em banda desenhada: breve
abordagem”, págs. 9 – 15) e sobre a forma de como o tema foi visto e
retractado ao longo do tempo. É um texto a ter em atenção que surpreende o
leitor por incluir muito mais do que se esperava uma vez que não se limitou à
guerra tradicional (ou convencional registada no século XX), indo buscar
também exemplos de conflitos ligados ao western, à ficção científica à BD
histórica, à BD reportagem e biográfica.
Também Igor Prassel no seu artigo sobre a banda desenhada eslovena, dedica
as primeiras páginas à história da banda desenhada no seu país (págs. 121 –
135), pelo que nos merece também uma especial atenção, sobretudo ao saber
que as primeiras BDs nascidas na imprensa eslovena no início do século
(então sob o domínio do império austro-húngaro) se chamavam “anedotas em
movimento”.
NA INICIATIVA PRIVADA
Fora do contexto institucional público da Bedeteca e da Câmara da Amadora
temos de ter em atenção pelo menos uma iniciativa editorial em 2003 no
âmbito da investigação histórica. Trata-se de “As aventuras de Hergé” de
Fromental, Boucquet e Stanislas publicadas pela Mais BD, em que Hergé
(autor e criador de Tintin) se torna uma personagem de banda desenhada. A
inclusão desta obra deve-se ao facto de a narrativa ter sido apoiada e
fundamentada numa investigação documental rigorosa. Trata-se de
investigação histórica (com humor e fantasia) divulgada em banda desenhada.
2003 DOSSIÊ 053|259
A primeira é a obra dedicada a “Vasco Granja: uma vida: 1000 imagens” uma
justa homenagem a uma das figuras que mais promoveu a banda desenhada
(foi ele que importou para Portugal a expressão “banda desenhada”). Do ponto
2003 DOSSIÊ 055|259
No CIRCUITO INDEPENDENTE
Importa lembrar o trabalho realizado pelo Colectivo A Língua em especial a sua
publicação (a)periódica “Satélite Internacional” que contém quase sempre
textos com uma forte componente de investigação. Na impossibilidade de
escrever individualmente sobre cada um dos trabalhos com estas
características inseridos no número 3 (Maio de 2003) destaco as entrevistas
rotativas de Ana Cortesão a Alice Geirinhas, desta a Isabel Carvalho e da
Isabel Carvalho à Ana Cortesão em que num tom de conversa marcadamente
informal e feminina (quase íntima) se obtém valiosa informação biográfica e
bibliográfica sobre as autoras (Dossier chiclete).
NA INTERNET
Ainda sobre a investigação não podia deixar passar em claro o fantástico
trabalho de Daniel Maia sobre as edições de banda desenhada em Portugal
referentes ao ano de 2003, ano em que se bateram todos os recordes de
edição em Portugal. O levantamento encontra-se disponível no site Central
Comics (“Corrida editorial”) e contabiliza todos os títulos publicados em 2003.
De acordo com este levantamento em 2003 editaram-se 450 novos títulos,
entre álbuns e revistas.
2003 DOSSIÊ 056|259
EM CONCLUSÃO
Podemos referir que em matéria de investigação o número de edições foi
inversamente proporcional ao boom editorial que se verificou. Se analisarmos a
bibliografia infra encontramos apenas 4 monografias que se integram no âmbito
da investigação (sendo que uma delas “As aventuras de Hergé” não pode ser
considerado um trabalho de investigação “tout court”). É manifestamente pouco
face a anos anteriores. As restantes entradas bibliográficas dizem todas
respeito a artigos publicados em monografias. Sobre o facto não vale a pena
especularmos muito. É por todos sabido que as entidades públicas estão
claramente a desinvestir nesta área, sendo que o grosso das publicações de
investigação em BD tiveram entre 1996 e 2001 origem na Bedeteca (durante o
mandato de João Soares). Por outro lado dado o preço elevado deste tipo de
publicações (aliado ao custo das exposições e aos honorários dos comissários)
e dada a escassa procura é natural que as entidades privadas não manifestem
grande interesse neste tipo de investimento. Esperamos pacientemente por
melhores dias.
ARTIGOS E ENTREVISTAS:
CANDLER, Paul – Mulheres na BD norte americana // In: BD Amadora 2003 :
XIV Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. – Amadora :
Câmara Municipal da Amadora ; CNBDI, 2003. pp. 76 – 77.
GRANJA, Vasco ; BOLÉO, João Paiva... [et al.] - Conversando com Vasco
Granja // In: Vasco Granja : uma vida... mil imagens. - Porto : Asa, 2003. - pp.
11 - 30.
MONOGRAFIAS
AMADORA. Câmara Municipal. Festival Internacional de Banda Desenhada da
Amadora – BD Amadora 2003 : XIV Festival Internacional de Banda
Desenhada da Amadora. Amadora : Câmara Municipal da Amadora, 2003. –
177 p.
2003 DOSSIÊ 059|259
INTERNET
MAIA, Daniel – Corrida editorial 2003 // In: www.centralcomics.com
Movimentos
Geraldes Lino
Concursos
Continuam a efectuar-se os que se englobam em eventos especializados,
designadamente Festival Internacional de BD da Amadora e Salão BD de
Moura.
Caso invulgar é o da Livraria Dr. Kartoon, de Coimbra, ao manter a sua
participação anual neste género de iniciativas, com a mais valia da edição em
álbum das bedês premiadas. Uma entidade até agora desconhecida nesta
área, a Oh sXXI (descodificando: Oliveira do Hospital, século XXI), lançou o I
Concurso de BD OH sXXI, com tema inaudito: "Um super-herói na Serra da
Estrela". O regulamento previa a exposição das pranchas dos concorrentes
entre 3 e 31 Dezembro, integrando o Agirarte 06 – Festival de Artes Plásticas
de Oliveira do Hospital. A componente BD ficou sem efeito: as obras
2003 DOSSIÊ 060|259
Cursos
Vão-se fazendo, curtos uns, mais extensos outros: os cursos anuais de
Ilustração e Banda Desenhada da Ar.Co. e de Banda Desenhada do
CITEN/Gulbenkian. As mesmas áreas foram ministradas no workshop de verão
da Ar.Co. e Bedeteca de Lisboa.
Exposições
Começando pelo sul: no Algarve, em excelente enquadramento proporcionado
pelo Centro Cultural de Lagos, esteve visível a exposição "Bulhão Pato", em
que foi possível visionar as pranchas da bd "Entreângulos", de Francisco Vidal.
Isso entre 12 de Julho e 9 de Agosto. Em Faro, na Loja de Design Aqui Há Mão
e em Almodôvar, na Galeria Municipal, esteve representado José Carlos
Fernandes com "A pior Banda do Mundo".
Parando em Lisboa: "Coisas de outro mundo: as bandas desenhadas de Júlio
Resende" na Bedeteca entre 23 de Janeiro e 13 de Abril. Os Fazedores de
Letras, com a cumplicidade da Biblioteca Museu da República e Resistência,
expuseram um conjunto de pranchas de vários autores englobados no tema
"Literatura Gráfica em Fazedores de Letras". Isto em Março, de 21 a 31. No
Museu de S. Roque homenageou-se Rodrigues Alves, um excepcional
ilustrador, que foi mestre na Escola António Arroio e teve como discípulos
vários bandadesenhistas hoje consagrados. A exposição compunha-se de
peças do seu espólio legadas à Misericórdia de Lisboa, onde se englobavam
pranchas de alguns dos seus amigos e, ou, discípulos, com destaque para
E.T.Coelho, Ricardo Neto, José Garcês, José Ruy, pranchas essas que
estiveram expostas naquele local entre Julho e Outubro. "Fracturas a preto e
branco" resultaram dos trabalhos de bd dos alunos do curso 2001-2003 do
CITEN, na Escola Restart (Parque das Nações) em Julho. Pelo meio, um título
de jornal chamava a atenção: "Mil obras de BD expostas no Amoreiras
Shopping". Para um público anónimo e apressado, resto de Agosto e princípios
de Setembro foi o tempo de dar uma olhadela para álbuns e revistas de várias
épocas, resguardados em vitrinas.
2003 DOSSIÊ 061|259
Internet
Novos "sites":
http://cidadedesconhecida.com.sapo.pt
www.publico.pt/tintim
www.terravista.pt/ancora/7226
www.leonardodesa.interdinamica.com
www.tomvitoin.com
Livrarias especializadas
Mantêm-se as registadas em anos anteriores, localizadas em Lisboa, Coimbra
e Porto.
Rádio
Pouca coisa: na Rádio Voxx (91.6, é ouvir depressa, porque está em vias de
extinção) às 5ªs feiras, das 21h00 às 22h00, tem-se falado circunstancialmente
de BD, através de entrevistas a especialistas e autores, no programa
"Ultravox". A vox, perdão, a voz, é a do Tiago Gomes, esse mesmo, o do
prozine, oops, o da revista "Bíblia".
Televisão
O costume: entrevistas com autores, portugueses e estrangeiros, durante os
eventos bedéfilos: Fórum BD, Salão Lisboa e Festival da Amadora. À pala
deles apareceram nos ecrãs Francisco Sousa Lobo, Miguel Rocha, José Carlos
Fernandes, Emmanuel Guibert entre outros.
2004 DOSSIÊ 063|259
Introdução
Já é uma tradição neste sítio fazer uma avaliação anual da banda desenhada
em Portugal. Como sempre dividida em sete áreas.
2004 foi o ano da crise com a diminuição de edições e projectos - até nos
"baratos" fanzines, que curiosamente já se ressentiam em 2003 ao contrário
das editoras que adiaram o inevitável por um ano. Em aberto e (infelizmente)
sem ser discutido nestes textos, fica a questão se os eufóricos anos de 2002 e
2003 criaram novos públicos para a bd ou não. Cremos que não, caso contrário
a crise não teria sido tão acentuada.
2004 DOSSIÊ 064|259
Crítica
Pedro Moura
Sobretudo cabeça.
Este artigo é dedicado à memória de Will Eisner. Não sendo o primeiro, nem o
segundo nem o último autor de banda desenhada a pensar criticamente o
modo em que trabalhava, foi no entanto um dos seus mais brilhantes maître
artisan en métier d'art. Aquando da sua passagem pela Amadora, troquei umas
brevíssimas palavras com Eisner. E é a sua forma de gigante se apequenar
junto a nós, anões, que nos torna ainda mais pequenos.
1. Estado da nação
A crítica extrai livremente das definições conceptuais das estéticas, sem estar
associada a nenhum rigor sistemático em particular. Eis uma frase de Rainer
Rochlitz que pode servir de aviso e lição sumária.
O que se passa, porém, quando não há sequer uma definição, por mais ténue
que seja, por detrás de um trabalho crítico? Que se passa quando a
argumentação é fácil, impressionista, pessoalíssima, e no pior dos momentos,
débil ou mesmo inexistente?
No ano passado, houve quem não percebesse o texto que escrevi. Vou tentar
usar o mínimo de frases subordinadas. E conjunções.
Não tenho muito a dizer que seja substancialmente diferente do texto desse
ano. Quem escreve bem e regularmente continua a fazê-lo, e dando provas de
serem capazes de organizar um pensamento. Quem não o faz, e continua a
somar boutades com pré-conceitos (v. dicionário) que não atravessam um crivo
2004 DOSSIÊ 065|259
2. Surpresas.
É surpreendente e estranho, ao mesmo tempo, que os trabalhos onde
emergem ideias mais críticas venham de territórios insuspeitados, quase de
territórios à partida considerados – desculpem o meu preconceito –
desprovidos dessa mesma capacidade: falo de revistas de distribuição
comercial, de uma certa bd “comercial”. As introduções aos volumes da
colecção Os Clássicos da Banda Desenhada, distribuída pelo Correio da
2004 DOSSIÊ 067|259
Edição
Sara Figueiredo Costa
Pela mão da Vitamina BD, chegou a Portugal o livro Eu, Vampiro, da dupla
Trillo e Risso, e Lovecraft, de Rodionoff, Giffen e Enrique Breccia. Entre outros
títulos, esta editora publicou também o terceiro e quarto volumes de Kingdom
Come, de Mark Waid e Alex Ross.
Com o selo da Devir, saiu este ano o primeiro volume da imprescindível série
Sandman, de Neil Gaiman. Há muito que a edição desta obra prima era
reclamada pelo público português e, depois de Prelúdios, resta-nos esperar
que os volumes seguintes não tardem.
Também com a assinatura da Devir, mas com o mérito dividido com a MaisBd,
chegou à língua portuguesa o monumental Palestina, de Joe Sacco. São dois
volumes incontornáveis de um estilo gráfico e narrativo que abalou os
conceitos mais tradicionais da nona arte. Cruzando a reportagem jornalística
com a novela gráfica e com e com uma escrita visivelmente inteligente, Joe
Sacco criou uma obra fundamental que em 2004 ficou, finalmente, disponível
em português.
anos da Revolução dos Cravos, Alice Geirinhas, André Carrilho, Ana Cortesão,
Daniel Lima, Cristina Sampaio e Jorge Mateus juntaram-se num livro que
merece ficar para a história.
Por último, longe das editoras de banda desenhada mais tradicionais ou mais
alternativas, um livro fez-se referência incontornável do ano editorial que agora
acaba. Movimentos Perpétuos – BD para Carlos Paredes reúne traços e
argumentos de autores como Nuno Saraiva, Sérgio Godinho, Daniel Lima,
Gonçalo M. Tavares, José Carlos Fernandes ou José Manual Saraiva (entre
outros) e o resultado é um livro belíssimo onde a música de Carlos Paredes se
cruza com a linguagem da banda desenhada explorada com o maior interesse
e com total disponibilidade para a experiência por autores consagrados e
perfeitos outsiders. A edição é da responsabilidade do jornal Público e do
projecto Movimentos Perpétuos.
Autores
Daniel Maia
Outro grupo bastante presente foi o dos autores de persuasão clássica, onde,
para além de Pedro Massano, com a série francófona “Le Deuil Impossible”,
este ano brindada com um 2º tomo, se inserem desenhadores como José
Garcês, José Ruy, José Pires e João Amaral, em produções maioritáriamente
histórico/documentais, tuteladas pela Âncora e Meribérica/Líber. Saliente-se
2004 DOSSIÊ 074|259
ainda José Antunes, que foi alvo de homenagem biográfica pela mão do
Festival BD de Moura, onde manteve uma mostra retrospectiva, enquanto que
o CNBDI tratou de adquiriu trabalhos pertencentes ao expólio artístico de Victor
Péon, para assim consagrar para a posteridade a arte deste autor.
Festivais
João Miguel Lameiras
Num ano de crise a nível da edição, em que o Salão Lisboa alternou com a
Ilustração Portuguesa e não se confirmaram as 2ªs edições do BD Fórum e do
Festival de BD da Exponor, restou apenas o Festival da Amadora como
representante dos eventos de BD de projecção internacional. Sem
concorrência, contando com um novo espaço, amplo e de fácil acesso e com
uma grande e mediatizada exposição sobre as 100 BDs do século XX, a 15ª
edição do Festival de BD da Amadora tinha tudo para ser um sucesso. Mas,
apesar da grande afluência de público e da qualidade de algumas exposições,
a verdade é que o resultado final ficou bastante aquém das expectativas. Isto
numa edição que, apesar de ser a que mais visitantes recebeu, foi aquela que
contou com o menor número de autores passíveis de atrair o grande público,
para além de ser a que mais falhas organizativas revelou, com o Festival a
abrir pela primeira vez as portas sem todas as exposições montadas, sendo
particularmente grave o caso da principal exposição sobre as 100 BDs do
Século XX, que nunca chegou a ficar tal como os seus Comissários a tinham
concebido…
Como há males que vêm por bem, os autores portugueses acabaram por ser
os principais beneficiados com a ausência de grandes nomes estrangeiros
(alguns deles contactados demasiado em cima da hora para poderem aceitar o
convite…), concentrando em si atenções que de outro modo lhes fugiriam, para
além de terem contado com exposições interessantes e bem montadas.
Também a qualidade dos originais presentes na Exposição dedicada à BD
argentina justificava a visita ao Festival, embora aqui fosse evidente a falta de
2004 DOSSIÊ 077|259
Fanzines
Marcos Farrajota
Assim não dá, que crise! Crise a rodos e para todos. Em 2003 queixava-me da
miséria medieval da cena fanzinista. 2004 pareceu-me pior que nunca. Parece
que tudo correu mal. Então vejamos:
_o Zundap acabou mesmo e de forma hilariante – até teve direito a notícia
sobre o lançamento no Mil Folhas;
_o site bizarro.cc também foi à vida;
_o #4 do Satélite Internacional ainda não saiu – aliás, não saiu nenhum número
em 2004 e perdeu o seu site;
_a participação de Isabel Carvalho na antologia norte-americana
“Scheherazade: comics about love, treachery, mothers, and monsters” (Soft
Skull) correu mal graças a impressão defeituosa;
_não houve novos números da Lx Comics e não foi por falta de orçamento da
Bedeteca mas por falta de propostas!;
2004 DOSSIÊ 078|259
_quase não houve nenhuma continuação dos títulos do(s) ano(s) anterior(es) à
excepção do Terminal e do Durty Kat mas em versão online: www.durtykat.tk;
_as editoras independentes (Associação Chili Com Carne, Círculo de Abuso,
colectivo alíngua) perderam a distribuição livreira assegurada pela editora
Witloof, com isto quer dizer que agora encontrar edições independentes será
quase impossível – antes, mal por mal sempre estavam ao lado dos Manaras e
Astérixes.
Joana Figueiredo, João Chambel, João Fazenda, André Ruivo, … e ”Sobre BD”
de David Soares, um livro de ensaios sob a chancela da Círculo de Abuso,
claro.
Para acabar, resta a notícia que alguns alunos da António Arroios lançaram o
zine "Gatafunho" sob a protecção do Prof. José Feitor (do Zundap), e se
podemos encontrar novos talentos nas suas páginas , curiosamente é assim
que se percebe que zines em papel são artigos pré-históricos para as novas
gerações. Afinal sempre é mais fácil (tempo & dinheiro) fazer uma página web
como acontece com a Mina Anguelova [www.geocities.com/undermycoat] e
pergunto se não deveria começar a pesquisar pelas infinitas páginas web,
galerias de novos autores… 2005 para além de se comemorar os 250 anos do
terramoto de Lisboa não deveria ser antes o Ano Nacional da Reciclagem?
Investigação
Adalberto Barreto
Nota inicial: embora com um rigor científico algo duvidoso são válidos os
critérios do ano passado para se considerarem as obras como de investigação
(ler investigação 2003).
Ano Nº livros
2000 7
2001 5
2002 4
2003 3
2004 6
Entrando por terrenos tortuosos resta-me escrever sobre 2 livros, que confesso
ter dúvidas. Não sobre a qualidade dos mesmos mas antes a dúvida de saber
se estamos perante trabalhos de investigação ou de opinião.
1 DVD:
- Doc Zine volume 1. Um documentário de José Lopes sobre fanzines com a
colaboração de Geraldes Lino, Paulo Costa, Mário Ferreira, José Vilela e Tiago
Sério.
MONOGRAFIAS:
AMADORA. Câmara Municipal. – BD Amadora 2004 : 15º Festival Internacional
de Banda Desenhada da Amadora. Amadora : Câmara Municipal da Amadora,
2004. 183 p.
MULTIMEDIA
LOPES, J. – Doczine. – [S.l. : s.n., 2004]. 1 v. -
ARTIGOS E ENTREVISTAS
ACELERADO, E.(pseud.) ; MOTA, Pedro. – Super Fuzz // In: BD Amadora
2004 : 15º Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Amadora :
Câmara Municipal da Amadora, 2004. - pp. 112 – 113.
2004 DOSSIÊ 084|259
Movimentos
Geraldes Lino
Concursos
1. Por iniciativa da Junta de Freguesia de Olhão, repetida anualmente pela
quarta vez, teve lugar um concurso com tema obrigatório, sendo desta vez "O
Ilustre Olhanense Dr. João Lúcio".
2. "Jovens Criadores", uma organização conjunta da Secretaria de Estado da
Juventude, do Instituto Português da Juventude e do Clube Português de Artes
e Ideias, leva a efeito o seu concurso multidisciplinar, de cadência anual, onde
obviamente se inclui a bd.
