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Ilustrações Alain Corbel

Introdução
Usando a estrutura das sete áreas e alguns dos respectivos coordenadores
dos colóquios Hoje, a BD, eis uma avaliação breve do ano de 2000, o qual se
confirmou como ano de muitas imagens, isto apesar das nossas histórias aos
quadradinhos continuem território movediço. Para grande parte da pública
opinião é ainda o lugar virgem onde moram e devem morar as infâncias (vide
polémica na sequência da publicação de "Borda D'Água", de Miguel Rocha, na
Pública). Ainda assim, algum ar soprou neste mofo, sem afastar confusões com
a ilustração e a animação, mas não seremos nós a queixarmo-nos das
contaminações. Isto mais não é do que intuição resultante de uma ou outra
experiência, pois continuamos sem fazer ideia (investigada, estudada,
confirmada) do que por cá se entende quando por cá se fala de banda
desenhada. Certo é que há autores, projectos e livros. Nada mau, portanto.
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Crítica
João Paulo Cotrim

Há novos nomes na lista de honoráveis leitores públicos (Bruno Martins


Soares, Pedro Moura), mas não haverá mudanças de maior nos modos e cor
da crítica em português. Mais olhares se dispensa à Nona Arte, mas o tom
continua a ser superficial. Mais notícias, menos análise. E, o que é pior,
bastante mais motivos de análise (edições, exposições, autores) e menos
críticos (atentos, preparados, exigentes, opinativos). O Expresso e o
Independente distraíram-se. O Diário de Notícias fixou a opinião de João
Miguel Tavares às segundas-feiras. O Público, apesar de uma ou outra coluna
como a dos Heróis (ao domingo, na Pública), transferiu espaço e atenção para
a net, onde os vários sítios parecem não ter ainda acordado para a narrativa
gráfica. Rubricas permanentes nas televisões e rádios nacionais é mentira. Os
regionais continuam sendo os mais constantes na recensão, porque é de notas
de leitura que se trata. A ditadura dos caracteres e a vontade de quem escreve
não permite muito mais. Sem fanzines que gastem páginas no mergulho crítico,
o surgimento do Quadrado, com dois números este ano, faz as vezes de
padrão. Ainda que o tom e a profundidade não sejam uniformes, os textos de,
entre outros, Domingos Isabelinho, Paulo Patrício, Pedro Moura justificam
leituras. A periodicidade, bem sei, deixa a desejar. Se há sombra em dias
luminosos, é por aqui que elas andam. Porque o tempo nos pede a construção
do gosto, a discussão com os autores, e o saborear das obras.

Edição
João Miguel Tavares

Witloof, Círculo de Abuso, Nova Comix. Estes três nomes – nomes de três
novas editoras dedicadas à causa da BD – bastariam para classificarmos 2000
como um ano feliz no que diz respeito à edição de banda desenhada. A
proliferação de pequenas editoras tem várias consequências positivas:
aumenta a oferta, dá vazão ao talento dos autores nacionais surgidos na última
meia-dúzia de anos e combate a hegemonia da gigante Meribérica, já que
casas como a Witloof, a BaleiAzul, a Vitamina BD e, recentemente, as Edições
Polvo, começam a penetrar em território que, até hoje, era apenas coutada
sua: os álbuns a cores oriundos do mercado franco-belga. Veja-se o caso
bizarro de Hermann, que, no espaço de um ano, viu diferentes obras suas
saírem para a rua com etiquetas da BaleiAzul, Vitamina BD e Meribérica. Só
em Portugal.
Com olho no outro lado do Atlântico, destaque para o trabalho da Devir, que,
para além dos comics americanos, decidiu investir no talento brasileiro e na
recuperação da saudosa revista Chiclete com Banana. E, no que às revistas
diz respeito, assinale-se o regresso da Quadrado, um pequeno luxo que nós
merecemos e a Bedeteca patrocina.
Fica um desejo para o próximo milénio: que as editoras escapem à ditadura
dos festivais, e iniciem uma política de lançamentos capaz de cobrir o ano
inteiro.
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Autores
Paulo Patrício

AUTORES I
O ano é de boa colheita, é o mínimo que se pode dizer: Luís Louro e Rui Zink
apostaram, António Jorge Gonçalves arriscou, Miguel Rocha insiste, José
Carlos Fernandes reinventa-se, Nuno Saraiva reedita-se e a estes juntam-se
uns quantos nomes desconhecidos, alguns interessantes, e pelo menos três
editoras novas, Witloof, Círculo de Abuso e Nova Comix. A acompanhar e ao
lado de tudo isto está a Bedeteca de Lisboa, num trabalho intenso e de capital
importância para a estranha, e incompreensível, história da bd no nosso país.
Está à vista de todos que existem hoje condições para se ser autor, não há
ainda é a condição de autor de bd, o que é bem diferente, porque esta depende
directamente do estatuto social e artístico. Reconhecido, entenda-se.
Acrescente-se a seguinte formulação clássica: uma obra que apresente a
tendência correcta tem, necessariamente, que apresentar todas as outras
qualidades. Nos nossos autores a tendência neste momento é a correcta, mas
no que diz respeito à qualidade (sentido de obra e pertinência conteúdo)
continuam frágeis. Não sabemos bem porquê, talvez porque se encare a bd
como veículo para qualquer coisa, e não como o meio em si, ou talvez porque
se cultive e apoie uma certa democratização artística e autoral.
A verdade é que estamos no nível um, e a prova disso é que nos outros meios
a questão central de hoje não é a da condição, mas sim o que é o autor, se
isso não passa de uma figura puramente legal ou de uma impossibilidade
conceptual. É uma pena ainda não estarmos a ter essa discussão.

AUTORES II
As letras são contadas e o assunto é complexo, por isso nada melhor que
acreditar que sou Jesus Cristo e fazer o milagre da interpretação: em 1988
Alan Moore abandona a DC e resolve fundar a sua própria editora com a
mulher, escolhem um nome que é um reflexo do amor louco que têm um pelo
outro e os dois pela bd: Mad Love. Passados dois anos, ele termina o
argumento de Big Numbers e convida Bill Sienkiewicz para a desenhar. Este
aceita o projecto contrariado, a disponibilidade era pouca, tanto que ao
segundo número abandona o projecto. Moore tinha previsto essa possibilidade
e chama o desenhador substituto, Al Columbia, que ocupa imediatamente o
lugar. A crise artística e existencial que Columbia atravessa é tão violenta que
ele resolve largar tudo e fugir, sem avisar ninguém ou sequer deixar rastro.
Encontraram-no dois anos mais tarde a trabalhar como cozinheiro num
restaurante de terceira. Entretanto, Moore e a mulher separam-se e a editora
acaba.
Esta pequena, complicada e admirável história é contada pelos próprios quase
como uma anedota, porque o tempo concedeu-lhes a capacidade de olharem
para ela como um momento menos feliz do percurso pessoal de cada um, uma
daquelas coisas más que acontecem. Aqui, no nosso país, é vida e a condição
do autor é todos os dias assim.
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Festivais
João Miguel Lameiras

Num ano em que não se realiza o Salão do Porto (com regresso previsto para
2001) mantiveram-se em actividade os dois grandes Festivais de dimensão
internacional: o Festival da Amadora e o Salão Lisboa (a ordem é alfabética,
para não ferir susceptibilidades...).
No entanto, no caso da Amadora houve alterações de comando, com Luís
Vargas a ceder o lugar a Nelson Dona. Uma mudança que acabou por se
reflectir na filosofia do próprio Festival, com a dimensão mais generalista a dar
lugar a um tema aglutinador (neste caso, os super-heróis) e, o que me parece o
mais importante, com um catálogo finalmente digno desse nome!
Quanto ao Salão Lisboa, pelo segundo ano consecutivo no espaço da Standard
Eléctrica, a qualidade de uma programação sem grandes concessões ao
grande público continua sem conseguir atrair espectadores em quantidade
apreciável, o que é pena!
A nível dos pequenos Festivais, com o fim confirmado do Salão de Viseu,
restam as Jornadas da Sobreda (este ano abrilhantado pela presença de
Hermann) e o Salão de Moura, que mesmo sem grandes meios, soube
consolidar um projecto interessante.
Resta evocar a iniciativa Braga Desenhada, promovida pela Juvemedia, que
poderá eventualmente vir a dar origem a um Festival de BD em Braga, e o
número cada vez maior de semanas da BD, promovidas por autarquias ou
universidades, um pouco por todo o país.

Fanzines
Marcos Farrajota

O "Zalão de Danda Besenhada, o último salão dos independentes", para além


de ter exposto bd de outra forma, conseguiu reunir num projecto comum os
melhores fanzines de Lisboa e Porto dos fins dos anos 90 num primeiro grande
projecto que uniu autores das duas cidades.
Autores dos fanzines criaram editoras ou foram editados em livros: Círculo de
Abuso (David Soares, Pedro Nora), MMMNNNRRRG (Janus) e Nova Comix
(Isabel Carvalho, Jacques Creswell) para além dos novos números da colecção
LX Comics. Foi dado um passo em frente que talvez possa vir a resultar no
ténue movimento associativista que, embora especulado em 1995 num número
do Comtrastes, não chegou a cumprir-se.
Novas tecnologias: o primeiro CD-ROM de bd (NetComixZine #2), bd por e-mail
(Cru On-line) e passagem do Terminal para www.
Ritmos alucinantes de edição: Gambuzine trimestral e Succedâneo bimestral!
Promessas de novos números do Cru e d' A Mosca que não chegaram a
acontecer. Em compensação o Carneiro Mal Morto e o Mesinha de Cabeceira
voltaram. Muitas Feiras de Fanzines pelo país (o Festival da Amadora voltou a
dar atenção aos 'zines apesar do aspecto de covil do stand) e saíram novos
números do Bactéria, Bizarro, A Língua, Oh! (ex-A Pedra) e Vomir. Ah! O
Pepedelrey voltou com The Killer Season Fanzaíne.
Qual é a próxima jogada?
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Investigação
Carlos Bandeira Pinheiro

Tentarei resumir um ano de investigação histórica em Portugal com referência


às principais publicações no ano 2000.
Banda Desenhada Portuguesa Anos 40-Anos 80, (168 pp, color.), livro/catálogo
da exposição na Fund. Calouste Gulbenkian, Lisboa, organização do CAMJAP,
Fevereiro-Abril 2000.
Das Conferências do Casino à Filosofia de Ponta: Percurso histórico da banda
desenhada portuguesa, (255 pp, color.), livro/catálogo da exposição no Centre
Belge de la Bande Dessinée, Bruxelas, co-organização da Bedeteca de Lisboa,
Maio-Setembro 2000. Teve edição em francês com o título Le Portugal en
Bulles. João Paiva Boléo e Carlos Bandeiras Pinheiro foram os comissários de
ambas as exposições assim como os autores dos respectivos livros/catálogos.
De salientar que estas duas grandes exposições (que se quiseram exposições
de originais, complementadas por impressos nos casos em que não existiam
originais ou não foi possível ter acesso a eles) permitiram trazer à luz do dia,
para um público nacional e internacional, uma grande quantidade de originais
muitos dos quais se julgavam perdidos e foram expostos pela primeira vez.
Exposição de Homenagem a Augusto Trigo, (24 pp, color.), catálogo da
exposição, comissariada por Jorge Magalhães, na Galeria Municipal Artur Bual,
Amadora, org. do FIBDA, Outubro-Novembro 2000.
O Western na BD Portuguesa (22pp, P&B), dossier por Jorge Magalhães,
edição da Câmara Municipal de Moura/10º Salão de BD.
BD Amadora, 11º Festival Internacional de Banda Desenhada
(CinemAnimação) inclui artigos de vários autores sobre super-heróis e A Idade
de Platina: 150 anos de Banda Desenhada em Portugal por Leonardo de Sá.
A exposição retrospectiva da obra de José Carlos Fernandes na CNBDI,
Amadora deu também lugar à publicação de um catálogo.
Jorge Magalhães e Américo Coelho continuaram a colaboração, que já vem
desde 1998, na revista italiana Informavit (dedicada a estudos relacionados
com o clássico jornal ilustrado Vittorioso), com um artigo sobre Giorgio
Bellavitis e a sua recepção em Portugal no Cavaleiro Andante, etc.
Encontramos ainda alguns artigos com interesse para a investigação histórica
da BD portuguesa nas Selecções BD, nomeadamente sobre os Robin dos
Bosques de E.T.Coelho (nº 16) e Colecção Aventuras (nº 17).

Movimentos
Geraldes Lino

Associações bedéfilas entre nós são escassas, mas em Janeiro surgiu em


Lisboa uma nova, o Núcleo de Banda Desenhada e Ilustração – NBDI.
Concursos: para além dos realizados na Amadora, em Amora, Moura e
Sobreda, e o dos Jovens Criadores 2000, surgiram mais dois, um do Instituto
Superior de Humanidades e Tecnologias, o outro da Junta de Freguesia de
Cascais.
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Exposições: Este ano destacaram-se na sua organização as seguintes


entidades e autores: Associação Cultural Uroboro (Setúbal) com uma
exposição de jovens autores locais, Bedeteca de Lisboa proporcionou visionar
a História de Lisboa, 10 Anos de L'Association e LX Comics 2001; e, no
Reservatório da Patriarcal, o Tratado do Esquecimento, de Marina Palácio.
Mantém exposições itinerantes a percorrer o país, e indo até ao estrangeiro,
concretamente a Bruxelas, para mostrar "150 Anos de Banda Desenhada
Portuguesa; CNBDI - Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem
(Amadora), teve em exposição obra de José Carlos Fernandes; Edições Época
de Ouro (Costa de Caparica) deram itinerância às exposições Mosquito e 100
Anos de Banda Desenhada Portuguesa; o colectivo Extractus mostrou-se em
Tomar e Lisboa; 5th Floor (Sintra) organizou na Casa da Juventude da Tapada
das Mercês a 2ª edição do ANIPOP 2000, mostra anual de anime e mangá; G.
Garcia, apostou em exposições individuais em Lisboa; Juvemedia, organizou
em Braga exposições de tema medieval, sob a denominação de "Braga
Desenhada"; Livraria Dr. Kartoon (Coimbra) patenteou pranchas de Miguel
Rocha e do concurso de BD; Núcleo de Banda Desenhada do IPJ-Delegação
Regional de Faro apresentou na Livraria Odisseia uma colectiva de autores
algarvios; Tertúlia Lisboa de Fanzines, com o apoio da Livraria Crise Luxuosa,
mostrou autores publicados em 'zines; Toupeira – Atelier de Banda Desenhada
(Beja) fez uma exposição dos seus participantes.
Internet: Há agora mais quatro que focam o tema:
http://www.netparque.pt,
http://www.esec-miranda-douro.rcts.pt,
http://www.tokaki.com, e http://pwp.netcabo.pt/0214267401.
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Ilustrações João Fazenda

Introdução

Dividida por sete áreas, aí está a avaliação de 2001. Apesar de uma colheita
rica, não podemos ainda ver onde nos levarão cada uma destas acções e
experiências. E até sob a espuma destes acontecimentos hão-de fermentar
muitos projectos e histórias. Certo é que estas listas, com mais ou menos
informação, mais ou menos análise, não justificam pessimismos. A bd nacional
pode até nem existir, mas que se move, lá isso move.
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Crítica
João Paulo Cotrim

Ainda não foi este ano que a crítica nos surpreendeu. Não conseguiu (será que
tentou?) acompanhar a vertigem da criação nacional contemporânea. Um
encontro de críticos sugeriu meia dúzia desses nomes e obras essenciais (na
FNAC, em 27 de Abril. Ver Contador-mor #13). O autor destas linhas, assinou
para o IPLB uma brochura trilingue, com distribuição internacional, BD
Portuguesa/Anos 90 – Guia breve de tendências, autores e temas. Carlos
Pessoa e Nuno Franco recolheram um conjunto de “biografias” de heróis
(Heróis da BD, Público). No terreno das páginas periódicas pouco mudou.
Alguma recensão nas regionais, irregularidade nos jornais de referência (com o
regresso do Blitz à recensão numa página animada por Arnaldo Pedro e o
colectivo Cru). Novidade terá sido os textos de José Marmeleira, na artlink e
Ana Ruivo, no Expresso, curiosamente ambos oriundos do universo das artes
plásticas. Continuaram com mais afinco João Miguel Tavares, João Ramalho
Santos e Pedro Cleto. E com menos Carlos Pessoa ou João Paulo Paiva
Boléo. (As notícias e recensões podem ser acompanhadas na secção recortes
de www.bedeteca.com).
Apesar de não ter saído mais nenhum volume dos Cadernos da Bedeteca, a
Bedeteca editou outro Quadrado, com um dossier sobre os territórios do
feminino (sob batuta de Paulo Patrício). Isto além de Hoje, a BD 1996/1999,
que reúne as comunicações aos colóquios com o mesmo título e onde João
Paulo Paiva Boléo assina dois excelentes e infelizmente actuais retratos da
crítica nacional. Ao belo Muñoz/O Homem de Tinta da China (com um ensaio
de Lorenzo Mattotti) há que somar ainda com alguns dos textos incluídos no
catálogo geral do Salão Lisboa 2001 (Domingos Isabelinho sobre Pedro Nora,
Jan Baetens sobre Vincent Fortemps, António Cabrita sobre Vera Tavares),
bem como o dossier sobre Jijé nele incluído.
Para o Festival da Amadora, João Miguel Lameiras organizou não apenas a
exposição Confluências e Influências Externas na B.D. Portuguesa (1935-2000)
como o conjunto de textos publicados no respectivo catálogo.
Menos jornais, mais livros: o impulso crítico não está morto.
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Edição
João Miguel Tavares

Depois de vários anos de felicidade editorial, 2001 corre o risco de ficar


marcado pela palavra «crise». É verdade que nasceu uma nova editora – a
Íman –, que inclui a BD entre as suas diversificadas áreas de publicação, mas
esse raio de luz não apaga a penumbra originada pelos problemas que
afectaram (e afectam) a Meribérica/Liber, mesmo que neste momento ainda
não sejam conhecidos todos os contornos e a real dimensão da crise.
A Meribérica dominou o panorama da banda desenhada editada em Portugal
durante toda a década de 90, em regime de quase monopólio, sobretudo no
que diz respeito à BD franco-belga. O seu catálogo é invejável, em quantidade
mas também em qualidade, detendo os direitos de inúmeras séries, que, de
maneira geral, soube lançar em boas condições. Embora a costela de David
que há em nós tenha por hábito resistir ao excesso de força dos Golias, temos
de admitir que a grave recessão editorial da Meribérica teve efeitos nefastos no
mercado. Afectada pela falência da distribuidora Diglivro, a editora de «Astérix»
e «Corto Maltese» acabou com a revista Selecções BD e praticamente deixou
de efectuar lançamentos a partir do primeiro trimestre de 2001, o que implicou
um decréscimo significativo no número de títulos lançados no decorrer do ano.
A oferta só não caiu drasticamente porque a Vitamina BD e, sobretudo, a Devir,
aumentaram o número de edições. Resta saber até que ponto esse
investimento terá continuidade, e se o público responde de forma positiva à
diversificação dos seus catálogos: a primeira abandonou o terreno seguro dos
álbuns de encher o olho e atreveu-se pelo campo do preto e branco; a segunda
apostou no Brasil, nalguns comics de qualidade americanos e recentemente
surgiu com uma reedição de José Carlos Fernandes, em quem promete investir
em 2002, o que só lhe fica bem.
Em relação à Íman, assinale-se a coragem não só de editar BD, mas,
sobretudo, de editar obras híbridas, alternativas, misturadas com títulos
clássicos e edições de ensaio e poesia. Esse «melting pot» contribui para uma
sempre saudável mistura de géneros literários, de que a BD só pode beneficiar.
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Ainda no campo das novidades, uma misteriosa Booktree lançou o último


trabalho de Luís Louro e ver-se-á que surpresas nos reserva para o futuro.
Tudo somado, 2001 caracteriza-se pelo aumento da diversidade, com
pequenas casas a darem mostras de uma certa consistência (veja-se o
crescimento sustentado da Polvo e da Witloof) e títulos fundamentais (como
Ghost World, de Daniel Clowes) a serem finalmente traduzidos, mas as boas
notícias pontuais não chegam para ocupar o espaço deixado vago pelo
congelamento editorial da Meribérica/Liber.

Autores
Paulo Patrício

Foram poucos os novos. Os outros continuam a publicar com alguma


regularidade. Alguns tentam a vertente comercial, mas há quem prefira o
manifesto artístico. As bolsas continuam aí, para podermos largar tudo e
trabalhar sem preocupações. Não haviam editoras, mas agora já podemos
dizer que o nosso livro ficava bem editado nesta ou naquela. Uma felicidade,
não fosse o facto de nenhuma delas ter sido capaz de criar uma imagem sólida
e atraente junto dos leitores, fossem eles adolescentes borbulhosos ou
bancários desprevenidos. Precisam aprender a vender-se a elas próprias,
alinhar nessa ideia sedutora, mas perigosa, de que foram as marcas que
fizeram os grandes movimentos sociais do final do séc. XX, e que vão fazer os
deste em que vivemos. A verdade é que não há revistas para trabalharem com
as editoras, o que é uma chatice, mas a Quadrado sai duas vezes por ano
cheia de autores exemplares e quem escreve nos jornais arranjou mais espaço
dentro da página para os nossos livros. Os Salões fazem o mesmo dentro das
fábricas, escolas, cordoarias e mercados, dando-nos mais espaço para
retrospectivas, novidades e estreias. O IADE atirou a lança da pós-graduação
para aquilo que todos acreditavam ser terra de ninguém, e acertou em 30
pessoas. A Bedeteca de Lisboa trabalha muito para nos manter a todos vivos,
juntos aprendemos que o mais importante é preservar a banda desenhada,
continuando a alimentá-la com boas histórias e assumindo responsabilidades.
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Está visto, temos quase tudo, mas falta a popularidade. Não no sentido de
sermos todos populares é claro, mas da banda desenhada que fazemos
pertencer outra vez à cultura popular portuguesa, o que não acontece desde
que os nossos livros foram atirados para as livrarias. É como se não houvesse
a banca de jornais, o quiosque ou a tabacaria da esquina, lugares onde vai
toda a gente, principalmente aquela que está-se nas tintas para o que foi dito
aqui. Gente que precisa de histórias, e não as tem à mão.

Festivais
João Miguel Lameiras

Depois de um período em que os três principais Festivais apostavam de forma


clara em diferentes públicos (com a programação mais mainstream da
Amadora a ter um contraponto no destaque dado pelo Salão Lisboa aos
autores alternativos franceses, enquanto o Porto apostava mais nos autores
independentes americanos), actualmente, a onda alternativa está a ser o
denominador comum dos três Festivais.
Para além disso, pode dizer-se que 2001 foi um ano de regressos e mudanças.
Regresso do Salão do Porto ao belo espaço do Mercado Ferreira Borges, onde
prosseguiu a aposta na divulgação da BD independente norte americana,
havendo ainda espaço para surpresas vindas de outras latitudes, como a
iraniana Marjane Satrapi.
Quanto às mudanças, elas foram mais de ordem física e atingiram o Salão
Lisboa e o Festival da Amadora. Se a itinerância do Salão Lisboa (que se fixou
no edifício da Cordoaria Nacional) não é propriamente uma novidade, a
passagem do Festival da Amadora da Fábrica da Cultura, onde esteve
durante10 anos, para a Escola Intercultural, não deixou de constituir uma
surpresa...
Dedicado à música, o Salão Lisboa conseguiu conquistar o público, que afluiu
em maior número ao espaço amplo da Cordoaria, muito bem aproveitado pela
cenografia de Pedro Cabrito. Entre vários motivos de interesse, o destaque vai
para a incontornável mostra da Ilustração Portuguesa.
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O Festival da Amadora ao mudar para a Escola Intercultural, ganhou em


conforto para os visitantes (basta ver o auditório), mas perdeu em espaço de
exposição, pois as salas da Escola Intercultural não permitem as cenografias
elaboradas que eram uma imagem de marca da Amadora.
Quanto aos Festivais de dimensão mais “familiar”, como a Sobreda e Moura,
destaque para a aposta de Moura na edição de estudos teóricos, bem
inaugurada com um texto de Jorge Magalhães sobre o Western na BD
portuguesa.

Fanzines
Marcos Farrajota

Este ano, a área dos fanzines concretizou-se em mais uma mão cheia de
propostas cheias de energia e inovação, mesmo quando se pode apontar para
algumas das tendências registadas em 2000.
As tendências... a) Namoros com a tecnologia: mais um fanzine em CD-ROM
(pelo colectivo Extractus), mais páginas web: Bizarro, A Língua, Os Positivos e
Zundap, e o grande vencedor, Gritante. Um livrinho com uma bd muda
acompanhado por um CD que tem a sua banda sonora mas também video-clip,
música electrónica e a bd transformada em animação, teve uma instalação no
Salão Lisboa, é preciso dizer mais? b) A periodicidade: para A Língua, Durty
Cat (estreia da Ana Ribeiro) e Gambuzine é trimestral, para o experimental
Succedâneo é uma corrida de dois em dois meses sem perder a qualidade e a
loucura... veio à Bedeteca lançar um número e fez 5 anos de vida, parabéns! c)
Os autores pescados para os formatos profissionais: Esgar Acelerado para o
Blitz, Francisco Vidal e Pepedelrey para a colecção LX Comics.
Quanto a circulação de títulos: o Carneiro Mal Morto voltou, lançaram-se o Ex-
Man (fanzine de ilustração por Miguel Carneiro), o Na verdade tenho 60 anos
(de Joana Figueiredo) e o Zundap (de cultura Pop mas que muito destaca a bd
e ilustração nas suas páginas), continuaram o Bactéria, o Bizarro, o Sub e o
The Killer Season Fanzaíne, o autor Janus voltou com Amaldiçoado. Pelo meio
fica o catálogo de fanzines organizado pelo Gambuzine que pouca
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funcionalidade tem devido à irreverênciazinha e às gralhas informativas. Pena.


Fica para a próxima.
As novas foram os MEGAprojectos (abusadores do conceito?): no Salão Lisboa
saiu um número especial do prozine Mondo Bizarre com bd’s de meia-dúzia de
autores a abordarem vários géneros de música popular; O Independente tentou
uma revista com espírito fanzine (sentiram alguma contradição aqui?), a Cindy
seria um misto de DN Jovem e Bíblia dizia-se mas ficou pelo número zero (tal
qual a saudosa revista Ai-Ai), a crise económica não perdoo; e, a Associação
Chili Com Carne em coordenação com a Frente Fanzinista Internacional (a
mesma do Zalão de Danda Besenhada) editou o livro (um MEGAfanzine!)
Mutate & Survive de 200 páginas com 77 autores de 16 países diferentes.
Neste último projecto, para além do tratamento de luxo aos fanzinistas
participantes espera-se que se quebre o gelo dos tímidos portugueses com o
resto do mundo.
E neste campo, há novidades, encontrámos vários portugueses em fanzines
estrangeiros: Bouche du Monde (França), Milk & Wodka (Suiça), Stereoscomic
Special SPX (França) e Stripburger (Eslovénia).