3. Vários outros houve, organizados no âmbito dos festivais e salões de BD.
Exposições
1. Na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, em pleno Porto, nos meses de
Janeiro e Fevereiro, Tintim teve direito a uma exposição comemorativa dos 75
anos passados após Janeiro de 1929, data em que foi "criado" por Hergé. A
iniciativa partiu da Associação Juvemédia.
2. "Pranchas originais de Arlindo Fagundes" foi o título da exposição
organizada pela Junta de Freguesia de S.Victor, em Braga, de 3 a 27 de
Fevereiro
3. "El Alma de Almada El Impar, Obra gráfica (1926-1931)" comissariada por
João Paulo Cotrim e Luis Manuel Gaspar, no Palácio das Galveias em Abril. A
exposição dedicada a uma parte da obra gráfica realizada por Almada
Negreiros no período que viveu em Madrid, de 1927 a 1932, era constituída
também por bd's publicadas em igual período no Sempre Fixe e no El Sol.
4. Em Abril, no átrio da Câmara Municipal de Coimbra, esteve patente o núcleo
central da mostra "Uma Revolução desenhada: O 25 de Abril e a BD",
promovida originalmente, cinco anos antes, pelo Centro de Documentação 25
de Abril da Universidade coimbrã.
5. No mesmo mês de Abril, desta vez no Centro Nacional de Banda Desenhada
e Imagem (CNBDI) estreou-se no dia 22 uma nova edição do tema, desta vez
sob o título "BD's de Abril: O 25 de Abril 30 Anos depois"
6. José Ruy, tão prolífero nas obras como na participação em exposições,
esteve representado em diversos locais:
2004 DOSSIÊ 087|259
Internet
Nesta alínea da presente pesquisa, apenas englobando sítios portugueses
dedicados à BD, continuam visíveis e consultáveis os mencionados em anos
anteriores, para o que basta consultar o arquivo destes "movimentos" desde
1999. Mas há sempre novidades, como as que podem ser visitadas nos
endereços: http://entropia.no.sapo.pt (site de Paulo Marques), e
http://kloa.darkgod.net, dedicado ao mangá pela Joana Amaral.
Livrarias especializadas
1. Em Lisboa, a Librairie Française fechou... Embora não dedicasse totalmente
o seu espaço à bd, a velhinha loja prestava-lhe bastante atenção. Como que a
colmatar a lacuna, abriu no Instituto Franco-Português uma substituta, a
2004 DOSSIÊ 088|259
Rádio
1. João Magalhães (que em tempos editou um fanzine chamado Cincinato e
que posteriormente o transformou num bem mais visível suplemento
jornalístico) fala de bd e outros assuntos, no programa "Crónica no Ar", na
Rádio NOAR, de Viseu. Além disso, de vez em quando é convidado, na
qualidade de bedéfilo, para falar na Rádio Renascença (Emissor de Viseu).
2. João Paulo Cotrim foi convidado em 29 de Setembro, data do nascimento da
personagem Mafalda – ou Mafaldinha, como lhe chama carinhosamente aquele
especialista –, a fim de relevar a efeméride do 40º ano da sua criação por
Quino. E falou nas estações RPL, TSF e Renascença. Haja Cotrim! Alguém
fala de bd, de vez em quando, aos microfones lisboetas!
2004 DOSSIÊ 089|259
Selos
Numa louvável iniciativa dos CTT e Bedeteca de Lisboa, coadjuvados por
Pedro Cleto, foi emitido um conjunto de interessantes selos dedicados aos
seguintes heróis portugueses de bd: Quim e Manecas (de Stuart), Guarda
Abília (da autoria de Nuno Saraiva, desenho, e Júlio Pinto, argumento), Simão
Infante (desenhado por Eduardo Teixeira Coelho e idealizado por Raul
Correia), "A Pior Banda do Mundo", grupo de quatro personagens criados por
José Carlos Fernandes, O Espião Acácio, de Fernando Relvas, Jim del Monaco
(desenho de Luís Louro, argumento de António Simões), Tomahawk Tom (de
Vítor Péon, desenho, e argumento de Edgar Caygill, aliás Roussado Pinto,
embora no selo apenas mencione o nome do desenhador), e Pitanga, barbeiro
a domicílio (herói criado inteiramente por Arlindo Fagundes).
Televisão
1. Continua a não haver espaço próprio para a bd. Mas, de tempos a tempos –
em especial durante o período em que se realiza o festival da Amadora, lá
aparece um autor estrangeiro a ser entrevistado, coisa que se sabe pelo
próprio ou pelo acaso do zapping :)
2. Todavia, às vezes há um canal que lá se lembra de convidar alguém para
falar da coisa. Assim aconteceu com a já extinta NTV, que contactou o escriba
autor destas linhas para que ele fosse com dois autores até à estação emissora
localizada em Vila Nova de Gaia. Sendo no Norte, os escolhidos foram Arlindo
Fagundes, que mora em Braga, e Pedro Sousa Dias, que está a trabalhar no
Porto.
2005 DOSSIÊ 090|259
Introdução
Crítica
Pedro Moura
Esperando que o Pedro Zamith não mo leve a mal, começarei este artigo por
visar o desenho que o ilustra – e dou-vos portanto um exemplo de que uma
“ilustração” não tem necessariamente de viver na sombra do texto, já que ela o
pode criar a ele. Viso-o e digo-o erróneo. Se não mesmo errado (ou então, se
preferirem, como retratando um erro comum…). Usualmente o crítico
(enquanto pessoa singular) ou a crítica (enquanto disciplina do pensamento e
do exercício da interpretação) são vistos como carrascos armados de inveja,
2005 DOSSIÊ 092|259
presunção, água benta e pouco mais, uma espécie de imperador de trazer por
casa com polegares demasiados grandes e que não tem nenhum diálogo nem
com os autores, nem com a Arte de que fala, nem com quaisquer ideias, mas
apenas possui o dom de lançar sentenças. A consequência básica é natural:
um ódio a estes juízes que parecem ter o rei e o roque na mão e se arrogam de
poderes de superioridade. Tudo isto, obviamente, é uma pura e continuada
tolice. Não é esse o papel da crítica.
“Há muitos poucos artistas que queiram razoar sobre a sua arte. A sua vida é
toda feita de impressões: face à filosofia, fazem pouco, ao raciocínio, bocejam,
às deduções, adormecem. Crianças mimadas, mas acima de tudo crianças que
não gostam de nada senão os seus próprios brinquedos e que fazem má cara
às primeiras noções.” Que nem uma luva, este texto autorado por Rodolphe
Töpffer, “inventor da banda desenhada” e seu primeiro ensaísta e pensador,
em 1848, servirá a muitas circunstâncias nossas contemporâneas. Não é
necessário, muito menos obrigatório, que os artistas que fazem banda
desenhada (nem os que o fazem “melhor” nem o que as fazem “pior”) tenham
de pensar a banda desenhada. Tampouco o mesmo é exigido aos leitores
comuns e aos fãs. Os primeiros têm de criar, os segundos ler e apreciar, os
terceiros afadigarem-se nos seus gostos sem quaisquer preocupações
intelectuais. Ao crítico, porém, compete a instauração de ligações. Delas já
falámos antes. Continuo a não vê-las surgir com a expressão, a pertinência, a
importância, e até a potência que se desejaria num sistema livre de circulação
e divulgação de ideias.
Dias (são várias as figuras neste país que recebem o nome - carinhoso – de
“carolas”, pois levam mesmo um mundo aos ombros, tarefas hercúleas), ainda
que com o apoio de muitos outros participantes, uns mais famosos que outros
e já conhecidos da nossa pequena “cena”, outros menos famosos mas não por
isso menos contribuidores. O jornal é sobretudo isso mesmo, um jornal, pelo
que se centra em certames, festivais, acontecimentos internacionais,
entrevistas, e reserva algumas páginas ora a artigos factuais sobre um ou outro
autor, reservando ainda uma secção para uma espécie de “estante” sobre o
que se têm publicado por cá. Aí apresentam-se muitas vezes textos que mais
não são do que copy-paste dos press realease, o que pouco adianta ao termo
“crítica”. No entanto, vão surgindo por vezes textos maiores, mais uma vez
centrando-se sobre um autor ou sobre um título, em que os escritores de vez
em quando conseguem escapar-se de ma simples sinopse seguida de
informações e dados e avançam uma tímida interpretação ou pensamento
crítico. Sem grandes riscos, pois o encómio continua a ser o signo preferencial
do que é editável, mas lentamente será possível obter esse espaço. Não surgiu
ainda, que eu saiba, nenhuma controvérsia, a que normalmente estão os
portugueses avessos, mas é na controvérsia e na discussão de ideias que isto
“anda para a frente”.
Tertio. Apesar de já ter discorrido sobre essa publicação, merece mais uma vez
a nota de que a edição de Roteiro Breve da Banda Desenhada em Portugal, de
Carlos Pessoa, foi, acima de tudo, e digo-o sem pestanejar, uma “oportunidade
perdida”. Do seu valor crítico, nada há a descobrir. Mas ainda dentro de
“edições”, há a salientar, pois para existir crítica é necessário distância e é por
isso que se falam de “edições críticas”, há a assinalar a edição de O Príncipe
Valente (Livros de Papel), que é uma espécie de aventura filológica no nosso
incipiente mas nada displicente mercado de banda desenhada (veja-se o artigo
de Leonardo de Sá no BD Jornal no. 2.).
Quarto. A blogosfera está cada vez mais cheia de exemplos de escrita sobre
bd. Há os sites que já antes existiam sem grandes alterações (Comics Central),
David Soares que se desdobra noutros campos além do da banda desenhada
(O Sonho de Newton – osonhodenewton.crimsonblog.com). Várias pessoas
criaram pequenos blogs de resenhas curtas, opiniões, copy-pastes,
mas….tirando precisamente David Soares, que, apesar de tudo e infelizmente,
se tem distanciado da banda desenhada quer em termos autorais quer em
termos críticos, pouco se tem visto de francamente interessante do ponto de
vista crítico (que não de outro, pois lá têm o seu valor enquanto divulgação,
troca de informações, “olha aqui está”, “eu gramei de bué” e outras inanidades
do género mas que servem para levar algumas pessoas a procurarem as
publicações em questão). Geraldes Lino criou o seu Divulgando Bd
(divulgandobd.blogspot.com), que é uma espécie de sua territorialização da
internet da multímoda actividade já sabida. Nuno Franco, jornalista e crítico
citado acima, montou o seu blog (80fls.blogspot.com), onde também coloca
textos sobre bds. Também vários artistas criaram blogs ou sites dos seus
trabalhos, agora de cor digo André Lemos (opuntia-syndrome.blogspot.com) e
Alice Geirinhas (alicegeirinhas.com), mas raramente falam criticamente de
outros trabalhos ou livros ou mesmo das suas criações. Um outro blog de
interesse, bastante, é Mania dos Quadradinhos (quadradinhos.blogspot.com),
de Rezendes, sobretudo versando aspectos históricos e factuais de uma banda
2005 DOSSIÊ 095|259
Edição
Sara Figueiredo Costa
O ano que passou ficará marcado pela extinção da Meribérica/ Liber, depois
das ameaças e dos sinais de crise que se vislumbravam. A editora que já
publicou Astérix ou Lucky Luke, e que recentemente continuava a deter os
direitos de Corto Maltese (para ficarmos pelas séries de maior impacto
comercial), vinha perdendo o seu espaço nos últimos anos, com os direitos de
vários autores a transitarem para a Asa e com alguma desorganização no
catálogo (pese embora as recentes investidas com Akira, ou com Blueberry),
tendo acabado por sucumbir às inevitabilidades de um mercado que continua a
movimentar-se um pouco à margem do público leitor.
A Asa e a Devir consolidaram, no ano que passou, a sua posição dominadora
no mercado editorial português, assegurando a quase totalidade das
publicações que chegaram aos escaparates das grandes livrarias. A Asa
prosseguiu algumas séries (como Bouncer ou Gipsy) e iniciou outras, tendo
sido responsável por alguns lançamentos de boa memória como Mort Cinder,
de Breccia e Oesterheld (por fim!). A Devir, por seu lado, continuou o trabalho
já consolidado no âmbito dos comics norte-americanos, assegurou a edição de
obras entretanto adaptadas ao cinema (Sin City, de Frank Miller, prossegue em
português) e trouxe-nos o segundo volume da série Sandman, um novo volume
de José Carlos Fernandes e a sua Pior Banda do Mundo (O Depósito de
Refugos Postais) e Strangehaven na Arcádia, de Gary Spencer Millidge, para
destacar os que me parecem mais memoráveis.
Novidade a registar em 2005 foi o facto de a Gradiva, bem conhecida pelo seu
trabalho de edição de tiras cómicas, ter arriscado entrar por outros campos da
bd. A edição da derradeira obra de Will Eisner (A Conspiração) e a chegada de
Pierre Veys e Nicolas Barral, com Ameaças ao Império, foram as escolhas
definidas; veremos o que nos reservam para este ano (veremos,
nomeadamente, se haverá alguma coerência na edição de banda desenhada
ou se os livros irão surgindo sem grande lógica programática e no esquema
‘fora de colecção’, como tudo indica).
Para além da actividade das editoras com maior vertente comercial, 2005
assistiu
ao regresso à edição da Polvo, agora sob a forma de colecção, ao trabalho
filológico (termo que parece estranho ao mundo da bd, mas que faz todo o
sentido) da Livros de Papel e a dois lançamentos da MMMNNNRRRG. O
2005 DOSSIÊ 098|259
volume Borda d’Água / No Tempo das Papoilas, de Miguel Rocha (com uma
história reeditada e outra inédita) assinalou o retorno de um projecto editorial
sem o qual não é possível traçar a história da banda desenhada portuguesa
dos últimos anos e só nos resta esperar que os trabalhos de edição de bd da
Polvo e de Rui Brito continuem em força neste novo ano. A Livros de Papel
lançou, ao longo do ano, três volumes do clássico O Príncipe Valente, de
Harold Foster, numa cuidadosa edição que recupera as pranchas a preto e
branco e que, no terceiro tomo (o primeiro, cronologicamente) inclui uma
introdução onde se explicam as peripécias editoriais que conduziram a este
trabalho. Também a MMMNNNRRRG teve um ano para relembrar: começou
com Malus, de Cristopher Webster e acabou com Tribune Brute, um graphzine
em serigrafia com assinatura de André Lemos. Longe dos dilemas comerciais
da crise e da proliferação de edições sem público à vista, parece que as
pequenas editoras continuaram a levar o seu trabalho adiante com toda a
calma do mundo e com os critérios centrados no leitor e no objecto livre, mais
do que no marketing ou na oportunidade editorial.
No âmbito institucional, a Bedeteca de Lisboa editou o belíssimo catálogo do
Salão Lisboa 2005, cheio de informação relevante sobre os autores finlandeses
que por cá passaram e com alguns textos memoráveis em torno da cena
finlandesa de bd e da entropia, e voltou a dar ânimo à colecção Lx Comics com
Metamorfina, de Miguel Mocho e João Sequeira. Do trabalho desenvolvido nos
cursos do Centro de Imagem e Técnicas Narrativas da Fundação Calouste
Gulbenkian surgiu Memórias 10, um livro colectivo muito equilibrado e com
fortes hipóteses de ter revelado alguns autores cujo trabalho poderemos
acompanhar futuramente. Mais a sul, em Beja, a (também) Bedeteca trouxe
algumas publicações que merecem referência, mesmo que fora do âmbito dos
livros: fanzines, folhas informativas e Bófias, de Véte. Na Amadora,
acompanhando o XVIII FIBDA e as respectivas exposições, saiu mais um
catálogo com edição do CNBDI.
Os jornais e as suas publicações paralelas não foram tão dedicados à nona
arte coo em anos anteriores. O destaque neste âmbito vai para a colecção ‘Bd
Série Ouro’ do Correio da Manhã, da responsabilidade da Devir e da Panini,
nomeadamente pelo seu último volume, Um Homem que Caminha, de Jiro
Taniguchi, finalmente disponível em português.
2005 DOSSIÊ 099|259
Autores
Daniel Maia
Toupeira, etc.) e que o número de autores nativos editados é salvo apenas por
novas antologias, ficando todavia o valor abaixo do atingido em 2004.
Posto isto, a tendência que mais fez vibrar 2005 – e o único motivo porque o
ano fechou com nota positiva – foi a descoberta de diversos núcleos de BD,
cada qual com motivação e recursos próprios para dinamizar o sector e, melhor
ainda, com autores por dar conhecer:
Se por um lado há muito que é conhecido o grupo de artistas do Atelier
Toupeira (Beja), era-nos porém desconhecido quão hábeis eram alguns destes,
aspecto que o FIBD/Beja veio prontamente corrigir. No seio do grupo, quem
mais atenção chamou foi definitivamente Susa Monteiro que, como autora-
revelação do ano, estendeu o ar da sua graça a outras iniciativas, tendo
rapidamente sido pescada para projectos que prometem ofuscar 2006.
Criado sob os mesmos moldes e usufruindo de iguais oportunidades, os
desenhadores da associação AJCOI BD pecam apenas pela sua inexperiência
nestas lides. Todavia, com o festival de BD que promovem na sua cidade
(Pinhal Novo), os contratos de trabalho firmados com o edil e a revista
Sketchbook que acabaram de lançar, este grupo dispõe de tudo o que precisa
para aos poucos se ir afirmando no panorama bedéfilo.
Outro, quiçá mais auspicioso grupo por destacar é o Núcleo BD da FBAUL.
Como um polvo com os tentáculos ligados a diversas entidades, estúdios e
associações académicas, este núcleo chegou para agitar o meio e desafiar à
produção, com promessas de editar os melhores resultados na sua revista
Blazt, um periódico criado com os olhos na Europa. Como projecto com fortes
garantias de projecção, os dois números da Blazt ajudaram a destacar o
versátil Ricardo Cabral, sendo igualmente promissor o jovem João Martins,
vencedor do 1º prémio do concurso de BD do FIBD/Amadora.
De todos, o conjunto formado pela Citen é porventura aquele que esgrimiu
maior persuasão indie. Activo na divulgação das suas acções, este curso
propiciou obras de cariz laboratorial com alguns bons resultados gráficos a
surpreender, em especial numa formação essencialmente virada para a
vertente narrativa. O seu volume Memória 10 ficou, pela variedade de
propostas autorais, como uma das melhores surpresas do ano. A associação
2005 DOSSIÊ 101|259
prima de Aaron Slobodj, o prolifero autor esteve ainda em boa forma no seriado
Agência de Viagens Lemming, publicado durante o verão no Diário de Noticias,
tendo também integrado a colecção Série Ouro – feito de respeito para um
autor português, por figurar entre os mais populares clássicos da BD mundial.
Curiosamente, as duas outras facções de maior protagonismo no mercado são
em tudo antagónicas! Por um lado, temos a subsistente narrativa histórica, com
os créditos a irem para José Garcês (também em foco numa mostra individual
do CNBDI) com três álbuns editados, José Ruy e Jorge Magalhães. No outro
canto do ringue, temos a vanguarda estética representada por Tiago Manuel,
com os seus trabalhos a morder as fronteiras da BD, junto com André Lemos e
João Cabaço, em artbooks da Mmmmnnnrrg e Chili com Carne.
Por fim, num ano em que se celebrou – com várias mostras cá e no estrangeiro
– o centenário do falecimento de Rafael Bordalo Pinheiro, reconhecido como o
precursor da banda desenhada em Portugal, houve ainda tempo para
comemorar os 30 anos de carreira de José Abrantes. Há três décadas a
trabalhar no ramo da ilustração e BD infanto-juvenil, também ele esteve em
foco com uma retrospectiva sua no FIBD/Amadora, junto com o autor em
destaque deste ano, Ricardo Ferrand, numa merecida e variada mostra.
Em nota de despedida, fica o reconhecimento a autores desaparecidos este
ano: Enquanto o mundo dizia adeus ao grande Will Eisner (e continuará a dizê-
lo por muitos mais anos…), criador do formato novela gráfica e um dos
expoentes máximos da BD mundial e da sua linguagem técnica, nós dissemo-
lo ao não menos reputado Eduardo Teixeira Coelho, o mais popular e
distinguido desenhador português de sempre. Partiram ainda Nuno Simões
Nunes, autor em proeminência nos anos 50 e 60, com participações em
Cavaleiro Andante, e Gonçalo Garcia, humorista de SAD – Rent-a-Player.
Festivais
João Miguel Lameiras
Depois de um ano de 2004 marcado pela crise, também ao nível dos Festivais
de BD, 2005 deu sinais de uma outra dinâmica, mas que não deixa de ser
assombrada pelos preocupantes sintomas de que certas fórmulas caminham
para o esgotamento. Felizmente chegam sinais de renovação do Alentejo, onde
a primeira edição do Festival de BD de Beja revelou potencialidades que se
esperam ver confirmadas.
2005 DOSSIÊ 104|259
A nível dos Festivais de dimensão internacional, este foi um ano em cheio (pelo
menos em quantidade), em que além do Festival da Amadora e do Salão
Lisboa, voltámos a ter o Salão do Porto, num regresso infelizmente apenas em
formato virtual.
Começando pelo Festival da Amadora, foram nítidas as melhorias
(cenográficas e de programação) em relação à edição anterior. Mais adaptado
ao espaço da Estação de Metro da Amadora, o Festival comemorou os 100
anos do Little Nemo de Winsor Mckay com uma exposição que cometia a
proeza de juntar no mesmo espaço três originais de Winsor Mckay (e uma
belíssima “falsificação” de Bruno Marchand), a originais de Hergé (incluindo
uma raríssima prancha feita a 4 mãos com Jacobs), Moebius, Frank Pê,
Hermann e Milton Caniff, entre outros. Também em termos de autores
presentes, estivemos bem longe da pobreza franciscana da edição anterior,
com um cartaz bastante bem preenchido, onde não faltavam autores como
Vitorio Giardino, Rick Veitch, Al Davidson, Cameron Stewart, Alekzandar
Zograf, Ed Brubaker, Max, Sean Philips, Jim Woodring, Leandro Fernandez,
Garry Spencer Milidge, Jean-Pierre Gibrat, Bruno Marchand, Stassen e
François Boucq.
Mas estas melhorias (visíveis também a nível da organização do espaço, bem
menos labiríntico do que no ano anterior, mas mesmo assim escondendo
cuidadosamente a zona comercial, não fosse os visitante darem com ela…)
não escondem a desadequação do espaço das galerias do Metro para receber
os visitantes do Festival (já estive em saunas mais frescas…) e a preocupante
sensação, transmitida pelas sessões de autógrafos, em que o público era
exactamente o mesmo que em anos anteriores, de que o Festival da Amadora
não está a conseguir criar novos públicos, apesar da facilidade de acesso que
o Metro proporciona.
Já em relação ao Salão Lisboa, que prosseguiu com a sua itinerância pela
cidade, manteve-se uma preocupante incapacidade de atrair visitantes, talvez
pouco motivados para descobrir os talentos escondidos da Banda Desenhada
finlandesa, ou ainda menos dispostos a pagar o bilhete de entrada no
magnífico espaço da Estufa Fria para verem a exposição, encenada com a
sobriedade habitual de Pedro Cabrita, mas que nem sempre aproveitava
devidamente as potencialidades cenográficas de cada trabalho.
2005 DOSSIÊ 105|259
Mesmo uma excelente ideia, como foi a de distribuir o Catálogo do Salão com o
jornal Público não parece ter atraído grandes visitantes e foi até deprimente ver
que no encontro de Emanuel Guibert com o público, esse mesmo público se
resumia a dois jornalistas (um deles, por acaso, do jornal Público…). Restou a
oportunidade de descobrir o trabalho do colectivo Le Dernier Cri e,
principalmente, ver em Portugal a obra de BD e pintura do italiano Guido
Buzzelli, exposto no Museu da Cidade.
Quanto ao Salão do Porto, que completou 20 anos de vida em 2005, sem
meios financeiros para voltar ao Mercado Ferreira Borges, ficou-se pelo cyber-
espaço, através de uma exposição virtual (ainda visitável em www.sibdp.com)
que nos fez ter saudades do Festival nacional que melhor soube conciliar a BD
alternativa com as propostas mais dirigidas ao grande público e que deu a
descobrir aos visitantes alguns dos maiores nomes da BD mundial, antes
destes serem famosos (Miguelanxo Prado e Joe Sacco são só dois de muitos
exemplos possíveis).
Quanto aos Festivais de menores dimensões (e ambições) tirando as Jornadas
da Sobreda, que prosseguem o seu caminho, tudo aconteceu no Alentejo, onde
para além do Moura BD, surgiu o Festival de BD de Almodôvar e o Salão de
Banda Desenhada de Beja. Este último foi mesmo a grande surpresa do ano,
pela qualidade das exposições e pelo dinamismo que a recém-criada Bedeteca
de Beja e o seu principal responsável, Paulo Monteiro, revelam.
Projecto com pernas para andar e vontade de crescer, o Salão de Beja foi a
prova de que mesmo em tempos de crise há esperanças de renovação. Isto
para além de ter revelado um dos mais fulgurantes talentos gráficos da BD
nacional, saído do Atelier Toupeira, organizado pela Bedeteca de Beja: Susa
Monteiro. Fixem este nome. Ela ainda vai dar muito que falar!
Fanzines
Marcos Farrajota
I. Keep on truckin’:
Os zines “Porca Frita”, “Aqui no Canto”, "Na verdade tenho 60 anos" e
“Gatafunho” continuaram a sair.
Foi mais um ano de feiras de zines e edições independentes em sítios tão
diversificados como nos Jardins do Estoril e na Caixa Económica Operária
(Lisboa) ou em eventos como Cidade Desconhecida (Viseu), Salão Lisboa
2005, BejAlternativa, Feira Laica II (na Bedeteca de Lisboa), Zurzir o Gigante
(Lisboa), Festival de BD do Pinhal Novo e Encontro de BD de Sto. Tirso ou no
festival Superstereo Demonstration (Linhares da Beira).
O zine suíço “Milk & Wodka” continuou com a sua quota de participação anual
de autores portugueses.
Dos independentes até foi um ano com algumas novidades: a MMMNNNRRRG
editou o “Malus” do britânico Christopher Webster, a Associação Chili Com
Carne lançou o último volume da CCC Ilustrada (Mesinha de Cabeceira) e um
livro de esboços de João Cabaço (“Do acidente e da culinária”), o zine Zundap
investiu no “Piolheira Blues” de Artur Varela, e Paulo Patrício publicou o
segundo número do desdobrável “Le Sketch” com esboços do norte-americano
Matt Maden.
II. Zombies:
Regressou a Feira de Fanzines de Almada, após 4 (longos) anos de interregno,
com uma programação simpática mas esqueceram-se que os zines “já não
2005 DOSSIÊ 107|259
III. Reload
Uma emergente corrente de autores de bd, ilustradores e críticos tem criado os
seus sítios na Internet, sobretudo na forma de blogues: André Lemos, Barbara
Ròf, João Maio Pinto, José Feitor, Rui Gamito, Geraldes Lino, Pedro Moura,
Nuno Franco, etc…
Também houve uma participação portuguesa tímida no site www.40075km-
comics.net – organizado pelo colectivo belga L’Employé du Moi.
VIII. Work
A inaugurada Bedeteca de Beja elaborou uma exposição dedicada aos “10
anos do Submarino”. “Submarino” é um fanzine de bd que existe desde 1995,
resultado do Atelier de BD organizado pela Câmara de Beja para crianças entre
os 7 e os 13 anos. Pretende essencialmente estimular nos jovens o gosto pela
bd, o "Submarino" é o seu veículo de publicação dos resultados dos seus
pequenos participantes. Curiosamente «torna-o num dos fanzines mais antigos
do país, o que não deixa de ser um facto interessante.»
Houve worshops em Cascais (de zines) e em Braga (de bd) que resultou no
zine “Velha-Desenhada”. Os resultados foram zines em fotocópias, nada a
declarar.
XIX. DIY
«“Zurzir o gigante” foi um evento organizado por um grupo informal de artistas
gráficos com o objectivo de proporcionar a compra de originais de ilustração ao
mesmo tempo que criaram um espaço agradável de convívio e troca de
experiências artísticas durante três dias de Dezembro. Esta iniciativa insere-se
numa lógica que pretende a proximidade entre o público e os artistas, e a
possibilidade da aquisição de obras de arte a preços acessíveis, desafiando
assim a filosofia das galerias de arte, através da realização de eventos
organizados e promovidos pelos próprios artistas, sem intermediários. A
experiência filia-se em outras já ensaiadas e plenamente conseguidas, como "A
Arte dos Trezentos" (2001), as "Fantasias de Natal" (2003) e as mostras de
ilustração que decorreram paralelamente às diferentes edições da "Feira Laica"
– a última realizada na Bedeteca de Lisboa.»
Apesar do texto acima ser um excerto adaptado da nota de imprensa da
organização, serve para relembrar que (pelo menos no Natal) há sempre um
grupo que inventa uma capacidade sinérgica temporária para realizar um
evento que divulga “artes gráficas” (bd incluída) sem apoios institucionais de
relevância. E que consegue de uma forma ou de outra impressionar os meios
artísticos raquíticos da capital pela frescura e sinceridade das propostas. Estes
2005 DOSSIÊ 110|259
ainda bem porque no mundo já existe um e não queremos mais Morrisons caso
contrário o mundo seria neutral. A bd portuguesa já criou os seus fenómenos
únicos e inimitáveis como o Filipe Abranches ou a Ana Cortesão sem este
discurso entre o naif e o pretensioso. Não é isso que interessa?
Investigação
Adalberto Barreto
LIVROS
Em ano de centenário do mais importante caricaturista e humorista gráfico da
história de Portugal – Rafael Bordalo Pinheiro – duas obras foram publicadas
para assinalar a efeméride e ambas são um autêntico “regalo para as pupilas”
(www.tebeoesfera.com, 2005). A primeira a foi publicada em Março pela
Hemeroteca e serve de catálogo da exposição realizada nos Paços do
Concelho da CML entre 21 de Março e 24 de Junho. O título é «A rolha:
Bordalo» e teve como principais colaboradores Álvaro de Matos (director da
Hemeroteca), Joana Balsa Pinho, Marta Nogueira e Paula Borges. A segunda
obra «Rafael Bordalo Pinheiro: fotobiogafia» teve como autor e investigador o
João Paulo Cotrim. Sendo uma fotobiografia contém inúmeras fotografias da
época, mas também reproduz páginas de revistas e algumas ilustrações.
Segundo o site supracitado «o trabalho de Cotrim deixa claro, em primeiro
lugar, a sua enorme paixão pela banda desenhada e o seu conhecimento
apaixonado pela obra de Bordalo Pinheiro».
Pela Bedeteca de Lisboa foi publicado o catálogo geral «Salão Lisboa, 2005».
Tal como sucede com a revista «Satélite internacional» parece-me que a maior
parte dos trabalhos nele incluídos se enquadram mais num registo de ensaio
sobre BD contemporânea do que investigação, embora a fronteira entre ambas
seja de difícil demarcação.
ARTIGOS
Nesta rubrica, não irei fazer uma análise exaustiva, mas apenas uma selecção
dos textos que me pareceram mais relevantes, face também aos critérios
expostos no início.
2005 DOSSIÊ 115|259
PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
Mais um ano e mais um Satélite Internacional. Desta vez os números 4 e 5
onde destaco o texto de Domingos Isabelinho «Ut pictura poesis» que me volta
a “baralhar” os conceitos que já estavam arrumadinhos no hemisfério esquerdo
do cérebro. Afinal a banda desenhada não tem de ser narrativa. Pode ser uma
pura estética estática e a pintura ou a ilustração podem conter (e contêm
muitas vezes) narrativa. Os artigos do Pedro Moura, do Paulo Patrício e a
entrevista do Nuno Franco com a Anke Futchenberger também merecem um
destaque.
INTERNET
Na Internet os destaques vão para o XII Salão Internacional de Banda
Desenhada do Porto (www.sibdp.com), que regressou em 2005 com um Salão
Virtual. Em princípio esta nota não seria digna de destaque neste espaço sobre
2005 DOSSIÊ 117|259
TESES ACADÉMICAS,
Não temos notícia da conclusão de nenhuma tese sobre banda desenhada.
Está, no entanto em curso, no Departamento de Filosofia da Universidade
Nova de Lisboa uma tese de Mestrado em Filosofia Estética intitulada «A
memória na banda desenhada». Um estudo que incide sobre o trabalho de um
grupo de autores franceses contemporâneos, coordenado por Maria Filomena
Molder e Jan Baetens. O mestrando é o Pedro Moura.
CONCLUSÕES:
Num mercado como o português a investigação é sempre tão escassa que
nem se pode falar em crise. Noutros mercados mais competitivos são as
próprias editoras privadas que publicam a grande maioria dos trabalhos de
investigação. Em Portugal isso não acontece. No ano de 2004 a ASA ainda se
aventurou no mercado com um livro dedicado ao Vasco Granja. Mas este ano
não houve nada. A ASA e a Devir, as editoras sobreviventes do boom editorial
de há uns anos para cá não publicam absolutamente nada neste domínio.
Salvou-se a Relógio de Água com a tradução de uma obra publicada em
França em 1991 de investigação sobre um grande autor italiano e a Assírio e
Alvim (com a indispensável ajuda de patrocínios públicos) com a fotobiografia
do Rafael Bordalo Pinheiro. De resto os catálogos dos Salões de Lisboa e da
Amadora, O breve roteiro da BD e o Catálogo do Bordalo: a rolha têm todos por
trás a chancela editorial de entidades públicas.
2000 – 7
2001 – 5
2002 – 4
2003 – 3
2004 – 6
2005 – 4
É assim que as coisas têm andado. Num país onde as pessoas lêem pouco.
Lêem ainda menos banda desenhada, é normal que não exista grande
interesse por este tipo de edições. Salve-se a abertura da nova Biblioteca da
Bedeteca que em duas frentes distintas criou, por um lado, um novo espaço de
preservação de obras raras para os investigadores (centro de documentação)
e, por outro, um espaço de promoção da leitura de obras recentes (biblioteca
de banda desenhada). Sejam muito bem vindos!...
_____
Movimentos
Geraldes Lino
Haverá sempre mais do que um critério para encarar este tipo de tarefa: ou
fazer uma espécie de "best of" dos vários temas escolhidos, ou registá-los, o
mais exaustivamente possível, para se ter a máxima visibilidade do panorama,
além de poder servir para, no futuro, ser viável uma análise temporal. Optei por
este último critério.
Concursos
–1º "Concurso de Banda Desenhada – Jovens talentos 2005", organizado pela
Associação Juvenil C.O.I., sediada na localidade de Pinhal Novo, no âmbito da
10ª edição do "Março a Partir – Mês da Juventude".
– 5º Concurso de BD, em Julho, iniciativa anual da responsabilidade da Junta
de Freguesia de Olhão, que sempre, antes de chegar ao fim do ano, edita em
álbum de formato A5 as bandas desenhadas distinguidas com os três primeiros
prémios.
Entre os autores:
Arlindo Fagundes, no dia 15 de Fevereiro fez uma palestra sobre BD na
Biblioteca da Escola Secundária Sá de Miranda, em Braga.
José Carlos Fernandes, participou em palestras, ou colóquios, ou conferências,
na Escola Superior de Educação, Universidade do Algarve, Faro (Abril) e em
Espanha, na 18ª Semana Negra de Gijón, Astúrias (Julho). Em Dezembro,
esteve na Biblioteca Orlando Ribeiro (Telheiras, Lisboa) a apresentar o projecto
"Black Box Stories".
José Ruy, quase ubíquo, falou sobre BD em várias escolas, mas também
noutros locais.
2005 DOSSIÊ 121|259
Em Janeiro, foi no Colégio Planalto, Lisboa, e nas Escolas: E,B José Ruy,
Amadora; em Fev., na Rui Belo, Queluz; em Março, na Biblioteca Municipal de
Almodôvar e na Escola Secundária de Mafra; em Abril, nas Escolas E,B da
Venteira, E,B Artur Bual, E,B D'Orey da Cunha, todas na Amadora, e na Esc.
Quinta dos Plátanos, em A-da-Beja; em Maio, na Esc.E,B Cardoso Lopes; em
Junho, na Escola Secundária de Argoncilhe e Camões de Lisboa.
Além de tudo isto, ainda ensinou "Como fazer um jornal de BD" (ou, por outras
palavras, um fanzine) numa sessão para crianças, em Abril, no Palácio
Galveias, Lisboa.
Serviu de guia a jovens numa visita à Escola E,B na Amadora que tem o seu
nome, para explicação das imagens do mural de sua autoria existente naquele
estabelecimento de ensino. Em Julho, fez um colóquio na Biblioteca Municipal
de Óbidos, para apresentação da obra "Humberto Delgado o General sem
medo".
Em Dezembro, na Escola Secundária de Santarém, falou sobre "Temas e
técnicas da BD", palestra integrada num Seminário Internacional de Museologia
da Infância e da Educação.
Cursos
– Nuno Saraiva – Curso de Banda Desenhada no AR.CO; "Workshop" de BD
nas várias escolas E,B1 e E,B 2/3 da Câmara Municipal do Seixal sob o título
"Estação do Livro", organizado pelo Instituto de Apoio às Bibliotecas Escolares
do Seixal.
– Arlindo Fagundes, Carlos Dias Tavares, Paulo Patrício e Pedro Costa
participaram num ateliê designado por "Estaleiro Cultural" realizado, ao longo
de Abril e Maio, no jardim de Velha-a-Branca. Os alunos produziram uma série
de pranchas que apresentaram a 15 de Julho sob a forma de fanzine.
– José Carlos Fernandes orientou "workshops" nas bibliotecas escolares do
Concelho de Loulé (Abril a Junho), um outro intitulado "BD: intercâmbios e
interacções texto-imagem" inserido no seminário "O professor passador de
cultura", na Associação Educativa para o Desenvolvimento da Criatividade, na
Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro (Março); colaborou num "Workshop de
BD" e outro de Argumento, no CITEN, Fundação Gulbenkian (Fev. e Abril,
respectivamente).
– Paulo Monteiro – É o orientador do Workshop de Banda Desenhada da
Bedeteca de Beja, que teve início em 21 de Novembro e terminará a 22 de
Fevereiro.
– Rui Brito – Foi responsável por "workshops de Iniciação à Banda Desenhada"
em Castro Verde, em Lagos, e na Moita; e dirigiu um Curso de Iniciação à BD,
no Centro Cultural do Laranjeiro (Almada).
Exposições
A advertência do costume: não são referidas aqui as exposições integradas em
eventos bedéfilos (festivais e afins), visto que esse tema é tratado por outro
especialista.
Inaugurações
A 9 de Abril inaugurou-se a Bedeteca de Beja. Uma iniciativa digna de elogios
ao Pelouro da Cultura da Câmara Municipal daquela cidade, e a Paulo
Monteiro, principal impulsionador da criação daquele equipamento cultural.
Internet
Sites e blogs onde se mostra BD ou dela se fala, proliferam, dando-se aqui
preferência aos que se centram basicamente no tema.
O painel que se apresenta inclui grande número deles, e em cada um há algo
que vale a pena: vinhetas ou pranchas de bedês clássicas ou de cariz
alternativo, pormenores inusitados, textos sugestivos, informações
inesperadas, pistas de leitura, críticas lúcidas, notas divulgatórias actualizadas,
e variados outros aspectos.
Claro que para formar opinião própria acerca de méritos, ou deméritos, dos
sítios e blogues bedéfilos, nada melhor do que visitá-los. Por mim, sugiro uns
tantos endereços, mas há muitos mais. Quem se sentir ostracizado, reclame.
Há um que acho não valer a pena escrever aqui o endereço. Quem acertar,
ganha uma visita guiada ao sítio da Bedeteca de Lisboa, no Palácio do
Contador-Mor, Olivais.
Sendo também aquela Bedeteca indiscutível divulgadora da Ilustração – até
organiza, bienalmente, um Salão dedicado ao tema –, justificar-se-ia, neste
dossiê, uma rubrica que falasse da actividade dos ilustradores, e eventos
realizados na área.