Investigação
Carlos Bandeiras Pinheiro

A exposição Confluências e Influências Externas na BD Portuguesa (1935-


2000) no 12º Festival Internacional de BD da Amadora (FIBDA 2001) foi
apoiada por um extenso Dossier da responsabilidade do respectivo comissário,
João Miguel Lameiras. O Dossier, integrado no catálogo do referido Festival,
inclui ainda textos de outros autores sobre aspectos particulares dessa
influência: João Paiva Boléo (BD latina), Pedro Cleto e Nuno Simões Nunes
(BD franco-belga), Jorge Magalhães (BD inglesa), João Ramalho Santos
(comics americanos). Inclui ainda um texto de Victor Serrão sobre as
influências exteriores na pintura portuguesa do século XVII e uma entrevista de
Dinis Machado, um dos principais responsáveis da Tintin portuguesa, a
Geraldes Lino. O FIBDA 2001 integrou ainda uma exposição retrospectiva de
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José Ruy «uma presença activa e permanente na BD portuguesa», na Galeria


Artur Bual, que deu lugar à publicação de um pequeno catálogo. Da autoria de
Leonardo de Sá e António Dias de Deus saiu José Ruy, Riscos do Natural nos
Cadernos do Centro Nacional da Banda Desenhada e da Imagem. O CNBDI,
dirigido por Nelson Dona, continua entretanto a reforçar a sua notável colecção
de originais de autores de BD em que figuram E. T. Coelho, José Ruy, José
Garcês, Augusto Trigo, entre outros.
Na Bedeteca de Lisboa, teve lugar ‘Caricaturas' no Comércio do Porto Ilustrado
(1892-1941), comissariada por Carlos Bandeiras Pinheiro e na Casa Taït, no
Porto,Coisas do Outro Mundo: as bandas desenhadas de Júlio Resende,
comissariada por João Paulo Cotrim e Paulo Patrício, integrada no Salão
Internacional de BD do Porto, exposições de que ainda não foram publicados
os respectivos catálogos.
As investigações de Américo Coelho e Jorge Magalhães sobre a recepção dos
autores italianos, nomeadamente de Il Vittorioso, em Portugal, têm sido
publicadas em Itália na revista Informavit. O artigo mais recente é dedicado a
Carlo Boscarato que os leitores portugueses puderam ler no Cavaleiro Andante
e seus derivados como os Álbuns, Números Especiais e Colecção Alvo. Jorge
Magalhães é ainda o autor de um dossier sobre Carros e Motas na BD ao
longo do séc. XX, edição da Câmara Municipal de Moura /11º Salão de BD. O
Boletim do Clube Português de Banda Desenhada, coordenado por Paulo
Duarte e Fernando Cardoso, ganhou um novo fôlego e é possível encontrar
nele artigos e reedições de interesse. De referir a publicação de inventários da
obra de autores portugueses em O Cuco, suplemento do Diário do Sul sobre
BD, coordenado por Dâmaso Afonso.
O IPLB publicou uma útil brochura de João Paulo Cotrim sobre a "BD
Portuguesa nos anos 90, breve panorama de tendências, autores e temas".
Com coordenação geral de João Paulo Cotrim foi publicada, pela Bedeteca,
"Hoje, a BD", recolha de actas e textos dos colóquios de 1996 e 1999 que na
área da Investigação histórica tiveram como relatores António Dias de Deus e
Carlos Bandeiras Pinheiro.
O IADE criou um curso de pós-graduação em Banda Desenhada que inclui as
disciplinas de História da BD e da BD Portuguesa para as quais foi convidado
João Paulo Paiva Boléo.
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Movimentos
Geraldes Lino

Em dois mil e um caracteres se sintetiza quem fez movimentos bedísticos, e


quais, no ano dois mil e um.
Associações bedéfilas. O Clube Português de Banda Desenhada, após longo
eclipse, reatou a actividade voltando a editar o Boletim CPBD; O Grupo
Bedéfilo Sobredense, organizou a 19ª Jornada de B.D. de Sobreda; Toupeira–
Atelier de Banda Desenhada, em Beja, fez uma exposição e editou fanzines.
Nas associações informais, a Tertúlia BD de Lisboa atingiu o 200º encontro
mensal, a Tertúlia Lisboa de Fanzines o 2º aniversário, o Grupo Extractus
organizou exposições e editou um CD-Rom com bedês e textos.
Concursos. Integram os eventos anuais da Amadora, de Moura e da Sobreda,
e a bienal de Amora. Noutros locais, várias entidades investiram nesse tipo de
proposta: em Coimbra, a livraria Dr. Kartoon; e em Lisboa: a Direcção
Municipal do Ambiente e Espaços Verdes da C.M.L. desafiou os alunos das
escolas citadinas para Banda desenhar o Ambiente; a Biblioteca Museu
República e Resistência lançou o tema Aristides de Sousa Mendes; o Diário de
Notícias incitou os leitores a fazerem numa tira de bd um Reality Show; o
Ministério da Juventude e do Desporto, em colaboração com o Clube
Português de Artes e Ideias, bem como a parceria Blitz / IADE, apresentaram
igualmente os respectivos regulamentos.
Cursos. Iniciou-se uma pós-graduação, no IADE, onde consta uma Opção de
Projectos de Banda Desenhada ou Projectos de Ilustração; Alice Geirinhas e
Marcos Farrajota orientaram uma Introdução à Banda Desenhada e Ilustração,
no AR.CO.
Exposições. É uma das componentes da actividade da Bedeteca de Lisboa,
que organizou várias ao longo do ano; o CNBDI (Amadora) também; o Grupo
Extractus mostrou pranchas dos seus três elementos na Univ. Lusófona e na
Junta de Freguesia de Benfica; a Ass. de Estudantes da Fac. de Ciências
Sociais e Humanas, da Univ. Nova, iniciou-se na área expositiva; o grupo "5th
Floor" pôs de pé a 3ª edição da ANIPOP, com mangá nacional, na Casa da
Juventude da Tapada das Mercês.
2001 DOSSIÊ 016|259

Internet. Estão em actividade vários sites:


www.bedeteca.com,http://www.tokaki.com, http://www.interdinamica.pt,
http://bd.publico.pt, http://www.bdportugal.info, http://www.anipop.org,
http://www.freezeplus.com/webzine08/,
http://www.br.geocities.com/fanzinelandia, http://www.geocities.com/extractus,
http://www.geocities.com/alvarossantos, http://planeta.clix.pt/rohke,
http://www.centralcomics.com, http://www.luisrebelo.net/bizarro.
Rádio. Na Antena 1, às 5ªs feiras das 17h às 18h, em As Portas do Sonho,
José de Matos-Cruz fala de bd e/ou de cinema.
2002 DOSSIÊ 017|259

Ilustrações Francisco Vidal

Introdução

Mais uma vez trazemos a avaliação anual da banda desenhada em Portugal,


dividida em sete áreas.
2002 foi um ano paradoxal. Se no princípio do ano todos esperavam o pior
cenário dadas as crises do país, a meio do ano assistiu-se a uma corrida
editorial nunca antes vista. Houve boas notícias e também más, no entanto o
discurso mais pessimista vai ficar adiado para o ano.
De resto, um agradecimento especial a Francisco Vidal por ter cedido as
ilustrações "roubadas" ao seu fantástico caderno de apontamentos.
2002 DOSSIÊ 018|259

Crítica
João Paulo Cotrim

É facto comprovado e até temido que houve uma explosão da oferta editorial
da bd. O fluxo mainstream multiplicou-se com a dispersão de editoras e com
óbvios ganhos para o leitor; os norte-americanos estão representados com
excelentes produtos; as traduções chegam em bom ritmo e a produção
nacional (para o melhor e o pior) não deu sinais de diminuir. A partir de uma
experiência inicial da Devir com A Pior Banda do Mundo, de José Carlos
Fernandes, andam no ar mais hipóteses de internacionalizar autores
portugueses. Perante tais movimentações, que faz a crítica? Lê, quando muito.
Pensa muito pouco.

A geografia dos nomes nos lugares (jornais, revistas, net) mantém-se mais ou
menos inalterada, se descontarmos pequenas oscilações e irregularidades,
explicadas sobretudo pelas dinâmicas internas de cada título ou por atenções
de circunstância a certos temas (festivais, o boom da edição, etc). Nas leituras
com olhar crítico continuaram com periodicidade e qualidade regulares: João
Miguel Tavares, no DN; Pedro Cleto, no JN; João Ramalho Santos, no JL e na
Ler. Arnaldo Pedro manteve o mesmo registo no Blitz. João Paulo Paiva Boléo
publicou menos, no Expresso, que acolhe ainda, de vez em quando, Vítor
Quelhas e o autor destas linhas. No Público, continuaram com menos
regularidade e qualidade, Nuno Franco (será que ele entende os textos que
escreve?) e Carlos Pessoa (será que ele revê os textos que escreve?). No DN,
na sua coluna de sábado, e por vezes na revista Op, João Lopes assinou
textos intensos e perspicazes. Como luminoso continuou o trabalho de José
Marmeleira, na Artlink. A “recencionite crónica” (tantas vezes abaixo da
indigência) espalhou-se pela net, por exemplo na Central Comics, ou por outras
publicações mais específicas, como a (trimestral e gratuita) Mondo Bizarre.

É certo que surgiram duas novas revistas, a Comix e a Metal Hurlant, mas sem
grandes reflexos para além de uma bem intencionada divulgação. O Festival da
Amadora publicou, com a Devir, um catálogo desastrado – o dedicado a Alan
2002 DOSSIÊ 019|259

Moore, com informação pouco consistente e, em geral, descuidada. E outro


desastroso – o geral, do qual se aproveitam (informativamente) os textos de
João Miguel Lameiras, João Ramalho Santos e João Paulo Paiva Boléo. A
Comix acolheu David Soares na qualidade de leitor e a Satélite Internacional,
revista animada por Pedro Nora e Isabel Carvalho, deu à estampa um texto
interessante de Pedro Moura. Finalmente, a Quadrado traz alguns textos aos
quais podemos chamar, com propriedade, críticas. Além de dois ensaios que
salvam a colheita de 2002: um de Pedro Moura sobre O Diário de K., de Filipe
Abranches, e outro de Domingos Isabelinho dedicado ao autor italiano, Guido
Buzzelli. Sem espaço para entrar em diálogo com eles, que era o que me
apetecia, garanto aqui a sua riqueza e inteligência. São textos que pensam,
portanto.

Edição
João Miguel Tavares

Uma coisa é certa: vivemos um momento histórico. Se daqui a cem anos


alguém se dedicar a escrever uma enciclopédia sobre a banda desenhada em
Portugal, o ano de 2002 vai estar sublinhado, e em lugar de destaque. Desde
que a BD abandonou as revistas para se mostrar em álbuns, nunca tantas
editoras lançaram tantos títulos. Foram mais de 150 no espaço de um ano,
representando um crescimento de 50 por cento no volume de edição de
novidades e de perto de 75 por cento no número de exemplares colocados no
mercado. São percentagens com tanto de impressionante como de
incomportável.

É evidente que esta overdose vem na sequência dos graves problemas


financeiros que atingiram a Meribérica/Liber, conduzindo à perda de alguns
direitos autorais. Procurando ocupar o espaço vazio, a Asa e a Booktree, cujos
departamentos de BD foram formados por antigos funcionários da Meribérica,
investiram fortemente na área franco-belga (cada uma lançou perto de 40
títulos), ao mesmo tempo que a Devir continuou a construir um óptimo catálogo
2002 DOSSIÊ 020|259

americano e editoras de média ou pequena dimensão como a Vitamina BD, a


Polvo e a Witloof mantinham ou aumentavam o seu ritmo de edição. Crise?
Qual crise?

No entanto, as notícias da morte da Meribérica foram algo exageradas, e


apesar de ter diminuído drasticamente o número de títulos lançados em 2002 –
o mesmo aconteceu, embora por outras razões, com a Bedeteca de Lisboa –,
conseguiu manter na sua posse as séries mais lucrativas do mercado
português (Astérix, Lucky Luke, Spirou e outras).

Donde, surge a questão inevitável: Haverá lugar para todas as editoras? Quem
vai comprar o meio milhão de livros que foi lançado no mercado? Ninguém,
claro. O próximo ano vai com certeza ser de recessão. Donde, é aproveitar o
tempo de vacas gordas, porque não se voltará a editar tanto e com tanta
qualidade tão depressa.

Autores
Paulo Patrício

Não me lembro de outro ano assim, absurdo e cinzento como este, onde quase
tudo mudou, mas nada foi definitivo. A euforia autoral e editorial alternativa
parou sem dar explicações, não sabemos o que é feito de todos os autores que
andaram por aí até agora, nem temos folheado nada das editoras que existiam
para os publicar.

É uma infelicidade não haver sinais alternativos, mas eles não poderiam
persistir muito mais tempo, ou ter a sua importância, sem que o outro lado
estivesse presente em força, o das editoras com vocação comercial. Foi uma
experiência que não obedeceu a mais elementar das regras: para cada acção
há uma reacção oposta. Aquilo que as editoras alternativas publicaram flutuou
entre a banda desenhada e a ilustração, entre a banda desenhada e a pintura,
entre a banda desenhada e outra coisa qualquer que ninguém sabe bem o que
2002 DOSSIÊ 021|259

é, nem sequer os próprios autores. Foram anos de estilo, e ainda que isso
tenha algum mérito artístico, a verdade é que alguns autores fizeram uso do
estilo para combater a incapacidade de contar histórias e disfarçar falhas de
linguagem. O estilo é a forma como a linguagem de um determinado autor se
apresenta, parte de um conjunto de regras artificiais estabelecidas pelo autor e
tem como objectivo criar a ilusão de que as soluções utilizadas são aquelas e
não poderiam ser outras.

A dificuldade está na capacidade que cada autor tem ou não de ser um bom
ilusionista, e dentro dos alternativos nós tivemos bons ilusionistas, maus
ilusionistas, ilusionistas assim-assim que sempre foram entusiasmando o
público com alguns truques, vá lá. Agora que as potenciais grandes
companhias de circo nacionais marcam terreno nas entradas das cidades, com
ilusionistas de renome internacional e outras criaturas amestradas em cartaz,
não há reacção por parte dos ilusionistas alternativos, que entretanto vão
fazendo o que podem pela vida a vender bifanas em estradas secundárias e
portas de discoteca. É triste, mas é verdade, só houve reacção quando existia
uma editora moribunda e vários apoios institucionais. Fomos nós no nosso
melhor.

Festivais
João Miguel Lameiras

Num ano em que não se realizou o Salão do Porto e em que do Salão Lisboa
apenas tivemos direito à mostra da Ilustração Portuguesa, agora no magnífico
espaço do Oceanário, o Festival da Amadora viu-se naturalmente guindado a
uma posição de maior destaque neste balanço.

Com a opção do Salão Lisboa em passar a bienal, o Festival da Amadora


passa a ser indiscutivelmente o maior evento anual da BD portuguesa,
realidade que tem correspondência no apoio da Autarquia que, numa fase em
que os apoios particulares diminuíram consideravelmente, aumentou o seu
2002 DOSSIÊ 022|259

investimento no Festival, que conseguiu reunir um elenco de luxo, com nomes


como Daniel Clowes, Chris Ware, Rosinski, Jacques Martin, Cristophe Blain,
Marc Antoine Mathieu e Charles Burns, entre outros...

Mas o grande problema continua a ser o espaço da Escola Intercultural,


claramente incapaz de acolher um grande número de exposições, obrigando a
uma descentralização forçada que faz com que algumas das melhores mostras
passem completamente ao lado do grande público, como aconteceu com
Argumentos, a excelente mostra dedicada a Alan Moore, e principalmente com
exposição dedicada à BD francesa contemporânea (que incluía alguns dos
nomes mais interessantes da nova geração de autores francófonos) que se viu
desterrada para o Centro de Arte Contemporânea de Alfragide, que ninguém
sabia muito bem onde é que era...

Quanto às mostras que estavam na Escola Intercultural, a opção em valorizar


os originais foi a mais acertada, como o prova o desastre da exposição
principal, dedicada à Odisseia dos Autores Portugueses, com uma cenografia
nada conseguida, que não permitia uma visão minimamente correcta dos
originais, encaixotadas numa estrutura em madeira rasgada por algumas
(bastante) estreitas frestas.

E embora a Amadora condicione claramente o calendário editorial nacional e a


presença de representantes das principais editoras estrangeiras ateste um
cada vez maior reconhecimento internacional, a verdade é que há quem pense
que o modelo de Festival de que a Amadora é o paradigma nacional não é o
único, e prefira apostar em iniciativas de menor duração (limitadas a 3 dias,
como é norma por todo o lado, de Angoulême a San Diego) e mais viradas
para a parte comercial. Foi o caso da iniciativa promovida pela Sodilivros, com
a Devir e a Vitamina BD, no âmbito da Festa do Livro, que deve ser vista como
um ensaio preparatório para o BD Forum a realizar em 2003.

Com isso, e com o regresso do Salão Lisboa, 2003 promete ser um ano muito
mais animado, no que aos Festivais de BD diz respeito...
2002 DOSSIÊ 023|259

Fanzines
Marcos Farrajota

Ano de todas as esquizofrenias e paradoxos na bd portuguesa, 2002 foi o ano


da crise económica-etc-nacional mas também o ano da explosão editorial que
ninguém estava à espera. Ao que parece já se pode falar em mercado em
Portugal – que felicidade é o Capitalismo, não?

Os fanzines continuaram a sua marcha mas romperam com as tendências


registadas nos últimos dois anos: a periodicidade dos títulos deixou de ser
cumprida (ex.: o Succedâneo só editou dois números quando editava 6 por
ano!), não houve novidades nos formatos multimédia nem transferências de
autores “amadores” para formatos profissionais – continuamos à espera de
uma nova geração, tão frenética como a de 2000? Nem o intercâmbio
internacional evoluiu por ai além, tirando o António José Lopes que participou
na antologia eslovena “MadBurguer”.

Então o que se passou?

- Saíram monográficos: “Há uma luz que nunca se apaga” de José Lopes
(editado por Geraldes Lino) e “Zé Mesias deputado” de Artur Varela (pela
Zundap), e ainda os auto-editados “Uma porta serve para entrar como para
sair” de Pedro Moura e da coreana Koh Eun-Kang, “Aconteceu” de Rohke
Vorne e Phermad, e “Paris morreu” de Nuno Duarte e Pepedelrey, todos eles
criando os seus selos editoriais, Montesinos (de Pedro Moura em Seul), Dr.
Makete (de Vorne) e El Pep (de Pepedelrey).

- Foram organizadas muitas feiras de fanzines e de edição independente em


festivais de música (Noites Ritual, Musa, SleazeyFest, Anti-Corpos), uma na
Ilustração Portuguesa 2002 e várias outras com destaque para uma organizada
pelo artista João Fonte Santa num espaço de exposições do Chão de Loureiro;
outra, na Lousã, organizada pelo Gambuzine; e a mais mediática, “Natal
Subterrâneo”, organizada pelo grupo Família Alternativa. Só o Festival da BD
2002 DOSSIÊ 024|259

Amadora é que pela segunda vez consecutiva não se interessou por uma feira
de fanzines - e ainda bem, dado o mau gosto galopante e exacerbado da
edição deste ano até dava mau nome aos fanzines estarem-lhe associados!

- De fanzine para o prozine: o “Mesinha de Cabeceira” comemorou 10 anos de


existência e editou dois números pela MMMNNNRRRG em formato
profissional, tal como os dois números anteriores editados pela Associação
Chili Com Carne. O fanzine “A Língua” acabou em 2001 mas o colectivo
reencarnou este ano com uma revista cheia de potencial, o “Satélite
Internacional”.

- Circularam os fanzines de bd ou com bd: “Bactéria”, “Sub”, “Carneiro Mal


Morto”, “Gambuzine”, “Terminal”, “Durty Kat”, “Succedâneo”, "Improvisos na
toalha da mesa", “Na verdade tenho 60 anos” e “Zundap”. Das Caldas da
Rainha – um viveiro hermético de zines porque não saem para fora do círculo
de estudantes do ESTAG – surgiu a “Porca Frita”, e em Lisboa o "Cadavre
Exquis aliás Cadáver Esquisito", um fanzine editado por Geraldes Lino e que
publica o resultado de uma bd colectiva.

E por fim, a GRANDE novidade foi o lançamento recente (no Natal


Subterrâneo) do fanzine mais pequeno do mundo (deve ser com 90% de
probabilidades). “Pecarritchitchi, o fanzine enfezado” é fruto das mãos de João
Bragança (do Succedâneo) e que conseguiu fazer páginas no tamanho de um
cêntimo. O trabalho que o autor tinha vindo a desenvolver no “Succedâneo”
não sofreu perdas de qualidade com a mudança de formato. Continua
inteligente, com humor, "assemblages" e fotografia... Uma edição que remata
qualquer espécie de acusação de “depressão criativa” nos fanzines de 2002!
2002 DOSSIÊ 025|259

Investigação
Miguel Coelho

Que 2002 foi um ano muito fértil na edição de álbuns, ninguém duvida. No
entanto, ao nível da investigação, o ano foi bastante pobre, comparando com
qualquer um dos últimos seis anos...

Começando pelos três títulos apresentados na Amadora, desde logo com o


Catálogo da exposição Alan Moore – Argumentos, uma edição do Centro
Nacional de Banda Desenhada e Imagem e da Devir. Marcado por um cuidado
arranjo gráfico, abundando as ilustrações e uma bibliografia, o catálogo fica
como uma referencia para os que quiserem explorar o rico universo deste
argumentista. No entanto, poderia ter sido um suporte melhor explorado.
O Catálogo do XIII FIBDA (Festival Internacional de Banda Desenhada da
Amadora), BD Amadora 2002, surgiu num grande volume, compreendendo
textos acerca das várias exposições que, nas suas 180 páginas, bem poderiam
ter sido alvo de um melhor cuidado, nomeadamente pela ausência de correcta
bibliografia acerca dos autores presentes em cada edição ou a falta de
referências às ilustrações que acompanham os textos, que no conjunto, se
apresentam desequilibrados. Um suporte como este catálogo tanto tem de
estar pensado para o coleccionador que já sabe quase tudo, como para quem
se inicia nestas lides, pelo que será normal para quem visita o FIBDA querer
saber mais acerca de um dado autor (sendo pertinentes questões como: será
que há livros em português deste autor?; são editados por quem? este
desenho é de que livro?...). Por isso, este tipo de catálogos deveriam servir
para apresentar uma breve panorâmica acerca de um autor, sem cair numa
investigação erudita, mas também sem cair em repetições ou lugares comuns.
No entanto, sempre fica um registo importante acerca do maior certame
nacional dedicado à BD.
A apresentação de mais um título da Colecção “Cadernos NonArte”, José
Garcês, as Fases Diversas, de Leonardo De Sá e António Dias de Deus,
lançado pelo CNBDI e Edições Época de Ouro constitui uma referência e um
2002 DOSSIÊ 026|259

exemplo de investigação, seguindo a linha de anteriores títulos da colecção da


responsabilidade da mesma dupla de autores.

Em termos universitários, Nuno Amaral Jerónimo (assistente de Sociologia da


Universidade da Beira Interior) realizou um trabalho sobre Krazy Kat e Pedro
Ganho (Universidade de Coimbra) apresentou uma prova final acerca da BD e
Arquitectura, onde se realça, como é natural, a série “As Cidades Obscuras”.

Embora não se tratando de uma obra de investigação, o lançamento do livro


acerca do making of de Blacksad, pela Asa, não poderia deixar de ser
referenciado, tão pouco habitual no nosso país é a edição de um livro deste
tipo.

Ao nível do que não surgiu, nota-se fortemente a mudança operada no


município lisboeta, em Dezembro de 2001, que afectou directamente os
suportes preferenciais da divulgação das investigações que se têm feito,
nomeadamente acerca dos autores portugueses: as exposições, os respectivos
catálogos e as revistas.
Desde logo, a ausência de Catálogos editados pela Bedeteca e a não
publicação de nenhum número da revista Quadrado (o n.º 4 da III série vai sair
brevemente, com data de Novembro de 2002) não poderá deixar de ser
referido, título realizado em parceria pela Bedeteca de Lisboa e pela
Associação Salão Internacional de BD do Porto. A excelente revista Biblioteca,
revista das Bibliotecas Municipais de Lisboa, publicou o seu derradeiro número,
o número 9/10, com data de Janeiro de 2002, onde apenas foi apresentado um
texto, “Bedeteca de Lisboa – Fase 2”, de Rosa Barreto, Rosário Tavares e
Pedro Cabrito, onde se traça uma panorâmica sobre o realizado desde 1996 e
sobre as mudanças e obras que se vão operar, nomeadamente a saída da
Biblioteca dos Olivais (libertando as salas de biblioteca generalista) e a
reconversão de alguns espaços interiores e exteriores, não se tratando por isso
de um texto de investigação, como a mesma revista publicou sobre a BD desde
o seu número inaugural.
Uma revista algo incompreendida como Selecções BD deixou um vazio por
preencher, quanto mais não seja por possibilitar a publicação de alguns artigos
2002 DOSSIÊ 027|259

sobre temas, séries ou autores de BD. As novas revistas Comix e Metal


Hurlant, embora permitindo aos leitores contactarem algo regularmente com
BD, não parecem estar orientadas para divulgação de investigação e no caso
do JuveBÊDÊ, Boletim de Banda Desenhada da Associação Juvemedia, tendo
ultrapassado a barreira dos 25 números, não tem servido de suporte para
investigação, apostando claramente na divulgação, excepção ao número
especial dedicado a William Vance, em Outubro de 2000.

A ausência de um Catálogo sistemático da BD editada em Portugal, algo do


género de um “BDM” (sigla que compreende os apelidos dos autores do
catálogo enciclopédico Trésors de la Bande Dessinée), sabendo-se que
Leonardo de Sá já tem um impressionante estudo em estado muito avançado e
que este investigador, juntamente com Geraldes Lino, tem um Dédalo dos
Fanzines “na manga”, mais completo e actualizado do que o que ambos
editaram há uns anos, cuja distribuição foi muito restrita.
Voltando à ausência de catálogos e livros por parte da Bedeteca, sabe-se que
há projectos que, por várias razões, entretanto ficaram “congelados”.
Facto cada vez mais preocupante é a incompleta ou incorrecta citação das
fontes, sendo frequente ver-se textos em que o autor se limitou a consultar de
memória títulos, nomes ou informações das mais variadas. Com um avolumar
de informações e de títulos, cuja tendência será sempre para aumentar e
nunca diminuir, ninguém se pode dar ao luxo de utilizar de memória todo o tipo
de informação, sendo necessária a sua confirmação, para depois não
aparecerem as gralhas e imprecisões que abundam. É que até se corre o risco
de as gralhas poderem ser continuamente passadas de texto em texto, como
acontece com as referências a Arlindo Fagundes: o autor confirmou que
embora fosse mais simpático ter nascido em 1955, nasceu de facto em 1945.
Fica o registo!

Considero que quem escreve sobre BD, nomeadamente nos jornais, revistas
ou outros suportes, para além de emitir as suas opiniões deverá ter em conta a
“formação” do leitor, dando-lhe pistas acerca de outras obras de um mesmo
autor, autores que utilizaram um mesmo tema, circunstâncias que ditaram
determinada situação, explicar a terminologia do meio ou outras informações
2002 DOSSIÊ 028|259

relevantes. Um bom exemplo de material de apoio são as fichas didácticas


editadas pela Bedeteca em 2002 (BdBoom), que embora sendo excelentes,
têm um elevado número de gralhas ou erros na bibliografia (na ficha 13 falta o
número dos Cadernos da BD onde Jorge Magalhães escreveu um artigo ou
outras gralhas menores). É que neste caso, quem escreve tem redobradas
responsabilidades.

Movimentos
Geraldes Lino

Na sequência de idêntico trabalho realizado em 1999, 2000 e 2001, eis o


balanço de 2002.

Associações bedéfilas.
O Clube Português de Banda Desenhada, editou o 101º nº do Boletim CPBD.
O Grupo Bedéfilo Sobredense mantém as Jornadas de BD da Sobreda e o
fanzine Cadernos Sobreda BD, agora no nº18. Nas associações informais, a
Tertúlia BD de Lisboa há 17 anos que homenageia autores todos os meses, a
Tertúlia Lisboa de Fanzines comemorou os 30 anos do primeiro fanzine em
Portugal, com colóquio e expo na Livraria Ler Devagar, a Associação Chili Com
Carne, de Cascais, teve duas feiras de zines em Lisboa, uma no edifício A
Capital, outra no Espaço Vírus, o Atelier Toupeira, de Beja, fez exposições no
Salão BD de Moura e na Bejalternativa, nesta também uma feira de fanzines.

Concursos.
Mantêm-se os da Amadora (Festival), de Moura (Salão), da Sobreda
(Jornadas), da Livraria Dr. Kartoon, de Coimbra, e da Junta de Freguesia de
Olhão. Surpresa foi o do Jornal de Notícias, sob o tema "O Crime Não
Compensa".
2002 DOSSIÊ 029|259

Cursos
Em Lisboa: no AR.CO, Ilustração e BD, por Alice Geirinhas, Daniel Lima e
Nuno Saraiva; na Bedeteca, Workshop de Ilustração e BD, por Alice Geirinhas
e Marcos Farrajota, Às voltas com a BD e O que é um fanzine?, ateliers por
Rosário Tavares. Na Amadora: no CNBDI, Curso de Iniciação à BD, o 2º por
Rui Brito, e Workshop Faz Fanzines, por Geraldes Lino; na Escola Intercultural,
Workshop de Literatura Gráfica, por Álvaro Áspera dos "Fazedores de Letras".
Em Beja: o Museu Regional organizou Ateliers de BD, um na Casa da Cultura,
outro no Jardim Público, ambos dirigidos por Paulo Monteiro.

Exposições.
Em Lisboa, organizadas pela Bedeteca: Conto(s) Contigo, colectiva, com
edição das bedês em cartazes, expostos em vários locais, um deles o Forum
Cap Mag, em Paris, e Interpretações Desenhadas, adaptações à BD de obras
literárias. Ainda em Lisboa, no edifício A Capital, Mutate & Survive, Exposição
Internacional de BD + Ilustração, na Livraria Municipal, a Semana de BD e
Ilustração, e no Instituto Franco-Português 10 Autores Contemporâneos em
França. No CNBDI da Amadora esteve Alan Moore, aliás, pranchas de vários
artistas para quem ele tem feito argumentos. Em Faro, Fragmentos, expo de
Cartoon e BD, de Phermad, na Galeria do I.P.J.; no mesmo local, Mais Jovem,
pranchas de bd de Bruno Silva. Em Loulé, na Casa da Cultura, de novo
Phermad com Já Aconteceu. Em Loulé e São Brás de Alportel, esteve A Pior
Banda do Mundo, de José Carlos Fernandes.

Sítios na Internet.
Um novo site: www.bizarro.cc

Livrarias Especializadas.
Mais uma em Lisboa, Kingpin of Comics, e outra no Porto, a Fantas Comic.

Programas televisivos ou radiofónicos.


Na TV entrevistaram autores estrangeiros vindos ao festival da Amadora, e
alguns fanzinistas em feiras de zines. Na rádio foi pior: "A Balada do Mar
2002 DOSSIÊ 030|259

Salgado" deixou de se ouvir em Coimbra, ao fim de doze anos de emissões, e


na Antena Um "As Portas do Sonho" fecharam-se. Mau sinal.
2003 DOSSIÊ 031|259

Ilustrações José da Fonseca

Introdução

Eis a avaliação anual da banda desenhada em Portugal de 2003, dividida em


sete áreas como tem sido habitual desde 2000.
2003 foi o ano que provou que não há futurologistas, pelo menos na bd.
Qualquer previsão feita no ano anterior pouco ou nada teve correlação com a
realidade mas os nossos colaboradores insistem na mesma tecla. 2003 foi um
Limbo?
O autor das ilustrações deste ano é José da Fonseca que viu, em 2003, o seu
primeiro trabalho monográfico editado na colecção Lx Comics – no número 14
intitulado "Iguais mas não gémeas".
2003 DOSSIÊ 032|259

Crítica
Pedro Moura

Já à partida, admito que é forçoso a uma visão metacrítica encerrada num


espaço destes ser algo desequilibrada em relação ao que se propõem pensar.
O facto das recensões e dos artigos, em secções regulares ou não deste ou
daquele órgão de comunicação, desta ou daquela pessoa mais ou menos
dedicada ao campo, serem da natureza que são, está intimamente associado a
uma série de factores incontornáveis, estruturalmente moldadores desses
mesmos textos: o facto da maior parte dos regulares trabalharem para jornais,
com espaços relativamente pequenos, impede que se desenvolva uma
verdadeira, balizada e multímoda crítica. Chris Baldick, mesmo no seu Concise
Dictionary of Literary Terms (Oxford University Press: Oxford/New York 1990)
indica que a crítica (criticism) é um balanço entre juízo (judgement) e análise
(analysis). O primeiro está obviamente associado a uma espécie de voto, de
valorização perante inclinações pessoais, mas a segunda é um método de
leitura e interpretação da parte do leitor eficaz que o crítico deve ser. Ora, na
ausência de análise, penso que não se pode falar em termos globais e
concretos, salvo excepções pontuais, em crítica propriamente dita sobre banda
desenhada em Portugal. O mesmo, diga-se, aplicar-se-á a outras expressões
artísticas. À crítica literária, encontra-se bem estruturada na Colóquio/Letras,
em publicações académicas, e não nos suplementos de Domingo dos jornais.

Não quero com isto dizer que o que se escreve é mau ou inconsequente.
Baldick diz ainda que a crítica moderna se divide sobretudo em dois campos: o
do mercado, “porque é que se deve comprar este livro?”, e o educacional,
“porque é bom este livro?”. Mais uma vez, o fiel português força um prato bem
abaixo do outro. O do mercado.

Serei uma das primeiras pessoas a aplaudir o surgimento de novas editoras, de


novos autores, de novas apostas, mesmo sendo os objectivos dessa novidade
toda puramente comercial: para a criação de um mercado, para que haja
espaço e liberdade e, também importante, dinheiro para os seus criadores, é
2003 DOSSIÊ 033|259

salutar que surjam projectos de toda a índole. Toda. Goste-se ou não. Portugal
tem assistido nos últimos anos a um crescimento, que talvez tenha abrandado
neste último ano, mas não substancialmente, do seu “mercado”.

Precisamente por seguirem o mercado, a maior parte dos regulares autores de


artigos sobre bd dedicam-se ao que vai surgindo no mercado. Uns com mais
atenção que outros, uns com mais pertinência, inteligência, conhecimento,
elegância e abrangência que outros.

Precisamente por seguirem o mercado, a maioria das notícias se repete, os


mesmos livros, os mesmos autores, os mesmos gostos e respeitos, e às vezes
as mesmas atitudes e posições perante essa determinada obra.

Precisamente por seguirem o mercado, que já possui os seus mecanismos de


distribuição e canais de informação e público mais ou menos fiel, estas
recensões não ajudam muito ao objectivo primário: vender mais. O mesmo não
acontece a projectos menos visíveis, mais independentes, que não alcançam
uma presença mercancial idêntica à das (inteligentes) editoras portuguesas.
Mas a maior atenção vai para esse mercado.

Precisamente por seguirem o mercado, e porque o mercado tem sido enchido


de projectos que chegam a Portugal com algum atraso em relação à sua
criação, ou se tratam de reedições de “clássicos” (qualquer coisa com 10 anos
é um “clássico” nestas parlagens), lemos artigos longos dedicados ao que vai
surgindo com atraso. Não me entendam mal, Hossanas a Hugo Pratt, a cores
ou sem elas, abençoada seja Adéle Blanc-Sec entre as heroínas de papel, um
grande Saravá ao Silêncio de Comés, aos meus amigos Moebius e
Jodorowsky, Bilal e Hermann, Lucky Luke e Mafalda um grande abraço... mas,
não seria mais interessante e desperto da parte de quem tem espaço nos
jornais para falar de projectos mais recentes, mais vivos, mais interessantes,
mesmo que fora dos trâmites frequentes, fora de portas, que exija ao leitor
mexer-se um pouco além de descer à Sua Livraria Habitual, enfim?
2003 DOSSIÊ 034|259

Os gregos poderiam ter palavras mais esquisitas que as nossas, mas todas
tinham a sua função consistente, e infelizmente hoje confundem-se. Estética,
aisthētiké, significava “faculdade de sentir ou compreender pelos sentidos”.
Menos conhecida é talvez a estese, de aísthēsis, “faculdade de sentir ou
compreender pelos sentimentos” (veja-se o dicionário etimológico de J.P.
Machado). Presumo não ser necessário discorrer muito que, se a segunda
faculdade esbarra contra essa grande aporia usualmente coroada com o
anexim De gustibus et coloribus non est disputandum, a primeira exige um
mais relevado balanço analítico e cerebral.

Levanto alguns senões ligeiramente éticos ao facto de se escrever sobre livros


publicados por uma editora na qual se trabalha ou para qual se contribui, mas
uma vez que os livros nas apreciações se repetem, e estarmos a falar ainda de
um universo reduzido, talvez esse seja um medo infundado e menor. Gritante é
porém a impertinência de falar de projectos estrangeiros em absoluto
despropósito: projectos que em nada contribuem para a revelação da arte, que
em nada reviram o mercado, que em nada influenciam o que se passa no
nosso país. Interesses duplos? Ou simples McGuffins?

Dos regulares, com grande destaque para todos os Joões seguidos de mais
dois nomes (presumo que seja uma tramóia maçónica) – João Miguel Tavares,
João Miguel Lameiras, João Ramalho Santos e João Paulo Cotrim, o que
pautava as suas escritas mantém-se. Os critérios de visibilidade,
disponibilidade e imediatez no mercado operam sobre as obras escolhidas,
mas são estas as pessoas que melhor escrevem nas publicações regulares do
país. João Miguel Tavares é algo desigual na sua escrita e considerações, mas
tem uma produção assombrosa a louvar. Permita-me que chame a atenção
para o facto de que a bd não é um género, mas sim um modo, o qual
compreende vários géneros em si. Presumo ser fácil renovar a caixa no fim de
cada artigo. João Miguel Lameiras é uma pessoa, como sempre, bem
informada e esclarecedora, perguntando-me apenas se não se perde essa
informação toda no jornal em que escreve e o seu fascínio por obras que, não
obstante estarem disponíveis nova e mais facilmente em Portugal, pouca
novidade trazem. João Paulo Cotrim continua a ter o dom da palavra, mas é
2003 DOSSIÊ 035|259

uma escrita mais impressionista que analista. Dada a sua personalidade e


dedicação pessoal, sobejamente conhecida, dedica uma atenção muito
especial (presumo que a palavra ideal seria “carinho”, e não estou a zombar)
para o que é publicado por portugueses, sem se prender em demasia com o
que de mais mediático sai. João Ramalho Santos, talvez por poder escrever
em duas publicações que prezam um outro nível de leitura, e tem cedido um
espaço na folha considerável, é imperioso que nos ofereça considerações bem
mais pertinentes das bds.

Afora estes recenseadores, Carlos Pessoa parece ter-se reduzido este ano às
notas que vão saindo no Público que acompanham a edição do Tintim, pelo
que não há muito a dizer; Pedro Cleto, que infelizmente tem muito pouco
espaço, parece fazer a maioria das suas escolhas de temas num site
francófono e simplesmente traduzir as notícias de que vai sabendo…
Que não dos regulares, alguns dos artigos pecam por variadíssimas razões:
alguns são fracamente mal escritos, com um português desassociado das
regras elementares da sintaxe, ou chãos. Mais grave em termos informativos é
não procurarem garantir que os dados sejam verdadeiros e exactos, chegando-
se a falar de Marcos Farrajota como director da Bedeteca, e da BD Fórum
como orientada para “o ensaio e a vanguarda”!

Há surpresas, ainda que dúbias, por vezes. José Mário Silva deu alguma
atenção ao livro recentemente editado em Portugal Fantomas contra os
vampiros multinacionais, criado sobre um texto de Julio Cortázar. Mas
infelizmente deixa o facto deste ser um volume de bd (híbrido) praticamente
desapercebido.

Quanto à publicação Juve BD, que segundo o design parece um panfleto das
promoções de um supermercado, se fosse dirigido “à pequenada”, aceitar-se-
ia, e mesmo assim... Como algo feito por adultos cultores de um tipo de leitura,
informados ou não – e não discuto o aspecto comercial, de que já falei – é de
uma reflexão inexistente, se não mesmo anedótica.
2003 DOSSIÊ 036|259

Uma vez que há um certo culto do autor instaurado, uma mitificação dos
desenhadores ou escritores, elevados a “génios”, é quase como se esses seres
humanos não tivessem momentos de maior ou menos felicidade nas criações,
como se as suas obras fossem sempre um crescendo, o que não é verdade em
praticamente nenhum autor. Os novos trabalhos de autores como José Carlos
Fernandes, Arlindo Fagundes, Nuno Artur Silva e António Jorge Gonçalves,
Diniz Conefrey, Luís Louro, são vistos como objectos de comemoração, e não
se pensa mais sobre a importância desses trabalhos perante um panorama que
não apenas o nacional, o que esbate em muito o valor dessas obras.

Gostava de facto de ver mais espaços para discussões mais profundas.


Questões de estrutura, de fundo, questões verdadeiramente pertinentes
perante as políticas comerciais, perante as escolhas editoriais, perante as
aventuras estéticas que se passam no nosso país. Apenas como exemplo, três
questões que não vi feitas:

1. na edição de Os sobrinhos do Capitão da Gradiva, porque é que começam


com as tiras de Joe Musial, e não através de um critério histórico? Se houve
algum impedimento, qual? E ao invés de ser a tira a adaptar-se ao formato do
livro (as imagens estão esticadas num eixo vertical), porque não foi o livro a ser
pensado em função da arte original? Perguntas que poderiam ser feitas à
editora, quando se faz uma recensão.

2. ao falarem de Nós Somos os Mouros, editado pela Assírio & Alvim, não vi
uma só referência à edição original da revista Le Cheval sans Tête, Nous
Sommes Les Maures, da editora Amok, de 1998. Menção que nem a edição da
A&A tem, sem prefácio, explicação, comentário, nota. Ambas as edições têm
diferenças significativas, sobretudo de cortes, apesar da portuguesa
acrescentar dois textos de Jõao Paulo Cotrim e Hernández Cava, e uma bd de
JPC e Daniel Lima. Mas porque em nada se falou?

3. o Festival da Amadora foi dedicado ao tema da Mulher, tendo sido


convidadas algumas das autoras fundamentais para um repensar da bd no
feminino, especialmente nos últimos 20 anos, dos EUA. Muito bem, mas será
2003 DOSSIÊ 037|259

que ninguém se perguntou o que é que o Amadora Cartoon, um festival afecto


a determinadas editoras, festival no qual é visível a ausência de uma política
coesa e reflexiva sobre a bd, tem a ver com essa cena alternativa? E num tema
já sobejamente discutido noutras plataformas e em datas passadas, qual a
pertinência de fazer um festival dedicado à Mulher, na qual estão lado a lado
prestações de artistas com objectivos políticos e artísticos e uma exposição de
personagens femininas como objecto de desejo? Mônica e Mafalda podem ser
duas heroínas de banda desenhada sul-americana, mas termina aí qualquer
coincidência, entre um autor de revistas de intuito comercial e infantil e um
outro de uma insistência política marcada.

Volto a repetir. O que nós temos que passa por “crítica” está associado
sobretudo à resenha jornalística, atenta ao mercado. E infelizmente, no
panorama das publicações culturais em Portugal pouca ou nenhuma atenção
dá a esta arte. A Magazine Artes publica artigos de JPC, mas as outras revistas
de temas culturais não olham nesta direcção. Noutros países, nem sempre é
assim. A Beaux Arts dedicou em 2003 dois números hors-série à bd. Apesar
desta não ser das revistas mais sofisticadas sobre artes em França, e alguma
das informações contidas nestes números ser “requentada”, as bds inéditas e
as pequenas biografias não são de desprezar de todo. Mais longe, na Coreia
do Sul, a Wolganmisool, revista sobre a cena das artes visuais do burgo, no
seguimento da exposição La Dynamique de la BD Coréenne no 30º Festival de
Angoulême, publicou 5 artigos relativos ao tema “Art & Comics”.

Na ausência de publicações como 9eArt (do Centre National de la Bande


Dessinée et de L’Image), The Comics Journal, entre muitos outros títulos, com
o infeliz desaparecimento da Nemo, só a Quadrado e, mais recentemente, a
Satélite Internacional, parecem prestar-se a um maior fôlego para uma
verdadeira crítica, contribuindo para o desenvolvimento de uma qualquer linha
de pensamento mais teórico, mais abrangente, atenta aos trâmites e métodos
do modo da bd e alternativa a uma visão somente de mercado. É mais que
provável que não tenham chegado ao ponto certo, nem que alguma vez venha
agradar a Gregos e Troianos. Eu próprio fui cultor de pequenos recados sobre
a bd, durante algum tempo, na revista Flirt, mas na Quadrado é nesse sentido
2003 DOSSIÊ 038|259

de análise que tento avançar, mal ou bem. Julgo que se referiram ao meu texto
sobre O Diário de K., de Filipe Abranches, como “excesso académico”, mas
ninguém me apresentou questões de fundo, estrutural ou até de pertinência.
Gostaria de ver surgir discussões entre quem pensa a bd. Para que eu possa
aprender, sobretudo, em como o fazer. Este espaço é único, mas não é bom
que o seja.

O acto da leitura crítica é legítimo, sobretudo tendo em conta o que diz Manuel
Frias Martins sobre a crítica como “projecto de recuperação mimética de
eventuais paradigmas que circunscreveram a produção de um texto” (itál. orig.;
ver. cap. II de Matéria Negra. Cosmos: 1993). Existem muitas categorias,
escolas, e posições às quais a análise se poderá relacionar: a obra na sua
genealogia, a sua relação ao cânone, os temas étnicos, sexuais, políticos e
ideológicos, as categorias da retórica (e as especificidades deste modo) a que
obedece e desobedece, aspectos psicológicos, sociológicos, de diálogo fora do
seu campo de acção, de comentário perante um interlocutor imediato ou menos
imediato, seguir a teoria da recepção ou integrá-la numa rede de influências,
aferroada sobretudo na trilogia de Harold Bloom sobre a teoria do revisionismo,
etc. São poucos os que o fazem, para além de chamar a atenção para o que
está disponível nos escaparates. Não é preciso mais atenção ao que se vai
publicando num círculo mais vasto – pois quem escreve sabe-o – mas é
preciso que o coloquem à disposição dos leitores, e integrem o que falem
nesse esquema mais vasto. Não sou apologista do fanzine per se – apenas se
a qualidade e metodologia do mesmo importa – mas é preciso falar mais da
produção nacional, de outros objectos editoriais mais híbridos, menos
concretos, debruçarem-se mesmo sobre bds curtas que surgem pelas
publicações. Parece existir algum tipo de cegueira, de adversidade
generalizada a este tipo de produção.
Aparte Domingos Isabelinho (que viu publicado no final de 2002 no The Comics
Journal um belíssimo artigo sobre o último livro de Baudoin), é raro ver alguém
fazer comentários e leituras que respeitem a recuperação mimética que
mencionei Muitos assustam-se com o que se diz, mas o que é dito é pensado.
E falar de Gardfield? Não me lixem!
2003 DOSSIÊ 039|259

Agradecimentos a Marcos Farrajota, José Freitas, Paulo Mendes, Pedro


Sabino, Pedro Silva, e Livros Dom Quixote (Rita Cruz).

Edição
João Miguel Tavares

No final de 2002, terminei da seguinte forma a avaliação do ano editorial que


me foi pedida pela Bedeteca: «O próximo ano vai com certeza ser de recessão.
Donde, é aproveitar o tempo de vacas gordas, porque não se voltará a editar
tanto e com tanta qualidade tão depressa.» Pois é, caro leitor: sou um
incompetente e um futurista falhado. A previsão revelou-se erradíssima. Em
2003 ainda se editaram mais livros, e muitos deles de excelente qualidade. Por
outras palavras, a vaca continua gorda. Mas, teimoso como sou, posso pelo
menos invocar este argumento a meu favor: mantenho a certeza de que, ou a
vaca emagrece, ou morrerá de obesidade.
O que é que isto quer dizer? É simples: o mercado editorial português de
banda desenhada continua a crescer muito acima das suas possibilidades.
Estão-se a editar muitíssimos livros para ocupar espaço em loja, mas para os
quais não existe verdadeiramente um público, e a situação afigura-se
impossível de sustentar durante muito mais tempo. É possível que a
proliferação de editoras e a variedade da oferta tenha sido capaz de alargar o
público que consome BD – também em França 2003 foi um ano de recordes na
publicação e na compra de banda desenhada –, mas jamais o terá alargado ao
ponto de ele ser capaz de absorver todos os álbuns que semanalmente são
lançados para as livrarias.

Em 2002 realizei um pequeno estudo para o Diário de Notícias onde concluía


que o mercado crescera cerca de 50 por cento só no espaço de um ano e que
tinham chegado às lojas meio milhão de exemplares de livros de BD. Ao
mesmo tempo, quer na Fnac quer no Continente, o público continuava a
consumir sensivelmente a mesma BD que no ano anterior. Não repeti esse
estudo em 2003, mas, seguindo os números coligidos por Daniel Maia num
2003 DOSSIÊ 040|259

artigo elaborado para a Centralcomics (www.centralcomics.com), terão sido


editados no ano que terminou cerca de 450 títulos. Ainda que só dois terços
deste número seja referente a álbuns (o restante são revistas), o valor não
deixa de ser impressionante (mais 50 por cento do que em 2002) e revelador
daquilo a que se costuma chamar uma «fuga para a frente». Ou seja, num
tempo altamente competitivo, a maior parte das editoras quer marcar posição e
continua a lançar álbuns a um ritmo muito superior ao que seria aconselhável.

Em termos individuais, o grande destaque para o ano em volume de edição vai


para a Asa, aparentemente decidida a ocupar o lugar de gigante da BD deixado
vago após a crise da Meribérica. A Asa, apoiada numa grande estrutura
editorial, conseguiu algumas vitórias ao conquistar os direitos de autor das
obras de Milo Manara, Enrico Marini e, sobretudo, de Lucky Luke. Para marcar
o território nas grandes superfícies, lançou em 2003 mais de um título por
semana, mas uma percentagem significativa do seu catálogo é de interesse no
mínimo duvidoso, mesmo em termos estritamente comerciais. Tendo em conta
que a sua última aventura no domínio da BD foi um enorme fracasso, resta
saber se a casa do Porto não está de novo a revelar-se, neste campo,
excessivamente ambiciosa. 2004 irá ajudar a esclarecer estas dúvidas.
Quanto à Meribérica, e ao contrário do que muitos esperavam, está lentamente
a levantar a cabeça. Este ano triplicou as novidades relativamente a 2002, com
volumes inéditos de séries como Blake & Mortimer, Tenente Blueberry, Corto
Maltese, Akira ou XIII. O seu catálogo está bem mais curto, mas continua a ser
o mais apetecível de todo o mercado português. Os lançamentos são menos
do que nos tempos áureos, mas mais criteriosos – e importa recordar que
quem tem Astérix tem (quase) tudo.

Da Devir nunca há muito a dizer, porque mantém a regularidade de um


pêndulo. É praticamente um monopólio na sua principal área de intervenção
(os comics americanos), e nesse campo trabalha indiscutivelmente bem. Para
além das revistas que são o seu ganha-pão, voltou a publicar obras essenciais
de nomes tão importantes quanto Frank Miller, Alan Moore ou Mike Mignola.
2003 DOSSIÊ 041|259

A Vitamina BD continua também a trilhar o seu próprio caminho, sem se


entusiasmar excessivamente com o ambiente que a rodeia. Lançou 15
novidades em 2001, 19 em 2002, 21 em 2003. O seu plano inicial para este
ano era mais ambicioso, mas Pedro Silva sabe fazer contas, e, nos tempos que
correm, essa é a melhor garantia para sobreviver no mercado de BD.

Uma palavra especial em relação à Witloof, que apostou forte em 2003 e


merece ser recompensada. A editora de Fanny Denayer é, actualmente, a que
possui o melhor catálogo de BD franco-belga, em termos qualitativos. Este ano
editou Tardi, Schuiten e Peeters, Cosey, Smudja, Yslaire, Sfar e Guibert. Não
faço ideia se a aposta na qualidade compensou, mas gostava de acreditar que
sim.

Deixei para o fim, entre as principais editoras de BD, a Polvo e a Booktree,


porque são das raras que não publicaram mais livros do que em 2002. A
primeira diminuiu o número de títulos lançados pelo terceiro ano consecutivo
mas, ainda assim, continuou a apostar nos álbuns a cores, e lançou os
fundamentais Persépolis, de Marjane Satrapi, e A Vida numa Colher, de Miguel
Rocha. A segunda pode bem vir a ser a primeira grande baixa na corrida
desenfreada pelo domínio do mercado de banda desenhada nacional. Não só
editou metade dos livros de 2002, ano em que competiu directamente com a
Asa, como praticamente desapareceu das lojas na segunda metade do ano,
altura em que o ritmo de edição costuma ser mais intenso.

Uma referência também ao mundo das tiras, que continua activo e


diversificado, com várias editoras sem tradição na área da BD a lançarem-se
nesse campo, embora não com o entusiasmo demonstrado pela Gradiva há um
par de anos.

À margem das editoras propriamente ditas, 2003 ficou sem dúvida marcado
pela aposta na BD de dois jornais de grande tiragem. O Público está a editar a
obra completa de Tintim e o Correio da Manhã tem vindo a distribuir aos
domingos uma miscelânea de títulos que abarcam múltiplos autores e múltiplos
estilos. Ambos os projectos parecem estar a ser bem sucedidos, o que
2003 DOSSIÊ 042|259

demonstra que a BD continua a ser uma arte capaz de apelar a uma larga fatia
de público.

Em jeito de conclusão, devo afirmar que o próximo ano vai com certeza ser de
recessão. Donde, é aproveitar o tempo de vacas gordas, porque não se voltará
a editar tanto e com tanta qualidade tão depressa.

Autores
Paulo Patrício

Durante uma entrevista, e respondendo a uma pergunta de rotina, James


Joyce disse que para se ser escritor é preciso aguentar com tudo. Mesmo a
fechar este ano passei a acreditar nisso, quando um crítico me disse que só
existiam dois, vá lá, no máximo, três autores de banda desenhada em Portugal.
Sem tirar os olhos do café que estava a chegar à mesa, ele explicou-me que só
o x, y e z são autores, porque recebem à página e se esforçam para lançar
livros em festivais. Azar nítido, percebi logo ali que eu não era autor, nem eu,
nem quem publica em fanzines [duvidosos, sublinhou] ou revistas
especializadas [com boa aparência, chamou à atenção, mas de pouca
visibilidade]. Sem saber muito bem o que dizer, perguntei-lhe quantos críticos
de banda desenhada existiam em Portugal, e ele, sem se engasgar com o café,
respondeu-me que há o a, o b, o c, o d, o e e o f. Sem dar muita importância ao
facto dos autores terem ficado com as últimas letras do alfabeto e os críticos
com as primeiras, comentei que dos críticos a, b, c e d só o a e o b escreviam
críticas com regularidade e eram pagos para isso. Mais, que o c, o d e o f eram
considerados críticos, apesar de terem mais capacidades para a escrita criativa
do que para outra coisa qualquer. Mais ainda, onde é que se podia encaixar no
meio disto tudo o e, aquele que se limita a fazer recensões. Não conseguia
perceber isso, nem como é que existiam tantos autores-que-afinal-não-eram-
nada-autores, mas que o a, o b e d, só para citar alguns, eram críticos-sim-
senhor-e-sem-sombra-para-dúvidas. Ou seja, como é que se podem eliminar
2003 DOSSIÊ 043|259

autores e poupar críticos, assim, sem mais nem menos. Quem tem de provar
alguma coisa são os autores, foi a estranha, curta e grossa resposta que eu
ouvi do crítico, isto como se os autores não pudessem exigir nada dos críticos,
nem sequer um português bem escrito. Sem se dar ao trabalho de me dar mais
explicações, levantou-se, pediu-me dinheiro para o café e foi-se embora sem
se despedir. Angustiado de morte, limitei-me a pensar que Joyce tinha razão.

Festivais
João Miguel Lameiras

Num ano em que o Salão do Porto faltou à chamada e o Salão Lisboa


confirmou as evidentes dificuldades em atrair o grande público, a maior
novidade foi o BD Fórum, um certame marcadamente comercial, de duração
mais limitada, à imagem das “Comics Conventions” americanas.

Ao contrário do que acontece na maioria dos países, onde os Festivais de BD


costumam ter uma duração média de 3 a 4 dias (apanhando um fim de
semana), em Portugal a regra dominante consistia nos 15 dias a 3 semanas,
com a animação concentrada no fins de semana, deixando os dias da semana
por conta das excursões das escolas. Por isso, a opção por iniciativas de
menor duração (limitadas a 3 dias, como é norma por todo o lado, de
Angoulême a San Diego) e mais viradas para a parte comercial, foi a principal
novidade de 2003.

E, ao contrário do que é habitual, a época forte dos Festivais este ano


transferiu-se de Outubro para Maio, pois foi nesse período que decorreram o
BD Fórum (de 1 a 4 de Maio, no Fórum Picoas, o Salão de Banda Desenhada
da Exponor (de 15 a 18 de Maio, em Matosinhos) e o Salão Lisboa, que
ocupou o Pavilhão de Portugal no Parque das Nações, durante mais de um
mês, entre 15 de Maio e 22 de Junho.
2003 DOSSIÊ 044|259

Contando com a presença de Neil Gaiman como grande foco de atracção, O


BD Fórum foi suficientemente bem sucedido para que a Devir, Vitamina BD e
Sodilivros tenham decidido continuar com a aposta em 2004. Do mesmo modo,
também a Publimeeting e as Edições Asa vão apostar numa 2ª edição do
Salão da Exponor, iniciativa que apostou numa fórmula intermédia (3 dias de
duração, mas com exposições) que poderá tentar ocupar o espaço deixado
vago pelo Salão Internacional de BD do Porto, como a presença de Pedro
Cleto (da ASIBDP) na organização da edição de 2004 parece querer indiciar.

Quanto ao Salão Lisboa, a qualidade das exposições, com destaque para os


magníficos originais de Diniz Connefrey e Miguel Rocha, não teve o devido
reconhecimento por parte do público, talvez afastado pela escolha da
Alemanha (um país praticamente desconhecido do grande público em termos
de BD) como país convidado, tanto mais que Ralf Konig, o autor alemão de
maior projecção internacional, acabou por não vir a Lisboa.

Em relação ao Festival da Amadora, esta 14ª edição foi marcada pela ausência
de uma série de autores anunciados, não compensadas pelas presenças
surpresa dos argentinos Carlos Trillo e Eduardo Risso. Em termos de
exposições, uma evidente melhor gestão cenográfica do espaço ingrato da
Escola Intercultural, não escondeu a falta de critério da exposição principal,
dedicada às “Mulheres na BD”. De qualquer modo, nem o público nem os
editores faltaram ao encontro e, para o ano, com o Festival a atingir a sua 15ª
edição, é natural que o Festival aposte mais forte em termos de autores e
exposições.

Mas, para 2004, a grande dúvida será ver como evoluem o BD Fórum e o
Salão de BD daExponor e até que ponto essa evolução irá ou não influenciar
os Festivais da “velha guarda”.
2003 DOSSIÊ 045|259

Fanzines
Marcos Farrajota

Foi o ano de ruptura total das características verificadas noutros anos: os


fanzines com periodicidade perderam-na (excepto o novo Espiral), relações
com a Multimédia não foram mais exploradas e não houve quase nenhuma
internacionalização (com a excepção da grande participação no zine suíço Milk
& Wodka #IIII).

O cenário de pobreza e falta de energia só se explica com a ausência de uma


nova geração de autores que a bd (no geral) nos últimos 3 anos não tem
conseguido parir. Se olharmos para os autores de zines que foram envolvidos
em projectos profissionais só temos o José da Fonseca a ser publicado no Lx
Comics #14, e mesmo assim, é da geração d’A vaca que veio do espaço, um
colectivo dos anos 80!

Haverá só uma crise geracional? Também, e uma económica que deve explicar
a ausência de mais zines. Mesmo para um tipo de produção barata como a dos
zines exige algum tempo e dedicação. Nestes tempos stressados que vivemos
percebe-se que há pouco “tempo-é-dinheiro” para os zines.

Ainda assim continuaram: Durty Kat (da Ana Ribeiro), Terminal (com 4
números de uma só vez), Saboniz (dedicado a ilustração e design por Nuno
Valério), o velho Shock (com o Tornado do Estrompa a comemorar 10 anos),
Carneiro Mal Morto, Porca Frita e Notibó (ambos das Caldas da Rainha), o
eterno extravagante Succedâneo (de João Bragança), Zundap (zine de cultura
Pop e com morte anunciada para 2004), Sub (de Pitchu!) e O Papel do Monstro
(de estudantes da FBAUL). E dos que continuaram o que teve mais impacto foi
o Ups! (da Guarda) que foi acompanhado por uma exposição e que recrutou
ainda os talentos de Rafael Gouveia, Filipe Abranches e André Lemos.