2005 DOSSIÊ 126|259
Como (ainda) não há, registo eu, dois ou três espaços internéticos que incluem
ilustrações, alguns deles com salpicos de BD, embora, na maior parte dos
casos, os textos sejam alheios de todo a qualquer dos dois temas.
Imprensa
Desapareceu no fim do ano, por decisão do respectivo coordenador e redactor,
Pedro Mota, o espaço dedicado à banda desenhada no jornal Notícias da
Amadora. Cansaço, exigências da vida profissional, tudo junto.
Felizmente que noutros jornais, e também em revistas não especializadas, a
BD continua, nuns casos sob a forma de textos divulgatórios e/ou críticos, às
vezes em simples tiras, outras em pranchas completas e a cores. Ela anda por
aí, aqui fica o panorama pretérito.
Em Lisboa, tivemos no "Público" as prosas de Carlos Pessoa e Nuno Franco,
na última 6ª feira de cada mês; no "Diário de Notícias", à 2ª feira, foi João
Miguel Tavares a tomar a palavra; no quinzenário "JL – Jornal de Letras, Artes
e Ideias", opinou João Ramalho Santos. No "Jornal de Almada", na "Coluna da
9ª Arte", escreveu semanalmente alguém que usa o pseudónimo Alfa Zulu.
Sem periodicidade certa aparece o "Cuco Suplemento Informativo" no "Diário
do Sul", que se edita em Évora, com textos de Dâmaso Afonso. Em Loulé,
semanalmente, há o jornal "Louletanto", com bandas desenhadas e textos,
ambas as componentes coordenadas por José Batista (mais conhecido,
enquanto banda-desenhista, como Jobat) na rubrica "9ª Arte". No Porto, no
"Jornal de Notícias", às 2ªs feiras, Pedro Cleto escreve a rubrica "Aos
Quadradinhos". No jornal "Mundo Universitário", o autor deste levantamento
criou a rubrica "Vinheta", extinta depois das férias grandes devido à redução de
três para duas páginas dedicadas à Cultura.
Mas houve também algumas revistas não especializadas em BD onde foi
possível encontrar notas críticas. Por exemplo: numa que se intitula "Os Meus
2005 DOSSIÊ 127|259
Do autor que usa Marte por pseudónimo e que cultiva o estilo alternativo,
aparece na revista trimestral "Underworld" a série "Não 'tavas lá!?" em formato
de tira, a preto e branco.
O enorme Villhena, na sua revista "A Gaiola Aberta" (2ª série) continua a
publicar, sempre, a série "Dorita", sem contar com algumas bedês brejeiras,
como é o caso das suas paródias que cria para Charlie Brown, Snoopy e Lucy,
em cenas que talvez façam corar Schulz, lá no seu túmulo.
O BDjornal, interessante e corajosa iniciativa de J. Machado-Dias, foi lançado
em Abril. Com periodicidade mensal, publicou uma bd em todos os números,
sempre de autores diferentes: Ferrand, Carlos Páscoa, Sergei, Maria João
Careto, Estrompa, Alexandre Algarvio, Álvaro e Pedro Alves.
Trimestralmente, apareceu a revista "C", do Centro Comercial Colombo, com a
colaboração de dois autores bem conhecidos: Miguel Rocha e José Carlos
Fernandes. Particularidade curiosa: nesta dupla, JCF aparece como
argumentista.
Mensalmente continua Luís Pinto Coelho a pôr o seu herói Tom Vitoín a viver
episódios cómicos ligados às motos, ou não fosse a revista "Motociclismo" a
publicá-los.
Também de ritmo mensal apareceu a rubrica em BD "Sexo, Mentiras e
Videojogos", com argumento e desenho de Alexandre Algarvio, na revista
"Mega Jogos".
Como suplemento do jornal "Público", ao domingo, há a revista "Kulto", com
uma mangá por autores portugueses, Ana Freitas (desenho) e Nuno Duarte
(argumento).
Rádio
Este medium continua sem qualquer tempo radiofónico dedicado em exclusivo
à banda desenhada, embora por vezes haja alguém que se lembre de
entrevistar um autor em foco, ou qualquer especialista em assuntos
"esquisitos", tipo fanzines.
Televisão
Idem, idem, aspas, aspas, em relação ao que ficou dito sobre a rádio. A
excepção desta vez foi cometida pela SIC Notícias, em Dezembro, no
programa Alice no País dos Viajantes, já dedicado a várias personalidades
(uma de cada vez) até que chegou a vez de António Jorge Gonçalves, cuja
conversa incidiu sobretudo na subway life e, como não podia deixar de ser,
também na banda desenhada.
2006 DOSSIÊ 130|259
Introdução
Este ano pedimos as ilustrações deste Dossiê a Luís Henriques, a mais recente
descoberta na bd portuguesa graças à edição do "Tratado de Umbrografia",
primeiro volume de "Black Box Stories" - série de bd editada pela Devir em que
José Carlos Fernandes escreve para vários desenhadores.
Curiosamente o que Luís Henriques nos ofereceu são excertos do seu próximo
projecto, "Babinski, o salteador de Praga" (baseado "O Golem", de Gustav
Meyrinck, adaptado por José Feitor) a sair em 2007 pela Imprensa Canalha.
2006 DOSSIÊ 131|259
Crítica
Domingos Isabelinho
proximidades imediatas” (“‘A crítica’ ainda existe? (III)”, suplemento "Mil Folhas"
do jornal "Público" de 24 de Junho de 2006, pag. 22).
Dito por outras palavras, e assumo o papel de colonizado (obrigado grande pai
branco pelas tuas armas de destruição cultural em massa!): a crítica a sério é a
pain in the ass. Isto porque a ditadura cultural do proletariado não é de
esquerda; a ditadura cultural do proletariado é de direita e bem de direita. Mais
propriamente, a ditadura cultural do proletariado é a ditadura do mercado, a
ditadura imposta pelo capitalismo selvagem. E esse não tem contemplações
para o que languesce nas prateleiras das livrarias ou para salas de teatro “às
moscas” (não é verdade Rui Rio?). Dito ainda por outras palavras: da
Broadway at Portas de S. Antão até “aos multiplexes de “cinema pipoca”” (José
Carlos Fernandes dixit in “Contas de Cabeça”, "BD Jornal" n.º17, de Fevereiro /
Março de 2007, pag. 14) e ao Marvel import em qualquer livraria da
especialidade, passando, claro (que injustiça seria esquecê-las!), pelas
televisões generalistas, vivemos uma época de barbárie, de reino absoluto do
kitsch sobre todas as coisas. Ser crítico significa, como sempre significou, ser
desmancha-prazeres; significa ser um aguafiestas no circo mediático.
Eliminem-se, pois, os críticos, esses inimigos dos inefáveis feixes hertzianos e
da cultura... do eucalipto.
Mais à frente, no mesmo artigo, José Carlos Fernandes diz: “O Estado central
[...] não atribui, pelo menos de forma regular, qualquer subsídio, estipêndio, ou
apoio à BD. A sua condição “híbrida” deixa-a desamparada, sem casa ou
instituto que a acolha. [...] Os criadores de BD não podem gozar a generosa
sombra do ICAM (que sustenta, além de um primo afastado [da banda
desenhada, suponho] o Cinema, um meio-irmão, o Cinema de Animação); não
podem agarrar-se aos fartos úberes do IA (que nutre, entre outros, os primos
das Artes Plásticas) e não são bem recebidos no IPLB (que provém aos meios-
irmãos da Literatura Séria)”. Para além de não perceber lá muito bem esta
“mania” do comics milieu em escrever os nomes das artes com letra maiúscula
(sem que as mesmas integrem um qualquer currículo académico; será respeito
desmedido?), diria que comparto inteiramente o lamento. Mas bem pode José
2006 DOSSIÊ 133|259
Veja-se o que diz o produtor de cinema, Paulo Branco ("Jornal de Letras, Artes
e Ideias" n.º946 de 3 a 16 de Janeiro de 2007, pag. 10): “As indemnizações
compensatórias de serviço público para a televisão são cerca de 160 milhões
de euros/ano e a sua dotação de apoio à actividade cinematográfica (toda ela:
longas e curtas-metragens e documentários) é de um milhão e 750 mil euros”.
Uma ninharia, de facto, mas qual é a dotação do apoio do Estado à produção
de banda desenhada?
imprensa portuguesa é cada vez mais escasso; sabemos que o espaço para o
elo mais fraco (a banda desenhada) é o primeiro a desaparecer em alturas de
cortes e remodelações. Por mim, sinceramente, divido-me entre lastimar que o
número de vozes a falar sobre banda desenhada no espaço público seja cada
vez mais reduzido e a dúvida que me assalta: não sei se não será melhor
assim?
Edição
Sara Figueiredo Costa
Vender livros num país com tão baixos índices de leitura não é tarefa fácil para
ninguém, mas vender livros de bd num país onde continua a acreditar-se que a
bd é coisa de miúdos pequenos ou entretenimento de quem não é capaz de ler
outra coisa revela-se, como parece, um empreendimento verdadeiramente
hercúleo.
O ano que passou não trouxe, como já se augurava, muitas novidades no que
respeita à tendência que temos verificado nos anos mais recentes. O papão da
crise continua a agitar-se, com as tiragens médias a ficarem-se pelos mínimos
exigíveis para que as gráficas imprimam os trabalhos a um preço aceitável e
com a variedade de títulos a deixar muito a desejar. Apesar disso, são de
saudar alguns regressos, autorais e editoriais, que contribuíram para que o ano
editorial não fosse um desastre total, pelo menos no que ao interesse da
produção diz respeito. E, por outro lado, a vontade de diversificar títulos e
modos de editar parece ganhar terreno por entre as dificuldades da crise (ou
também por causa dessas dificuldades, e como modo de resposta e de procura
de alternativas?), mesmo que longe das editoras mais ‘seguras’ em termos de
presença no mercado.
A Devir, que em 2005 tinha ombreado com a Asa no assegurar da maior fatia
da edição que chegou às livrarias, assistiu este ano ao instalar da crise, com
uma redução drástica do seu volume de edição. Depois de vários meses de
quase silêncio, a editora que ajudou a transformar os escaparates de banda
desenhada nas livrarias portuguesas apresentou, entre outros livros, o terceiro
volume da série "Sandman" (infelizmente, acompanhado da notícia de que
será, muito provavelmente, o último a sair em português com a chancela da
Devir, devido à perda de direitos de publicação), o primeiro volume das tão
esperadas "Black Box Stories", "Tratado de Umbrografia", de José Carlos
Fernandes e Luís Henriques (um dos livros de 2006 a recordar) e o livro "A
Orquídea Negra", resultante do primeiro encontro entre Neil Gaiman e Dave
McKean.
Uma das boas notícias de 2006 no panorama editorial foi o regresso da Polvo.
Depois de uma tímida tentativa, ensaiada em 2005 com "Borda d’Água – No
Tempo das Papoilas", de Miguel Rocha, a Polvo voltou em força no último
trimestre do ano com três títulos (de Sergei, Baladi e Filipe Abranches). "Solo",
o volume que reúne trabalhos de Filipe Abranches dispersos por publicações
várias, é, claramente, um dos livros fundamentais do ano que passou.
Outras editoras foram responsáveis por lançamentos vários, uns mais fáceis de
encontrar nas livrarias generalistas do que outros. A Pedranocharco, que edita
o "Bd Jornal", trouxe "BD Voyeur", a chancela El Pep editou a obra colectiva
"Virgin’s Trip" e "Fato de Macaco: o Símbolo", de Rui Gamito e a Má Criação,
editora discreta mas que nos vai surpreendendo com alguns títulos de boa
memória em diferentes áreas, publicou "Dias Eléctricos", um volume com
histórias curtas em torno do "milagre" da electricidade assinadas por Luís
Rainha (argumento) e vários autores portugueses, entre eles Jorge Mateus,
Daniel Lima, João Fazenda e Tiago Albuquerque (um autor pouco conhecido
do público leitor e cujo trabalho merecerá a pena acompanhar nos próximos
tempos). Também a Livros de Papel, sob a orientação de Manuel Caldas,
prosseguiu a saga do "Prince Valiant", tendo editado ainda um volume, do
próprio Manuel Caldas dedicado à obra de Harold Foster, "Foster e Val - Os
Trabalhos e os dias do criador de Prince Valiant". E ainda no plano do ensaio e
da história, como sempre menos concorrido ainda do que o da edição de bd em
geral, registe-se (com alegria suprema!) a publicação pela Assírio e Alvim de
"Stuart – A Rua e o Riso", de João Paulo Cotrim, dedicado à vida e à obra de
Stuart Carvalhais.
2006 DOSSIÊ 138|259
Dois dos momentos mais altos do ano editorial da bd foram protagonizados por
editoras tradicionalmente desligadas do meio. A Parceria A.M.Pereira (que nos
anos 70 organizou uma exposição de fanzines de bd, não tendo prosseguido
esse trabalho ao nível editorial nas décadas seguintes) editou "Salazar, Agora
na Hora da Sua Morte", de João Paulo Cotrim e Miguel Rocha, seguramente
uma das obras fundamentais da bd portuguesa (e não, não me parece nada
arriscado fazer semelhante afirmação sobre um livro que saiu há tão pouco
tempo), e a Afrontamento iniciou a épica publicação da integral dos "Peanuts",
do mestre Charles M. Schulz, com os dois primeiros volumes a abarcarem a
produção de 1950 a 1954. E para além destas duas editoras, também a Campo
das Letras contribui para a edição de bd e artes paralelas (chamemos-lhes
assim, deixando para outros espaços a discussão mais teórica), com "Este Céu
Cheio de Terra", de Max Tilmann (ou Tiago Manuel, se preferirem).
Autores
Daniel Maia
Este paradoxo tem mais de uma face. Não só o fluxo de novos autores que
paulatina, mas continuamente se dão a conhecer surge ao mesmo tempo que
artistas consagrados regressam às lides – sendo este um movimento salutar,
porém contrário ao output de edições domésticas (que agora atingiu um
mínimo histórico após o “boom” editorial de 2002 e vaticina uma ainda maior
descida) – como é igualmente surpreendente a crescente desenvoltura destes
novos autores que, na sua maioria, demonstram logo num primeiro momento
um apreciável conhecimento técnico mais visto em profissionais experientes. E
isto nas mais diversas práticas da BD, seja em registo comics, em indie ou
mangá…
Ainda outro sinal dos novos tempos é a aparente corrida a sofisticados
formatos e modos de edição, que permitem aos autores uma acrescida
independência face às casas editoriais. Estas tecnologias, digitais, e o sistema
POD (Print on Demand) – introduzido cá pela ilustradora Carla Pott e o
quadrinhista Filipe Peres, que disponibilizaram um calendário ilustrado e dois
volumes de BD, respectivamente – vieram em boa altura facilitar ao próprio
autor realizar autonomamente os seus projectos. Consequentemente, a
acessibilidade que estes modos trazem poderão vir a revolucionar a forma
como se faz e publica BD em Portugal, assim como a trivialização do usufruto
destas condições pode, a média prazo, levar os novos artistas a um mais
rápido amadurecimento profissional.
Mas mesmo sem estas portas que agora se abrem, os autores e militantes da
BD têm sabido usar os poucos recursos ao seu dispor para promover
2006 DOSSIÊ 140|259
enquanto que no final do ano, pelas mesmas categorias, foram premiados João
Paulo Cotrim e Miguel Rocha nos PNBD do FIBDA.
Neste evento, foram ainda atribuídos a Luís A. Pereira, Sara Serrão e a
Bárbara Fonseca os prémios do Concurso de BD, no 1º escalão, e
distinguiram-se ainda Fernando Madeira, Ernesto Silva e Marc Figueiredo no
Concurso de Cartoon.
Em suma, parece ser claro que temos fruta madura pronta a ser espremida, em
quantidade e variedade mais que suficiente para satisfazer os leitores. E agora
já nem temos falta de copos para colher o sumo, talvez apenas uma escassez
de quem o beba… Mas surpresas para quê? Até isto é, tipicamente, Portugal.
Festivais
João Miguel Lameiras
Os últimos nºs do "BD Jornal" tem albergado uma acesa discussão sobre o
futuro dos Festivais de BD em Portugal. Uma discussão motivada pelas
evidentes dificuldades sentidas pelos Festivais em conquistar novos públicos
para a Banda Desenhada. "Práticas na BD: Os Visitantes do 16º FIBDA", o
bem documentado (mas superficial em termos de análise) estudo de Helena
Santos sobre os visitantes do Festival da Amadora, avança com números que
reflectem uma evidência: mesmo o nosso principal Festival de Banda
Desenhada e o único com capacidade de mobilizar os média, funciona cada
vez mais para um público que se vai reduzindo e que está envelhecer. No
fundo, tal como acontece com a Banda Desenhada em Portugal…
Cumprindo uma sina que arrasta desde que deixou de se realizar na saudosa
Fábrica da Cultura, o Festival da Amadora mudou mais uma vez de lugar, com
o núcleo central a trocar o espaço claustrofóbico e sufocante, mas de fácil
acesso da Estação de Metro da Amadora-Este, pelo novo espaço do Fórum
Luís de Camões, na Brandoa, cujas melhores condições logísticas para acolher
o Festival são contrabalançadas pela dificuldades em termos de
2006 DOSSIÊ 145|259
acessibilidades, acrescidas pela fama que a Brandoa tem de ser uma das
zonas mais problemáticas da grande Lisboa… A programação, de qualidade,
mas eminentemente alternativa, aliada ao facto dos autores presentes serem
pouco chamativos (ou eram repetentes ou não tinham nada editado em
Portugal), também não ajudou a levar o público até à Brandoa. E talvez por
isso, com excepção do fim-de-semana em que esteve no Festival o brasileiro
Maurício de Souza, criador da Turma da Mónica, deu para perceber que o
número de visitantes ficou abaixo de outros anos.
Ou seja, o panorama geral é muito negro, mas poderá vir a melhorar em 2007.
O Festival da Amadora, que entra na sua 18ª edição, procurará certamente ter
uma programação à altura de uma instituição que assume a maioridade,
enquanto que a Sul parece haver uma convergência que vai fazer de Maio o
mês da BD no Alentejo. Primeiro, com o regresso do Festival de Moura (que vai
contar com a presença de um dos principais desenhadores da série Tex, a
mais popular BD italiana da Casa Bonelli, que conta com fieis seguidores em
Portugal) e depois com a passagem do Festival de BD de Beja para o mês de
Maio.
2006 DOSSIÊ 146|259
Fanzines
Marcos Farrajota
Para a análise dos “Fanzines” do Dossiê 2006 decidi, este ano, não fazer
distinção entre Fanzines, Zines, Prozines, Edição Amadora, Edição DIY, Edição
Independente, Edição de Autor, etc… porque para além das diatribes já terem
sido lançadas no Dossier 2005 (e também no blog da Chili Com Carne), para
mais, em mais um ano “na fossa”, 2006 foi um ano rico em experiências no
mundo da “pequena imprensa”, diria mesmo, que foi neste mundo onde
surgiram as obras mais interessantes dado o deserto da edição comercial.
2006 DOSSIÊ 147|259
Tal com a revista “Times” colocou um espelho na sua capa para eleger a
Personalidade do Ano de 2006 – “You.” (você ou nós a população mundial – ou
aquela com acesso à www) – devido à capacidade da Humanidade gerar cada
vez mais Cultura fora dos malefícios das “grandes companhias” graças a
serviços informatizados cada vez mais utilitários (apesar do Youtube, Blogger,
POD, etc… serem serviços de grandes empresas), pouco a pouco também (em
Portugal) tem aumentado a capacidade de edição de objectos físicos feitos por
indivíduos ou colectivos sem grandes recursos materiais e capitais.
Tem sido esta a batalha da “pequena imprensa”: criar não só o seu próprio
espaço de exposição pública como ainda criar novos públicos. E por isso que o
primeiro destaque de 2006 que faço vai para duas “pseudo-entidades” que
animaram a vida cultural da bd, ilustração e edição independente quase
2006 DOSSIÊ 148|259
Sucedâneos?