Novos títulos: O/velha Negra (da Madeira), Espiral (de Noé Touraldo), A Carne
(de Ana Ribeiro e Miguel Tavares) e Jungle Juice (de Rute Santiago e Pitchu!).
2003 DOSSIÊ 046|259

Não houve o Na verdade tenho 60 anos mas Joana Figueiredo editou os novos
mini-zines Menina Jesusa e Chicken Bloody Rice, ambos de ilustração e o
último com restos (falsos) de arroz de cabidela que ainda assim fez um cromo
da bd vomitar!

Feiras pelo país inteiro: Caldas da Rainha, S.Romão, Cacilhas (devia ser o ano
da Feira de Fanzines de Almada mas tal não aconteceu infelizmente), Cascais,
Lisboa (Salão Lisboa, Estufa Fria, ZDB Tercenas), a maior parte delas
organizadas pelo colectivo Crime Creme ou pela Associação Chili Com Carne.
Houve uma exposição de fanzines em Viseu intitulada Cidade Desconhecida e
ainda participação de alguns títulos em eventos como o Mercado Negro (Porto)
e Mundo Mix (Lisboa). A maior feira dedicada às edições alternativas foi
Fantasias de Natal (no Cais do Sodré), organizada por um grupo entre os quais
incluía o zine Succedâneo e Associação Chili Com Carne.

Foi também um ano parado em edições independentes. Começou bem, logo


em Janeiro com “A última grande sala de cinema” de David Soares mas ficou
por aí! Ainda houve dois novos números do prozine Satélite internacional do
colectivo Alíngua e o novo prozine CanibalCriCa Ilustrada (Mesinha de
Cabeceira disfarçado!) da Associação Chili Com Carne.

Frente a esta miséria medieval, o que dá para concluir é que os projectos que
mais se destacaram em 2003 foram os que resultaram de esforços conjuntos –
de colectivos. Num ano em que no Salão Lisboa esteve presente o associação
eslovena Stripcore – que levou a desconhecida bd eslovena à
internacionalização, num país com menos condições do que o nosso! – não se
pode dizer não há bons exemplos para conhecer e copiar. Não é à toa que
destaco “Puro Capricho”, uma estranha brochura do colectivo In Útil que saiu
durante uma exposição de artes plásticas na Galeria Parthenon. Trata-se de
uma fotonovela realizada e produzida pelo colectivo e paginada por Miguel
Rocha. A atmosfera da fotonovela lembra ingenuamente as bd’s de M.A. Martin
pelo “gore” cirúrgico e é o caso mais feliz em volta da bd e edição
independente para 2003. O irónico disto é que este trabalho cheio de frescura
resulta de esforços conjuntos de pessoas à margem da bd e da edição - se
2003 DOSSIÊ 047|259

exceptuarmos o Miguel Rocha que era um convidado do colectivo. A união faz


a força? Sem dúvida...

Investigação
Adalberto Barreto

Pediram-me, na qualidade de documentalista, para efectuar um balanço sobre


a investigação em banda desenhada realizada no ano de 2003. Confesso que
a primeira dúvida que me assaltou foi saber o que se entende por investigação.
Dúvida essa que tem uma razão de ser e que consiste em determinar com
precisão o que deve ser incluído e o que não deve ser incluído neste texto (o
que não é fácil!). Assim, se não delimitar com rigor o conceito ou se o
interpretar de uma forma ampla (investigação latu sensu é uma «averiguação
sobre qualquer coisa» ) corro o risco de ter de escrever sobre tudo o que se
escreveu.

Na verdade tinha uma vaga ideia de que o conceito tem sentidos diferentes
consoante a disciplina e que dentro das diferentes disciplinas também pode ter
sentidos e alcances distintos consoante as escolas ou doutrinas. De qualquer
modo, sabendo de antemão que não iria entrar em campos ocultos como a
investigação da paternidade, criminal, paranormal, militar, matemática ou
darwiniana, quedo-me, assim, pela tradicional investigação em Ciências
Sociais e dentro desta, não vou entrar em campos como a economia ou o
direito, pelo que me fico na INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA (com recurso à
tradicional pesquisa documental em fontes publicadas há mais de 25 anos) e
pela INVESTIGAÇÃO SOCIOLÓGICA (com recurso aos métodos estatísticos,
às entrevistas e aos inquéritos).

Também é tradicional escrever-se nestas linhas sobre a investigação


universitária ou formativa. No que diz respeito a trabalhos académicos não
temos notícia da entrada de qualquer tese de mestrado ou doutoramento quer
nos centros de documentação especializados (Biblioteca da Bedeteca e
2003 DOSSIÊ 048|259

Biblioteca do CNBDI), quer nas bibliotecas das principais universidades


portuguesas. Sobre acções de formação finalizadas ou ocorridas no ano em
que se processa o balanço temos pelo menos conhecimento de duas acções
de vulto promovidas pelo IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas)
em parceria com a Bedeteca (História da BD : contributos para a selecção
documental nas bibliotecas e A História e a Literatura na banda desenhada).
De qualquer modo a documentação referente a estas acções ainda não foi
disponibilizada.

Para finalizar esta espécie de introdução resta-me referir que só irei escrever
sobre os trabalhos de investigação que chegaram ao público em suporte de
papel ou digital. Ou seja só me vou referir àqueles trabalhos que foram
publicados em livros, revistas ou na Internet. Isto para deixar bem claro que
todos os eventos ou exposições que tiveram lugar no ano de 2003 e que
obrigaram os responsáveis ou comissários a um inquestionável trabalho de
investigação mas que não estão documentados de uma forma acessível não
serão aqui referenciados.

Outras áreas afins como o Cartoon e o Cinema de Animação em que houve um


notável trabalho de investigação (face ao panorama actual) desenvolvido pela
Câmara Municipal da Amadora e pelo CNBDI, também não serão aqui
abordadas.

A todos aqueles que virem omitidos neste texto os seus trabalhos, peço desde
já desculpas antecipadas.

Vamos então ao trabalho:

A PESQUISA HISTÓRICA

AMADORA 2003 : INVESTIGAÇÃO NO FEMININO


O primeiro artigo onde podemos encontrar alguma investigação e informação
histórica no Catálogo do Festival é, sem dúvida, “O crepúsculo dos machos” de
Vítor Quelhas (pags. 34 – 37) que desenvolve um texto muito interessante do
2003 DOSSIÊ 049|259

ponto de vista sociológico sobre a evolução do papel da mulher enquanto


personagem na história da banda desenhada (fazendo as devidas distinções
na BD nos dois lados do atlântico) confrontando com a própria evolução social
(designadamente nos anos 30, durante a 2ª guerra mundial, no pós guerra,
anos 60 até à actualidade) por um lado, e com a natureza eminentemente
masculina da produção da banda desenhada.

Também Nuno Franco, habitual colaborador do jornal “Público”, escreveu para


o referido catálogo um texto (“O lugar da mulher na BD é um direito adquirido”,
págs. 42-43) que teve por base uma inegável investigação documental (vide
bibliografia) em que o autor faz um périplo pelo papel da personagem feminina
na história da BD (sobretudo europeia). Digna de registo é a opinião do Nuno
Franco, segundo o qual “a revolução sexual [anos 60] não conseguiu libertar a
mulher” no universo da BD, bastando para tal verificar que desde a eclosão de
Barbarella (1962) até aos nossos dias com publicações como a Kiss Comics ou
o trabalho de Milo Manara, continuamos a ver maioritariamente a mulher na BD
retractada como mero objecto de desejo.

Análise idêntica, mas mais orientada para a história da BD norte americana, é o


artigo de Domingos Isabelinho que numa análise resumida nos consegue
transmitir muita informação sobre a imagem da mulher na BD norte americana
desde o início do século até aos nossos dias, conciliando essa análise com o
trabalho das autoras norte-americanas oriundas da escola underground (em
primeiro lugar) e do meio alternativo e independente (depois), no sentido de
condenar o sexismo e a misogenia como tema central da BD feita por homens
(incluindo o trabalho dos autores underground – vide as mulheres de Crumb).

Trabalho notável (impressionante pela exaustão) é o artigo de Leonardo de Sá


sobre “A presença da mulher na BD portuguesa” (págs. 52 – 65) em que o
autor faz um percurso muito completo sobre as autoras portuguesas e a
bibliografia feminina desde o início do século até à actualidade. Contudo, as
características puramente descritivas, bibliográficas e biográficas do texto (não
existe qualquer análise de conteúdo, nem sequer é abordada a imagem da
mulher na BD portuguesa ao longo dos diferentes enquadramentos políticos e
2003 DOSSIÊ 050|259

sociais da nossa história contemporânea) tornam a leitura destas 14 páginas


bastante aborrecida. Sugerimos então a organização de um texto deste tipo em
forma de dicionário ou guia cronológico.

Na mesma linha de Domingos Isabelinho surge-nos o belíssimo artigo de Paul


Candler (pág.s 76 e 77 do Catálogo), comissário da exposição “Mulheres na
BD norte americana”, que realça o papel do movimento underground no sentido
de dar voz às mulheres na BD dos Estados Unidos e o desempenho pioneiro
de Trina Robbins que denunciou o sexismo e a misogenia reinantes.

Dentro do espírito da pesquisa histórica temos ainda o texto de Pedro Mota


(“Meninas traquinas na BD sul americana”, págs. 84-85) dedicado à turma da
Mônica e ao universo da Mafalda. Para além de encontrarmos neste artigo
alguma informação útil sobre o nascimento das séries (ambas em 1963), é de
registar a opinião do autor de que as personagens marcam também uma nova
postura feminista na BD sul-americana. A Mônica é forte, líder, decidida e não
deixa de ter uma sensibilidade feminina. A Mafalda é idealista, contestatária e
só não é independente por ser ainda criança.

Vindo do Brasil e de uma mulher podemos encontrar também no catálogo da


Amadora um artigo interessante da autoria de Sonia Luyten sobre a imagem da
mulher ao longo da história da BD brasileira e sobre as mulheres que fizeram a
história da BD brasileira (págs.
92 – 93)

Ainda no âmbito do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora


decorreu na Casa Museu Roque Gameiro uma exposição de homenagem a
Maria Antónia Roque Gameiro e Maria Alice Andrade Santos duas autoras de
banda desenhada cujos trabalhos foram publicados em revistas infantis
femininas como a Lusitas e a Fagulha (publicações dos anos 40/50 ligadas aos
ideais do Estado Novo). De qualquer modo, para além dum pequeno texto
dedicado a esta exposição no catálogo do festival (p. 96) todo o trabalho de
investigação realizado pelo comissário (Leonardo de Sá) ficou por documentar,
2003 DOSSIÊ 051|259

ou apenas por publicar, embora muito houvesse a dizer sobre a imagem da


mulher na BD portuguesa em pleno estado novo.

José Garcês, outro nome de destaque na História da banda desenhada


portuguesa (que iniciou a sua actividade em 1946 n’ “O Mosquito”) teve
também um lugar de honra no Festival da Amadora. Contudo, a sua exposição
versava sobre seus trabalhos mais recentes, utilizando a BD como instrumento
de acção pedagógica e de divulgação da História local e municipal, pelo que
não deve ser incluída neste lote.

BEDETECA 2003
O grande laboratório de investigação em Portugal (o seu catálogo conta com
mais de 20 monografias referentes a grandes nomes e momentos da história
da BD portuguesa e internacional), viu reduzida significativamente desde 2002
a sua actividade nesta área, a ponto de podermos referir que no ano de 2003
muito pouco se produziu no âmbito da investigação histórica.

Em primeiro lugar todo o extenso trabalho de investigação realizado pelo


comissários João Paulo Cotrim e Paulo Patrício relativos a exposição “Coisas
do outro mundo : as bandas desenhadas de Júlio Resende” (que decorreu na
Bedeteca entre 23 de Janeiro e 13 de Abril e que já tinha estado patente em
2001 no saudoso Salão do Porto) ficou por publicar.

Por outro lado, o Salão Lisboa, que teve como país convidado a Alemanha e
como tema “As fronteiras” acolheu sobretudo exposições de autores
contemporâneos. As duas exposições (também integradas no Salão) que
decorreram nas instalações da Bedeteca “A navalha de pitanga” e “Check in”
são exposições de âmbito contemporâneo (embora a Pitanga tenha sido
publicado pela primeira vez em 1985 com La chavalita), pelo que não vale a
pena aqui desenvolver.

De qualquer modo temos pelo menos o catálogo do Salão com:


2003 DOSSIÊ 052|259

Um bom artigo (pequeno mas com muita informação) da autoria de Pedro Cleto
sobre a guerra na banda desenhada (“Conflitos em banda desenhada: breve
abordagem”, págs. 9 – 15) e sobre a forma de como o tema foi visto e
retractado ao longo do tempo. É um texto a ter em atenção que surpreende o
leitor por incluir muito mais do que se esperava uma vez que não se limitou à
guerra tradicional (ou convencional registada no século XX), indo buscar
também exemplos de conflitos ligados ao western, à ficção científica à BD
histórica, à BD reportagem e biográfica.

Também Igor Prassel no seu artigo sobre a banda desenhada eslovena, dedica
as primeiras páginas à história da banda desenhada no seu país (págs. 121 –
135), pelo que nos merece também uma especial atenção, sobretudo ao saber
que as primeiras BDs nascidas na imprensa eslovena no início do século
(então sob o domínio do império austro-húngaro) se chamavam “anedotas em
movimento”.

Mais de dissertação do que investigação histórica temos um texto muito


interessante e com algum humor não intencional (eu , pelo menos, diverti-me
quando soube que Hitler e Goebbels gostavam de ver desenhos animados) de
Christian Gasser, que procura explicar através de um enquadramento histórico
as razões pelas quais não existe uma cultura alemã de banda desenhada,
como existe em França, na Bélgica, na Espanha ou na Itália.

NA INICIATIVA PRIVADA
Fora do contexto institucional público da Bedeteca e da Câmara da Amadora
temos de ter em atenção pelo menos uma iniciativa editorial em 2003 no
âmbito da investigação histórica. Trata-se de “As aventuras de Hergé” de
Fromental, Boucquet e Stanislas publicadas pela Mais BD, em que Hergé
(autor e criador de Tintin) se torna uma personagem de banda desenhada. A
inclusão desta obra deve-se ao facto de a narrativa ter sido apoiada e
fundamentada numa investigação documental rigorosa. Trata-se de
investigação histórica (com humor e fantasia) divulgada em banda desenhada.
2003 DOSSIÊ 053|259

Também sobre o universo de Tintin (ou Tintim?) e sobre o seu criador –


entrando um pouco no domínio da investigação que se segue (entrevistas,
inquéritos e dados estatísticos) - foram publicadas no jornal Público ao longo
do ano de 2003 (continuando em 2004) 17 entrevistas de Numa Sadoul a
Hergé sobre as diferentes histórias do Tintim que iam sendo publicadas
juntamente com o jornal. De notar que todas as entrevistas se encontram
disponíveis quer no site do Público, quer no site da Bedeteca.

Outra colecção a sair semanalmente nos quiosques e que merece uma


atenção especial é a “Clássicos da Banda Desenhada” (que sai aos domingos
no “Correio da Manhã”). Desta colecção saíram 14 volumes em 2003 cuja
grande maioria dos textos introdutórios se inserem inquestionavelmente no
domínio da investigação histórica. Na impossibilidade de escrever sobre todos
os textos, sublinhamos apenas aqueles que foram produzidos na totalidade por
especialistas nacionais, nomeadamente no n.º 11 da série referente a “Conan”
e no n.º 13 “A arte de Prado” de Paulo Moreira e João Miguel Lameiras
respectivamente.

O meio alternativo (à cultura dominante imposta pelos mass media / ou contra


cultura) é também muito produtivo em termos de investigação. Neste universo
destacamos um excelente trabalho de Domingos Isabelinho publicado na
revista Satélite Internacional, n.º 2 (“Sa-lo-mon de Chago Armada e o pouco
que dele se sabe” págs. 28 – 32), segundo o qual o estigma infantilizante da
banda desenhada enquanto meio ou forma de expressão artística impede que
os trabalhos em BD de autores ou artistas plásticos ligados às artes
reconhecidas pelo status quo cultural (designadamente a pintura e a literatura)
sejam lembrados e divulgados (sabia que Picasso e Martin Vaughan James
são também autores de banda desenhada?). De qualquer das maneiras a
investigação de Domingos Isabelinho é sobre o caricaturista e poeta cubano
“Chago Armada” e sobre seu desconhecido trabalho de BD à volta da
personagem Salomón, que o autor do artigo compara por diversas vezes ao
“Zé Povinho” de Raphael Bordallo Pinheiro.
2003 DOSSIÊ 054|259

ENTREVISTAS, INQUÉRITOS, DADOS ESTATÍSTICOS


Será certamente impossível escrever aqui sobre todas as entrevistas,
inquéritos ou dados estatísticos a gente ligada à BD (autores, divulgadores,
editores...), aos leitores, às edições... no nosso país, de qualquer modo ficam
aqui alguns registos:

Apesar de não ter sido editado em 2003 qualquer título da colecção de


entrevistas a autores pelo CNBDI, não podemos deixar passar em claro a
entrevista conduzida por Pedro Mota a José Carlos Fernandes no catálogo BD
Amadora 2003 (págs. 10 – 19). A entrevista não traz à luz do dia muito mais
informação biográfica ou bibliográfica sobre o autor, do que aquela que já se
conhece. Fala-se um pouco sobre as influências da música no seu trabalho,
nos seus gostos musicais e hábitos de audição, mas nada de novo. Destaco
contudo o momento em José Carlos Fernandes conta o episódio que levou a
que o seu trabalho fosse editado pela Devir. Se tal não acontecesse teria
sofrido mais um ano de frustração editorial e provavelmente nada seria editado
em Portugal, muito menos no estrangeiro. Hoje, quando sabemos que JCF é
apenas o autor português mais vendido em Portugal e no estrangeiro... Em
Espanha a “Pior banda do mundo” foi considerado o 3º melhor álbum
estrangeiro do ano (a concorrer com franco-belgas e americanos). É obra!...
(pelos vistos também) do acaso...

Também o catálogo do Salão Lisboa 2003 contêm uma extensa entrevista de


João Paulo Cotrim a Arlindo Fagundes (págs. 299 – 309), centrada muito em
torno do personagem Pitanga, não deixa, contudo, de incluir informação
biográfica de inegável interesse, designadamente quando Arlindo Fagundes
nos conta como lhe surgiu a ideia de fazer bandas desenhadas.

Ainda no âmbito da investigação no seio da iniciativa privada, não podemos


deixar de referir duas obras, publicadas pela ASA:

A primeira é a obra dedicada a “Vasco Granja: uma vida: 1000 imagens” uma
justa homenagem a uma das figuras que mais promoveu a banda desenhada
(foi ele que importou para Portugal a expressão “banda desenhada”). Do ponto
2003 DOSSIÊ 055|259

de vista da investigação temos de destacar na obra a curta biografia do


homenageado da autoria de Leonardo de Sá (págs. 7 - 8) e em especial a
entrevista a Vasco Granja conduzida por João Paiva Boléo (págs. 11 - 30). Em
relação à entrevista fica um sentimento de pena que a memória do
homenageado já esteja a fraquejar.

No âmbito da exposição “Coimbra na Banda Desenhada” (inserida na “Coimbra


Capital Nacional da Cultura 2003”), exposição que teve por finalidade
documentar o mais exaustivamente possível todas as passagens de Coimbra
pela banda desenhada (nacional e europeia) surge o catálogo com o mesmo
título “Coimbra na banda desenhada” onde se destaca a entrevista a Étienne
Schréder autor de “O segredo de Coimbra”.

No CIRCUITO INDEPENDENTE
Importa lembrar o trabalho realizado pelo Colectivo A Língua em especial a sua
publicação (a)periódica “Satélite Internacional” que contém quase sempre
textos com uma forte componente de investigação. Na impossibilidade de
escrever individualmente sobre cada um dos trabalhos com estas
características inseridos no número 3 (Maio de 2003) destaco as entrevistas
rotativas de Ana Cortesão a Alice Geirinhas, desta a Isabel Carvalho e da
Isabel Carvalho à Ana Cortesão em que num tom de conversa marcadamente
informal e feminina (quase íntima) se obtém valiosa informação biográfica e
bibliográfica sobre as autoras (Dossier chiclete).

NA INTERNET
Ainda sobre a investigação não podia deixar passar em claro o fantástico
trabalho de Daniel Maia sobre as edições de banda desenhada em Portugal
referentes ao ano de 2003, ano em que se bateram todos os recordes de
edição em Portugal. O levantamento encontra-se disponível no site Central
Comics (“Corrida editorial”) e contabiliza todos os títulos publicados em 2003.
De acordo com este levantamento em 2003 editaram-se 450 novos títulos,
entre álbuns e revistas.
2003 DOSSIÊ 056|259

EM CONCLUSÃO
Podemos referir que em matéria de investigação o número de edições foi
inversamente proporcional ao boom editorial que se verificou. Se analisarmos a
bibliografia infra encontramos apenas 4 monografias que se integram no âmbito
da investigação (sendo que uma delas “As aventuras de Hergé” não pode ser
considerado um trabalho de investigação “tout court”). É manifestamente pouco
face a anos anteriores. As restantes entradas bibliográficas dizem todas
respeito a artigos publicados em monografias. Sobre o facto não vale a pena
especularmos muito. É por todos sabido que as entidades públicas estão
claramente a desinvestir nesta área, sendo que o grosso das publicações de
investigação em BD tiveram entre 1996 e 2001 origem na Bedeteca (durante o
mandato de João Soares). Por outro lado dado o preço elevado deste tipo de
publicações (aliado ao custo das exposições e aos honorários dos comissários)
e dada a escassa procura é natural que as entidades privadas não manifestem
grande interesse neste tipo de investimento. Esperamos pacientemente por
melhores dias.

BIBLIOGRAFIA DA INVESTIGAÇÃO 2003

ARTIGOS E ENTREVISTAS:
CANDLER, Paul – Mulheres na BD norte americana // In: BD Amadora 2003 :
XIV Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. – Amadora :
Câmara Municipal da Amadora ; CNBDI, 2003. pp. 76 – 77.

CLETO, Pedro – Conflitos em banda desenhada : breve abordagem // In: Salão


Lisboa 2003. – Lisboa : Câmara Municipal de Lisboa ; Bedeteca, 2003. – pp. 9
– 15.

FAGUNDES, Arlindo ; COTRIM, João Paulo – Quero afirmar o Pitanga como


um herói de banda desenhada, mais nada // In: Salão Lisboa 2003. – Lisboa :
Câmara Municipal de Lisboa ; Bedeteca, 2003. – pp. 299 – 309.

FERNANDES, José Carlos ; MOTA, Pedro – José Carlos Fernandes : estou


numa situação inédita e privilegiada. - // In: BD Amadora 2003 : XIV Festival
2003 DOSSIÊ 057|259

Internacional de Banda Desenhada da Amadora. – Amadora : Câmara


Municipal da Amadora ; CNBDI, 2003. pp. 10 – 19.

FRANCO, Nuno – O lugar da mulher na BD é um direito adquirido // In: BD


Amadora 2003 : XIV Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora.
– Amadora : Câmara Municipal da Amadora ; CNBDI, 2003. pp. 42 - 43.

GASSER, Christian – Qual a razão da não existência de uma cultura alemã de


bandas desenhadas : 9 (hipó)teses // In: Salão Lisboa 2003. – Lisboa : Câmara
Municipal de Lisboa ; Bedeteca, 2003. – pp. 167 – 171.

GEIRINHAS, Alice ; CARVALHO, Isabel ; CORTESÃO, Ana – Dossier chiclete


// In: Satélite internacional. – N.º 02, Maio de 2003. – Porto: Colectivo A Língua,
2003.

GRANJA, Vasco ; BOLÉO, João Paiva... [et al.] - Conversando com Vasco
Granja // In: Vasco Granja : uma vida... mil imagens. - Porto : Asa, 2003. - pp.
11 - 30.

ISABELINHO, Domingos – Imagens da mulher na banda desenhada norte


americana // In: BD Amadora 2003 : XIV Festival Internacional de Banda
Desenhada da Amadora. – Amadora : Câmara Municipal da Amadora ; CNBDI,
2003. pp. 48 - 51.

ISABELINHO, Domingos – Sa-lo-mon de Chago Armada e o pouco que dele se


sabe // In: Satélite internacional. – N.º 02, Dezembro de 2002. – Porto:
Colectivo A Língua, 2003. pp. 28 – 32.

LAMEIRAS, João Miguel – [Textos introdutórios] // In: A arte de Prado. –


(Clássicos da banda desenhada ; 14). pp. 5 – 12.

LUYTEN, Sónia – As histórias em quadrinhos no Brasil : a mulher imagem e a


mulher produtora // In: BD Amadora 2003 : XIV Festival Internacional de Banda
2003 DOSSIÊ 058|259

Desenhada da Amadora. – Amadora : Câmara Municipal da Amadora ; CNBDI,


2003. pp. 92 – 93.

MOTA, Pedro – Meninas traquinas da BD sul americana // In: BD Amadora


2003 : XIV Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. –
Amadora : Câmara Municipal da Amadora ; CNBDI, 2003. pp. 84 - 85.

MOREIRA, Paulo – [Textos introdutórios] // In: Conan. – (Clássicos da banda


desenhada ; 11). pp. 5 – 12.

PRASSEL, Igor – Banda desenhada eslovena // In: Salão Lisboa 2003. –


Lisboa : Câmara Municipal de Lisboa ; Bedeteca, 2003. – pp. 121 – 135.

QUELHAS, Vítor – O crepúsculo dos machos // In: BD Amadora 2003 : XIV


Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. – Amadora : Câmara
Municipal da Amadora ; CNBDI, 2003. pp. 34 – 37.

SÁ, Leonardo - O mundo maravilhoso de Vasco Granja // In: Vasco Granja :


uma vida... mil imagens. - Porto : Asa, 2003. - pp. 7 -8.

SÁ, Leonardo – A presença da mulher na BD portuguesa // In: BD Amadora


2003 : XIV Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. –
Amadora : Câmara Municipal da Amadora ; CNBDI, 2003. pp. 52 – 65.

SCHRÉDER, Éttienne – O estranho percurso de O segredo de Coimbra // In:


Coimbra na banda desenhada. – Porto : Asa, 2003. – pp 58 – 77.

MONOGRAFIAS
AMADORA. Câmara Municipal. Festival Internacional de Banda Desenhada da
Amadora – BD Amadora 2003 : XIV Festival Internacional de Banda
Desenhada da Amadora. Amadora : Câmara Municipal da Amadora, 2003. –
177 p.
2003 DOSSIÊ 059|259

FROMENTAL, BOUCQUET ; STANISLAS – As aventuras de Hergé. – Porto :


Mais BD, 2003.

BOLÉO, João Paulo Paiva ; LAMEIRAS, João Miguel ; SANTOS, João


Ramalho –
Coimbra na banda desenhada. – Porto : Asa, 2003. – 80 p.

MAGALHÃES, Jorge, coord. ; PEREIRA, Maria José, coord. - Vasco Granja :


uma vida... 1000 imagens. – Porto : Asa, 2003. 144 p.

INTERNET
MAIA, Daniel – Corrida editorial 2003 // In: www.centralcomics.com

Movimentos
Geraldes Lino

Tarefa recorrente desde 1999, eis o levantamento relativo ao ano de 2003


abarcando diverso tipo de eventos e iniciativas que, no seu conjunto,
contribuem para manter visível a banda desenhada.

Concursos
Continuam a efectuar-se os que se englobam em eventos especializados,
designadamente Festival Internacional de BD da Amadora e Salão BD de
Moura.
Caso invulgar é o da Livraria Dr. Kartoon, de Coimbra, ao manter a sua
participação anual neste género de iniciativas, com a mais valia da edição em
álbum das bedês premiadas. Uma entidade até agora desconhecida nesta
área, a Oh sXXI (descodificando: Oliveira do Hospital, século XXI), lançou o I
Concurso de BD OH sXXI, com tema inaudito: "Um super-herói na Serra da
Estrela". O regulamento previa a exposição das pranchas dos concorrentes
entre 3 e 31 Dezembro, integrando o Agirarte 06 – Festival de Artes Plásticas
de Oliveira do Hospital. A componente BD ficou sem efeito: as obras
2003 DOSSIÊ 060|259

participantes foram escassas e sem qualidade que justificasse as intenções


dos organizadores. Razões? Talvez a dificuldade do tema.

Cursos
Vão-se fazendo, curtos uns, mais extensos outros: os cursos anuais de
Ilustração e Banda Desenhada da Ar.Co. e de Banda Desenhada do
CITEN/Gulbenkian. As mesmas áreas foram ministradas no workshop de verão
da Ar.Co. e Bedeteca de Lisboa.