Por fim,
Investigação
Adalberto Barreto
Tal como sucedeu nos anos anteriores vamos considerar para efeitos de
investigação os trabalhos publicados (comercialmente ou não) em qualquer
espécie de suporte, medium narrativo (escrita, banda desenhada,
documentário, filme…) ou onde ocorram, separada ou cumulativamente, um
dos seguintes requisitos:
consulta de fontes externas (e.g. a existência de uma bibliografia final é forte
indício favorável à consideração do trabalho como investigação), depoimentos
de autores, ou outras testemunhas sobre factos que tragam nova informação;
tratamento de informação estatística. Grosso modo vamos tentar analisar toda
a produção não ficcional sobre banda desenhada (que não seja uma mera
opinião) manifestando, também, a vontade (algo utópica) de ser exaustivos. A
2006 DOSSIÊ 151|259
LIVROS
Apesar da explosão de informação publicada na Internet e da facilidade cada
vez maior para os autores e investigadores se auto publicarem,
designadamente através da blogosfera, verificamos que o suporte “livro”
continua e ser o mais ilustre objecto de recolha e divulgação dos trabalhos de
investigação. Nada é mais prestigiante para o investigador do que ver a sua
obra publicada no velho formato de papel («the dead tree media») de lombada
e duas capas. Sobre este aspecto é curioso verificar que a cada vez que se
anuncia a morte de papel ou o fim do velho livro, mais uma empresa de e-
books abre falência. O velho livro domina o mercado e constitui a suprema
glória de quem escreve. Continua, por outro lado, a ser a melhor forma de
chegar a informação ao consumidor final com garantia mínima de qualidade.
Assim, no ano de 2006 temos:
Pela Assírio & Alvim em parceria (inédita) com o El Corte Inglês a “jóia da
coro”: «STUART: A RUA E O RISO» oferece-nos um luxuoso “calhamaço” de
270 páginas que nos conta pormenores biográficos, muito bem estruturados,
da vida e obra de Stuart acompanhados de grandes ilustrações e magníficas
fotografias. Um inegável contributo para a história da banda desenhada e do
cartoon nacionais, em tempos pouco propícios a publicações dispendiosas.
Da Póvoa do Varzim e pelas mãos de Manuel Caldas a obra «FOSTER E VAL»
um trabalho sobre a vida, obra, técnicas e influências Harold Foster o autor do
Príncipe Valente.
A Câmara Municipal da Amadora e as Edições Afrontamento lançaram para o
mercado um curioso estudo, que merece o nosso destaque, sobre os públicos
do Festival da Amadora. Os seus gostos, preferências e motivações para
2006 DOSSIÊ 152|259
CATÁLOGOS DE EXPOSIÇÕES
Na maioria das vezes as exposições pressupõem um trabalho prévio de
investigação sobre os autores, estilos / escolas ou assuntos objecto da mostra.
Ao contrário das exibições nas galerias de arte (com fins comerciais), os
museus (e eventualmente bibliotecas) têm a preocupação profissional de
acompanhar as suas exposições com informação detalhada e didáctica
(acessível a um público o mais amplo possível). Essa informação fica via de
regra a cargo dos letterings, gravações (para ouvir em auriculares), folhetos,
brochuras, informação na Internet e catálogos em formato de livro. De qualquer
modo a investigação é um requisito indispensável à realização de qualquer
exibição em equipamentos culturais de natureza pública ou privada sem fins
puramente comerciais. Contudo as instituições públicas (muitas vezes sem
autonomia administrativa e financeira) ao debaterem-se com uma queda
contínua dos seus orçamentos, por natureza limitados, perdem os meios para
adquirir serviços de estudo e investigação e publicam cada vez menos
catálogos das exposições que realizam. Isto explica a razão pela qual a
Bedeteca de Lisboa, embora mantendo um calendário de exposições amplo e
diversificado (seis exposições em 2006), não publicou qualquer catálogo nem
teve meios contratuais para “encomendar” trabalhos desta natureza. Para além
da Bedeteca de Lisboa também a sua congénere em Beja realizou o seu II
Salão Internacional de Banda Desenhada, sem a publicação do respectivo
catálogo. A este nível vai se salvando o Município da Amadora que tanto
através do Festival como do CNBDI vão mantendo um registo mínimo das suas
exposições.
Assim, da exposição dedicada à banda desenhada infantil portuguesa que teve
lugar no início do ano (CNBDI) foi publicado o catálogo «EM TRAÇOS
MIÚDOS». A exposição dividiu-se em quatro partes (andamentos). Os marcos
fundadores, a caminho da maioridade, revistas heróis & aventuras e três
nomes [actuais] para os novos leitores. As 48 páginas que compõem o
catálogo contêm diversos textos dos quais destacamos «Um percurso em
quatro andamentos» da Sara Figueiredo Costa que consegue em simultâneo
2006 DOSSIÊ 154|259
PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
O BD JORNAL vai para o seu segundo ano consecutivo como periódico de
referência em Portugal. Em 2006 foram publicados sete números, cuja
encadernação soma 208 páginas. Notável espaço de informação sobre banda
desenhada em tempos de crise, cujos créditos recaem sobre o infatigável
director Machado-Dias. O seu conteúdo editorial é generalista ou de grande
abrangência (o cartoon e cinema de animação também podem ser assuntos a
tratar). Temas populares como a mangá, ou mais restritos como a BD
Finlandesa podem ser destaque assim como a análise do mercado pelos
editores e proprietários de lojas especializadas, entrevistas a autores, bem
como artigos de autores a expressar uma opinião sobre o mercado e os
festivais, reportagens aos salões em Portugal e lá fora, fanzines, edições
alternativas e super heróis… Tudo é visto e pouca coisa escapa ao radar deste
periódico resistente.
Especialmente activo esteve o «BOLETIM DO CLUBE PORTUGUÊS DE
BANDA DESENHADA» com a publicação de 6 números. Cinco numerados
com dois grandes temas de investigação: «A influência da BD inglesa no Jornal
Mosquito» em três actos da autoria de Américo Coelho e «O início da guerra
2006 DOSSIÊ 155|259
INTERNET
Na Internet os destaques vão para o blogue «MANIA DOS QUADRADINHOS»
(http://quadradinhos.blogspot.com/) que mantém o registo de repositório de
informação sobre a banda desenhada clássica. O site BDESENHADA
(www.bdesenhada.com) com alguns textos de investigação dedicados à
utilização da banda desenhada como instrumento de promoção da leitura nos
vários ciclos de ensino e o site CENTRAL COMICS
(http://www.centralcomics.com).
TESES ACADÉMICAS
Das 2547 teses de doutoramento, mestrado e licenciatura registadas no
catálogo DiTed (Biblioteca Nacional) temos zero ocorrências para a pesquisa
banda desenhada.
CONCLUSÕES
Um quadro comparativo de livros considerados investigação (com ISBN)
publicados em Portugal nos últimos 7 anos, mostra-nos que 2006 foi um ano de
boa colheita (comparável apenas com o ano 2000 que correspondeu ao siglo
de oro da Bedeteca) e poderia augurar uma possível retoma na publicação de
trabalhos de investigação em BD. Creio, no entanto, que estes números não
são mais do que fruto do acaso. Para haver crescimento, tem de haver um
crescimento dos índices de leitura (aqui o papel das escolas e das bibliotecas
públicas para promoção da leitura de BD é fundamental) e um feliz encontro
entre esses gostos ou tendências com a oferta do mercado.
2000 – 7
2001 – 5
2002 – 4
2003 – 3
2004 – 6
2005 – 4
2006 DOSSIÊ 156|259
2006 – 7
____________
BIBLIOGRAFIA DA INVESTIGAÇÃO PUBLICADA EM PORTUGAL, 2006
Movimentos
Geraldes Lino
Este ano apetece-me mudar (posso?) o critério que tenho seguido em anos
anteriores para esta tarefa, abdicando de alguns pormenores, em especial a
datação das actividades. Mas abarcarei na mesma as diferentes áreas que
buliram – concursos, colóquios, cursos, exposições, Internet, jornais, rádio,
televisão –, tentando não passar secantes às que foram observadas, criticadas,
escalpelizadas, aqui ao lado, pelos meus pares.
Concursos
- Associação Juvenil COI (AJCOI), em Pinhal Novo – Tema: A Noite;
- 1º Concurso de Banda Desenhada Infanto-Juvenil de Colares.
Exposições
- "Em traços miúdos", e "O Mosquito – Uma Máquina de Histórias", ambas no
Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI (Amadora).
- "Tenho visto carteiristas" e "All Girl Zine", neste último caso dando primazia às
autoras Carla Pott, Rosa Baptista, Ana Freitas, A.Rechena, Cláudia Dias, Ana
Biscaia, Sara Mena Gomes, Joana Lafuente, Joana Pereira e Joana Sobrinho.
Ambas as expos na Bedeteca de Lisboa.
- Banda Desenhada (também Ilustração), de Daniel Lima, na Bedeteca de Beja
/ Casa da Cultura – Galeria de Exposições Temporárias.
- "Virgin's Trip"; Rui Lacas – "Merci Patron"; Gamito – "Desenhos de Imprensa";
Diniz Conefrey – "Uma Ilha em Sketches". Todas (uma de cada vez, óbvio) na
Nouvelle Librairie Française (NLF).
- Várias bandas desenhadas, expostas numa velha fábrica desactivada do
Montijo, representaram os "Jovens Criadores 2006" – Lucas Almeida, Pedro
Vieira, P.Amorim e Ana Madureira, que as fizeram. Será que a expo teve
visitantes, apesar de relegada para aquele local imprevisível? Além dos
montijenses, e mencionados autores, houve um lisboeta presente.
2006 DOSSIÊ 159|259
Internet
Sítios e blogues têm proliferado. Grande parte deles ficaram aqui registados no
levantamento do ano passado. Desta vez limito-me a apontar os meus
preferidos: em primeiro lugar, os que apresentam crítica fundamentada e bem
escrita, e os que fazem divulgação de qualidade; em segundo lugar, alguns dos
que se estrearam este ano (focando apenas a BD):
Os primeiros:
- Ler BD, de Pedro Vieira de Moura – lerbd.blogspot.com
- Beco das Imagens, da dupla Sara Figueiredo Costa e Sílvia Moldes, com
excelentes textos, em especial da primeira – becodasimagens.blogspot.com
- Mania dos Quadradinhos, de um bedéfilo que se identifica por - Rezendes –
quadradinhos.blogspot.com
- Bdesenhada, "site" onde pontifica Enanenes (Nuno Pereira de Sousa) –
www.bdesenhada.com
- Blog da Utopia , mantido basicamente por dois bloguistas que assinam
simplesmente Farinha e Ferrão – bandadesenhada.blogspot.com
- Kuentro, muita divulgação feita pelo Machado-Dias – kuentro.weblog.com
- Central Comics, portal bastante activo e de grandes dimensões. Ou, como
eles dizem, "o universo da banda desenhada" – www.centralcomics.com
Os segundos:
- O Estrompa tem uma filha chamada Cristina que canta, escreve poesia, e
soube criar um sítio onde aparece Tornado, o anti-herói de estimação do pai -
www.estrompa.com
- Dedicado totalmente aos fanzines de bd surgiu no princípio do ano o
www.fanzinesdebandadesenhada.blogspot.com
2006 DOSSIÊ 160|259
Imprensa
Duas são as áreas onde, na imprensa, a BD ocupa espaço: na respectiva
publicação e nas rubricas de crítica e divulgação. Vejamos cada uma delas em
separado:
Textos críticos
Quem escreve críticas e textos de divulgação?
- João Miguel Tavares costumava fazer crítica BD no Diário de Notícias,
mesmo que com alguma irregularidade no suplemento "6ª". A certa altura
desapareceu (no que se refere a escrever sobre BD, claro).
- João Miguel Lameiras assina semanalmente, desde 14 de Maio de 1994, a
rubrica "Banda Desenhada", aos sábados, no jornal Diário As Beiras.
- Pedro Cleto escreve no Jornal de Notícias, ocupando o espaço de uma
coluna a que chama "Aos Quadradinhos", desde 11 de Fevereiro de 1998.
- Luiz Beira viu desaparecer a sua vetusta rubrica "Coluna da 9ª Arte", que
existia há 23 anos, no paroquiano Jornal de Almada. Em compensação passou
a coordenar o "Espaço BD" no regional Diário do Alentejo.
- Dâmaso Afonso, alentejano, coordena o suplemento "O Cuco - Informativo
BD" no Diário do Sul (de Évora).
- João Ramalho Santos mantém espaço relevante no prestigiado quinzenário
JL.Jornal de Letras, Artes e Ideias, com a rubrica "Banda Desenhada" desde
1994.
2006 DOSSIÊ 163|259
- Os meus livros, revista mensal, conta com textos de crítica assinados por
Sara Figueiredo Costa e João Morales.
- No jornal Público, há textos de análise escritos por Carlos Pessoa e Nuno
Franco.
Rádio
- Na SIC foi transmitida uma reportagem sobre BD Internacional. Soube que
houve, mas não ouvi.
- No programa "Roteiro Cultural", da Rádio Renascença, foi dada notícia
alargada sobre o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. Aliás
este evento bateu recordes de divulgação pelas ondas hertzianas: foi falado
nas Antenas 1, 2 e 3, mas igualmente em rádios locais (Pax, Voz da Planície e
Castrense) além de ter sido visto na televisão. O Paulo Monteiro não deve ter
sido alheio a esta ampla cobertura dos média…
- Artur Correia, desenhador, e António Gomes de Almeida, argumentista,
falaram dos seus "Super-heróis da História de Portugal" no programa "Um certo
Olhar".
Televisão
Entrevistados, esporadicamente, em programas ("Por Outro Lado" e
"Sociedade Civil") e em canais vários (RTP1, SIC Notícias e TV2), foram
alguns autores:
- Miguel Rocha e João Paulo Cotrim, desenhador e argumentista,
respectivamente, da premiada obra "Salazar agora na hora da sua morte", e
Miguel Montenegro, a falar da sua colaboração americana.
- Não despicienda foi a passagem, em texto de rodapé, de chamada de
atenção para a obra de Rocha e Cotrim, também focada no noticiário da TVI.
- Machado-Dias foi entrevistado, no propósito de anunciar o lançamento do
BDJornal nº 13, no programa "Curto Circuito" da SIC Radical.
- O Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja foi focado nos canais
RTP 1 e 2, SIC e TVI.
2006 DOSSIÊ 164|259
Finalizando:
Afinal, mesmo tentando ser sucinto, não consegui resistir à tentação de registar
tudo de que tive conhecimento, o que dá um texto se calhar demasiado
extenso para a paciência de alguns visitantes. Mas a verdade é que, apesar de
as actividades serem espaçadas, o balanço de um ano, abarcando todos estes
quadrantes, acaba por ser volumoso, o que se reflecte na quantidade de
caracteres (10760) que para isso utilizei. Peço desculpa aos leitores e
agradeço a compreensão do responsável editorial.
2007 DOSSIÊ 165|259
Introdução
Crítica
Domingos Isabelinho
Só é pena que a crítica de banda desenhada feita por homens (a única que
existe nos jornais portugueses) sofra de ataques constantes de nostalgia,
infantilismo, hagiografismo, enciclopedismo, biografismo, gosto pelo midcult, e
outras barbaridades do género... Estereótipos e personagens com a espessura
psicológica da folha de papel em que foram desenhadas; formulas narrativas
dignas de filmes de série B; etc... etc... são pormenores que não impedem a
canonização na história oficial da banda desenhada (entenda-se: a história da
inane BD infanto-juvenil do século XX; aí esteve a exposição “As 10 BDs do
Séc. XX” (sic) no 18º Festival Internacional Banda Desenhada Amadora 2007
(sic) para, à excepção de “Maus”, de Art Spiegelman, provar o que digo). O que
faz falta, portanto, realmente, e em conclusão, é uma crítica “machista”. Posto
isto vamos ao “pormenor” que me afectou pessoalmente nesta história (e peço
desde já desculpa por utilizar um meio público em “proveito” próprio): fui
plagiado por Ana Bravo (nas pp. 40, 41). O que me parece irónico é que o
subtítulo do livro em causa seja “a conspiração do silêncio” e que no título
apareça a palavra “invisibilidade” porque a sensação que tive foi exactamente
essa: a de ser invisível. Claro que eu sou apenas um crítico de banda
desenhada... Uma arte menor para deleite dos menores de idade, como todos
sabemos e no-lo diz o lugar-comum, ou/e dos adultos que têm um intelecto
algo reduzido. Citar-me não podia ajudar a conseguir a classificação de Muito
Bom, como, estou certo, Ana Bravo mereceu... e eu com ela. Dá muito mais
status e capital intelectual citar Pierre Bourdieu ou Michael (sic, pag. 82)
Foucault, claro.
Mas, infelizmente, Ana Bravo esteve longe de estar sozinha nesta menorização
da crítica de banda desenhada durante o ano de 2007. Nos jornais, o
panorama não foi melhor. (Escuso-me de comentar, em jeito de reportagem,
como soe fazer-se, nestes balanços, o trabalho de divulgação que ainda vai
existindo nos nossos pasquins.) Refiro-me, mais concretamente, à única razão
2007 DOSSIÊ 168|259
Pelo que sei do que se escreveu a propósito do filme e do livro nos jornais
portugueses nem uma palavra disseram os críticos de banda desenhada
habitualmente de serviço sobre o assunto (apenas João Miguel Lameiras
tentou tapar o sol com a peneira no diário “As Beiras” de 14 de Abril: “a reacção
que teve mais impacto mediático foi a do governo iraniano (não por acaso, o
filme foi proibido no Irão) que acusou “300” de ser um instrumento de
propaganda da administração Bush na sua luta contra o Irão. Claro que esta
acusação é absurda, pois a BD de Frank Miller data de 1999, muito antes de
Bush Jr. chegar ao poder e a visão que ela transmite tem por base os escritos
do historiador grego Heródoto, que passou à escrita um episódio épico da
história da Grécia, preservado pela tradição oral e que Miller reinterpretou na
2007 DOSSIÊ 169|259
Por fim, e para terminar com uma nota positiva (convém, nestas quadras
festivas), quero saudar os textos de José Carlos Fernandes no “BD Jornal” e no
catálogo do festival da Amadora. Apesar de não serem crítica, no sentido mais
tradicional, são crónicas interessantes e uma lufada de ar fresco. É do catálogo
referido que transcrevo o excerto seguinte: “Editores, autores e organizadores
de festivais terão que tomar consciência de que a BD deixou de ser uma “arte
popular” e nunca mais irá recuperar esse estatuto” (citação retirada do artigo “A
Era do Pechisbeque”). Faço uma correcção, e um acrescento: parece-me que a
banda desenhada nunca foi uma arte popular; a banda desenhada foi, isso sim,
uma arte de massas; a necessidade da tomada de consciência de que nunca
mais o voltará a ser, de que deixou de estar espartilhada pelo colete de forças
alimentar, deveria chegar, em primeiro lugar, aos críticos. Infelizmente, e com
honrosas excepções, como Nuno Franco, não é na geração (ou gerações)
actualmente em actividade que isso acontecerá.
PS Para iniciar uma tradição vou citar aquela que considero ser a frase crítica
do ano: “O projecto Book'n'Shop surge de urgência pois vivemos tempos em
que as livrarias estão mais preocupadas com livros Pop ou de Elfos – aliás, as
livrarias de “livros normais” nos dias que correm conseguem ser ainda mais
folclóricas que as lojas especializadas em bd sobre as quais se ridicularizava
por serem lojas de “nerds”, vulgo, consumidores de super-heróis e estatuetas
de super-gajas com super-mamas e super-armas.”
Marcos Farrajota: email, 25 de Julho de 2007.
2007 DOSSIÊ 171|259
Edição
Daniel Maia
Este ano, devido a arranjos internos, assumo eu a análise sobre edições que
usualmente cabe à Sara Figueiredo Costa. Todavia, não deixa de ser caricato
que a mesma continue "participante" no artigo, uma vez que o meu parecer
quanto ao panorama do sector neste ano que passou é concordante com o da
Sara, e vem aliás repetir argumentos que ela própria já havia denunciado. No
texto que escreveu sobre o evento “Semana Negra” de Gijón, in "BDjornal"
nº20 (Set'07), a Sara compara a certa altura o nosso (disfuncional) mercado
bedéfilo com o de "nuestros hermanos", aludindo ali a algumas noções que de
seguida também vou deslindar.
para 340 títulos, pelo que não é de espantar que presentemente, com o
contínuo definhar – comercial e cultural – do mercado, apenas tenham dado à
estampa 258, incluindo reedições e outras obras mais situadas na fronteira
daquilo que se tem por banda desenhada ou cartoon.