Exposições
Começando pelo sul: no Algarve, em excelente enquadramento proporcionado
pelo Centro Cultural de Lagos, esteve visível a exposição "Bulhão Pato", em
que foi possível visionar as pranchas da bd "Entreângulos", de Francisco Vidal.
Isso entre 12 de Julho e 9 de Agosto. Em Faro, na Loja de Design Aqui Há Mão
e em Almodôvar, na Galeria Municipal, esteve representado José Carlos
Fernandes com "A pior Banda do Mundo".
Parando em Lisboa: "Coisas de outro mundo: as bandas desenhadas de Júlio
Resende" na Bedeteca entre 23 de Janeiro e 13 de Abril. Os Fazedores de
Letras, com a cumplicidade da Biblioteca Museu da República e Resistência,
expuseram um conjunto de pranchas de vários autores englobados no tema
"Literatura Gráfica em Fazedores de Letras". Isto em Março, de 21 a 31. No
Museu de S. Roque homenageou-se Rodrigues Alves, um excepcional
ilustrador, que foi mestre na Escola António Arroio e teve como discípulos
vários bandadesenhistas hoje consagrados. A exposição compunha-se de
peças do seu espólio legadas à Misericórdia de Lisboa, onde se englobavam
pranchas de alguns dos seus amigos e, ou, discípulos, com destaque para
E.T.Coelho, Ricardo Neto, José Garcês, José Ruy, pranchas essas que
estiveram expostas naquele local entre Julho e Outubro. "Fracturas a preto e
branco" resultaram dos trabalhos de bd dos alunos do curso 2001-2003 do
CITEN, na Escola Restart (Parque das Nações) em Julho. Pelo meio, um título
de jornal chamava a atenção: "Mil obras de BD expostas no Amoreiras
Shopping". Para um público anónimo e apressado, resto de Agosto e princípios
de Setembro foi o tempo de dar uma olhadela para álbuns e revistas de várias
épocas, resguardados em vitrinas.
2003 DOSSIÊ 061|259

Subindo uns quilómetros e entrando em Tomar, no Hotel dos Templários, ver-


se-ia em Outubro uma amostragem de pranchas com imagens sequenciais sob
o título "1160 Sangue Oculto – A herança de Gualdim", sendo autor Sérgio V.
Continuando agora um pouco para noroeste, com destino a Leiria, e depois de
localizar o edifício do Banco de Portugal, encontrar-se-ia de novo José Carlos
Fernandes e as suas "Intuições".
Mais acima, geograficamente falando, esteve "Coimbra na Banda Desenhada",
que beneficiava do fascinante cenário proporcionado pelo Museu de Física da
Universidade de Coimbra. Na mesma cidade, no mesmo Setembro, mas num
modesto restaurante (posso dizer o nome? "Cantinho dos Reis") estavam
várias pranchas que contavam uma história também localizada em Coimbra,
feitas por um jovem e desconhecido autor coimbrão, Bruno Simões. O título da
história: "Era uma vez e a tradição" (assim mesmo: e a tradição).
Continuando para norte, até ao Porto, e após localizar a Biblioteca Municipal
Almeida Garrett, em pleno jardim do Palácio de Cristal, dava para apreciar as
pranchas originais da mais recente bd de Arlindo Fagundes, "A Rapariga do
Poço da Morte", entre 20 de Setembro a 18 de Outubro. Mantendo-nos a subir
até Braga, evento semelhante (a mesma bd, o mesmo autor) tinha tido lugar
em Julho, na Livraria "A Centésima Página".

Internet
Novos "sites":
http://cidadedesconhecida.com.sapo.pt
www.publico.pt/tintim
www.terravista.pt/ancora/7226
www.leonardodesa.interdinamica.com
www.tomvitoin.com

E como os "weblogs" são boa onda, na blogosfera também já estão visionáveis


blogs de bd e temas afins: http://becodasimagens.blogspot.com, onde se fala
de várias coisas incluindo bd, o mesmo acontecendo em
http://kuentro.weblog.com.pt e no www.urthona.net.
2003 DOSSIÊ 062|259

Livrarias especializadas
Mantêm-se as registadas em anos anteriores, localizadas em Lisboa, Coimbra
e Porto.

Rádio
Pouca coisa: na Rádio Voxx (91.6, é ouvir depressa, porque está em vias de
extinção) às 5ªs feiras, das 21h00 às 22h00, tem-se falado circunstancialmente
de BD, através de entrevistas a especialistas e autores, no programa
"Ultravox". A vox, perdão, a voz, é a do Tiago Gomes, esse mesmo, o do
prozine, oops, o da revista "Bíblia".

Televisão
O costume: entrevistas com autores, portugueses e estrangeiros, durante os
eventos bedéfilos: Fórum BD, Salão Lisboa e Festival da Amadora. À pala
deles apareceram nos ecrãs Francisco Sousa Lobo, Miguel Rocha, José Carlos
Fernandes, Emmanuel Guibert entre outros.
2004 DOSSIÊ 063|259

Ilustrações André Lemos

Introdução

Já é uma tradição neste sítio fazer uma avaliação anual da banda desenhada
em Portugal. Como sempre dividida em sete áreas.
2004 foi o ano da crise com a diminuição de edições e projectos - até nos
"baratos" fanzines, que curiosamente já se ressentiam em 2003 ao contrário
das editoras que adiaram o inevitável por um ano. Em aberto e (infelizmente)
sem ser discutido nestes textos, fica a questão se os eufóricos anos de 2002 e
2003 criaram novos públicos para a bd ou não. Cremos que não, caso contrário
a crise não teria sido tão acentuada.
2004 DOSSIÊ 064|259

Esperamos melhorias em 2005. Um optimismo seco à espera de novas


narrativas...

Agradecemos a todos os colaboradores que nos tem acompanhado, em


especial a André Lemos, autor das (sempre) inquietantes ilustrações.

Crítica
Pedro Moura

Sobretudo cabeça.

Este artigo é dedicado à memória de Will Eisner. Não sendo o primeiro, nem o
segundo nem o último autor de banda desenhada a pensar criticamente o
modo em que trabalhava, foi no entanto um dos seus mais brilhantes maître
artisan en métier d'art. Aquando da sua passagem pela Amadora, troquei umas
brevíssimas palavras com Eisner. E é a sua forma de gigante se apequenar
junto a nós, anões, que nos torna ainda mais pequenos.

1. Estado da nação
A crítica extrai livremente das definições conceptuais das estéticas, sem estar
associada a nenhum rigor sistemático em particular. Eis uma frase de Rainer
Rochlitz que pode servir de aviso e lição sumária.
O que se passa, porém, quando não há sequer uma definição, por mais ténue
que seja, por detrás de um trabalho crítico? Que se passa quando a
argumentação é fácil, impressionista, pessoalíssima, e no pior dos momentos,
débil ou mesmo inexistente?
No ano passado, houve quem não percebesse o texto que escrevi. Vou tentar
usar o mínimo de frases subordinadas. E conjunções.
Não tenho muito a dizer que seja substancialmente diferente do texto desse
ano. Quem escreve bem e regularmente continua a fazê-lo, e dando provas de
serem capazes de organizar um pensamento. Quem não o faz, e continua a
somar boutades com pré-conceitos (v. dicionário) que não atravessam um crivo
2004 DOSSIÊ 065|259

de investigação ou sequer reflexão espalha-se ao comprido. Estar preso a um


mercado editorial não ajuda. Estar preso ao que se vai publicando por Portugal
leva a que se seja ciclópico na sua apreciação. Como, por exemplo, afirmar
que um dado autor era desconhecido do público português porque não tinha
sido cá editado. Tenho uma visão diferente, já que os interessados sempre
procuraram soluções que passavam por encomendas, idas ao estrangeiro,
compra por catálogo, ou por empréstimos, já para não falar das ubíquas e
absolutamente fulcrais edições brasileiras que nos enchiam “as bancas” todos
os meses. Mas é o mercado, não é? Há pouco a fazer nesse campo, e se me
permitem uma perna noutro assunto, acho que em alguns aspectos estamos
muito melhor em termos de edição do que há dez anos atrás (não obstante a
crise que espero momentânea), quer em oferta, quer em cuidados de edição.
Afinal, Sacco caminha em português. Mas para cada grego, dois troianos.
Não vivemos no século XIX para vivermos numa permanente idolatria do herói,
quer o da ficção, quer o real conhecido como autor. Tampouco num tempo em
que a arte está fora da possibilidade de se falar sobre ela criticamente. Não
basta apontar o objecto e dizer, “ei-lo”, “isto é em forma de assim”, “isto é bom”,
“quem não tem não saberá”. É preciso colocar todos esses objectos que estão
no nosso campo de visão e atenção num escrutínio mais estreito e objectivo:
uma qualquer contextualização, aquela que mais der prazer ou fizer parte dos
conhecimentos e interesses a quem escreve e está pensando sobre o mesmo
objecto. Mas contextualização não é sinónimo de circunstancialismo. É preciso
também que se dê mais valor à imanência dos textos em questão, e não
somente há capacidade de lhes associar referências. A crítica pode viver entre
vários pólos. Lyotard anunciara a morte da crítica, por um lado porque as obras
de arte estão sempre além da crítica e dispensam os seus nominalismos (“isto
é arte ou bom porque eu o digo”), por outro porque sendo uma imposição de
um sistema discursivo, é um atentado à liberdade, autonomia, e mesmo a
alteridade da arte. Mas ainda continua a ser mais certeiro repetir Foucault, no
facto da crítica habitar precisamente o entre, os interstícios. Porque está e não
está fora do objecto de que fala. Mas para falar e se falar, para apontar aos
objectos que ainda importa nomear, os que fogem à frente, são poucos os que
denotam essa atenção.
2004 DOSSIÊ 066|259

Sempre há quem apresente uma ou outra consideração mais crítica: João


Ramalho Santos, João Paiva Boléo, João Paulo Cotrim, Pedro Mota, João
Miguel Lameiras. Será que está relacionado com o facto de terem mais espaço
para escreverem? Julgo que não, é-lhes intrínseca a qualidade do que
escrevem – concorde-se ou não com o que pensam.
Como dizia há pouco, estar preso ao mercado leva a alguns problemas. Há
casos em que falar da mesma coisa leva a casos bicudos: é o que aconteceu
com os artigos de João Miguel Tavares e de João Miguel Lameiras por ocasião
da edição portuguesa (Vitamina BD) de Lovecraft. São quase o mesmo artigo!
Conheço-os suficientemente (nem que seja pelas leituras) para estar longe de
qualquer acusação estapafúrdia, como é óbvio. Tratar-se-á somente de uma
azarenta afinidade electiva.
Já tinha antes afirmado que o facto de não ser permitido um determinado
discurso talvez estivesse associado à falta de espaço, mas isso seria ser
condescendente com quem francamente não tem nada a dizer sobre esta arte
em geral, e apenas lhe interessa continuar a receber álbuns de borla em casa,
ou a falar daquilo que lhes dá um prazer chão, imediato e nada reflectido.
Acriterioso, e muitas vezes acéfalo. Por vezes nostálgico. Por exemplo, por
mais significativos que tenham sido certos autores em termos de edição de bd
em Portugal, que interessam verdadeiramente para a história da bd universal
autores como José Ruy ou Teixeira Coelho? Uma oportunidade de ouro com
reedições – leia-se Corto Maltese – leva apenas a uma colecção de textos
tautológicos e sem interesse. Exumar o tema “da mulher na banda desenhada”
nem sequer serve para trazer um novo dado, uma nova reavaliação mas
simplesmente para expressar um “parece-me a mim...”.

2. Surpresas.
É surpreendente e estranho, ao mesmo tempo, que os trabalhos onde
emergem ideias mais críticas venham de territórios insuspeitados, quase de
territórios à partida considerados – desculpem o meu preconceito –
desprovidos dessa mesma capacidade: falo de revistas de distribuição
comercial, de uma certa bd “comercial”. As introduções aos volumes da
colecção Os Clássicos da Banda Desenhada, distribuída pelo Correio da
2004 DOSSIÊ 067|259

Manhã e de Obras-Primas da BD Disney, da Edimpresa. No primeiro caso,


agrupam-se ensaios curtos da colecção original italiana, mas acrescentam-se
trabalhos inéditos para a edição portuguesa da lavra de José Freitas e João
Miguel Lameiras, a que se devem acrescentar os nomes de Jorge Magalhães,
Paulo Moreira e do historiador Leonardo de Sá. Os textos apresentados são
muito díspares (em qualidade e objectivos), mas em geral apresentam
questões de extremo interesse, já para não falar do indiscutível manancial
informativo (ainda que em versão digest). A colecção da Disney, que arrancou
com dois volumes de Don Rosa e agora prosseguirá com trabalhos de Carl
Barks apresenta um trabalho de investigação e selecção de Paulo Ferreira, o
editor, que julgo merecer menção especial pela tarefa a que se propôs. Há
outros assuntos a discutir em relação a estas edições, claro (como por exemplo
o facto de existir uma insistência em chamar à colecção do Correio da Manhã
“livros”), mas não é meu propósito falar disso.
Menção especial irá para o artigo A Leitura da Banda Desenhada, de Pedro
Mota e Teresa Guilherme Santos, publicado no 117º número da revista Vértice,
sobretudo pela importância da sua plataforma e alguns dos pontos discutidos.
Se bem que a introdução histórica é necessariamente (ou não?) a voil
d’oiseaux, os temas levantados são os mais pertinentes: percepção, tempo da
leitura, “tradução” do som e movimento na prancha de bd, e o “símbolo”,
entendido de uma forma extremamente ampla. No entanto, tenho de dizer que
me parecem alguns desses mesmos pontos estar aquém de investigações
mais recentes, como as de Thierry Groensteen (citado), por exemplo, ou uma
posição crítica de Harry Morgan perante tudo o que se fez antes. A falta de
exemplos concretos que exemplifique algumas das afirmações feitas afecta em
demasiado algumas dessas teses. Por exemplo, a questão da existência de
duas vinhetas contíguas mas que não apresentem qualquer articulação
(defendida pelo próprio Groensteen, reafirmada de outro modo por McCloud –
a non-sequitur) e a consequente existência de “surrealismo” na banda
desenhada é um dos temas, a meu ver, mais apaixonantes. Eu não concordo
em absoluto com essa existência, mas isso merecerá um outro canal de
discussão. Há, porém, neste artigo, questões de fundo que mereceriam mais
visibilidade, assim como continuada e aturada discussão nestas e noutras
publicações. Temos também que criar vontades nos mais variados canais de
2004 DOSSIÊ 068|259

informação em aceitar um pensamento crítico sobre a banda desenhada tão


válido como sobre outro modo de expressão, de modo a que se permita aos
vários dedicados do ramo a se expressarem com mais desenvoltura.
Uma palavra deveria ir para os textos incluídos em catálogos (V. Edição, sub-
capítulo publicações especializadas & catálogos de exposição). E por defeito
pessoal, destacaria o volume sobre Neil Gaiman, a propósito da exposição na
Amadora. Porém, isso prende-se a uma avaliação de edições que muito
aumentaria este já longo texto.
Ainda um último caso, e este importantíssimo – sob vários parâmetros -, foi o
da edição de Sobre BD, de David Soares, colecção de ensaios de leitura de
banda desenhada, mas para além disso. Como já escrevi sobre este livro
(publico.pt, lazer, secção bd) e a introdução de JM Lameiras é exacta e
certeira, escuso de me repetir e aos outros. É um outro modo de falar
criticamente sobre a bd, que poderá não agradar a todos, mas cujos pontos
são fundamentais à discussão. Porque os gostos, ao contrário do que se repete
maquinalmente, discutem-se.

3. Por mim, venha o problema.


Desenvolver um problema não quer dizer resolvê-lo: pode significar apenas
esclarecer-lhe os termos de modo a tornar possível uma discussão mais
aprofundada. É uma das primeiras frases a Obra Aberta, de Umberto Eco. O
mesmo se aplicará aqui: é importante inaugurar questões, que pressupõem um
problema, algo que fará pensar indefinidamente e produzirá novos elementos a
tomar em consideração na “leitura dos textos”, o que é bem diverso de uma
simples pergunta, para a qual se achará uma resposta através de argumentos
ou investigação, não se colocando nenhuma forma nova de abordar esse
mesmo “texto”. Uma obra de arte pode ser testemunha (sociológica, histórica,
etc.) mas é enquanto obra de arte que permanece interpretável e, logo,
criticável. E sempre a partir de si mesma, da sua imanência enquanto arte.
Alguns critérios são necessários para o emprego do juízo crítico, e as mais das
vezes apenas se avança a necessidade de informar.
Apesar de por vezes existirem acusações de “excessos académicos”, o que se
passa é que pessoalmente busco plataformas de expressão que me permitam
publicar formas de pensar que brotam das leituras, uma forma de pensar que é
2004 DOSSIÊ 069|259

imanente à própria leitura de banda desenhada e não ideias a priori aplicadas a


um gosto relativamente superficial. Também tenho os meus gostos duvidosos,
futilidades, leituras para “passar o tempo”, mas não são essas que elejo para
representar o pensamento que vejo possível (para mim) sobre a bd. Numa
discussão, é necessário que se contra-argumente, ou proponha uma outra
forma de ver. Não nego nem temo dizer que mudo de ideias: é para isso que
temos a cabeça redonda, conforme disse Picabia.
Pensar não dói. Mas há quem pareça ter medo. Pior, há quem tenha medo e
raiva que outros pensem. E então saem-se com sentenças que passam por
grandes rasgos de espíritos, mas não são mais que disparates disfarçados.
Leiam. Comparem. Pensem. E quando quiserem falar do trabalho dos outros,
utilizem uma argumentação sólida, séria, balizada. Não chega dizer, “que
seca!”, “que mau!” ou “não me interessa!”. Digam antes, “essa ideia não está
absolutamente clara, porque falta esta consideração e este elemento”, ou “não
concordo, porque a minha experiência aponta-me para esta outra direcção, e
além do mais, este outro exemplo contradiz essa sua afirmação”. Assim. Ou
assado. Mas com pés e cabeça. Sobretudo cabeça.

Edição
Sara Figueiredo Costa

O ano que agora se encerra parece confirmar as previsões do dossier do ano


passado no que à edição de livros de banda desenhada diz respeito. Há um
ano atrás, João Miguel Tavares escrevia o seguinte: “Em 2003 ainda se
editaram mais livros, e muitos deles de excelente qualidade. Por outras
palavras, a vaca continua gorda. Mas, teimoso como sou, posso pelo menos
invocar este argumento a meu favor: mantenho a certeza de que, ou a vaca
emagrece, ou morrerá de obesidade.” De facto, depois de dois anos (2002 e
2003) fortíssimos em número de livros editados, 2004 parece ter sido o ano da
contenção editorial, justificada, talvez, pela crise geral, mas também pelas
características de um mercado que não podia continuar a absorver tamanha
produção. Façamos, então, alguns destaques, em jeito de balanço.
2004 DOSSIÊ 070|259

As editoras mais ‘tradicionais’ e bem instaladas no mercado dedicaram o ano


às reedições e às novidades dos clássicos de sempre. Assim, a Meribérica
reeditou boa parte dos títulos de Milo Manara que tem no seu catálogo, editou
o segundo volume de Blake e Mortimer – Os Sarcófagos do 6º continente e
editou, entre outros, o último volume da série Akira, estando agora disponível a
obra integral em português. A Asa, outro nome forte da edição de bd em
português, destacou-se em 2004 pela publicação do álbum com inéditos e
preciosidades de Astérix e Obélix e pela continuação das aventuras de Lucky
Luke, agora com assinatura de Achdè e Gerra. Prosseguiu também a edição do
Decálogo, já perto do fim, e editou dois títulos de Stassen, Déogratias e
Crianças.

Pela mão da Vitamina BD, chegou a Portugal o livro Eu, Vampiro, da dupla
Trillo e Risso, e Lovecraft, de Rodionoff, Giffen e Enrique Breccia. Entre outros
títulos, esta editora publicou também o terceiro e quarto volumes de Kingdom
Come, de Mark Waid e Alex Ross.

A Devir parece ter mantido o seu ritmo habitual de publicação, assegurando a


continuação da série A Pior Banda do Mundo, de José Carlos Fernandes, e
publicando livros como Eu, Wolverine!, de Chris Claremont e Frank Miller, Hulk
- O regresso do Monstro, de John Romita Jr. e Bruce Jones e o incontornável
regresso de Sin City, de Frank Miller, com Mulher Fatal. Também pela mão da
Devir as pranchas semanais de Superfuzz, de Rui Ricardo e Esgar Acelerado,
saltaram do jornal Blitz para as páginas bem encadernadas de um álbum que
merece continuação.

A Gradiva prosseguiu a publicação de várias séries cómicas, como Cathy,


Adam ou Zits, entre outras, mantendo o seu público sem grandes sobressaltos.
Duas editoras que mereceram destaque absoluto nos dois últimos anos
estiveram bastante apagadas em 2004. Da Witloof, responsável por alguns dos
livros mais interessantes do ano passado e por um catálogo sólido e bem
escolhido no âmbito da bd franco-belga, não nos chegaram notícias editoriais.
A Polvo deixou-nos à espera da continuação de Persépolis, de Marjane
Satrapi, tendo garantido alguma visibilidade com o escândalo da censura de
2004 DOSSIÊ 071|259

Alvarez Rabo em Viseu, publicando um novo título deste autor (Anal-Fabetos) e


reeditando o incontornável As Mulheres Não Gostam de Foder.
Na imprensa prosseguiram algumas iniciativas editoriais de relevo. A série
Tintin, de Hergé, chegou ao fim no Público, com direito ao suplemento de um
livro com textos de Carlos Pessoa sobre os vários episódios e, no mesmo
jornal, iniciou-se a publicação de alguns volumes de Corto Maltese, de Hugo
Pratt. O jornal desportivo Record iniciou a edição da colecção de Blake e
Mortimer, de Edgar P. Jacobs e o Diário de Notícias continuou a assegurar a
publicação semanal de uma página crítica sobre banda desenhada
(pontualmente dedicada aos livros infantis e à ilustração).

Para o fim ficam, propositadamente, as referências àqueles que considero os


grandes destaques editoriais do ano. Nos quiosques começou a distribuição da
colecção O Melhor da Disney, inaugurada por um volume com a história do Tio
Patinhas assinada pelo mestre Don Rosa. A colecção prosseguiu com o Pato
Donald de Carl Barks e promete continuar ao longo do próximo ano, numa
iniciativa editorial que tem feito as delícias de coleccionadores e apreciadores
dos clássicos mais mainstream dos quadradinhos.

Com o selo da Devir, saiu este ano o primeiro volume da imprescindível série
Sandman, de Neil Gaiman. Há muito que a edição desta obra prima era
reclamada pelo público português e, depois de Prelúdios, resta-nos esperar
que os volumes seguintes não tardem.

Também com a assinatura da Devir, mas com o mérito dividido com a MaisBd,
chegou à língua portuguesa o monumental Palestina, de Joe Sacco. São dois
volumes incontornáveis de um estilo gráfico e narrativo que abalou os
conceitos mais tradicionais da nona arte. Cruzando a reportagem jornalística
com a novela gráfica e com e com uma escrita visivelmente inteligente, Joe
Sacco criou uma obra fundamental que em 2004 ficou, finalmente, disponível
em português.

Outra edição a merecer destaque foi o álbum colectivo Sempre! 6 histórias de


Abril, publicado pela Má Criação. No ano em que se comemoraram os trinta
2004 DOSSIÊ 072|259

anos da Revolução dos Cravos, Alice Geirinhas, André Carrilho, Ana Cortesão,
Daniel Lima, Cristina Sampaio e Jorge Mateus juntaram-se num livro que
merece ficar para a história.

Por último, longe das editoras de banda desenhada mais tradicionais ou mais
alternativas, um livro fez-se referência incontornável do ano editorial que agora
acaba. Movimentos Perpétuos – BD para Carlos Paredes reúne traços e
argumentos de autores como Nuno Saraiva, Sérgio Godinho, Daniel Lima,
Gonçalo M. Tavares, José Carlos Fernandes ou José Manual Saraiva (entre
outros) e o resultado é um livro belíssimo onde a música de Carlos Paredes se
cruza com a linguagem da banda desenhada explorada com o maior interesse
e com total disponibilidade para a experiência por autores consagrados e
perfeitos outsiders. A edição é da responsabilidade do jornal Público e do
projecto Movimentos Perpétuos.

A conclusão de um balanço desta natureza devia passar por algumas


antecipações para o ano que agora começa. Devia, mas não vai, porque
antecipações como as que poderia fazer têm tanto de fascinante como de inútil.
Suspeito, apenas, que a crise geral continuará a afectar o mercado editorial em
geral, e o da bd em particular. E esta suspeita tem tanto de la palisse que nem
vale a pena prolongar o assunto. E se as séries que começaram a ser editadas
este ano prosseguirem em 2005 já teremos motivos de sobre para celebrar o
ano editorial em Dezembro que vem.

Autores
Daniel Maia

Com a economia portuguesa na corda-bamba e o poder de compra dos leitores


comprometido, abundaram em 2004 as adversidades para o mercado livreiro
nacional, nomeadamente no sector bedéfilo. Assim, como consequência do
ritmo competitivo entre editoras sobreviventes, e do calamitoso estado de
vendas, quando comparamos a performance deste ano com a do anterior
2004 DOSSIÊ 073|259

podemos observar um desinvestimento geral em obras portuguesas. Em 2003,


a par do máximo histórico de edições alcançado, ter-se-á igualmente
conseguido um número apreciável de artistas nativos publicados (cerca de 60),
motivado sem dúvida por toda a atenção dirigida ao negócio da bd, por mais
efémera que esta tenha sido. Por sua vez em 2004, já desvanecido o efeito
favorável do “boom” dos dois anos transactos, e imposto um regime de
contenção editorial forçado pela competitividade existente, foi notoriamente
mais difícil aos nossos autores conquistarem o seu espaço nas prateleiras,
fosse por falta de aprovação de projectos nas editoras ou por impossibilidade
dos próprios em avançarem com auto-edições.
Em todo o caso, mantiveram-se presenças incontornáveis, bem como um
punhado de publicações antologicas ao bom estilo independente, não se
descartando a preserverança de alguns escassos fanzines. Aliás, temos como
principais responsáveis pela estável contagem de autores – que doutro modo
teria certamente entrado em queda galopante – as várias antologias que
apareceram, contendo cada uma um bom número de autores. E assim,
paulatinamente acumulada ao longo dos meses, chegou-se à soma de cerca
de 50 autores, os quais podemos subdividir nos seguintes grupos:

Encabeçando a lista A de banda-desenhistas temos nomes tais como José


Carlos Fernandes, que permanece de pedra-e-cal nos planos da Devir, e que
justamente acolhe o apreço da crítica pela série “A Pior Banda do Mundo”, ou
Artur Correia, autor veterano da bd e animação nacional, igualmente activo na
Bertrand com possantes álbuns como “Os Super-Heróis da História de
Portugal”, o terceiro do seu género. Também de referir, se bem que aqui longe
da arte sequencial, são as marotas ilustrações de Luís Louro em “As Fadas
Láureas”, que gozou de alguma atenção nos media, em parte também pelo
interessante “ensemble” de escritores convidados.

Outro grupo bastante presente foi o dos autores de persuasão clássica, onde,
para além de Pedro Massano, com a série francófona “Le Deuil Impossible”,
este ano brindada com um 2º tomo, se inserem desenhadores como José
Garcês, José Ruy, José Pires e João Amaral, em produções maioritáriamente
histórico/documentais, tuteladas pela Âncora e Meribérica/Líber. Saliente-se
2004 DOSSIÊ 074|259

ainda José Antunes, que foi alvo de homenagem biográfica pela mão do
Festival BD de Moura, onde manteve uma mostra retrospectiva, enquanto que
o CNBDI tratou de adquiriu trabalhos pertencentes ao expólio artístico de Victor
Péon, para assim consagrar para a posteridade a arte deste autor.

O humor ficou, como sempre, marcado pela actividade da Humorgrafe, que


liderou a vertende humorística junto com alguns pontuais álbuns de outros
autores da praça, dos quais o mais inesperado terá sido “As Aventuras do Sr.
Bruxelas”, publicado pelo partido da Nova Democracia (?!) num bom exemplo
de uso prático da bd. Aproveitando a deixa, refiro ainda o trabalho institucional
efectuado pelo Filipe Abranches para o Instituto do Emprego, na linha dos
anteriormente executados por JC Fernandes sobre alcoolismo.

No segmento “indie”, vingaram três conjuntos: a Associação Chili Com Carne,


com o #2 da série “CriCa Ilustrada”; as diversas de duplas que produziram
peças para a antologia “BD para Carlos Paredes”, pela Movimentos Perpétuos;
e aqueles que participaram em “Sempre! 6 BDs para Abril”. À chamada faltou
porém o colectivo alíngua, com o seu “Satélite Internacional”, que chegou a ter
anunciado um número duplo. Não obstante nem tudo lhes ter corrido bem na
nossa orla costeira, o mesmo já não se verificou no outro lado do Atlântico, em
cujo mercado dois dos criativos do grupo – Isabel Carvalho e Pedro Nora – se
estrearam com um par de histórias curtas em volumes colectivos.
Em suma, todos estes projectos, aliando a irreverência a uma tremenda
objectividade criativa, pintaram o alternativo em 2004. Neles se incluíram
nomes como Pepedelrey, André Ruivo, Joana Figueiredo, Ana Ribeiro, Alice
Geirinhas, Daniel Lima, André Lemos, Ana Cortesão, para mencionar apenas
alguns.

Também vingentes, se bem que difundidos por uma multiplicidade de


públicações periódicas, de jornais a revistas, e procurando diferentes efeitos,
estiveram autores tais como Paulo Patrício, Nuno Saraiva, Pedro Burgos e
João Paulo Cotrim, António Jorge Gonçalves, João Fazenda, José Abrantes, e
até eu próprio, entre outros. Pelo final do ano, Rui Ricardo e Esgar Acelerado,
cativos no Blitz, tiveram a oportunidade de compendiar as suas páginas
2004 DOSSIÊ 075|259

autoconclusivas num primeiro volume de “SuperFuzz”, o qual atingiu


agradáveis números de vendas para a editora Devir, podendo mesmo ser
considerado o best-seller álbum nacional. Segundo dados fornecidos pelo
editor José de Freitas, o livro atingiu as 1.400 cópias vendidas em somente 2
meses de distribuição, números estes até agora apenas alcançáveis por um
qualquer volume de “A Pior Banda do Mundo” – apenas para efeitos de
comparação – após mais de um ano de circulação! É mais um exemplo de
sucesso do emergente novo mercado de bancas.