Ou seja, em 2007 houve menos 24% de edições face a 2006 (diferença que
aumentaria para 32% caso retirássemos da equação as reedições, assim como
certas publicações mais singelas, porém contabilizáveis), e menos 52% em
relação aos lançamentos de 2005.
É bem sabido que o negócio da bd vai mal, mas expondo a dimensão do tombo
nestes termos o cenário adquire logo outro peso… Para adensar a trama,
importa ainda frisar que somente 62% do total editado/reeditado em 2007 é
referente ao que se pode chamar de "álbuns". Falo em formatos–livro portanto,
sejam cartonados ou brochados, de maior ou menor tamanho, que são o que
cá na velha Europa instintivamente visualizamos quando se fala em BD.
Devir, que aderindo à colecção 100% Marvel pôde mais facilmente lançar a sua
última grande fornada de edições à porta de 2007, antes de se ausentar do
mercado.
À cadência de dois a três livros por ano, a editora tem recuperado literal e
paulatinamente, os clássicos “Príncipe Valente” de Harold Foster, em faustosas
edições de grande formato e interior a preto-e-branco que por fim fazem justiça
à importância histórica da série. E como recompensa pelo meticuloso trabalho
de restauro que Caldas encetou, as suas publicações colheram a atenção de
2007 DOSSIÊ 174|259
material franco-belga em Portugal. Pena é que igual elogio já não possa ser
feito ao seu projecto seguinte, mas isso, já lá dizia Michael Ende, “é outra
história e terá de ficar para outra ocasião…”
Autores
Luís Henriques
final do trabalho ou ao acordo entre partes (de qualquer modo, nenhum deles
oferece um sustento económico). Noto apenas que a circulação do “Babinski”
(blogosfera, feiras ou livrarias especializadas) está ligada a uma comunidade
de leitores (não tão pequena como se poderia pensar) capaz de contornar os
circuitos comerciais da distribuição convencional (há mais vida para além das
grandes superfícies).
Esta faceta tardia de desenhador de banda desenhada (ou ilustrador) tem sido
muito importante para mim. Coisa rara – quase um contra-exemplo, nos dias de
hoje –, consegue conciliar o trabalho com uma dimensão colectiva bastante
informal e um grande recolhimento (penso agora no desenho). Quando corre
melhor, acho que isso acaba por transitar para os próprios livros.
Festivais
Jorge Machado-Dias
Como dizia João Miguel Lameiras no ano passado, neste mesmo capítulo
deste dossier, o BDjornal andou a fomentar durante o ano de 2006 e parte de
2007, a discussão do tema “para que serve um Festival de BD”. A conclusão a
que se chegou (depois de lidas e ouvidas mais de uma centena de opiniões) é
que um Festival de BD serve exactamente para celebrar, em ambiente Festivo,
a Banda Desenhada na sua globalidade, ou seja em todas as suas
componentes. Porque não há um só público, mas vários, como sabemos. E se
uns defendem um conceito de Festival apontando o FIBDA, Festival
Internacional de Banda Desenhada da Amadora, que funcionou como ponto de
referência para quase todos os intervenientes, como exemplo – especialmente
indivíduos com mais de 40 anos – outros mais jovens (cada vez mais a
esmagadora maioria dos interessados) insistem que é necessário passar
obrigatoriamente a haver outras componentes, com inclusão de materiais
(exposições de originais, livros e autores) sobretudo dos comics e da mangá,
para que os Festivais tenham para eles algum interesse.
2007 DOSSIÊ 178|259
Quer isto dizer que um Festival só pode assumir-se plenamente como tal e
satisfazendo todos os públicos, reunindo Autores, Editores, Livreiros
especializados e Público num mesmo sítio e na presença de originais expostos,
englobando todas as tendências por que se exprime a BD em todo o mundo, e
onde se possa originar uma convivência generalizada e também conquistar
novos adeptos para a “causa”. A maioria das opiniões escutadas, aponta ainda
para que a realização de actividades paralelas tenha a ver com a exposição da
própria actividade dos autores, tanto quanto possível “em directo e ao vivo”,
seja em sessões de autógrafos, seja por outros meios.
Começo por citar, em face do que ficou dito atrás, um paradigma em termos
europeus: não é por acaso que o Festival de BD de Angoulême congrega cerca
de 300.000 visitantes todos os anos durante 4 dias – porque aí se reúnem
amostras de quase tudo o que se passa na Banda Desenhada em termos
mundiais.
sobressai numa zona do país que tem sido um autêntico deserto cultural. Em
2007 a concepção e montagem do Núcleo principal do festival – no Fórum Luís
de Camões, Brandoa – foi entregue a uma equipa profissional exterior à
Câmara, contratada para o efeito. O que pressupõe um orçamento que os
outros Festivais ou Salões não têm nem sonham vir a ter.
Daí que se possa assacar ao FIBDA uma responsabilidade na divulgação e
promoção da banda desenhada que não pode, de modo nenhum, ser
escamoteada. O FIBDA deixou à muito de ser um evento para consumo local,
para passar a ser um verdadeiro suporte nacional em tudo o que diz respeito à
BD. E sabemos que a Câmara Municipal da Amadora quer essa distinção.
Porque é a única que lhe dá visibilidade a nível nacional e internacional em
termos culturais.
Por isso, toda a análise que se segue, se baseia neste pressuposto, ligando
intrinsecamente com o que dissemos no início deste texto.
O 18º FIBDA, assumiu-se em 2007 como o Festival da Maioridade - como o
numérico indica – e do seu programa fizeram parte várias matérias e presenças
de interesse, mas o que sobressaiu de imediato foi a anunciada presença de
Milo Manara. Terá sido esta a mola real que levou mais 2.500 visitantes ao
FIBDA, em comparação com 2006? Podemos quase afirmar que sim, uma vez
que o fim-de-semana em que esteve presente o autor italiano, foi de longe o
que mais afluência teve.
Mas comecemos por dizer que esta edição do Festival Internacional de Banda
Desenhada da Amadora, foi a melhor que se realizou desde que o Festival saiu
da Fábrica da Cultura. Não só em termos da qualidade de programa e
funcionalidade dos espaços do Núcleo Central, no Fórum Luís de Camões,
como na apresentação das exposições. De referir a reorganização dos próprios
espaços do Festival, revelando a preocupação de concentrar em vez de manter
dispersos pela cidade peças essenciais, como a integração no Núcleo Central
de um Auditório para a atribuição dos Prémios e realização de outros eventos
paralelos (como o concurso de cosplay) e de um Auditório de Cinema.
O que se põe em causa é a oportunidade de algumas exposições: digamos que
o conjunto não fez grande sentido para todos os públicos da BD! E isto revela a
ausência de uma filosofia de conceito que guie a organização do FIBDA: fazer
um Festival com a responsabilidade deste, não pode ser apenas a conjugação
2007 DOSSIÊ 184|259
Conclusão
Não se veja nestas palavras um lamento por qualquer idílica época de ouro: é
uma mera constatação de uma mudança. E será bom que não nos deixemos
tomar pela ilusão de que estamos perante uma qualquer "crise passageira" e
que "para o ano", em resultado de uma conjuntura económica mais favorável,
da estreia de mais um filme do Hulk, de uma localização mais acessível do
FIBDA ou da abertura de mais umas "exposições descentralizadas" no Festival
de Beja, o público da BD regressará.
2007 DOSSIÊ 188|259
Fanzines
Marcos Farrajota
Uma análise ao ano de 2007 sem pessimismo não seria uma análise a 2007. A
Ficção Científica do século XX sempre gostou de cenários desastrosos para
além do Milénio. No que diz à bd portuguesa nem o escritor de FC mais
“hardcore” poderia prever tal descalabro – pior que não se editar obras
estrangeiras de interesse, pior que o desaparecimento da bd popular, pior que
não haver apoios institucionais, é saber que quase não se encontra interesse
pela bd nos jovens. E é por isso que no meio independente, o cenário não é
muito animador porque pura e simplesmente quase não há “sangue novo” nem
uma “nova geração”. O pessimismo dos subtítulos acusa para esse sentido.
Uma surpresa de 2007 foi o ataque feminino nos formatos “indies” como o livro
“Postais de Viagem” de Teresa Câmara Pestana (editora do “Gambuzine”) e os
inícios de Joana do Paço com o zine “Os músculos não têm para onde ir” e
Andreia Rechena com o zine “[R]eject” (que já prepara o segundo número para
2008). A Piggy regressou com o “Enfraskado”, um zine dentro de um frasco –
2007 DOSSIÊ 191|259
E claro, aquele que ainda teve maior impacto mediático, o programa “Ver BD”
de Pedro Moura que passou na RTP2 durante o Verão – que dedicou um dos
cinco episódios à edição – com zines incluídos.
Funerais assim até que são divertidos! Zines: RIP (rust in punk).
2007 DOSSIÊ 193|259
Investigação
Sara Figueiredo Costa
Ponto prévio: estas não são as águas onde costumo mover-me. O aviso é
necessário porque, estando mais à vontade no acompanhamento da edição de
banda desenhada em Portugal do que da investigação que por cá se vai
fazendo, é muito possível que me tenham escapado elementos importantes.
Movimentos
Geraldes Lino
Concursos
Houve um concurso de BD, incluído em evento denominado BDTECA, levado a
efeito pela segunda vez em Odemira.
Baseado no Campeonato do Mundo de Vela, em Cascais – ISAF 2007, foi
organizado um concurso para jovens dos 12 aos 14 e 15 aos 19 anos, pela
Biblioteca Municipal de Cascais, polo de S. Domingos de Rana.
Efectuou-se em Colares o 2º Concurso de BD infanto–juvenil, organização
conjunta do Grupo Entropia e da Alagamares – Associação Cultural.
2007 DOSSIÊ 198|259
Exposições
"Nahui Ollin - Banda Desenhada Pré-colombiana", assim se intitulou a mostra
de pranchas originais de Diniz Conefrey, expostas na Casa da América Latina,
em Lisboa.
Banda Desenhada e Ilustração, tendo por tema Fernando Pessoa, organizada
pelo colectivo Imaginarte, na FBAUL- Faculdade de Belas Artes da
Universidade de Lisboa, com pranchas de Miguel Marreiros, Nuno Frias,
Ricardo Reis, João Vasco Leal, estes três últimos a desenharem sob colorido
de Cristiano Baptista e argumento de André Oliveira.
Pelo mesmo colectivo Imaginarte foi realizada outra mostra, na Faculdade de
Medicina Dentária de Lisboa, em que participaram, com bd's, Mariana Perry,
André Oliveira, Joana Hipólito, Marina Gonçalves e Miguel Marreiros.
Pedro Massano esteve bem representado por pranchas das suas principais
obras de BD, na Galeria Lino António, da Escola Secundária António Arroio, em
Lisboa.
Na Bedeteca de Lisboa houve várias exposições de autores estrangeiros e
nacionais, concretamente "BD Checa", "A Banda Desenhada Galega", "Tropa
Macaca", "Guerrilha Laica", "O táxi visto por crianças e jovens" e "Babinski",
individual de Luís Henriques.
Miguel Rocha teve direito a uma "Retrospectiva", assim se intitulou a exposição
de pranchas suas que teve lugar na Biblioteca Municipal D. Dinis, em Odivelas.
Em Colares, na sede do Sport União Colarense, estiveram expostas as bandas
desenhadas premiadas num concurso organizado naquela localidade pela
dupla Grupo Entropia e Associação Cultural Alagamares.
2007 DOSSIÊ 200|259
Imprensa
Criticar ou divulgar BD em rubricas de jornais ou revistas, foi missão de que se
encarregaram: João Ramalho Santos (JL-Jornal de letras artes e ideias), João
Lameiras (Diário As Beiras), Sara Figueiredo Costa e João Morales (revista Os
meus Livros), F. Cleto e Pina (Jornal de Notícias), Luiz Beira (Diário do
Alentejo) e Dâmaso Afonso (Diário do Sul).
Ao nível de trabalho jornalístico pontual, João Paulo Cotrim elaborou dossiê
para o Expresso a propósito do centenário do nascimento de Hergé.
Bandas desenhadas mesmo, com marca portuguesa, em jornais, tem sido
tarefa desempenhada por vários autores, uns com regularidade, outros
esporadicamente. Vejamos quem:
Nuno Saraiva, Joba mais ML, e Luís Afonso, significando três séries, todas a
cores, no semanário Sol, tanto no corpo principal do jornal como na sua
revista–suplemento Tabu, intituladas "Na Terra como no Céu", "As Tias" e "Sol
aos Quadradinhos", respectivamente;
Luca (Luís Afonso e Carlos Rico) fazem o "RIbanho" numa tira, a cores, no
Diário do Alentejo, e Carlos Rico, sozinho, colabora com tira colorida a verde,
como não podia deixar de ser, no jornal do Sporting;
Jorge Mateus desenhou, com argumento dele e de Luís Rainha, a série
"Manicomics", a cores, para o semanário "Tal & Qual" (transposta para álbum,
após o desaparecimento do jornal).
Joca (João Amaral), a desenhar e Gui (Isabel Afonso), a escrever os
argumentos, assinaram, mensalmente, as peripécias protagonizadas pelo
bando "O Gui, a Nô…e os outros", no mensário gratuito Cruz Alta, de Sintra.
Também mensal e gratuito é o Ensino Magazine, um jornal de Castelo Branco
em que a série "Educação às tiras" tem a assinatura de Bruno Janeca
(desenho) e Dinis Gardete (argumento).
2007 DOSSIÊ 202|259
"Ida e Volta" é igualmente uma tira de BD, esta assinada por João Peixoto e
Miguel Velez, no diário Destak, distribuído gratuitamente.
E continuando nos gratuitos (parece que é o que está a dar), temos o
semanário Mundo Universitário com a rubrica BD – coordenada pelo mesmo
escriba que assina este texto – onde, todas as semanas, entre Janeiro e
Dezembro, exceptuando nos meses das férias, apareceram bandas
desenhadas autoconclusivas a cores, no formato tablóide do jornal, assinadas
por Filipe Goulão, Ângela Gouveia, Marco Mendes, Nazaré Álvares, Pedro
Zamith, pelo trio Ricardo Correia (desenho), Ana Maria Baptista (cor) e André
Oliveira (argumento), João Lam, ZéPaulo, José Lopes, Pedro Nogueira, pelo
duo Arlindo Fagundes (desenho) e José Pedro Costa (cor), Zé Manel, Vasco
Gargalo, Filipe Andrade (desenho) e Filipe Pina (argumento), José Carlos
Fernandes, Esgar Acelerado, Antero Valério, outro trio composto por Ricardo
Reis (desenho), Cristiano Baptista (cor) e André Oliveira (argumento), Pedro
Alves, Álvaro, Pedro Manaças, Derradé, de novo o duo Arlindo Fagundes e
José Pedro Costa, mas dessa vez alterando os papéis (Fagundes no
argumento, Costa no desenho e na cor), Algarvio, Phermad, Fernando Relvas
(sim, ele continua a viver na Croácia, mas enviou-me a bd por e-mail),
Pepedelrey, Sko Nihil Vo (desenho) e Hugo Sousa (cor).
Em revistas não especializadas na BD, a lista de participantes, sendo exígua, é
um pouco mais extensa do que os menos atentos displicentemente costumam
afirmar, como se pode verificar pela seguinte listagem:
Na Jazz.pt, publicaram-se bedês realizadas por: C.Zingr (Carlos Corujo
"Zíngaro").
A Visão associou-se às homenagens a Hergé provocadas pelo centenário
decorrido após o seu nascimento, com bandas desenhadas numa prancha a
cores, tipo "pastiche", assinadas por António Jorge Gonçalves, José Carlos
Fernandes e Pedro Massano.
Algarvio, desenhou episódios numa só prancha, a cores, na Megascore e na
Gente Jovem, enquanto duraram (ambas deixaram de se publicar em meados
de 2007).
Luís Pinto Coelho, continua a fazer, na mensal Motociclismo, há uns tantos
anos, duas pranchas com o seu herói Tom Vitoín.
2007 DOSSIÊ 203|259
Internet
Nos "movimentos" anteriores oscilei no critério adoptado: uma vez dei
endereços de espaços internéticos que estavam em maior evidência, noutra,
entre portais, sítios e blogues, dei uma lista quase exaustiva, num outro ano
escolhi os da minha predilecção, tudo num total de mais de sessenta
endereços, entre 1999 e 2006, que ainda podem ser vistos aqui no "site" da
bedeteca, nos "Movimentos" da habitual rubrica "Dossiê".
Desta vez, a minha opção relativa a 2007 é minguante, para evitar ser
repetitivo. No capítulo dos blogues com textos de crítica e/ou divulgação, indico
apenas o meu blogue preferido, o do Pedro Vieira Moura, por aliar o
brilhantismo literário à seriedade crítica:
http://lerbd.blogspot.com
2007 DOSSIÊ 204|259
Nos que têm a ver com banda desenhada propriamente dita, sugiro a visita a
três:
1) "Álvaro – Bandas Desenhadas", com, pelo menos, duas bedês imperdíveis:
uma com 14 pranchas, a cores, "Salvai-vos, Irmão!", e outra, com 18 pranchas
(nesta, caso invulgar, o argumento não é do próprio Álvaro, mas de Ana
Laureano), sob o título "Vampirosa".
2) Diário Rasgado, de Marco Mendes, um autor–artista com imaginação, humor
descontraído e bom desenho, nascido em Coimbra mas a viver no Porto, que
trabalha no endereço: http://diariorasgado.blogspot.com
3) VD Cartoons, de António Pilar, um dos autores que trabalhou na revista de
BD Visão (1975/76), e presentemente a fazer tiras de banda desenhada (a que
chama "cartoons"), uma tira "on line" cada domingo, com bom sentido crítico e
um engraçado cão, o Van Dog (daí o VD), que justifica a frase "Chega de
explora cão! Nem Nato nem canja, queremos pato com laranja". Até ao final
deste ano 2007 já lá cantam, neste caso, ladram, 57 tiras. Ver em:
www.vdcartoons.blogspot.com
Rádio
Coisa que há muito não acontecia, com carácter sistemático: voltou a ouvir-se
falar de banda desenhada em dois programas radiofónicos.
Um deles localiza-se em Coimbra, intitula-se Planeta Calafrio, na RUC, as
vozes são de João Miguel Lameiras (reincidente, falou durante anos no Balada
do Mar Salgado), e Maria Santos. Têm um blogue no endereço
http://planetacalafrioruc.blogspot.com.
O outro é de Lisboa, na Rádio Zero, a rubrica dá pelo título de Invisual, nele se
ouvem as vozes de Marcos Farrajota e Rui Tomás. Contam com o apoio do
I.S.T.
Ao nível de momentos radiofónicos esporádicos, houve entrevistas: na RUM -
Rádio Universidade do Minho - Hugo Jesus falaram de bd.
Na Antena 2, programa Um Certo Olhar, Luís Caetano entrevistou Artur Correia
(desenhador) e António Gomes de Almeida (argumentista), para saber coisas
da vida dos "Super–Heróis da História de Portugal".
Acerca do livro "Nabos na Cozinha", feito metade em BD e outra em texto
ilustrado, destes mesmos autores, foi entrevistado o editor José Vicente, da
Roma Editora, no Rádio Clube Português.
De salientar a divulgação além-fronteiras que têm tido algumas personalidades,
como, por exemplo, Paulo Monteiro, entrevistado na Rádio Galiza.
2007 DOSSIÊ 206|259
Televisão
Afirmava eu, no texto Movimentos 1999: "No que concerne à TV, nunca houve
nenhum programa televisivo dedicado à BD". Esta afirmação caducou
finalmente no corrente ano, graças à iniciativa do duo Pedro Vieira de Moura
(entrevistador) e Paulo Seabra (realizador), que conseguiram concretizar o
projecto Ver BD, composto por um conjunto de cinco programas semanais na
RTP2, com 25 minutos cada, onde foram entrevistados autores, estudiosos,
críticos e divulgadores. Tratou-se de autêntica "pedrada no charco" (passe o
chavão), que merece indubitavelmente os maiores elogios, e de que se deseja
sequela em 2008.
Único ponto contestável: a inclusão no grupo de entrevistados de um ou outro
autor com escassa participação na BD, em detrimento de quem tem folha de
serviços bem recheada e de qualidade assinalável. Um dos incluídos
forçadamente? André Lemos (sem desdouro para a qualidade da sua obra na
área da ilustração). Um excluído injustamente? Nuno Saraiva. Será que o
trabalho realizado na extensa e consagrada "Filosofia de Ponta", sob
argumento de Júlio Pinto, e agora "a solo" com a série "Na Terra como no
Céu", ao ritmo de duas, geralmente boas, pranchas semanais de banda
desenhada, não lhe permitiu atingir a bitola exigível para ser incluído entre os
autores vistos e ouvidos no Ver BD?
Afora este importante programa, houve algumas aparições esporádicas:
A de João Paulo Cotrim, no programa Câmara Clara (RTP2), a propósito do
centenário do nascimento de Hergé;
A de Nelson Dona (naquele mesmo programa) para apresentar o 18º Festival
Internacional de Banda Desenhada da Amadora;
A de António Jorge Gonçalves no Câmara Clara, na SIC Radical e na SIC
Notícias (Programa Lisboa Mistura); e juntamente com Rui Zink, na SIC, para
falarem de REI, sua obra conjunta.
A de Miguel Montenegro, no programa da RTP2, Sociedade Civil.
Na SIC Radical deu uma notícia dedicada ao BD Jornal.
2007 DOSSIÊ 207|259
Numa televisão local, a TV Beja (que mostra depois o programa na internet), foi
feita a apresentação do III Festival Internacional de Banda Desenhada, daquela
cidade.
A SIC, no dia 25 de Maio, transmitiu uma reportagem sobre BD internacional.
A SIC Notícias entrevistou Ricardo Cabral (autor de BD), juntamente com o
alpinista Miguel Garcia, a propósito da obra em BD "Evereste".
2008 DOSSIÊ 208|259
Introdução
2008 é um ano que deve ter as pessoas que gostam de bd tão desesperadas
que nunca antes houve um atraso tão grande como este no Dossiê… Em 2007
assinou-se o óbito para os fanzines. Em 2008 que livro de investigação saiu? E
uma nova mente crítica? Os autores ainda existem? Se sim foram todos
trabalhar para o estrangeiro porque nem sabemos se ainda há editoras...
Haverá respostas? Esperamos por elas, pelas mãos de Marcos Farrajota,
Pedro Brito, Daniel Maia, Domingos Isabelinho, Sara Figueiredo Costa, Nuno
Franco e Geraldes Lino.
As ilustrações para o Dossiê deste ano são da autoria de Daniel Lima, exímio
ilustrador e autor de bd mas de obra fragmentada de tal forma que só o ano
passado é que nos deu o prazer de ter o seu primeiro livro de bd a solo -
"Epifanias do inimigo invisível" - editado pela associação Cinema Ao Norte.
2008 DOSSIÊ 209|259
Crítica
Domingos Isabelinho
Não é nada fácil (digo-o em tom de confissão, mas também como início de
caracterização do meio), escrever estas notas metacríticas anuais,
supostamente em tom de balancete, sem entrar na repetição obsessiva dos
mesmos nomes e temas. E a dificuldade vem de um facto simples: de ano para
ano, nada de novo se passa... Poderia, é verdade, e apesar de tudo, tentar
encontrar pequeníssimas variações, ondas microscópicas no marasmo da
superfície... O problema é que essa tarefa hercúlea, de dimensões
verdadeiramente épicas, correria sérios riscos de resultar num produto em
proporção directa com o comprimento da putativa e muito teórica
perturbaçãozinha superficial. Ou seja, para usar o lugar-comum: a montanha
iria parir um rato, de certeza...
Por acaso, a minha estratégia até tem sido a inversa: em vez de
micrometacrítica, macrocoisa...
Mas o que é que se pode esperar de uma crítica que vai distribuindo elogios a
torto e a direito na proporção directa dos êxitos comerciais? É verdade que a
mediocridade perpetua a mediocridade em todas as artes, mas só na banda
desenhada é que esse postulado se erigiu em religião. Dominada pelo
infantilismo durante décadas, abandonada senão mesmo desprezada e
vilipendiada pela intelligentsia, a banda desenhada foi deixada ao cuidado
daqueles a quem chamei, há já cinco anos, pelo menos, os “bedófilos”:
“críticos” nostálgicos das suas leituras infantis. Talvez um dia, quando as
nostalgias forem para os jogos de computador e consola, a crítica de banda
desenhada esqueça infantilismos idiotas... talvez um dia...
Alguém disse que os blogues são como os tubarões: têm de continuar sempre
em frente ou morrem, pura e simplesmente. A consciência desse facto é que
me fez ponderar: seria capaz de manter o ritmo? Outra decisão que tomei foi
escrever em inglês. Porquê limitar-me a ter um público leitor de língua
portuguesa? Escrever sobre banda desenhada, a mais minoritária das artes,
2008 DOSSIÊ 211|259
Uma nota final... Não quero acabar este texto sem o facto mais positivo do ano
transacto no que à crítica portuguesa diz respeito (ou será investigação?,
pouco importa...): a publicação (restrita, por enquanto, esperemos que venha a
ser livro...) da tese de mestrado de Pedro Moura: "Memória na Banda
Desenhada: presença e leituras da Memória em sete casos da banda
desenhada contemporânea francófona" (Agosto de 2008).
Edição
Daniel Maia
Sou uma pessoa optimista por natureza, e por isso opto, muita vez sem
qualquer indício de que deva fazê-lo, em acreditar no sucesso das boas
intenções ou que as nuvens carregadas hão-de abrir em breve. Tal é o
princípio da fé, acho; algo muito familiar a quem lida com banda desenhada,
especialmente em Portugal, e especialmente nos presentes tempos infectados
(não escolho esta palavra levianamente) pelo papão da crise.
Feitas as contas, no que toca a novidades – nas quais ademais se regista uma
dúzia de obras redux; ou seja, material reeditado porém apresentado com nova
roupagem e extras –, assistimos na realidade a um novo decréscimo, na ordem
de ~25%, sendo portanto o somatório final de edições em 2008 artificialmente
mantido, em grande parte, por colecções (re)editadas pela (dinâmica) parceria
Edições Asa/ "Público", distribuídas naquele jornal, a par doutras que houve.
Além do fenómeno das reedições, outra tendência foi a aposta mangá, da qual
creio apenas vimos a ponta do iceberg. Encabeçada pela Edições Asa, esta
avançou com um plano para abrir hostilidades e paralelamente cortejar os
difíceis licenciadores nipónicos, através de apresentar savoir-faire com
propriedades de menor interesse, americanas, porém dimensionadas para os
habituais géneros shonen (rapazes) e shoujo (raparigas, nos target juvenil e
infantil) vigentes no mangá; para assim criar condições de negociação que
2008 DOSSIÊ 213|259
O mesmo não se pode dizer das demais produções. Embora poucas, houve
trabalhos de relevo, dos quais destaco o 1º tomo de "Terra Incógnita", por José
Carlos Fernandes e Luís Henriques, o "biopic" sobre Camões, de Jorge Miguel,
e a antologia "Venham+5" nº5, da Bedeteca de Beja, que, salvo erro, se tornou
a mais extensa publicação portuguesa de sempre, reunindo seminais autores
internacionais a talentos nossos.
álbuns de séries clássicas, pela Edições Asa (i.e. "Blake & Mortimer –
Santuário de Gondwana", "Astérix e seus Amigos" ou o 3º "Lucky Luke"). Ao
mesmo tempo, houve espaço para surpresas mais eruditas, como "As Paredes
têm Ouvidos", de Giorgio Fratini (Campo das Letras), e a adaptação de "O
Principezinho", por Johann Sfar (Presença).
Todavia, nem tudo são más notícias. Embora constitua um retrocesso no que
respeita à afirmação de empresas locais no mercado (e da própria língua-mãe,
sans novo acordo ortográfico), e por mais deficiente que seja o funcionamento
do sistema de distribuição neste circuito ou proibitivos os seus encargos, os
fanboys do país viram-se reapresentados às sobras brasileiras, agora pela
Panini, somadas às que já havia da Mythos. As distribuições não têm sido
ideais, como disse, mas injectam os tão necessários super-heróis junto das
novas gerações de leitores. Talvez assim, não obstante a desvantagem(?)
linguística, se volte a chamar público para a área, que depois as editoras
especializadas e chancelas independentes possam desenvolver em leitores
mais maduros e exigentes, ou talvez derivem eles próprios em autores.
Sem fazer vaticínios (para não azarar…), sabe-se de novos projectos prestes a
dar à estampa este ano e de razões para estar optimista em 2009. À medida
que o mercado se ajusta, a comunidade nacional vai-se desenvolvendo (ou
evadindo para mais verdes mercados), mas mais projectos surgem para “fazer
mais” com “menos.” No próximo ano veremos qual foi o saldo.
Autores
Pedro Brito
…
Festivais
Nuno Franco
herança deixa adivinhar, é que esta está a perder o seu público especialmente
os jovens.
O que é que isto tem a ver com festivais? Tudo porque é nos novos leitores
que se depositam as esperanças da revitalização do meio, o que por vezes até
não é necessariamente mau: as crises servem e podem ser contornadas, a
começar nos diversos meios à disposição (publicações online, fanzines, mini-
comics) ou passando pela procura de elos criativos com outras editoras
estrangeiras. Digamos que há um horizonte de expectativas, as quais nunca se
concretizam, ou se concretizam, fazem-no marginalmente. Se a BD em
Portugal tenha especificidades próprias, a começar no tipo de trabalhos que
são feitos e publicados, mantêm-se a crença sobre os tipos de mercados que
funcionam, privilegiando-se essencialmente o franco-belga e os comics norte-
americanos de super-heróis enquanto se esquece outras vertentes: a BD
infantil-juvenil anglo-saxónica, de Tove Jasson a Raymond Briggs ou “Bone”,
de Jeff Smith; as obras (adultas) de Posy Simmonds, James Sturm ou Kim
Deitch, isto já para não falar nos clássicos, que em Portugal se resumem a
“Tarzan”, “Tex” e outros que tais. A haver “culpados” por este estado de coisas,
alguns desses serão os leitores órfãos da revista “Tintin” (e de outras que lhe
seguiram as pisadas!) que encontraram espaço de acolhimento no Festival
Internacional de BD de Amadora. Mas se esse mercado teve e tem muita coisa
de positivo, também tem os seus mercantilistas, personalidades como Henri
Filippini ou os malogrados Claude Moliterni e Greg – alguns dos quais que a
Amadora acolheu como “os grandes de antigamente” (a expressão é minha) –
que sempre procuraram travar a tal “maioridade” da banda desenhada. Tudo a
contribuir para que, face a muitos novos fenómenos mediáticos que tendem a
passar desapercebidos, a BD em Portugal continue a permanecer tão
irredutível quanto a aldeia de Asterix – fechada sobre si própria e imune a
qualquer contaminação, não vão os incautos fugirem a sete pés da BD que,
antes de mais, devia ser para as criancinhas.
Seria ilusório, pois, pensar que em Portugal se poderia passar com o tempo do
oito ao oitenta. Se cabe aos editores e livreiros muita da responsabilidade, para
o bem e para o mal, daquilo que se tem editado, diga-se, não ser a vocação
dos mesmos apostar naquilo que sabem à priori não ser vendável. Por isso, o
papel mais justificado dos festivais seria a defesa das mais diversas linguagens
2008 DOSSIÊ 217|259
que hoje formam o complexo arquipélago da BD, algo que nem sempre
acontece.
Não posso, por isso, deixar de observar que algumas das escolhas daquele
que é nosso maior festival – falo da Amadora que não deixa de ser o espelho
onde se revê o estado da BD em Portugal – continua a reger-se por critérios
iguais ao de duas décadas, para mais com a crise há muito instalada no sector.
Importa contudo sublinhar o papel aglutinador que o FIBDA tem tido– e eco
presente no burburinho que se instala, meses antes da sua realização, nos
criadores, jovens e menos jovens, ou no papel importantíssimo, no caso, do
CNBDI, junto das escolas da região.
Como tema do FIBDA de 2008: “a ficção científica e tecnologia”. Foi essa a
razão pela qual se metamorfoseou o espaço do Fórum Luís de Camões, na
Brandoa, numa cápsula futurista de uma nave. Foi aí, à entrada, num espaço
do “Astroporto”, que se acedeu à exposição temática. Dividida em cinco
núcleos – personagens, argumentistas, desenhadores, publicações e
concursos do festival – nela faltaram critérios que valorizassem as
especificidades do género; isto como se houvesse somente um determinado
tipo de ficção científica. Para complicar mais, inserido no seio desta
encontrava-se outra sub-exposição, se assim poderemos chamar, dedicada à
“Metal Hurlant”. Meia dúzia de originais de autores como Moebius e Philip
Druillet e outros mas que nada diziam a quem quisesse conhecer, de facto, o
legado da publicação francesa.
Foi uma escolha de peso e figuras importantes de onde sobressaiu a ideia do
coleccionador. Destaque, não é demais sublinhar, para os originais de Alex
Raymond e o seu “Flash Gordon”, para Breccia, Solano Lopez e Oswal Viola
(estes três em colaboração com o grande e malogrado German Oesterheld).
Em franco contraste com este tipo de obras, voltou-se à infantilização com o
inevitável “Valerian” e no trabalho de autores como Kevin O’Neill e Pat Mills.
E depois o termo FC. Se na literatura tanto se pode aplicar à costumeira
“heroic-fantasy” e aos seus exotismos futuristas de pacotilha, como às distopias
de Philip K. Dick ou Ballard, o que dizer da BD que se cinge quase
exclusivamente à primeira? É por isso que “FC” em BD corresponde quase
sempre a clichés e banalidades de base: naves, fantásticas arquitecturas ou
bestiários a surgirem a surgirem quando menos se espera (de que Valerian
2008 DOSSIÊ 218|259
que mostra que afinal o problema, por vezes, não será também dos públicos?
Uma questão em aberto…
Para não se dizer que nave não trouxe novidades e que já se conhecia os
cantos à mesma, houve a descoberta de Luís Henriques, de “Rei”, de António
Jorge Gonçalves e Rui Zink, Jean-Claude Denis, ou a majestosa visão das
irrealidades políticas e não só de João Abel Manta que foi talvez a grande
exposição deste ano e não é demais relembrar. Sem trazer nada de novo, o
trabalho de Tara McPherson mostrou-se ainda assim como um interessante
eixo entre a BD e a ilustração pop (mas a sua vinda deveu-se menos à
Amadora do que a uma conhecida editora portuguesa que, dessa forma, volta a
fomentar os ateliers e os workshops de autor). Depois a BD chinesa,
igualmente presa aos referidos clichés da FC. Isso e Liberatore, e o seu
inenarrável Rank Xerox, denominado na secção lhe dedicada, imagine-se, de
“O Miguel Ângelo Pós-Moderno” (curioso o paralelismo com a mediática e
inaugural exposição «Bande Dessinée et Figuration Figurative”, Paris, 1967,
visão institucional da BD que, entre outras coisas, entronizava para a história o
nome de Burne Hogarth, autor de “Tarzan”, como o "Miguel Ângelo da Banda
Desenhada", senão por quem… Moliterni).
Se o espaço da Fórum Luís de Camões, permite algumas soluções
imaginativas a nível da cenografia, já cá fora as coisas não correm pelo melhor:
o estacionamento escasseia e confuso e as acessibilidades dos transportes
públicos não são as melhores: a estação de metro de Arfornelos, julgo,
encontra-se perto, mas a zona não convida propriamente à deambulação.
Depois editores há que considerariam mais vantajoso concentrar-se a vinda
dos autores num espaço mais curto, três ou quatro dias mais concorridos, do
que os habituais 15 dias do certame. É uma opinião a ter em conta mas não
creio que traga grandes resultados para a dinâmica de festival. Uma visão
mercantilista como a que aconteceu no 1º (e único) BD Fórum: visão à
americana da BD com os autores-bd-estrelas a distribuir autógrafos mas onde
ideia de BD era nenhuma ou quase zero. Por outro lado, a dispersão por outros
espaços culturais da Amadora que anteriormente tão bem resultava neste
momento já não faz sentido. Ninguém sai do forum para se deparar aqui ou
acolá com exposições de José Ruy ou José Garcês, não por falta de mérito
mas por serem autores que não são propriamente novidade na Amadora.
2008 DOSSIÊ 220|259
Fanzines
Marcos Farrajota
Só se fala em crise neste nosso país mas parece que a máxima “em tempos de
crise é que aparece a criatividade” acaba por ser verdade. Não que tenham
aparecido muitas inovações, como aconteceu nos anos 90 e princípios de
milénio mas pelo menos no mundo da edição independente – seja fanzine,
zines, livros de autor – tem havido massa crítica o suficiente nem que seja para
escrever um texto como este.
2008 DOSSIÊ 221|259
Novinhos em folha foram “Znok” de Filipe Duarte e “Faixa 9”, um zine dedicado
a «ambiências musicais em BD». E apareceu o um novo colectivo gráfico, o
Hülülülü, que lançou cinco títulos em poucos meses de actividade – nada mal
uma vez que o ano passado queixava-me que não havia uma nova geração de
autores.
Ao metro quadrado
A questão de espaços e eventos tem sido cada vez mais notável e importante
na cena independente uma vez que ao acesso de edições “indies” estarem
vedadas ou ignoradas pelo mercado livreiro e até das ditas “lojas
especializadas”.
Foi um ano em que em Lisboa fecharam a loja de Design Goma 386 e a galeria
Work&Shop, sítios que comercializavam produções independentes e
organizavam exposições de ilustração e bd. Em compensação, as lojas Central
Comics, Kinpin Books e Mundo Fantasma reformularam os seus espaços
dando uma maior dinâmica à produção nacional, e no Porto abriram a Dama
Aflita e a Inc., a primeira é uma galeria dedicada à ilustração e a segunda uma
livraria de edições de autor.
2008 DOSSIÊ 224|259
Como tudo na vida encontrará coisas que não serão do total agrado, outras
pelo contrário serão revelações mas só nesta “cena” é que poderão desfrutar
prazeres narrativos e estéticos porque de resto, na sua livraria predilecta a bd
deixou de existir – não sei que dirá o Daniel Maia este ano nas “Edições” – tal
como acontecia até aparecer a Bedeteca de Lisboa em 1996. Resumindo, nas
livrarias não acontece nada… se existe algo é no mundo dos fanzines!
Investigação
Sara Figueiredo Costa
Num âmbito um pouco mais vasto, e porque reduzir a banda desenhada aos
quadradinhos e a investigação à produção escrita, e sob determinados
prismas, sobre algo, me parece redutor, importa ainda indicar outros momentos
relevantes de 2008. Acompanhando a exposição "Desenhos de Escritores", o
Museu Berardo publicou o catálogo Desenhos de Escritores (L’un pour l’autre,
Editions Buchet-Chastel) mostrando um percurso pela produção gráfica dos
grandes nomes da literatura universal. Igualmente acompanhando uma
exposição, desta vez na Galeria João Esteves de Oliveira, Jorge Nesbitt
publicou o catálogo "How To Look At Pictures", com chancela da galeria. E
houve ainda a publicação de Brian Cronin. 25 anos de desenho, pela
Ar.Co/Casa da Cerca, no âmbito da exposição homónima, e de Cor, com
participação dos quinze artistas portugueses que expuseram na Casa da
Cerca, e com um excelente texto de João Paulo Cotrim, editado pela mesma
instituição e pelo Centro Português de Serigrafia.
Movimentos
Geraldes Lino
Além destes dois autores e activos divulgadores, houve outros eventos com
diferente gente nesta área:
– Uma iniciativa levada a efeito nos dias 15 e 16 de Maio, pela Licenciatura em
Sociologia da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, intitulada
"No País da Banda Desenhada – Imaginários de Portugal na BD
Contemporânea", teve os seguintes temas: "Conversas de Bar(toon), diálogos
2008 DOSSIÊ 229|259
Concursos
– Houve três integrados em outros tantos eventos bedísticos: na BDteca – 3ª
Mostra de Banda Desenhada de Odemira, na Vírus–Mostra de BD, Ilustração e
Cinema de Animação (Leiria), e no 19º FIBDA 2008 - Festival Internacional de
Banda Desenhada da Amadora.