No ramo expansionista, virado para os comics norte-americanos, destacou-se


Eliseu Gouveia, que editou nos EUA o livro “Cloudburst”, co-produzido com
Christopher Shy, Justin Gray e Jimmy Palmiotti, tendo sido fruto do
conhecimento que o desenhador travou com este último argumentista no BD
Fórum. Também a dar os primeiros passos no outro lado do Atlântico estão
Filipe Abrances e Pedro Nora, que participaram com duas curtas individuais no
mega-volume colectivo “Rosetta” #2, o qual granjeou uma nomeação para
melhor antologia nos Prémios Eisner 2003.

Finalizando: apesar de se ter reduzido o volume de edições, é visível que a


qualidade geral das produções nacionais tem-se aprimorado, bem como o
timing dos lançamentos e o teor das abordagens. Como indiquei acima, é aos
volumes colectivos que devemos o agradável número de autores editados, o
que não significa contudo que não hajam oportunidades de edição de projectos
próprios no nosso país. Apesar de não serem devidamente anunciadas, a
Bedeteca tem mantido a porta aberta a propostas para a colecção LX Comics,
assim como outras editoras, aparentemente dispostas a acalentar projectos
não-solicitados; muito embora seja sentida a falta da acção da Polvo Edições
neste capítulo (Quem não gostaria de ter todos os anos novos trabalhos de
Miguel Rocha, João Fazenda, Pedro Brito, ou Rui Lacas?).
É por estes motivos que me parece justo envisionar para este novo ano um
período editorialmente permissivo para autores que possuam a disciplina e
talento necessários para ousar editar por cá. Para já, rumores de boas novas
relativas a um par de auspiciosos e distintos projectos prometem elevar
novamente em 2005 a bd “made in Portugal” a níveis dignos de registo, porque
2004 DOSSIÊ 076|259

– verdade seja dita – agora que nos encontramos definitivamente sem


quaisquer apoios institucionais e sem um mercado favorável, é somente da
aposta das editoras e da perseverança dos autores que a nossa bd irá
depender.

Festivais
João Miguel Lameiras

Num ano de crise a nível da edição, em que o Salão Lisboa alternou com a
Ilustração Portuguesa e não se confirmaram as 2ªs edições do BD Fórum e do
Festival de BD da Exponor, restou apenas o Festival da Amadora como
representante dos eventos de BD de projecção internacional. Sem
concorrência, contando com um novo espaço, amplo e de fácil acesso e com
uma grande e mediatizada exposição sobre as 100 BDs do século XX, a 15ª
edição do Festival de BD da Amadora tinha tudo para ser um sucesso. Mas,
apesar da grande afluência de público e da qualidade de algumas exposições,
a verdade é que o resultado final ficou bastante aquém das expectativas. Isto
numa edição que, apesar de ser a que mais visitantes recebeu, foi aquela que
contou com o menor número de autores passíveis de atrair o grande público,
para além de ser a que mais falhas organizativas revelou, com o Festival a
abrir pela primeira vez as portas sem todas as exposições montadas, sendo
particularmente grave o caso da principal exposição sobre as 100 BDs do
Século XX, que nunca chegou a ficar tal como os seus Comissários a tinham
concebido…
Como há males que vêm por bem, os autores portugueses acabaram por ser
os principais beneficiados com a ausência de grandes nomes estrangeiros
(alguns deles contactados demasiado em cima da hora para poderem aceitar o
convite…), concentrando em si atenções que de outro modo lhes fugiriam, para
além de terem contado com exposições interessantes e bem montadas.
Também a qualidade dos originais presentes na Exposição dedicada à BD
argentina justificava a visita ao Festival, embora aqui fosse evidente a falta de
2004 DOSSIÊ 077|259

um texto de enquadramento que explicasse ao visitante a importância daquilo


que estava a ver.
Fora do espaço do Festival, a mostra dedicada a Neil Gaiman (que integrou o
vasto grupo dos autores que faltaram à chamada), embora tenha cumprido a
sua função de dar o devido destaque que a importância que a obra de Gaiman
justifica e merece, acabou por também ser vítima dos problemas de
organização que afectaram todo o Festival, com a Exposição a abrir portas sem
que todo o material previsto tivesse chegado, para além de ter perdido bastante
impacto pelo facto de ter inaugurado ao mesmo tempo que o Festival.
Face a este negro panorama nacional, mais digno de realce é o esforço dos
Festivais que gravitam em torno das Jornadas da Sobreda, como o Salão de
Viseu e o Moura BD 2004, que este ano completou a sua 14ª edição.
Simpáticos espaços de convívio e ponto de encontro de uma série de autores e
aficionados da “velha guarda”, estes Festivais de menor dimensão, precisam
ainda de se afirmar em termos nacionais. O futuro o dirá se o conseguem...

Fanzines
Marcos Farrajota

Assim não dá, que crise! Crise a rodos e para todos. Em 2003 queixava-me da
miséria medieval da cena fanzinista. 2004 pareceu-me pior que nunca. Parece
que tudo correu mal. Então vejamos:
_o Zundap acabou mesmo e de forma hilariante – até teve direito a notícia
sobre o lançamento no Mil Folhas;
_o site bizarro.cc também foi à vida;
_o #4 do Satélite Internacional ainda não saiu – aliás, não saiu nenhum número
em 2004 e perdeu o seu site;
_a participação de Isabel Carvalho na antologia norte-americana
“Scheherazade: comics about love, treachery, mothers, and monsters” (Soft
Skull) correu mal graças a impressão defeituosa;
_não houve novos números da Lx Comics e não foi por falta de orçamento da
Bedeteca mas por falta de propostas!;
2004 DOSSIÊ 078|259

_quase não houve nenhuma continuação dos títulos do(s) ano(s) anterior(es) à
excepção do Terminal e do Durty Kat mas em versão online: www.durtykat.tk;
_as editoras independentes (Associação Chili Com Carne, Círculo de Abuso,
colectivo alíngua) perderam a distribuição livreira assegurada pela editora
Witloof, com isto quer dizer que agora encontrar edições independentes será
quase impossível – antes, mal por mal sempre estavam ao lado dos Manaras e
Astérixes.

Coisinhas boas, poucas:


_Miguel Carneiro e Marco Mendes começaram um novo zine, o “Paint Suck’s!”,
divertido q.b;
_o mesmo Miguel Carneiro juntamente com João Marçal editaram “Bom
apetite!” um mini-álbum de humor propositadamente boçal e desbundado;
_novo fanzine em papel e online "Aqui no canto" (2 números) de João Rubim
[aquinocanto.do.sapo.pt]
_das Caldas da Rainha mais zines: “Vírus demente”, “O hábito faz o monstro” e
mais algum que me deve ter falhado…
_José Carlos Fernandes foi publicado na revista "Tos" (Espanha), o Filipe
Abranches e Pedro Nora foram editados no segundo número da antologia
"Rosetta" (cuja a edição da secção europeia ficou a cargo de Domingos
Isabelinho);
_muitas feiras de fanzines na maior parte organizadas pela Associação Chili
Com Carne ou pela Família Alternativa – especialmente pela última que
organizou na Galeria ZDB, Feira do Livro de Lisboa, Faculdade das Caldas da
Rainha (Comunicar:design), em Sines…
_o João Bragança editou o segundo número do “Pecarritchitchi, o fanzine
enfezado” (o fanzine mais pequeno do mundo?) e lançou-se online:
www.succedaneo.com;
_a bd "O coleccionador de borboletas" de José Lopes que é suplemento ao
DVD, Doczine #1 - um documentário amador sobre zines e bd que infelizmente
é completamente desinteressante sob vários e quase todos os pontos de vista;
_as duas únicas edições “indies” deste ano: o segundo número da
CriCaClássica Ilustrada (o Mesinha de Cabeceira disfarçado!) pela Associação
Chili com Carne com trabalhos de André Lemos, Pepedelrey, Ana Ribeiro,
2004 DOSSIÊ 079|259

Joana Figueiredo, João Chambel, João Fazenda, André Ruivo, … e ”Sobre BD”
de David Soares, um livro de ensaios sob a chancela da Círculo de Abuso,
claro.

Para acabar, resta a notícia que alguns alunos da António Arroios lançaram o
zine "Gatafunho" sob a protecção do Prof. José Feitor (do Zundap), e se
podemos encontrar novos talentos nas suas páginas , curiosamente é assim
que se percebe que zines em papel são artigos pré-históricos para as novas
gerações. Afinal sempre é mais fácil (tempo & dinheiro) fazer uma página web
como acontece com a Mina Anguelova [www.geocities.com/undermycoat] e
pergunto se não deveria começar a pesquisar pelas infinitas páginas web,
galerias de novos autores… 2005 para além de se comemorar os 250 anos do
terramoto de Lisboa não deveria ser antes o Ano Nacional da Reciclagem?

Investigação
Adalberto Barreto

Nota inicial: embora com um rigor científico algo duvidoso são válidos os
critérios do ano passado para se considerarem as obras como de investigação
(ler investigação 2003).

É recorrente os textos de balanço começarem com uma comparação face a


anos anteriores. Caso as edições estejam a diminuir fala-se de crise. Se
estiverem a aumentar de boom (crescimento), ou de falso boom que irá dar
lugar a uma crise ainda maior.
No caso português em que o mercado de banda desenhada é muito pequeno é
natural que o mercado de publicações sobre banda desenhada (uma forma
simples e enganosa de identificar as obras de investigação) seja ainda mais
pequeno ou inexistente. Para dar um exemplo não existe, que eu tenha
conhecimento, nenhuma obra de referência (dicionário, guia alfabético ou
cronologia generalista) publicada por uma editora privada com fins lucrativos.
Assim as poucas publicações que surgem vêm sempre de editoras públicas
2004 DOSSIÊ 080|259

(câmaras municipais e institutos públicos) ou privadas com fins puramente


culturais, científicos e altruísticos (fundações).
Assim, se o mercado das edições se encontra ora em evolução ora em
recessão de livros publicados (não existem infelizmente dados sobre as
tiragens, as vendas os lucros e os prejuízos das editoras de BD) parece que o
mercado de edições sobre banda desenhada (ou de investigação, se quiserem)
se encontra permanentemente em recessão, ou não existe.

Contudo, para escrever menos e tentar informar um pouco mais arrisco


analisar os últimos
cinco anos de edições “sobre” banda desenhada com um quadro das obras
publicadas em livro (que teve por base de construção o arquivo dos balanços
de investigação da Bedeteca):

Ano Nº livros
2000 7
2001 5
2002 4
2003 3
2004 6

Ao qual posso apenas acrescentar (confessar): (1) estar à espera de uma


recessão mais acentuada (2) não estar a contar com uma evolução no ano de
2004.
Contudo, para ser coerente falta saber o que se vendeu, o que está por vender,
quem comprou, quem leu e o que ficou em quem leu (vontade de ler mais e
divulgação a outras pessoas). É a partir deste tipo de análise, quanto a mim,
que se pode aferir sobre a verdadeira tendência de crescimento ou de
recessão do mercado.

Passando a 2004 temos:


6 LIVROS publicados,
- O catálogo da exposição “El alma de Almada el impar : obra gráfica 1926-31”
que decorreu no Palácio Galveias entre 7 de Abril e 6 de Maio e deu origem à
2004 DOSSIÊ 081|259

grande obra de investigação de 2004. Trata-se de um catálogo de luxo com


cerca de 200 páginas sobre a obra gráfica de Almada Negreiros em Madrid. A
primeira parte livro abre com um texto de João Paulo Cotrim que inclui uma
pequena biografia de Almada, com particular incisão para os anos passados
em Madrid, e um texto sobre Ramon Gómez de la Serna que destaca a sua
vida e as suas passagens por Lisboa e pelo Estoril. A segunda parte do livro
analisa ao detalhe o desenho de Almada sendo a análise fundamentada em
diversas citações e referências bibliográficas. Destaco, também, nesta segunda
parte um capítulo dedicado à obra de Almada em banda desenhada (p. 42 e
ss.) e na última parte o Catálogo BD onde nos podemos deliciar com várias
tiras cómicas de Almada publicados no Sempre Fixe e no El Sol.

- O catálogo do 15º Festival de BD da Amadora no qual destaco: (1) O trabalho


retrospectivo de 15 anos do Festival. (2) As 100 BDs do séc. XX, um inegável
trabalho de investigação (com recurso a métodos quantitativos : 100 inquéritos
a 100 especialistas mundiais para seleccionar um best of da BD) conduzido por
João Paulo Paiva Boléo e Luís Salvado. (3) A BD Argentina por Juain
Sasturian, uma breve história em 5 páginas da riquíssima Banda Desenhada
Argentina, que supre parcialmente uma lacuna: a de haver muito pouco
material sobre a BD Argentina. Faltou ao trabalho de Sasturian uma bibliografia
para nos orientar. E, por último, e entrevista conduzida por Pedro Mota a Esgar
Acelerado sobre o Super Fuzz.

- O catálogo BDs de Abril: o 25 de Abril 30 anos depois, da exposição no


CNBDI comissariada por João Paiva Boléo e João Miguel Lameiras, que
contém um levantamento dos trabalhos em BD relacionados com o 25 de Abril.

- O livro 6 jovens autores em diálogo de Carlos Pessoa e Vítor Quelhas,


publicado na colecção Entre nós do CNBDI (n.º 3) com entrevistas a Alice
Geirinhas, Ana Cortesão, Filipe Abranches, João Fazenda, Miguel Rocha e
Pedro Brito.
2004 DOSSIÊ 082|259

Entrando por terrenos tortuosos resta-me escrever sobre 2 livros, que confesso
ter dúvidas. Não sobre a qualidade dos mesmos mas antes a dúvida de saber
se estamos perante trabalhos de investigação ou de opinião.

- O primeiro é um ensaio de David Soares sobre 5 obras de BD. À primeira


vista parecem-me 5 extensos artigos de opinião ricamente fundamentados com
uma vasta bibliografia que inclui literatura, banda desenhada, filosofia, poesia e
outras áreas ocultas.

- O segundo é um guia de leitura da autoria de Carlos Pessoa que compila uma


série de artigos sobre o Tintim publicados no Público em 2003 e que contém
um breve dicionário de personagens (que inclui os três portugueses que
apareceram na série).

1 DVD:
- Doc Zine volume 1. Um documentário de José Lopes sobre fanzines com a
colaboração de Geraldes Lino, Paulo Costa, Mário Ferreira, José Vilela e Tiago
Sério.

Para além dos livros e DVDs, destaco ainda:


Uma entrevista de Carlos Pessoa a Pedro Massano publicada no jornal
Público, suplemento Mil Folhas a 24 de Abril, sobre a obra Le deuil impossible
publicados na Glénat e na revista Vécu. A estrevista de Sandy Gageiro a Joe
Sacco publicada na Quadrado n.º 5 sobre o cruzamento entre a BD e a
reportagem e a cobertura de guerras. A comunicação “A banda desenhada nas
bibliotecas portuguesas” da minha autoria, que decorreu no VIII Congresso
Nacional de Bibliotecários Arquivistas e Documentalistas no dia 13 de Maio e
cujo paper se encontra disponível em:
www.apbad.pt/Downloads/congresso8/com13.pdf. Reconheço, no entanto, que
se trata de um trabalho de investigação um pouco transversal em relação à BD
uma vez que não investiga, não estuda obras de BD ou autores de BD, mas a
utilização da Banda Desenhada nas bibliotecas públicas portuguesas.
2004 DOSSIÊ 083|259

Pela ausência de documentação em português refiro ainda a exposição “Africa


comics” que passou por Lisboa na Culturgest no mês de Maio, mas não deixou
vestígios escritos sobre a investigação efectuada para essa mostra.

BIBLIOGRAFIA DA INVESTIGAÇÃO 2004

MONOGRAFIAS:
AMADORA. Câmara Municipal. – BD Amadora 2004 : 15º Festival Internacional
de Banda Desenhada da Amadora. Amadora : Câmara Municipal da Amadora,
2004. 183 p.

BOLÉO, J. ; LAMAEIRAS, J. – BDs de Abril : o 25 de Abril e a BD. – Amadora :


CNBDI, 2004. 48 p.

COTRIM, J. ; GASPAR, L. – El alma de Almada el impar : obra gráfica, 1926-


1931. – Lisboa : Bedeteca, 2004. 199 p.

PESSOA, C. – As aventuras de Tintim no Público : guia de leitura. – Lisboa :


Público ; Oficina do Livro, 2004. 63 p.

PESSOA, C. ; QUELHAS, Vitor – 6 jovens autores em diálogo. – Amadora :


CNBDI, 2004. – (Entre nós ; 3).

SOARES, D. – Sobre BD. – Lisboa : Círculo de Abuso, 2004. 87 p.

MULTIMEDIA
LOPES, J. – Doczine. – [S.l. : s.n., 2004]. 1 v. -

ARTIGOS E ENTREVISTAS
ACELERADO, E.(pseud.) ; MOTA, Pedro. – Super Fuzz // In: BD Amadora
2004 : 15º Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Amadora :
Câmara Municipal da Amadora, 2004. - pp. 112 – 113.
2004 DOSSIÊ 084|259

AMADORA. Câmara Municipal. – 15 anos : Festival Internacional de Banda


Desenhada da Amadora // In: BD Amadora 2004 : 15º Festival Internacional de
Banda Desenhada da Amadora. Amadora : Câmara Municipal da Amadora,
2004. - pp. 1 – 48.

BARRETO, A. – A banda desenhada nas bibliotecas portuguesas [Documento


electrónico] // In: VIII Congresso Nacional de Bibliotecários, Arquivistas e
Documentalistas : 12, 13 e 14 de Maio no Centro de Congressos do Estoril.
Lisboa : APBAD, 2004. Disponível em:
http://www.apbad.pt/Downloads/congresso8/com13.pdf

BOLÉO, J. ; SALVADO, L. – 100 BDs do séc. XX // In: BD Amadora 2004 : 15º


Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Amadora : Câmara
Municipal da Amadora, 2004. - pp. 67 – 95.

MASSANO, P. ; PESSOA, C. – A passagem da aldeia para a cidade // In:


Público. Mil Folhas. 24 de Abril de 2004.

SACCO, J. ; GAGEIRO, S. – Colocar o leitor no terreno // In: Quadrado. N.º 6.


Maio de 2004. – pp. 4 – 8.

SASTURAIN, J. – BD argentina : o bosque ilustrado // In: BD Amadora 2004 :


15º Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Amadora :
Câmara Municipal da Amadora, 2004. - pp. 100 – 105.

Movimentos
Geraldes Lino

Continuando a Bedeteca a manter o interesse neste registo anual de tudo


quanto se passa na área da banda desenhada, aqui fica o levantamento
referente a nove movimentos: colóquios, concursos, cursos, exposições,
internet, livrarias especializadas, rádio, selos e televisão.
2004 DOSSIÊ 085|259

Concursos
1. Por iniciativa da Junta de Freguesia de Olhão, repetida anualmente pela
quarta vez, teve lugar um concurso com tema obrigatório, sendo desta vez "O
Ilustre Olhanense Dr. João Lúcio".
2. "Jovens Criadores", uma organização conjunta da Secretaria de Estado da
Juventude, do Instituto Português da Juventude e do Clube Português de Artes
e Ideias, leva a efeito o seu concurso multidisciplinar, de cadência anual, onde
obviamente se inclui a bd.
3. Vários outros houve, organizados no âmbito dos festivais e salões de BD.

Colóquios, conferências, debates & mesas redondas


1. Na Escola Superior de Arte e Design (Caldas da Rainha), o escriba deste
texto foi falar sobre Fanzines e Banda Desenhada, convidado por José
Eduardo Rocha, autor de bd e professor naquele estabelecimento. Estava-se a
12 de Maio.
2. Na Associação Abril em Maio, João Paulo Cotrim falou acerca de "A Porca
da Política", obra satírica criada na revista "Paródia" por Rafael Bordalo
Pinheiro. Foi em 12 de Dezembro.

Cursos e acções de formação


1. O desenhador e argumentista José Carlos Fernandes desenvolveu várias
acções de divulgação da banda desenhada nas bibliotecas escolares do
concelho de Loulé, dirigidas a alunos de diferentes níveis de escolaridade.
2. No AR.CO., houve cursos regulares de bd, sendo professores Nuno Saraiva
no desenho e João Paulo Cotrim no argumento. Este último foi responsável, no
mesmo estabelecimento, pelas disciplinas "Acompanhamento de Projectos" e
"Teoria de BD e Ilustração"
3. A Bedeteca de Lisboa e o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, na
sua rota de itinerância, promoveram as seguintes acções de formação: "A
História e a Literatura na bd" com a participação de João Paulo Cotrim, Pedro
Massano e José Carlos Fernandes, e "História da Banda Desenhada:
Contributos para a selecção documental nas bibliotecas" com João Miguel
Lameiras, Marcos Farrajota e Adalberto Barreto. "História da Banda
2004 DOSSIÊ 086|259

Desenhada: Contributos para a selecção documental nas bibliotecas". Foram


abordados temas como "A história da BD no séc. XIX", "Dos Modernistas aos
anos 60", "Dos anos 70 aos 90" ou "Selecção e processamento documental".
Não regulares, mas com alguma frequência, foram realizadas nas bibliotecas
de Aveiro, Cascais, Seixal, Odemira, Castro Verde. Marcos Farrajota foi ainda
responsável pelo curso de bd na livraria "O Navio de Espelhos", durante uma
semana de Junho, em Aveiro.
4. Em Outubro, organizado pelo Centro de Imagem e Técnicas Narrativas da
Fundação Calouste Gulbenkian, teve lugar um Curso de Banda Desenhada e
Ilustração leccionado por José Pedro Cavalheiro, que assinava Zepe as
excelentes bds que fez na revista "Visão" (1975/76).

Exposições
1. Na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, em pleno Porto, nos meses de
Janeiro e Fevereiro, Tintim teve direito a uma exposição comemorativa dos 75
anos passados após Janeiro de 1929, data em que foi "criado" por Hergé. A
iniciativa partiu da Associação Juvemédia.
2. "Pranchas originais de Arlindo Fagundes" foi o título da exposição
organizada pela Junta de Freguesia de S.Victor, em Braga, de 3 a 27 de
Fevereiro
3. "El Alma de Almada El Impar, Obra gráfica (1926-1931)" comissariada por
João Paulo Cotrim e Luis Manuel Gaspar, no Palácio das Galveias em Abril. A
exposição dedicada a uma parte da obra gráfica realizada por Almada
Negreiros no período que viveu em Madrid, de 1927 a 1932, era constituída
também por bd's publicadas em igual período no Sempre Fixe e no El Sol.
4. Em Abril, no átrio da Câmara Municipal de Coimbra, esteve patente o núcleo
central da mostra "Uma Revolução desenhada: O 25 de Abril e a BD",
promovida originalmente, cinco anos antes, pelo Centro de Documentação 25
de Abril da Universidade coimbrã.
5. No mesmo mês de Abril, desta vez no Centro Nacional de Banda Desenhada
e Imagem (CNBDI) estreou-se no dia 22 uma nova edição do tema, desta vez
sob o título "BD's de Abril: O 25 de Abril 30 Anos depois"
6. José Ruy, tão prolífero nas obras como na participação em exposições,
esteve representado em diversos locais:
2004 DOSSIÊ 087|259

a) Na Biblioteca Museu da República e Resistência estiveram patentes, por um


dia apenas, duas mostras: "Aristides de Sousa Mendes" (18 de Out), e "A Ilha
do Futuro" (5 de Nov).
b) Nos Açores, cidade da Horta, na Escola Dr. Manuel Arriaga, entre 9 e 13 de
Março, foram vistas pelos respectivos alunos e professores, pranchas daquelas
mesmas bedês;
c) Junta de Freguesia da Costa de Caparica, de 15 até 30 de Maio, houve
pranchas do "Porto Bomvento", escrito e desenhada por José Ruy, e das obras
literárias por ele adaptadas à bd: "Lusíadas", "Peregrinação de Fernão Mendes
Pinto" e de alguns Autos de Gil Vicente.
7. José Carlos Fernandes, outro prolífero, esteve presente, através de
pranchas originais das suas novelas gráficas, em vários locais:
a) Em Março (todo o mês) na Biblioteca Municipal de Odemira, com pranchas
da obra "Intuições";
b) Também do princípio ao fim de Março, foi no bar "Alinhavar", em Leiria, que
esteve representada a bd "A Pior Banda do Mundo";
c) esteve igualmente representado nos eventos bedéfilos realizados na
Sobreda e em Santo Tirso.
8. Mas das exposições integradas nos festivais, salões, jornadas, semanas,
encontros e quejandos, não se registam aqui pormenores, porque isso será
feito por quem investiga anualmente esse tema.

Internet
Nesta alínea da presente pesquisa, apenas englobando sítios portugueses
dedicados à BD, continuam visíveis e consultáveis os mencionados em anos
anteriores, para o que basta consultar o arquivo destes "movimentos" desde
1999. Mas há sempre novidades, como as que podem ser visitadas nos
endereços: http://entropia.no.sapo.pt (site de Paulo Marques), e
http://kloa.darkgod.net, dedicado ao mangá pela Joana Amaral.

Livrarias especializadas
1. Em Lisboa, a Librairie Française fechou... Embora não dedicasse totalmente
o seu espaço à bd, a velhinha loja prestava-lhe bastante atenção. Como que a
colmatar a lacuna, abriu no Instituto Franco-Português uma substituta, a
2004 DOSSIÊ 088|259

Nouvelle Librairie Française, onde se pode encontrar boa bd e, para quem


gosta de falar francês, há lá duas gaulesas a atender o público. Por sorte, a
mais jovem é apreciadora e até sabe da matéria.
2. Há dois anos abriu no Bairro Alto a "Cem Medos" – Livraria, Café & Galeria
de Arte que tem uma bem interessante e muito espaçosa secção de bd. Só
agora aqui é registada porque, injustamente, ainda não constava do roteiro do
escriba responsável por este levantamento bedéfilo.
3. Entretanto, a editora Polvo estendeu os seus tentáculos até Viseu, e por lá
implantou uma livraria homónima. Apesar de ainda ser recente na cidade, já
não há quem desconheça a sua existência. E isso por culpa dum pequeno
álbum com o título "As Mulheres Não Gostam de Foder", exposto
displicentemente na montra. Presume-se que talvez por se sentirem
incomodados com a crueza (ou inverdade?) da frase, houve viseenses que
recomendaram à polícia uma ida à livraria, a fim de reporem a moral (ou a
verdade?) e os bons costumes. O episódio foi badalado nos "media" (até
chegou aos jornais lisboetas), a livraria foi muito visitada, o livro esgotou.
4. Importante é constatar que, somando estas às que já existiam (em Lisboa:
BdMania, Mongorhead Comics e Kingpin of Comics; em Coimbra, Dr Kartoon; e
no Porto, Mundo Fantasma), há clientela suficiente para a bd em sete livrarias
especializadas, e mais uma que também mexe no assunto, em quatro cidades
portuguesas.

Rádio
1. João Magalhães (que em tempos editou um fanzine chamado Cincinato e
que posteriormente o transformou num bem mais visível suplemento
jornalístico) fala de bd e outros assuntos, no programa "Crónica no Ar", na
Rádio NOAR, de Viseu. Além disso, de vez em quando é convidado, na
qualidade de bedéfilo, para falar na Rádio Renascença (Emissor de Viseu).
2. João Paulo Cotrim foi convidado em 29 de Setembro, data do nascimento da
personagem Mafalda – ou Mafaldinha, como lhe chama carinhosamente aquele
especialista –, a fim de relevar a efeméride do 40º ano da sua criação por
Quino. E falou nas estações RPL, TSF e Renascença. Haja Cotrim! Alguém
fala de bd, de vez em quando, aos microfones lisboetas!
2004 DOSSIÊ 089|259

Selos
Numa louvável iniciativa dos CTT e Bedeteca de Lisboa, coadjuvados por
Pedro Cleto, foi emitido um conjunto de interessantes selos dedicados aos
seguintes heróis portugueses de bd: Quim e Manecas (de Stuart), Guarda
Abília (da autoria de Nuno Saraiva, desenho, e Júlio Pinto, argumento), Simão
Infante (desenhado por Eduardo Teixeira Coelho e idealizado por Raul
Correia), "A Pior Banda do Mundo", grupo de quatro personagens criados por
José Carlos Fernandes, O Espião Acácio, de Fernando Relvas, Jim del Monaco
(desenho de Luís Louro, argumento de António Simões), Tomahawk Tom (de
Vítor Péon, desenho, e argumento de Edgar Caygill, aliás Roussado Pinto,
embora no selo apenas mencione o nome do desenhador), e Pitanga, barbeiro
a domicílio (herói criado inteiramente por Arlindo Fagundes).

Televisão
1. Continua a não haver espaço próprio para a bd. Mas, de tempos a tempos –
em especial durante o período em que se realiza o festival da Amadora, lá
aparece um autor estrangeiro a ser entrevistado, coisa que se sabe pelo
próprio ou pelo acaso do zapping :)
2. Todavia, às vezes há um canal que lá se lembra de convidar alguém para
falar da coisa. Assim aconteceu com a já extinta NTV, que contactou o escriba
autor destas linhas para que ele fosse com dois autores até à estação emissora
localizada em Vila Nova de Gaia. Sendo no Norte, os escolhidos foram Arlindo
Fagundes, que mora em Braga, e Pedro Sousa Dias, que está a trabalhar no
Porto.
2005 DOSSIÊ 090|259

Ilustrações Pedro Zamith

Introdução

Está concluída publicação das análises de várias personalidades nas sete


áreas deste relatório anual sobre a bd portuguesa. Um ano rico em propostas
(abertura da Bedeteca de Beja, um ano cheio de festivais, o aparecimento de
um jornal dedicado à bd, etc...) face à crise económica do país e que se revela
negativa na edição.
2005 DOSSIÊ 091|259

Sobre o autor das ilustrações deste ano:


Pedro Zamith nasceu em 1971 em Lisboa onde reside, é licenciado em Pintura
pela FBAL e trabalha como professor. Tem participado em vários projectos de
ilustração e cenografia, bem como várias exposições de pintura.
Participou no Zalão de Danda Besenhada (Salão Lisboa 2000). A sua
exposição na Galeria Monumental ficou registada no catálogo "Tóquio - Hong-
Kong - Xangai - Singapura" (Associação Chili Com Carne; 2003). Prepara para
2006 uma nova exposição individual na Galeria Pedro Serrenho – Arte
Contemporânea.
Editou o fanzine Nova Gina e assinou o Lx Comics #7, participou no Mutate &
Survive bem como em vários números das revistas Bíblia, Quadrado e na
CanibalCriCa Ilustrada. Encontra-se a concluir um projecto de ilustração que já
esteve exposto no Salão Lisboa 2005 e que conta com textos de Rafael
Dionísio, João Paulo Cotrim, David Soares, entre outros, a publicar em 2006.
2005 foi mais uma vez publicado em França na colecção BD Jazz com uma bd
sobre o saxofonista Louis Jordan, ao mesmo tempo que a sua primeira
participação sobre Frank Sinatra (Nocturne, 2003) foi editada na versão
portuguesa da colecção.

[Resumos destes textos foram publicados no número 10 do "BD Jornal" (de


Fevereiro)]

Crítica
Pedro Moura

Esperando que o Pedro Zamith não mo leve a mal, começarei este artigo por
visar o desenho que o ilustra – e dou-vos portanto um exemplo de que uma
“ilustração” não tem necessariamente de viver na sombra do texto, já que ela o
pode criar a ele. Viso-o e digo-o erróneo. Se não mesmo errado (ou então, se
preferirem, como retratando um erro comum…). Usualmente o crítico
(enquanto pessoa singular) ou a crítica (enquanto disciplina do pensamento e
do exercício da interpretação) são vistos como carrascos armados de inveja,
2005 DOSSIÊ 092|259

presunção, água benta e pouco mais, uma espécie de imperador de trazer por
casa com polegares demasiados grandes e que não tem nenhum diálogo nem
com os autores, nem com a Arte de que fala, nem com quaisquer ideias, mas
apenas possui o dom de lançar sentenças. A consequência básica é natural:
um ódio a estes juízes que parecem ter o rei e o roque na mão e se arrogam de
poderes de superioridade. Tudo isto, obviamente, é uma pura e continuada
tolice. Não é esse o papel da crítica.

“Há muitos poucos artistas que queiram razoar sobre a sua arte. A sua vida é
toda feita de impressões: face à filosofia, fazem pouco, ao raciocínio, bocejam,
às deduções, adormecem. Crianças mimadas, mas acima de tudo crianças que
não gostam de nada senão os seus próprios brinquedos e que fazem má cara
às primeiras noções.” Que nem uma luva, este texto autorado por Rodolphe
Töpffer, “inventor da banda desenhada” e seu primeiro ensaísta e pensador,
em 1848, servirá a muitas circunstâncias nossas contemporâneas. Não é
necessário, muito menos obrigatório, que os artistas que fazem banda
desenhada (nem os que o fazem “melhor” nem o que as fazem “pior”) tenham
de pensar a banda desenhada. Tampouco o mesmo é exigido aos leitores
comuns e aos fãs. Os primeiros têm de criar, os segundos ler e apreciar, os
terceiros afadigarem-se nos seus gostos sem quaisquer preocupações
intelectuais. Ao crítico, porém, compete a instauração de ligações. Delas já
falámos antes. Continuo a não vê-las surgir com a expressão, a pertinência, a
importância, e até a potência que se desejaria num sistema livre de circulação
e divulgação de ideias.

Em relação a anos anteriores, não há muito a acrescentar sobre os que


mantêm a sua tarefa mais ou menos conseguida de escrever em publicações
periódicas, pelo que não repetirei o que está para trás. Acrescentarei apenas
que…

…este ano foi de vacas. Vacas gordas.

Primo. Surgiu um jornal totalmente dedicado à divulgação da banda


desenhada, o BD Jornal, nascido do esforço de uma pessoa, Jorge Machado
2005 DOSSIÊ 093|259

Dias (são várias as figuras neste país que recebem o nome - carinhoso – de
“carolas”, pois levam mesmo um mundo aos ombros, tarefas hercúleas), ainda
que com o apoio de muitos outros participantes, uns mais famosos que outros
e já conhecidos da nossa pequena “cena”, outros menos famosos mas não por
isso menos contribuidores. O jornal é sobretudo isso mesmo, um jornal, pelo
que se centra em certames, festivais, acontecimentos internacionais,
entrevistas, e reserva algumas páginas ora a artigos factuais sobre um ou outro
autor, reservando ainda uma secção para uma espécie de “estante” sobre o
que se têm publicado por cá. Aí apresentam-se muitas vezes textos que mais
não são do que copy-paste dos press realease, o que pouco adianta ao termo
“crítica”. No entanto, vão surgindo por vezes textos maiores, mais uma vez
centrando-se sobre um autor ou sobre um título, em que os escritores de vez
em quando conseguem escapar-se de ma simples sinopse seguida de
informações e dados e avançam uma tímida interpretação ou pensamento
crítico. Sem grandes riscos, pois o encómio continua a ser o signo preferencial
do que é editável, mas lentamente será possível obter esse espaço. Não surgiu
ainda, que eu saiba, nenhuma controvérsia, a que normalmente estão os
portugueses avessos, mas é na controvérsia e na discussão de ideias que isto
“anda para a frente”.

Secundo. Das várias secções jornalísticas dedicadas à banda desenhada


imprensa, como disse, há pouco a acrescentar, com a excepção da entrada em
cena de Luís Chambel, de A Voz de Ermesinde, cujos poucos textos denotam
desde já uma preocupação para além da mera notícia de publicação e chorrilho
de informações facilmente comprovadas, chegando mesmo a tocar em pontos
de extremo interesse conceptual para a leitura e interpretação da banda
desenhada. De resto, os autores e críticos competentes continuam nos seus
estilos particulares e de alguma busca de sentido, sejam eles mais cingidos a
uma integração numa História balizada (João Miguel Lameiras, o melhor neste
campo, sem dúvida), sejam eles a apontar para preocupações pessoais sobre
uma área que se vai alargando (Nuno Franco, também sem concorrência
nesse aspecto). Outros, porém, descambam cada vez mais em “crónicas”
personalizadas, de uma intimidade atroz e que são absolutamente improdutivas
2005 DOSSIÊ 094|259

se não mesmo contraproducentes a uma atitude inteligente para com a banda


desenhada.

Tertio. Apesar de já ter discorrido sobre essa publicação, merece mais uma vez
a nota de que a edição de Roteiro Breve da Banda Desenhada em Portugal, de
Carlos Pessoa, foi, acima de tudo, e digo-o sem pestanejar, uma “oportunidade
perdida”. Do seu valor crítico, nada há a descobrir. Mas ainda dentro de
“edições”, há a salientar, pois para existir crítica é necessário distância e é por
isso que se falam de “edições críticas”, há a assinalar a edição de O Príncipe
Valente (Livros de Papel), que é uma espécie de aventura filológica no nosso
incipiente mas nada displicente mercado de banda desenhada (veja-se o artigo
de Leonardo de Sá no BD Jornal no. 2.).

Quarto. A blogosfera está cada vez mais cheia de exemplos de escrita sobre
bd. Há os sites que já antes existiam sem grandes alterações (Comics Central),
David Soares que se desdobra noutros campos além do da banda desenhada
(O Sonho de Newton – osonhodenewton.crimsonblog.com). Várias pessoas
criaram pequenos blogs de resenhas curtas, opiniões, copy-pastes,
mas….tirando precisamente David Soares, que, apesar de tudo e infelizmente,
se tem distanciado da banda desenhada quer em termos autorais quer em
termos críticos, pouco se tem visto de francamente interessante do ponto de
vista crítico (que não de outro, pois lá têm o seu valor enquanto divulgação,
troca de informações, “olha aqui está”, “eu gramei de bué” e outras inanidades
do género mas que servem para levar algumas pessoas a procurarem as
publicações em questão). Geraldes Lino criou o seu Divulgando Bd
(divulgandobd.blogspot.com), que é uma espécie de sua territorialização da
internet da multímoda actividade já sabida. Nuno Franco, jornalista e crítico
citado acima, montou o seu blog (80fls.blogspot.com), onde também coloca
textos sobre bds. Também vários artistas criaram blogs ou sites dos seus
trabalhos, agora de cor digo André Lemos (opuntia-syndrome.blogspot.com) e
Alice Geirinhas (alicegeirinhas.com), mas raramente falam criticamente de
outros trabalhos ou livros ou mesmo das suas criações. Um outro blog de
interesse, bastante, é Mania dos Quadradinhos (quadradinhos.blogspot.com),
de Rezendes, sobretudo versando aspectos históricos e factuais de uma banda
2005 DOSSIÊ 095|259

desenhada mais clássica, mas um manancial de informações preciosas e de


apreciação da arte dos artistas visados, coroadas pela arte original
apresentada, que presumo ser colecção pessoal, de criar, por sua vez, grandes
invejas. Quanto a mim, criei um blog que, desde a sua fundação, tem já
algumas entradas, muito diversas em objectivos e qualidades, como facilmente
se depreende, mas onde tento em muitas delas colocar em prática alguns dos
princípios já aqui debatidos e posições teóricas e intelectuais defendidas.
Caberá a outros julgá-lo, ora no seu conjunto ora os artigos individuais,
conceptualmente, já que não posso ter a distância necessária. (Mas repito que
pouco me interessam bate-bocas pessoais, mas antes que me dirijam ideias
concretas a debater).

Quinto. Outras surpresas estão em publicações que não dedicadas à banda


desenhada que convidaram pessoas relacionadas com esta arte a se
expressarem. Falo, por exemplo, da Vértice, onde saíram artigos de Pedro
Mota e Teresa Guilherme Santos e de Cristina Gouveia (no. 117 – na verdade
este é de 2004), Geraldes Lino (no. 124) e dois meus (120 e 124). Seria
interessante fazer uma comparação de objectivos conceptuais e realização
desses mesmos objectivos dos artigos/autores vários, e sua consequente
pertinência ao estado da discussão da banda desenhada em Portugal, mas
isso ficará para outra oportunidade. O artigo de Pedro Mota e Teresa
Guilherme Santos, por exemplo, apresenta uma série de questões-chave com
as quais discordo teoricamente (forma e conteúdo, empatia, etc.), mas é
precisamente um artigo que fundamenta e estrutura uma discussão conceptual
de uma forma acabada, conseguida. A Nada, publicação dedicada a um
território muito sensível das fronteiras entre as artes, as ciências e a filosofia
(os quase-abismos da “máquina” Deleuze-Guattari), editou um artigo de Jaime
Freire, sobre Frank Miller. Presume-se e espera-se que este número e estas
participações se multipliquem no futuro. Outras publicações de menor impacto
e visibilidade também abriram as portas, mas a própria dificuldade em as
encontrar levaria a uma certa impertinência da minha parte… Simplesmente
pour prendre date, indico a publicação “marginal” A Voz de Deus (do Porto). A
Mondo Bizarre e a Underworld, por exemplo, mantêm as suas secções de
“leitura” e “breves” sobre bd. Finalmente, e com a triste notícia de ter sido o
2005 DOSSIÊ 096|259

último, a Satélite Internacional editou um número (duplo) totalmente dedicado


ao texto – com entrevistas, ensaios e resenhas. Alguns desses textos tentam,
de facto, levar a discussão geral ou particular das especificidades da banda
desenhada enquanto modo (Paulo Patrício, Mário Moura, Jans Balser e Olivier
Deprez, eu próprio – que modéstia!) ou de artistas específicos (Nuno Franco)...

Continuamos face à ausência generalizada de uma associação das leituras das


bandas desenhadas que vão sendo publicadas entre nós, independentemente
da sua data de publicação original, da sua pertinência estética face à própria
História interna deste modo, das circunstancialidades de execução, produção e
edição, a um mais vasto e contínuo (ou descontinuado, conforme a posição
teórica) fluxo cultural. Continua-se sobretudo preso à informação, no seu mais
pesado sentido de dados em bruto, ou reduzidos à mera notícia. Em suma,
continua-se genericamente alheio a uma potencialidade real deste modo, e
prefere-se manter uma atitude ora nostálgica, ora debilmente poética (“a banda
desenhada faz sonhar”), ora ainda enveredando por territórios perigosos e
extremamente redutores, na típica cegueira “aspectual” de tomar o todo pelas
partes, ou o modo pelos seus exemplos, como quando se afirma que “a banda
desenhada é uma linguagem simples e universal”. Não é. Resta, porém,
explicitar-se porque o não é ou porque se a considera como tal. Tal é o papel
dos críticos. Não é, independentemente das crenças populares, deixar cair o
cutelo.

Edição
Sara Figueiredo Costa

Já é lugar comum falar da crise antes de qualquer balanço dos últimos


tempos... A verdade é que ela anda aí e, mesmo sem rosto definido e servindo
para todas as desculpas, tem feito alguns estragos consideráveis em quase
todas as frentes. A edição de livros de banda desenhada, como se esperava,
não é excepção.
2005 DOSSIÊ 097|259

O ano que passou ficará marcado pela extinção da Meribérica/ Liber, depois
das ameaças e dos sinais de crise que se vislumbravam. A editora que já
publicou Astérix ou Lucky Luke, e que recentemente continuava a deter os
direitos de Corto Maltese (para ficarmos pelas séries de maior impacto
comercial), vinha perdendo o seu espaço nos últimos anos, com os direitos de
vários autores a transitarem para a Asa e com alguma desorganização no
catálogo (pese embora as recentes investidas com Akira, ou com Blueberry),
tendo acabado por sucumbir às inevitabilidades de um mercado que continua a
movimentar-se um pouco à margem do público leitor.
A Asa e a Devir consolidaram, no ano que passou, a sua posição dominadora
no mercado editorial português, assegurando a quase totalidade das
publicações que chegaram aos escaparates das grandes livrarias. A Asa
prosseguiu algumas séries (como Bouncer ou Gipsy) e iniciou outras, tendo
sido responsável por alguns lançamentos de boa memória como Mort Cinder,
de Breccia e Oesterheld (por fim!). A Devir, por seu lado, continuou o trabalho
já consolidado no âmbito dos comics norte-americanos, assegurou a edição de
obras entretanto adaptadas ao cinema (Sin City, de Frank Miller, prossegue em
português) e trouxe-nos o segundo volume da série Sandman, um novo volume
de José Carlos Fernandes e a sua Pior Banda do Mundo (O Depósito de
Refugos Postais) e Strangehaven na Arcádia, de Gary Spencer Millidge, para
destacar os que me parecem mais memoráveis.
Novidade a registar em 2005 foi o facto de a Gradiva, bem conhecida pelo seu
trabalho de edição de tiras cómicas, ter arriscado entrar por outros campos da
bd. A edição da derradeira obra de Will Eisner (A Conspiração) e a chegada de
Pierre Veys e Nicolas Barral, com Ameaças ao Império, foram as escolhas
definidas; veremos o que nos reservam para este ano (veremos,
nomeadamente, se haverá alguma coerência na edição de banda desenhada
ou se os livros irão surgindo sem grande lógica programática e no esquema
‘fora de colecção’, como tudo indica).
Para além da actividade das editoras com maior vertente comercial, 2005
assistiu
ao regresso à edição da Polvo, agora sob a forma de colecção, ao trabalho
filológico (termo que parece estranho ao mundo da bd, mas que faz todo o
sentido) da Livros de Papel e a dois lançamentos da MMMNNNRRRG. O
2005 DOSSIÊ 098|259

volume Borda d’Água / No Tempo das Papoilas, de Miguel Rocha (com uma
história reeditada e outra inédita) assinalou o retorno de um projecto editorial
sem o qual não é possível traçar a história da banda desenhada portuguesa
dos últimos anos e só nos resta esperar que os trabalhos de edição de bd da
Polvo e de Rui Brito continuem em força neste novo ano. A Livros de Papel
lançou, ao longo do ano, três volumes do clássico O Príncipe Valente, de
Harold Foster, numa cuidadosa edição que recupera as pranchas a preto e
branco e que, no terceiro tomo (o primeiro, cronologicamente) inclui uma
introdução onde se explicam as peripécias editoriais que conduziram a este
trabalho. Também a MMMNNNRRRG teve um ano para relembrar: começou
com Malus, de Cristopher Webster e acabou com Tribune Brute, um graphzine
em serigrafia com assinatura de André Lemos. Longe dos dilemas comerciais
da crise e da proliferação de edições sem público à vista, parece que as
pequenas editoras continuaram a levar o seu trabalho adiante com toda a
calma do mundo e com os critérios centrados no leitor e no objecto livre, mais
do que no marketing ou na oportunidade editorial.
No âmbito institucional, a Bedeteca de Lisboa editou o belíssimo catálogo do
Salão Lisboa 2005, cheio de informação relevante sobre os autores finlandeses
que por cá passaram e com alguns textos memoráveis em torno da cena
finlandesa de bd e da entropia, e voltou a dar ânimo à colecção Lx Comics com
Metamorfina, de Miguel Mocho e João Sequeira. Do trabalho desenvolvido nos
cursos do Centro de Imagem e Técnicas Narrativas da Fundação Calouste
Gulbenkian surgiu Memórias 10, um livro colectivo muito equilibrado e com
fortes hipóteses de ter revelado alguns autores cujo trabalho poderemos
acompanhar futuramente. Mais a sul, em Beja, a (também) Bedeteca trouxe
algumas publicações que merecem referência, mesmo que fora do âmbito dos
livros: fanzines, folhas informativas e Bófias, de Véte. Na Amadora,
acompanhando o XVIII FIBDA e as respectivas exposições, saiu mais um
catálogo com edição do CNBDI.
Os jornais e as suas publicações paralelas não foram tão dedicados à nona
arte coo em anos anteriores. O destaque neste âmbito vai para a colecção ‘Bd
Série Ouro’ do Correio da Manhã, da responsabilidade da Devir e da Panini,
nomeadamente pelo seu último volume, Um Homem que Caminha, de Jiro
Taniguchi, finalmente disponível em português.
2005 DOSSIÊ 099|259

Mesmo antes do fim do ano, a Relógio d’Água fez chegar às livrarias um


volume dedicado a Hugo Pratt (O Desejo de Ser Inútil) onde, com o auxílio do
diálogo possibilitado pela nobre arte da entrevista, ficamos a conhecer algumas
histórias em que o autor de Corto Maltese se confunde amiúde com a sua
personagem mais aclamada. Não sei se o ano que se segue vai ser de crise ou
de alguma recuperação do mercado editorial de banda desenhada, não sei se
a edição vai continuar concentrada na Devir e na Asa, apenas com projectos
pontuais a surgirem de outros locais, mas o velho lobo do mar parece-me uma
excelente companhia, para essa espera e para as outras.

Autores
Daniel Maia

Ano de descalabro e descontentamento, em que o mercado português tal como


o tínhamos deu um abrupto tombo por volta do último trimestre, 2005 foi
também um ano de paradoxos. Se podemos dizer ter havido um forte
desinvestimento em edições nacionais, com diversos bons projectos a não
conseguirem chegar aos escaparates, é também nítida a miríade de pequenas
iniciativas por parte de grupos privados que agora aparecem, orientadas em
especial para a edição de novos autores, que aos poucos começam a fazer-se
notar. O cosmos tem destas coisas... Foi preciso o mercado começar a dar o
“canto do cisne” para aparecer entre nós uma nova geração de artistas com
potencial para o refrescar.

Antes de seguirmos para casos concretos, um breve olhar a dados estatísticos:


Já um degrau abaixo de 2003, 2004 ficou-se pelo número (aproximado) de 50
autores publicados, não devido a álbuns lançados mas por força dos títulos
colectivos que deram à costa. Pondo de parte fanzines e publicações não-
especializadas que tais, as edições nacionais contam-se agora pela mísera
trintena; uma forte quebra se considerarmos que parte delas nem são
estritamente volumes (a colecção BD Jazz, os livros da Lx Comics e Colecção
2005 DOSSIÊ 100|259

Toupeira, etc.) e que o número de autores nativos editados é salvo apenas por
novas antologias, ficando todavia o valor abaixo do atingido em 2004.

Posto isto, a tendência que mais fez vibrar 2005 – e o único motivo porque o
ano fechou com nota positiva – foi a descoberta de diversos núcleos de BD,
cada qual com motivação e recursos próprios para dinamizar o sector e, melhor
ainda, com autores por dar conhecer:
Se por um lado há muito que é conhecido o grupo de artistas do Atelier
Toupeira (Beja), era-nos porém desconhecido quão hábeis eram alguns destes,
aspecto que o FIBD/Beja veio prontamente corrigir. No seio do grupo, quem
mais atenção chamou foi definitivamente Susa Monteiro que, como autora-
revelação do ano, estendeu o ar da sua graça a outras iniciativas, tendo
rapidamente sido pescada para projectos que prometem ofuscar 2006.
Criado sob os mesmos moldes e usufruindo de iguais oportunidades, os
desenhadores da associação AJCOI BD pecam apenas pela sua inexperiência
nestas lides. Todavia, com o festival de BD que promovem na sua cidade
(Pinhal Novo), os contratos de trabalho firmados com o edil e a revista
Sketchbook que acabaram de lançar, este grupo dispõe de tudo o que precisa
para aos poucos se ir afirmando no panorama bedéfilo.
Outro, quiçá mais auspicioso grupo por destacar é o Núcleo BD da FBAUL.
Como um polvo com os tentáculos ligados a diversas entidades, estúdios e
associações académicas, este núcleo chegou para agitar o meio e desafiar à
produção, com promessas de editar os melhores resultados na sua revista
Blazt, um periódico criado com os olhos na Europa. Como projecto com fortes
garantias de projecção, os dois números da Blazt ajudaram a destacar o
versátil Ricardo Cabral, sendo igualmente promissor o jovem João Martins,
vencedor do 1º prémio do concurso de BD do FIBD/Amadora.
De todos, o conjunto formado pela Citen é porventura aquele que esgrimiu
maior persuasão indie. Activo na divulgação das suas acções, este curso
propiciou obras de cariz laboratorial com alguns bons resultados gráficos a
surpreender, em especial numa formação essencialmente virada para a
vertente narrativa. O seu volume Memória 10 ficou, pela variedade de
propostas autorais, como uma das melhores surpresas do ano. A associação
2005 DOSSIÊ 101|259

de Richard Câmara ao projecto, bem como a sua distinção no festival fumetto,


continua a fazer dele um dos mais apetecíveis autores portugueses do
momento.
Uns mais capazes que outros, cada um destes núcleos dispõem de valiosos
meios institucionais (raros de conseguir na presente crise) para dirigir à
actividade bedéfila e assim chamar a atenção dos leitores e dos críticos do
sector; para além possuírem estúdios onde operar e publicações que
objectivem a sua produção. Com toda esta benesse há aqui uma
responsabilidade de se meter mãos à obra, pois destes vai depender a
excitação possível de trazer à nossa BD em 2006.

Fora estes quatro principais grupos, há que mencionar de seguida a total


mudança na maré que se observou nos concursos de BD no que toca à nova
geração de talentos. Após dois ou três anos de permanente desgosto perante
um imenso deserto de ideias nos concursos tidos por esse país fora (dos quais
o promovido pelo festival da Amadora é um bom barómetro), o FIBD/ Amadora
2005 – a julgar pela quantidade e qualidade das propostas – catalizou a dita
mudança. Nem preciso ficar-me pelo grupo de premiados, cada qual igual a si
mesmo, como se os seus trabalhos fossem um copo de água fresca;
inesperadamente por todo o concurso, umas mais concretizadas que outras,
houveram diversas propostas a demonstrar potencial criativo em franco
desenvolvimento.
Perante esta multiplicidade de abordagens é contudo notória a expressiva
influência que os anos recentes de exposição à cultura dos mangá/anime, bem
como o movimento de ilustração característico da comunidade nacional tiveram
junto dos autores. Foram estas, mais do que qualquer outra, as duas
tendências que mais alto falaram nos traços dos novos autores, e aquelas que
certamente mais verve prometem cunhar na Nona arte portuguesa.

Passando para os meandros da edição regular, foi José Carlos Fernandes


quem uma vez mais reinou no mercado. Com dois álbuns editados, entre o
esperado quinto volume d´A Pior Banda do Mundo e o peculiar A Última Obra-
2005 DOSSIÊ 102|259

prima de Aaron Slobodj, o prolifero autor esteve ainda em boa forma no seriado
Agência de Viagens Lemming, publicado durante o verão no Diário de Noticias,
tendo também integrado a colecção Série Ouro – feito de respeito para um
autor português, por figurar entre os mais populares clássicos da BD mundial.
Curiosamente, as duas outras facções de maior protagonismo no mercado são
em tudo antagónicas! Por um lado, temos a subsistente narrativa histórica, com
os créditos a irem para José Garcês (também em foco numa mostra individual
do CNBDI) com três álbuns editados, José Ruy e Jorge Magalhães. No outro
canto do ringue, temos a vanguarda estética representada por Tiago Manuel,
com os seus trabalhos a morder as fronteiras da BD, junto com André Lemos e
João Cabaço, em artbooks da Mmmmnnnrrg e Chili com Carne.

São também cada vez mais frequentes as menções a andanças de autores


portugueses em mercados estrangeiros. Embora estejamos longe de um êxodo
em massa para mais verdes paragens, esta saída profissional apresenta-se
como a principal bóia de salvação para quem procura fazer carreira na BD.
Enquanto que em França, num ano de poucas ocorrências, o destaque vai para
a tomada de assalto por Pedro Zamith, Pedro Nora e outros das edições BD
Jazz (difundidas por cá pelo Diário de Noticias), do outro lado do Atlântico, na
indústria de comics, os casos também se acentuam. De esporádicas
participações em revistas até desenho em antológias, aqui e ali tem-se notado
um contínuo desmoronar da muralha a transpor, com o melhor exemplo disso a
continuar a ser Eliseu Gouveia. Voltando a associar-se a editoras
independentes para uma apreciável fornada de títulos, o autor destaca-se em
The Return of the Mummy, que o juntou ao escritor com o qual se havia
estreado em 2004, com Cloudburst (Devir). Ainda uma chamada de atenção
para o projecto Shiki de João Lemos e C.B. Cebulski (ex-editor da Marvel) que,
já tendo sido anunciado, promete dar que falar lá para Abril.

Aproveitando para mudar de registo, há a assinalar excelentes presenças no


que respeita a autores estrangeiros. Embora as fenomenais propostas de Esad
Ribic, George Pratt, Gibrat, Civiello, Frezatto, Hermann, Bobillo, Marini, e
Victoria Francès tenham surpreendido os leitores, penso que o ano foi
principalmente marcado pela BD pura e crua, a preto-e-branco. Frank Miller
2005 DOSSIÊ 103|259

dominou, e o público pôde ser convenientemente apresentado a mestres do


calibre de Alberto Breccia (com dois grafismo diferentes!), Guido Crepax, e os
sempre apreciados Eduardo Risso e Jordi Bernet; havendo ainda espaço para
as apostas invulgares dos estilos de Christopher Webster, Richard Corben, Jirô
Taniguchi e Roman Dirge.

Por fim, num ano em que se celebrou – com várias mostras cá e no estrangeiro
– o centenário do falecimento de Rafael Bordalo Pinheiro, reconhecido como o
precursor da banda desenhada em Portugal, houve ainda tempo para
comemorar os 30 anos de carreira de José Abrantes. Há três décadas a
trabalhar no ramo da ilustração e BD infanto-juvenil, também ele esteve em
foco com uma retrospectiva sua no FIBD/Amadora, junto com o autor em
destaque deste ano, Ricardo Ferrand, numa merecida e variada mostra.
Em nota de despedida, fica o reconhecimento a autores desaparecidos este
ano: Enquanto o mundo dizia adeus ao grande Will Eisner (e continuará a dizê-
lo por muitos mais anos…), criador do formato novela gráfica e um dos
expoentes máximos da BD mundial e da sua linguagem técnica, nós dissemo-
lo ao não menos reputado Eduardo Teixeira Coelho, o mais popular e
distinguido desenhador português de sempre. Partiram ainda Nuno Simões
Nunes, autor em proeminência nos anos 50 e 60, com participações em
Cavaleiro Andante, e Gonçalo Garcia, humorista de SAD – Rent-a-Player.