Independentes de eventos especializados em BD, tivemos:
– Em Faro, surpreendentemente organizado pela Orquestra do Algarve, surgiu
o "Concurso de Banda Desenhada Concertos Promenade 2008". Será para
continuar esta ligação Música/BD?
– 1º Concurso Nacional de Jovens Criativos – assim se chamou a iniciativa
organizada pela parceria Câmara Municipal do Montijo/Gabinete da Juventude
e GDAC/Gabinete de Desenvolvimento Associativo e Cidadania.
– Mais uma edição do Concurso Jovens Criadores/08, iniciativa bienal
organizada conjuntamente pelo IPJ-Instituto Português da Juventude, CPAI–
Clube Português de Artes e Ideias e SEJ–Secretaria de Estado da Juventude e
do Desporto.
2008 DOSSIÊ 230|259
Exposições
O ano começou bem, e de forma invulgar, nesta componente.
– Logo em Janeiro, em Lisboa, no "Espaço Yron", houve alguém que se
lembrou de organizar uma exposição em que as bandas desenhadas fossem
realizadas naqueles pequenos papeis autocolantes, de cor predominante
amarela, chamados post-it. Participaram na original iniciativa vários autores
(Carlos Páscoa, Joana Figueiredo, Mariana Perry, Mike Tunna e Tresa (sic)
Sousa, estes três últimos a desenharem sob argumento de André Oliveira.
– Na Bedeteca de Lisboa, de 12 Jan. a 29 Fev., esteve patente a mostra
"Honey Talks", composta por bandas desenhadas inspiradas em placas de
colmeia pintadas, da autoria do colectivo esloveno Strip Core.
– Também em Janeiro, entre 12 e 31, a Biblioteca Municipal de Odemira
acolheu uma exposição com as bandas desenhadas premiadas em concurso
realizado no âmbito da 2ª edição da BDTeca.
– Em Amarante, na Biblioteca Municipal Albano Sardoeira, estiveram expostas,
a partir do dia 16 de Fevereiro, e até ao fim do mês, pranchas do álbum de
banda desenhada "BANG", da autoria do amarantino Hugo Teixeira.
– Entre 20 e 24 de Fevereiro, realizou-se, na ETIC e no D'Alma Lounge a 1ª
edição do Brucutumia – Encontros de arte urbana luso-brasileira, evento "mix"
englobando diversas actividades, entre as quais uma exposição, a Colectiva
CCC #4.2, com a participação de André Lemos, Bruno Borges, Edgar Raposo,
Filipe Abranches, João Maio Pinto, José Feitor, Jucifer, Lucas Almeida, Pedro
Zamith, Pepedelrey, Rita Braga, Teresa Amaral e Tiago Albuquerque.
– A Galeria de Exposições Temporárias do Instituto Politécnico de Beja
mostrou, entre 22 de Fevereiro e 16 de Março, 35 obras de Paulo Monteiro,
abarcando banda desenhada, ilustração e pintura, sendo que algumas peças
de BD expostas já foram publicadas em Portugal e na Galiza, incluindo as
2008 DOSSIÊ 232|259
Imprensa
Continua a haver jornais e revistas com rubricas onde colaboram especialistas
da BD, e espaços para a BD propriamente dita.
Primeiro, vejamos as rubricas regulares com textos críticos e/ou divulgatórios
nos jornais:
– JL-Jornal de letras artes e ideias, quinzenário, com excelentes textos
analíticos de João Ramalho Santos, que considero um muito lúcido e
esclarecido crítico – com intenso e regular trabalho literário iniciado na revista
"Os Nossos Livros" –, a par de Pedro Vieira de Moura e Domingos Isabelinho;
– Diário As Beiras – João Lameiras, honesto e activo crítico, que se desdobra
por este jornal e pela rádio;
– Jornal de Notícias – F. Cleto e Pina, crítico sabedor e atento;
– Diário do Alentejo – Luiz Beira, divulgador;
– Alentejo Popular – Armando Corrêa., divulgador.
– Quanto à publicação de bandas desenhadas – de autores portugueses – o
panorama esteve bastante semelhante ao do relato aqui feito nos Movimentos
2007, com destaque para a qualidade e regularidade da série "Na Terra Como
no Céu", de Nuno Saraiva, em publicação no semanário Sol (mais
concretamente na sua revista/suplemento Tabu).
– Ainda no Sol, houve a série em tiras de bd de Luís Afonso, "Sol aos
Quadradinhos", e a série "As Tias", de Joba/ML, ambas satíricas.
– Continuaram a aparecer bandas desenhadas semanais, duma prancha única,
a cores, sempre de autores diferentes, no semanário gratuito Mundo
Universitário (em Dezembro atingiram a conta redonda de cem episódios!), sob
coordenação deste mesmo escrevinhador.
Internet
Mantenho as minhas predilecções internéticas mencionadas no item
Movimentos relativos ao ano anterior, com especial destaque para Ler BD
(http://lerbd.blogspot.com), pela singular qualidade dos textos, Mania dos
Quadradinhos (http://quadradinhos.blogspot.com) pelo utilíssimo trabalho de
trazer à superfície do ecrã da internet obras esquecidas pelos mais velhos e
ignoradas pelos mais novos, publicadas em antigas revistas, e Kuentro
(http://kuentro.weblog.com.pt), pela forte dinâmica na divulgação de tudo o que
mexe na BD. A estes três acrescento agora o blogue The Crib Sheet, do
competente crítico bedéfilo Domingos Isabelinho, recentemente convertido à
blogosfera desde 25 Set. 08, o que pode ser provado com uma visita a
http://thecribsheet-isabelinho.blogspot.com, onde escreve sempre em inglês,
com sapiência sobre os temas, e bom domínio do idioma que usa.
Ouso chamar a atenção para a listagem, surpreendentemente extensa, que
ando a fazer no meu blogue Divulgando Banda Desenhada
(http://divulgandobd.blogspot.com), desde Março, sob o título "Banda
Desenhada na Internet (Portugal) – Blogues, Sítios e Portais – De A a Z", que
já abrange cento e setenta e cinco endereços de espaços internéticos – todos
comentados –, a maior parte deles a criticar e/ou divulgar BD, outros,
numerosos, a mostrar bandas desenhadas, em pranchas ou tiras, feitas
expressamente para o espaço virtual.
Livrarias especializadas
O panorama manteve-se igual ao que descrevi no Dossiê 2007 (quem tiver
curiosidade em ver a lista e respectivos endereços, é só clicar no item
Movimentos desse ano). Atendendo à forte crise deflagrada em meados deste
ano, não ter havido livrarias especializadas em BD a fechar constitui factor
digno de satisfação, porque, entretanto, ainda antes do Natal, encerrou em
Lisboa a Byblos, que se autoconsiderava a "maior livraria do país".
Rádio
No que se refere aos dois programas radiofónicos que registei o ano passado,
com tempo dedicado inteiramente à BD, houve alterações em ambos:
2008 DOSSIÊ 238|259
Televisão
Escasso interesse demonstrado, como é habitual, deste medium pela BD, com
as seguintes esporádicas excepções:
– No novel Porto Canal, foram entrevistados, logo no princípio do ano, Hugo
Jesus e Manuel Machado;
– na SIC Notícias, no programa "Sociedade das Nações", o comentador político
Nuno Rogeiro falou de alguns livros, e, como bedéfilo que é, aproveitou para
falar também de um álbum de banda desenhada da popular série XIII.
– O VerBD, study case da banda desenhada em Portugal, teve um merecido
rappel em Outubro, na RTP2.
2009 DOSSIÊ 239|259
Introdução
Crítica
Domingos Isabelinho
Nenhum estereótipo se cria por geração espontânea. Neste caso tive em conta
a história da banda desenhada durante o último século (a qual não foi
particularmente brilhante) e o silogismo seguinte: 1) não é o leitor ocasional
que vai sentir-se suficientemente motivado para escrever sobre banda
desenhada na comunicação social; o crítico é alguém que, a determinada
altura, sentiu o bichinho da coisa a morder-lhe as entranhas (por assim dizer);
2) os críticos no activo cresceram a admirar desmesuradamente (a
sobrevalorizar) humor inócuo (no pior dos casos) ou sátiras (como “Astérix”, no
melhor), bem assim como certas obras (e respectivos autores) não só infantis
como de “série B” (caso seja legítimo fazer esta transposição do cinema para a
banda desenhada); 3) o que escrevem reflecte essa posição de base
transmitindo uma imagem estereotipada da banda desenhada como arte de
massas muito, mas mesmo muito, menor...
Não vou tampouco dizer que fiz um trabalho exaustivo e com metodologias
científicas adequadas. Não sou sociólogo e um trabalho feito por alguém
situado fora de uma área profissional, seja ela qual for, só pode ser apelidado
de amador.
2009 DOSSIÊ 241|259
A palavra “crítica” tem as costas muito largas, como sabemos... Para apelidar
um texto de “crítica” e o seu autor de “crítico” vale quase tudo... Um texto crítico
pode ser jornalístico (de carácter informativo) e é normal que, num jornal, essa
dimensão surja com frequência (li este ano algumas boas reportagens,
sobretudo da autoria de Carlos Pessoa). Mas quando o crítico reflecte sobre
um acontecimento ou sobre uma obra espera-se que o faça de forma
informada e fundamentada. Afirmações "fanáticas" (no sentido de "proferidas
por um fã") são, regra geral, acríticas. Um crítico fã ou um fã crítico fazem parte
da acrisia da crítica...
Posto isto eu diria que há muito pouca crítica de banda desenhada a sério nos
jornais portugueses. A título de exemplo comparemos dois casos: 1) José Vítor
Malheiros, a propósito de “Dilbert” de Scott Adams (Público, 31 de Julho):
“Declaração de interesses: sou um fã. [...] Há quem ache que Dilbert é uma
poderosa arma anticapitalista e um exemplo de activismo anti-corporate, mas
Marx não gostaria do Dilbert. A verdade é que Dilbert é uma insider joke e não
ataca mortalmente o coração pérfido do sistema, apenas lhe faz cócegas.”; 2)
Pedro Cleto, a propósito do ano de 1934 nas comic strips norte-americanas
(Jornal de Notícias, 12 de Setembro): “Com estes heróis – invencíveis,
invulneráveis, corajosos, audazes, musculados e/ou inteligentes, capazes de
enfrentar e vencer os piores inimigos e os mais inimagináveis perigos, apenas
para conseguir a vitória do bem, restaurar a ordem e conquistar/libertar as suas
belas (e quase sempre eternas…) noivas, – os norte-americanos e, na sua
peugada, progressivamente, muitos outros, vibravam dia-a-dia com as suas
façanhas, sofriam com os seus revezes, descobriam (e sonhavam com)
universos exóticos e deslumbrantes, reencontravam, em suma, razões para
esquecer a realidade diária, para sonhar, acreditar, ter esperança. [Etc... etc...]”
passar por crítico. É inadmissível que o colonialismo (em Tarzan, por exemplo,
ou no inenarrável Fantasma: nos tais “universos exóticos” onde o homem
branco faz a sua lei), o machismo (de “máquinas” narrativas que destinam à
mulher - e ao comparsa de origens “exóticas” – um papel passivo) e o
vigilantismo (em Batman e outros “heróis”, mais ou menos super), bem assim
como o mais despudorado racismo (por todo o lado nas comic strips e nos
comic books - na personagem Ebony de Will Eisner, por exemplo) não só
sejam branqueados (e nunca melhor dito) como, ainda por cima, sejam “o bem”
(e ressalvo casos muito raros como as pranchas dominicais poéticas de
“Gasoline Alley” ou o Coconino County de George Herriman em “Krazy Kat” –
mas já alguém reparou que os índios norte-americanos estão, nesta série,
estranhamente ausentes do seu próprio mundo?). É também incrível que um
crítico defenda explicitamente a alienação tornando-se cúmplice desta
autêntica doutrinação encapuçada. Pedro Cleto é, aliás, useiro e vezeiro neste
tipo de branqueamento (caso do racista Hergé, na primeira fase da sua
carreira: Jornal de Notícias, 10 de Janeiro). Idem Manuel António Pina (Notícias
Magazine, 20 de Setembro): o autor argumenta que se deve fazer uma
contextualização histórica da atitude de Hergé; de acordo: havia muitos racistas
e Hergé era um deles – está feita... (Já que ando por estas bandas corrijo o
seguinte: J. W. Müller não foi inspirado em ninguém de nacionalidade alemã; o
nome J. W. Müller foi inspirado no bem português Adolfo Simões Müller.)
Já que falo em João Miguel Lameiras (e, atenção, o autor foi crítico quando
escreveu um bom texto sobre “Eternus 9” - As Beiras, 14 de Fevereiro)
pergunto-me o que terá querido dizer quando afirmou que uma história do
surfista prateado está "bem escrita e bem contada" (As Beiras, 17 de Janeiro)?
(O mesmo repetiu João Ramalho Santos: Jornal de Letras, 2 de Junho.) O
problema é que nada é problematizado, nada é explicado... Será que
Straczynski é tão bom escritor como Tchekov?...
Um facto francamente surpreendente para este escriba (tanto mais que está
muito longe de tudo quanto é esquema mental formativo da minha identidade)
é o economicismo subjacente a muitos dos textos em causa. Carlos Pessoa e
2009 DOSSIÊ 244|259
Pedro Cleto (mas não só, é toda uma sociedade que os acompanha) estão
fascinados pelo dinheiro. Tudo quanto cheire à circulação de bilhetinhos verdes
(ou bits em contas bancárias virtuais) os atrai, quais ratinhos apanhados pelo
cheiro do queijo. Os exemplos são muitos e vão desde a referência a tiragens
colossais (Carlos Pessoa, Público, 4 de Julho) até ao preço exorbitante pago
por certos coleccionadores nos mercados da nostalgia e da burrice (Pedro
Cleto, Jornal de Notícias, 10 de Março).
Fui desmentido (mas não muito porque sempre soube que existiam excepções
a confirmar a regra, evidentemente) porque algumas, poucas, obras de
qualidade também são mencionadas: colecção “O Filme da Minha Vida” (Sara
Figueiredo Costa, Ler, 1 de Setembro); “O Sétimo Selo” de Jorge Nesbitt
(Pedro Cleto, Jornal de Notícias, 1 de Março); “Caminhando Com Samuel” de
Tommi Musturi (Sara Figueiredo Costa, Expresso, 12 de Dezembro), “Diário
Rasgado”, exposição de Marco Mendes (Luís Chambel, A Voz de Ermesinde,
15 de Maio).
A maior calinada do ano (aliás, são três calinadas juntas) vai para Cristóvão
Gomes no jornal i (a propósito: nada de novo e muito menos de estimulante por
estas bandas, embora o jornalista tenha uma escrita que não é, de todo,
desprovida de qualidades; também não percebo como é que o “Especialista
BD” conseguiu falar sobre o plagiador Charles Schulz – dizendo
inclusivamente: “Foi [o] desencanto que levou a obra [“Peanuts”] a sítios antes
vedados à BD” – sem referir o espoliado Percy Crosby – 5 de Março de 2010) o
2009 DOSSIÊ 245|259
qual escrevinhou (25 de Setembro de 2009): “aos 15 anos [José Muñoz] estava
inscrito na Escola das Artes [sic], assistindo a aulas de Pratt e de Alberto
Breccia. Acabaria por colaborar mesmo com Pratt em Ernie Pike.” Não senhor,
José Muñoz nunca foi aluno de Hugo Pratt na Escola Panamericana de Arte e
muito menos colaborou com o dito em “Ernie Pike”… José Muñoz colaborou,
sim, com Héctor Germán Oesterheld em “Ernie Pike”. De uma vez por todas:
“Ernie Pike” é uma série de Héctor Germán Oesterheld na qual Hugo Pratt
apenas participou (para melhor a plagiar em “Corto Maltese”, claro; a minha
base de dados regista dezanove histórias desenhadas por Pratt, mas está
incompleta – porque ainda me faltam oitenta livros da Editorial Frontera e
porque é um trabalho ainda por completar; o total de histórias da personagem
Ernie Pike que a citada base de dados regista, por enquanto, é de cento e
cinquenta e quatro – e falta-me incluir, precisamente, a série “Ernie Pike,
corresponsal de guerra, Batallas inolvidables” – vinte e sete números
publicados). Não consigo perceber a fixação hagiográfico-maníaca por certas
vacas sagradas, mas menos ainda consigo perceber quando, em nome dos
santos (de pau carunchoso, como Pratt), um jornalista falseia os factos.
No já algo longínquo ano de 2006 corrigi um dos erros mais difundidos no meio
crítico da banda desenhada: o boato de que Will Eisner inventou o termo
“graphic-novel”. Desta vez tenho de bisar porque Pedro Cleto parece
particularmente vulnerável a estas confusões (Jornal de Notícias, 3 de Janeiro):
o termo “manga” não foi criado por Hokusai no século XVIII [sic], o termo
“manga” foi criado por Hanabusa Itcho no século XVII.
Um autor anónimo afirmou (Público, 11 de Março) que Andrei Molotiu é de
nacionalidade alemã; não é: Andrei Molotiu é norte-americano de origem
romena.
Edição
Daniel Maia
...
2009 DOSSIÊ 247|259
Autores
Daniel Lima
O PERCUTOR HARMÓNICO?
O primeiro título da colecção AO NORTE, arroubado!
(*Em cima do ramo, e é um ramo mais seco e muito pouco adequado que me
serve de apoio.)
Festivais
Nuno Franco
Novo ano, tempo de balanços sobre o ano que findou. Os festivais de BD...
Tempo novo mas os vícios, salvo seja (melhor dizer vicissitudes) permanecem
os mesmos. Várias razões devem ser tidas em conta mas as conclusões
acabam invariavelmente por ser a não consideração do sector da BD com vista
a uma política global concertada entre festivais, livreiros e público-leitor,
apostando-se apenas em eventos eficazes mas de curto prazo e nada
contribuindo para mudanças concretas. É a política somente do número de
visitantes.
2009 DOSSIÊ 249|259
Fanzines
Marcos Farrajota
Foi um ano bastante emocionante no que diz respeito aos zines e a edição
independente, em geral - pelo menos para este vosso relator. Mesmo que
algumas estórias tenham acabado mal, outras talvez sejam o início de algo
maior a acontecer no futuro. No geral, a característica comum é a
internacionalização...
Foi um ano tão emocionante que fiquei desgastado e escrevi o texto menos
inspirado de sempre.
«Vai!»
Plana Press lançou um título apenas. De realçar o regresso dos Gajos da Mula
com o muy aguardado “Qu’Inferno”, pujante objecto gráfico.
Por fim, neste capítulo, veio também para a Bedeteca de Lisboa a exposição
do livro/ antologia finlandesa “GlömpX” que explora a tridimensionalidade da
bd, uma exposição ousada tal como a antologia. A exposição esteve patente
durante a Feira Laica, tendo visitado três autores finlandeses participantes – e
não esquecendo, a participação também na Laica, do colectivo Stripburger com
dois autores a apresentar o jogo-bd “Stripble”, também mostrado na “Mula
Ruge”.
Dernier Cri ou o último número da antologia "Kramer’s Ergot" (cujo preço era de
125€!).
um projecto deste tipo poder avançar, evoluir e vencer. Até o Obama diria “yes
we can-can”.
Investigação
Sara Figueiredo Costa
Pelo que se constata nos arquivos de teses, não houve notícia de dissertações
de mestrado ou doutoramento relativas à banda desenhada.
Nesta visão alargada do que pode ser a investigação, importa referir o trabalho
filológico (se tal termo pode aplicar-se à banda desenhada) de Manuel Caldas,
que este ano editou uma antologia de Krazy Kat (Krazy+Ignatz+Pup, edição
Libri Impressi), bem como Tarzan dos Macacos, de Harold R. Foster, a partir de
Edgar Rice Burroughs (igualmente em edição Libri Impresi).
Movimentos
Geraldes Lino