Festivais
João Miguel Lameiras

Depois de um ano de 2004 marcado pela crise, também ao nível dos Festivais
de BD, 2005 deu sinais de uma outra dinâmica, mas que não deixa de ser
assombrada pelos preocupantes sintomas de que certas fórmulas caminham
para o esgotamento. Felizmente chegam sinais de renovação do Alentejo, onde
a primeira edição do Festival de BD de Beja revelou potencialidades que se
esperam ver confirmadas.
2005 DOSSIÊ 104|259

A nível dos Festivais de dimensão internacional, este foi um ano em cheio (pelo
menos em quantidade), em que além do Festival da Amadora e do Salão
Lisboa, voltámos a ter o Salão do Porto, num regresso infelizmente apenas em
formato virtual.
Começando pelo Festival da Amadora, foram nítidas as melhorias
(cenográficas e de programação) em relação à edição anterior. Mais adaptado
ao espaço da Estação de Metro da Amadora, o Festival comemorou os 100
anos do Little Nemo de Winsor Mckay com uma exposição que cometia a
proeza de juntar no mesmo espaço três originais de Winsor Mckay (e uma
belíssima “falsificação” de Bruno Marchand), a originais de Hergé (incluindo
uma raríssima prancha feita a 4 mãos com Jacobs), Moebius, Frank Pê,
Hermann e Milton Caniff, entre outros. Também em termos de autores
presentes, estivemos bem longe da pobreza franciscana da edição anterior,
com um cartaz bastante bem preenchido, onde não faltavam autores como
Vitorio Giardino, Rick Veitch, Al Davidson, Cameron Stewart, Alekzandar
Zograf, Ed Brubaker, Max, Sean Philips, Jim Woodring, Leandro Fernandez,
Garry Spencer Milidge, Jean-Pierre Gibrat, Bruno Marchand, Stassen e
François Boucq.
Mas estas melhorias (visíveis também a nível da organização do espaço, bem
menos labiríntico do que no ano anterior, mas mesmo assim escondendo
cuidadosamente a zona comercial, não fosse os visitante darem com ela…)
não escondem a desadequação do espaço das galerias do Metro para receber
os visitantes do Festival (já estive em saunas mais frescas…) e a preocupante
sensação, transmitida pelas sessões de autógrafos, em que o público era
exactamente o mesmo que em anos anteriores, de que o Festival da Amadora
não está a conseguir criar novos públicos, apesar da facilidade de acesso que
o Metro proporciona.
Já em relação ao Salão Lisboa, que prosseguiu com a sua itinerância pela
cidade, manteve-se uma preocupante incapacidade de atrair visitantes, talvez
pouco motivados para descobrir os talentos escondidos da Banda Desenhada
finlandesa, ou ainda menos dispostos a pagar o bilhete de entrada no
magnífico espaço da Estufa Fria para verem a exposição, encenada com a
sobriedade habitual de Pedro Cabrita, mas que nem sempre aproveitava
devidamente as potencialidades cenográficas de cada trabalho.
2005 DOSSIÊ 105|259

Mesmo uma excelente ideia, como foi a de distribuir o Catálogo do Salão com o
jornal Público não parece ter atraído grandes visitantes e foi até deprimente ver
que no encontro de Emanuel Guibert com o público, esse mesmo público se
resumia a dois jornalistas (um deles, por acaso, do jornal Público…). Restou a
oportunidade de descobrir o trabalho do colectivo Le Dernier Cri e,
principalmente, ver em Portugal a obra de BD e pintura do italiano Guido
Buzzelli, exposto no Museu da Cidade.
Quanto ao Salão do Porto, que completou 20 anos de vida em 2005, sem
meios financeiros para voltar ao Mercado Ferreira Borges, ficou-se pelo cyber-
espaço, através de uma exposição virtual (ainda visitável em www.sibdp.com)
que nos fez ter saudades do Festival nacional que melhor soube conciliar a BD
alternativa com as propostas mais dirigidas ao grande público e que deu a
descobrir aos visitantes alguns dos maiores nomes da BD mundial, antes
destes serem famosos (Miguelanxo Prado e Joe Sacco são só dois de muitos
exemplos possíveis).
Quanto aos Festivais de menores dimensões (e ambições) tirando as Jornadas
da Sobreda, que prosseguem o seu caminho, tudo aconteceu no Alentejo, onde
para além do Moura BD, surgiu o Festival de BD de Almodôvar e o Salão de
Banda Desenhada de Beja. Este último foi mesmo a grande surpresa do ano,
pela qualidade das exposições e pelo dinamismo que a recém-criada Bedeteca
de Beja e o seu principal responsável, Paulo Monteiro, revelam.
Projecto com pernas para andar e vontade de crescer, o Salão de Beja foi a
prova de que mesmo em tempos de crise há esperanças de renovação. Isto
para além de ter revelado um dos mais fulgurantes talentos gráficos da BD
nacional, saído do Atelier Toupeira, organizado pela Bedeteca de Beja: Susa
Monteiro. Fixem este nome. Ela ainda vai dar muito que falar!

Fanzines
Marcos Farrajota

Mais um ano em que o resumo sobre os zines / edição Do It Yourself é


analisado de uma forma (demasiada) esquemática, não por preguiça mas por
2005 DOSSIÊ 106|259

pragmatismo dada às muitas variáveis deste tipo de edição em Portugal. Houve


uma evolução com características nítidas até 2001 que têm sido pouco a pouco
pulverizadas com a solidificação da edição DTP (desktop publishing) que inclui
a expansão para o ciberespaço, e a crise económica do nosso país cujos
efeitos são difíceis de contabilizar.
Nesta fragmentação que nos acompanha desde 2002 não tem havido
novidades até este ano surgirem uma série de novas publicações que podem
ser colocadas num saco X e que obrigam a uma observação mais critica (parte
X) da minha parte.

Assim sendo, por tópicos o que 2005 pariu:

I. Keep on truckin’:
Os zines “Porca Frita”, “Aqui no Canto”, "Na verdade tenho 60 anos" e
“Gatafunho” continuaram a sair.
Foi mais um ano de feiras de zines e edições independentes em sítios tão
diversificados como nos Jardins do Estoril e na Caixa Económica Operária
(Lisboa) ou em eventos como Cidade Desconhecida (Viseu), Salão Lisboa
2005, BejAlternativa, Feira Laica II (na Bedeteca de Lisboa), Zurzir o Gigante
(Lisboa), Festival de BD do Pinhal Novo e Encontro de BD de Sto. Tirso ou no
festival Superstereo Demonstration (Linhares da Beira).
O zine suíço “Milk & Wodka” continuou com a sua quota de participação anual
de autores portugueses.
Dos independentes até foi um ano com algumas novidades: a MMMNNNRRRG
editou o “Malus” do britânico Christopher Webster, a Associação Chili Com
Carne lançou o último volume da CCC Ilustrada (Mesinha de Cabeceira) e um
livro de esboços de João Cabaço (“Do acidente e da culinária”), o zine Zundap
investiu no “Piolheira Blues” de Artur Varela, e Paulo Patrício publicou o
segundo número do desdobrável “Le Sketch” com esboços do norte-americano
Matt Maden.

II. Zombies:
Regressou a Feira de Fanzines de Almada, após 4 (longos) anos de interregno,
com uma programação simpática mas esqueceram-se que os zines “já não
2005 DOSSIÊ 107|259

existem” (em quantidade e no tradicional formato de fotocópia) e não souberam


gerir esse problema da melhor forma. Esperemos que ainda haja uma edição
em 2007 e não em 2009.
A revista “Satélite Internacional” demorou um ano a deitar cá para fora o
número duplo 4/5 (especial Sputnik e sem imagens). Só publicou – e
compensou o desafio - textos sobre bd escritos pelos alguns dos melhores
críticos nacionais e internacionais. Um documento único em Portugal.
A “Lx Comics” voltou com um número, depois da contabilização negativa de
2004. Relembro, que esta situação – a ausência de publicação em 2004 – foi
devido à falta de propostas e não devido a questões orçamentais. Um novo
número já está a ser preparado para 2006. Espero que estejamos numa
situação de recuperação da colecção!

III. Reload
Uma emergente corrente de autores de bd, ilustradores e críticos tem criado os
seus sítios na Internet, sobretudo na forma de blogues: André Lemos, Barbara
Ròf, João Maio Pinto, José Feitor, Rui Gamito, Geraldes Lino, Pedro Moura,
Nuno Franco, etc…
Também houve uma participação portuguesa tímida no site www.40075km-
comics.net – organizado pelo colectivo belga L’Employé du Moi.

IV. Fim de ciclo?


David Soares aparentemente abandonou o seu projecto editorial Círculo de
Abuso, onde editou 7 edições (não só de bd mas também de poesia, conto e
ensaio) entre 2000 e 2004. Demonstrando cansaço perfeitamente legítimo
pelas lides (auto)editoriais, optou por uma editora já estabelecida, a Polvo, para
o seu segundo livro de contos.

V. Back to the future


O workshop do colectivo francês Le Dernier Cri promovido pelo Salão Lisboa
2005 trouxe dois frutos: por um lado, o resultado prático do workshop que foi a
saída de 50 exemplares do graphzine “Tome Celo” com os trabalhos dos
participantes; por outro, a aplicação desses moldes experimentados por André
Lemos (que tinha participado no inspirador workshop), em “Tribune Brute”,
2005 DOSSIÊ 108|259

edição da MMMNNNRRRG com o apoio de Mike Goes West. Mais objectos


destes para o futuro? Espero que sim…

VI. Falsos novos


Novidades de zines não houve – e se houve nada que chamasse a atenção –
mas na prática houve novos títulos vindos de autores/editores já conhecidos,
que continuaram a produzir ora com novos conceitos ora metamorfoseando os
títulos das suas publicações. O divulgador mais activo de sempre, Geraldes
Lino, apanhou uma série de autores para o seu novo “Jazzbanda” (dedicado ao
Jazz) e para o “Nemo no Século XXI” (para homenagear o Little Nemo in
Slumberland). Joana Figueiredo fez o “The Last Hurrah” (incluindo trabalhos de
Rafael Gouveia, Pitchu, José Feitor, André Lemos…) e o emigrado Pitchu o
“Car Crash” (versus o colectivo norueguês Dongery).
Destaque, pela qualidade, experimentação e regularidade dos zines de Marco
Mendes, Miguel Carneiro & cia, “Lamb Haert”, “Hum hum estou a ver…” e
“Deja-me Solo! Estou careca e a minha cadela vai morrer”… Para 2006
prometem novidades pujantes!

VII. Easy come, easy go


Do underground para o mainstream, só houve o João Maio Pinto a substituir o
Rui Ricardo na série de bd “Superfuzz”, no jornal “Blitz”, mas poucos meses a
série foi cancelada – dada às remodelações internas da redacção e crise do
jornal. Nenhuma explicação foi dada aos fãs da série.
A edição ilustrada do “Público” – para o Salão Lisboa 2005 como tem sido
hábito todos os anos desde 1998 – teve direito a um interessante “refresh”.
Nessa edição em espaços predefinidos do jornal foram convidados autores de
bd (e ilustradores) para realizar a sua própria “crónica gráfica-narrativa” em vez
de da mera ilustração de notícias. No caso da bd – que me parece que correu
de forma mais incisiva e sumarenta – foram publicados autores directamente
vindos dos “indies” como João Maio Pinto, Sandy Gageiro e José Feitor (do
extinto Zundap), Marte e Pedro Brito, Francisco Sousa Lobo.
Geraldes Lino tem também conseguido mobilizar autores para serem
publicados no jornal “Mundo Universitário”, tendo já passado por lá o
2005 DOSSIÊ 109|259

Pepedelrey, JCoelho, etc… curiosamente consegue fazer com que os autores


sejam pagos ao contrário do gigante “Público”!

VIII. Work
A inaugurada Bedeteca de Beja elaborou uma exposição dedicada aos “10
anos do Submarino”. “Submarino” é um fanzine de bd que existe desde 1995,
resultado do Atelier de BD organizado pela Câmara de Beja para crianças entre
os 7 e os 13 anos. Pretende essencialmente estimular nos jovens o gosto pela
bd, o "Submarino" é o seu veículo de publicação dos resultados dos seus
pequenos participantes. Curiosamente «torna-o num dos fanzines mais antigos
do país, o que não deixa de ser um facto interessante.»
Houve worshops em Cascais (de zines) e em Braga (de bd) que resultou no
zine “Velha-Desenhada”. Os resultados foram zines em fotocópias, nada a
declarar.

XIX. DIY
«“Zurzir o gigante” foi um evento organizado por um grupo informal de artistas
gráficos com o objectivo de proporcionar a compra de originais de ilustração ao
mesmo tempo que criaram um espaço agradável de convívio e troca de
experiências artísticas durante três dias de Dezembro. Esta iniciativa insere-se
numa lógica que pretende a proximidade entre o público e os artistas, e a
possibilidade da aquisição de obras de arte a preços acessíveis, desafiando
assim a filosofia das galerias de arte, através da realização de eventos
organizados e promovidos pelos próprios artistas, sem intermediários. A
experiência filia-se em outras já ensaiadas e plenamente conseguidas, como "A
Arte dos Trezentos" (2001), as "Fantasias de Natal" (2003) e as mostras de
ilustração que decorreram paralelamente às diferentes edições da "Feira Laica"
– a última realizada na Bedeteca de Lisboa.»
Apesar do texto acima ser um excerto adaptado da nota de imprensa da
organização, serve para relembrar que (pelo menos no Natal) há sempre um
grupo que inventa uma capacidade sinérgica temporária para realizar um
evento que divulga “artes gráficas” (bd incluída) sem apoios institucionais de
relevância. E que consegue de uma forma ou de outra impressionar os meios
artísticos raquíticos da capital pela frescura e sinceridade das propostas. Estes
2005 DOSSIÊ 110|259

eventos mostram o quanto um conjunto de pessoas pode criar uma diferença


no meio. O problema é que "colectivo” em português também significa
“temporário”.

X. Novos Rituais de Passagem


A bd portuguesa de 2005 tem uma nova característica curiosa em relação ao
seu passado, nomeadamente foi um ano de proliferação de projectos editorais
que apoiam a produção amadora. Da Faculdade de Belas Artes da
Universidade de Lisboa (FBAUL) nasceu um Núcleo de BD que editou já dois
números da revista “Blazt” (o número zero intitulava-se “Blastmagazine”), a
Bedeteca de Beja lançou a revista “Venham +5” e a colecção “Toupeira” (uma
mimética da Lx Comics), a AJ-COI começou a revista “Sketchbook” e o CITEN
publicou o livro “Memórias 10” – sendo que a direcção deseja continuar a editar
livros dos participantes dos seus cursos de BD, Ilustração e Argumento.
A chatice destas edições é que todas elas são cheias de boas intenções mas
falham naquilo que se pretende: bd nova, bd feita por autores que tenham
coisas para dizer, bd que se tenha prazer de ler - ou um incómodo pela
novidade criativa. A maior parte – senão todos – dos autores não conseguem
criar discursos próprios para podermos destacar um – talvez haja um, o
Ricardo Cabral (da “Blazt”) exclusivamente pela sua extraordinária capacidade
técnica gráfica. O que acontece é que existem programas que estão a ser
cumpridos: o CITEN a incentivar uma experiência para-pedagógica, o Núcleo
da FBAUL a projectar os seus alunos, a Bedeteca de Beja o talento local, etc…
mas nenhum conseguiu fugir do “talento verde” cheio de clichés e repetições
de ideias gastas, resultado contra a maré especialmente numa era em que há
mais informação disponível (via lojas, festivais, Internet) e que a bd vive tempos
de perfeita expansão de temas e formas – independentemente dos
radicalismos, temos desde o jornalismo ao naíf, dos jogos oubapos à pintura,
etc…
Gosto de pensar que isto é o início de algo que irá amadurecer no futuro mas
se acrescentarmos o facto que publicam na alçada de instituições – a AJ-COI é
uma associação que depende da iniciativa privada do seu grupo fundador uma
vez que não está inserido numa câmara municipal ou numa escola – parece
que estamos no pior paternalismo que é tão típico em Portugal. Receio que
2005 DOSSIÊ 111|259

maior parte destes principiantes ficariam encostados à bananeira se não


tivessem tido estes produtores / editores a publicar os seus trabalhos sem
grandes exigências.
A desilusão que sinto neste desperdício de meios não me leva a declarar que
estes projectos não devem existir ou que não mereçam apoio, o que me
incomoda é a falta de consciência dos seus intervenientes que parecem
necessitar preencher os egos invés de quererem criar um trajecto artístico –
eles dirão que não, claro – e pior, o que dá a entender é que a “iniciativa
privada” está morta, não é possível concretizá-la ou ninguém quer concretizá-la
ignorando o sucesso que venha a ter ou não. Parece o que aconteceu nos
anos 90 já não existe, relembro, que foi a iniciativa privada dos autores que
construíram as suas carreiras (ou se preferirem experiências) talvez porque
esses autores tinham algo para dizer de tão urgente que tiveram de ir em frente
de qualquer forma fosse com zines fotocopiados, fosse com pequenas editoras,
etc… Talvez por ter vivido esses momentos que agora pareço um reaccionário
mas desta mão cheia de edições não houve uma única vez que tenha sentido
algo na sua leitura. Serei eu?
Como projectos editoriais parece que estamos perante um limbo ou uma “terra
de ninguém” porque não sendo eles mediáticos (foram ignorados na essência
seja pela imprensa generalista quer pela especializada) e nunca ultrapassando
a baixa tiragem de 500 exemplares parecem que se inserem nesta secção de
“zines e edição independente” mas acho que eles não tem o pathos do DIY.
Não tem a selvajaria da criação. De todos, o mais genuíno (e para mim logo o
mais interessante) parece-me que será o “Sketchbook” pela forma como estão
a trabalhar. Elaboraram um concurso e um festival de bd para apanhar talentos
e lançaram o desafio para explorá-los. Nas suas páginas almeja-se que os
autores produzam bd’s de 10 páginas – cada número trará 2 bd’s de autores
diferentes – sem alguma espécie de tema predefinido. Mas também tinham de
ser eles a porem o pé na poça ao escrevem algures na nota de imprensa que
em Portugal «também temos Morrisons, Moebius, Palmiottis e Isanoves, que
merecem que lhes seja dada uma oportunidade». Assumir o cliché como
apanágio de um possível profissionalismo parece-me um bocado parvo.
Pergunto-me se eles não podiam dizer que o que temos é este tipo com nome
bem português e que ele vale por si só, que esse tipo não é o Grant Morrison e
2005 DOSSIÊ 112|259

ainda bem porque no mundo já existe um e não queremos mais Morrisons caso
contrário o mundo seria neutral. A bd portuguesa já criou os seus fenómenos
únicos e inimitáveis como o Filipe Abranches ou a Ana Cortesão sem este
discurso entre o naif e o pretensioso. Não é isso que interessa?

Investigação
Adalberto Barreto

Mais um ano e mais uma análise à pouca investigação publicada em Portugal.


Esperemos que com a polémica instalação do MIT na ditosa pátria, aumente
também a investigação em banda desenhada.

Tentando simplificar e demarcar aquilo que neste texto entra como


investigação, na linha do que foi referido nos textos dos anos anteriores,
consideramos como investigação:

1) Trabalhos publicados (comercialmente ou não) em qualquer espécie de


suporte;
2) Trabalhos publicados através de qualquer medium narrativo (escrita, banda
desenhada, documentário, filme, …);
3) Trabalhos onde ocorram, separada ou cumulativamente, um dos seguintes
requisitos:
a) Consulta de outras fontes externas em relação à obra, autor ou assunto
principal do trabalho (e.g. a existência de uma bibliografia final é forte indício de
se tratar de um trabalho de investigação). Ou seja é necessário que não seja
apenas uma opinião ou ensaio sobre…
b) Depoimentos de autores, ou outras testemunhas sobre factos que tragam
nova informação ao universo que estamos a analisar;
c) Dados estatísticos, resultantes de entrevistas, questionários ou inquéritos
sobre o universo da banda desenhada em qualquer disciplina ou ciência.
d) Trabalhos sobre edições históricas publicadas em Portugal.
2005 DOSSIÊ 113|259

LIVROS
Em ano de centenário do mais importante caricaturista e humorista gráfico da
história de Portugal – Rafael Bordalo Pinheiro – duas obras foram publicadas
para assinalar a efeméride e ambas são um autêntico “regalo para as pupilas”
(www.tebeoesfera.com, 2005). A primeira a foi publicada em Março pela
Hemeroteca e serve de catálogo da exposição realizada nos Paços do
Concelho da CML entre 21 de Março e 24 de Junho. O título é «A rolha:
Bordalo» e teve como principais colaboradores Álvaro de Matos (director da
Hemeroteca), Joana Balsa Pinho, Marta Nogueira e Paula Borges. A segunda
obra «Rafael Bordalo Pinheiro: fotobiogafia» teve como autor e investigador o
João Paulo Cotrim. Sendo uma fotobiografia contém inúmeras fotografias da
época, mas também reproduz páginas de revistas e algumas ilustrações.
Segundo o site supracitado «o trabalho de Cotrim deixa claro, em primeiro
lugar, a sua enorme paixão pela banda desenhada e o seu conhecimento
apaixonado pela obra de Bordalo Pinheiro».

Destinada a um público-alvo generalista, interessado ou com curiosidade sobre


a história da BD portuguesa «O roteiro breve da banda desenhada em
Portugal» é também um breve regalo para os olhos. Contudo, parece-me que
falha na sua primeira metade enquanto livro. E falha porque que não existem
ou são poucos os adjectivos. A opinião do autor. O enquadramento das bandas
desenhadas que estão a ser descritas com a política, a economia e a
sociedade. E sobretudo um enquadramento em que se note prazer de quem
escreveu. Penso que por esse motivo quem lê a primeira parte da obra fica
com a sensação que está a ler uma lista telefónica. As frases sucedem-se fria e
quase mecanicamente mais ou menos com os seguintes elementos: autor –
título da obra. revista. datas. editor. formato. autor – título da obra. revista.
datas. editor. formato. autor – título da obra. revista. datas. editor. formato…
Parece um dicionário por organizar. Estão lá todos os elementos para constituir
o ponto de partida para um bom dicionário de autores, títulos e personagens da
BD portuguesa, excepto a separação das entradas, as remissivas e a
organização alfabética.
2005 DOSSIÊ 114|259

Quanto à segunda metade do livro já se nota um maior entusiasmo do autor.


Agora não sei se o problema é meu, que a partir dos anos 70 começo a ler BD
pelo que os títulos e os nomes já me são mais familiares e interessantes. Ou se
o próprio autor se sente mais à vontade para escrever com emoção a partir dos
anos 60.
De qualquer modo, não há bela sem senão, Carlos Pessoa ao ganhar
entusiasmo com os adjectivos esqueceu-se de alguns substantivos nomes
próprios obrigatórios, como no caso do “Loverboy” que omitiu o argumentista e
a BD ficou só com o desenhador.
Em relação à crítica que faço ao livro, não deixo de referir que corro o risco de
venire contra factum proprium. Ou seja, é natural que neste texto sobre
investigação também caia no mesmo deficit e me entusiasme mais a escrever
sobre determinados trabalhos que tive o prazer de ler, do com outros cuja
leitura foi um pouco pela diagonal, como o exemplo que se segue…

Publicado originariamente pelas Editions Robert Laffont em 1991 a Relógio


d’Água publicou em 2005 «Hugo Pratt : o desejo de ser inútil», mais de 250
páginas de entrevistas a Hugo Pratt conduzidas por Dominique Petiffaux. Muito
resumidamente trata-se de um «livro profusamente ilustrado e publicado
poucos anos antes da sua morte, e que explora os mistérios da sua vida»
(www.bedeteca.com, 2005).

Pela Bedeteca de Lisboa foi publicado o catálogo geral «Salão Lisboa, 2005».
Tal como sucede com a revista «Satélite internacional» parece-me que a maior
parte dos trabalhos nele incluídos se enquadram mais num registo de ensaio
sobre BD contemporânea do que investigação, embora a fronteira entre ambas
seja de difícil demarcação.

ARTIGOS
Nesta rubrica, não irei fazer uma análise exaustiva, mas apenas uma selecção
dos textos que me pareceram mais relevantes, face também aos critérios
expostos no início.
2005 DOSSIÊ 115|259

Catálogo do Festival da Amadora

Daniel Barbieri em «Sonhos da China» escreve provavelmente o melhor texto


do catálogo. Uma boa mescla sobre Freud e seus discíplos, “onírismo” e a
separação das águas (com definições precisas) entre banda desenhada
fantástica e onírica. O que pensávamos que é onírico afinal não é. É fantástico!

«O sonho comanda a arte» (Leonardo de Sá) é um texto que aborda com


interesse o “sonho” nos primórdios da banda desenhada americana, com uma
pequena incursão final na BD europeia e portuguesa. Para além deste texto o
autor também escreve um útil artigo biográfico sobre Carlos Alberto Santos.

Do trabalho exaustivo de Pedro Mota, que escreveu cerca de 30 artigos para


catálogo do Festival, destaco a pesquisa que efectuou sobre o sonho na BD,
pesquisa essa que começa antes de McCay e vai até à BD contemporânea,
dividindo o trabalho por áreas geográficas (BD americana, franco belga, de
expressão latina, manga e portuguesa). Creio no entanto que a interpretação
do tema “o sonho” tenha sido um pouco extensiva demais. Não havia fronteiras
para delimitar aquilo que devia ser objecto de análise ou não. Assim
encontramos nestes textos considerações sobre a mera ocorrência da palavra
“sonho” no título de uma obra, à própria representação icónica do sonho na bd,
como a representação de pequenos sonhos de heróis famosos (quanto a mim
estas são as partes menos interessantes da investigação), para passarmos à
análise de obras onde o sonho, o fantástico são o próprio conteúdo principal da
obra (e.g. Sandman, Philémon, etc…), culminando, por último, no sonho
biográfico. Na representação dos sonhos. Ou seja no trabalho de autores de
banda desenhada que registam regularmente os seus sonhos (sonho não
entendido metaforicamente, mas fisicamente). Esta última é a área mais
interessante da investigação, daí o destaque para o artigo “Dreamcomics”, com
longos depoimentos de Aleksander Zograf e Rick Veitch onde, entre outras
informações, os autores nos revelam a adequação perfeita da banda
desenhada como meio para representar a experiência do sonho. Destaque
também para o artigo biográfico sobre Miguel Rocha, em que para além duma
2005 DOSSIÊ 116|259

análise exaustiva à obra do Miguel, sobressai também a opinião dele sobre a


situação da BD em Portugal.

Muito agradável é a leitura da biografia de «Eduardo Teixeira Coelho» de


Geraldes Lino, alguém que escreve sobre a banda desenhada portuguesa com
rigor e com a paixão de um adepto de futebol, a título de exemplo atente-se a
esta passagem sobre o ETC “…há que sublinhar a espantosa capacidade de
trabalho e a rapidez de execução deste exímio esquerdino”.

PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
Mais um ano e mais um Satélite Internacional. Desta vez os números 4 e 5
onde destaco o texto de Domingos Isabelinho «Ut pictura poesis» que me volta
a “baralhar” os conceitos que já estavam arrumadinhos no hemisfério esquerdo
do cérebro. Afinal a banda desenhada não tem de ser narrativa. Pode ser uma
pura estética estática e a pintura ou a ilustração podem conter (e contêm
muitas vezes) narrativa. Os artigos do Pedro Moura, do Paulo Patrício e a
entrevista do Nuno Franco com a Anke Futchenberger também merecem um
destaque.

Em Abril de 2005 saiu nas bancas um novo periódico generalista de divulgação


da banda desenhada. Trata-se do BD Jornal que já vai n.º 9 um jornal que
resulta sobretudo do esforço e da dedicação do seu director J. Machado Dias.

Também em 2005 saíram 4 números do «Boletim do Clube Português de


Banda Desenhada». Destes números o destaque vai para o assinalável estudo
sobre a revista espanhola “Chicos” (homóloga da portuguesa Mosquito) por
Fernando Cardoso com um notável enquadramento histórico do franquismo e
da guerra civil espanhola, bem como o trabalho dedicado ao herói Adam
Strange que inclui a longa história do personagem por Paulo Duarte.

INTERNET
Na Internet os destaques vão para o XII Salão Internacional de Banda
Desenhada do Porto (www.sibdp.com), que regressou em 2005 com um Salão
Virtual. Em princípio esta nota não seria digna de destaque neste espaço sobre
2005 DOSSIÊ 117|259

a investigação, contudo dada a quantidade de informação histórica disponível


no site não podíamos deixar em branco. Para além do salão há que assinalar o
Weblogue «Mania dos Quadradinhos» (http://quadradinhos.blogspot.com/) um
autêntico repositório de informação sobre os quadradinhos (nacionais e
estrangeiros) clássicos esquecidos. Em queda livre regista-se a investigação
no site Centralcomics que agora é, cada vez mais, um espaço comercial em
linha.

TESES ACADÉMICAS,
Não temos notícia da conclusão de nenhuma tese sobre banda desenhada.
Está, no entanto em curso, no Departamento de Filosofia da Universidade
Nova de Lisboa uma tese de Mestrado em Filosofia Estética intitulada «A
memória na banda desenhada». Um estudo que incide sobre o trabalho de um
grupo de autores franceses contemporâneos, coordenado por Maria Filomena
Molder e Jan Baetens. O mestrando é o Pedro Moura.

CONCLUSÕES:
Num mercado como o português a investigação é sempre tão escassa que
nem se pode falar em crise. Noutros mercados mais competitivos são as
próprias editoras privadas que publicam a grande maioria dos trabalhos de
investigação. Em Portugal isso não acontece. No ano de 2004 a ASA ainda se
aventurou no mercado com um livro dedicado ao Vasco Granja. Mas este ano
não houve nada. A ASA e a Devir, as editoras sobreviventes do boom editorial
de há uns anos para cá não publicam absolutamente nada neste domínio.
Salvou-se a Relógio de Água com a tradução de uma obra publicada em
França em 1991 de investigação sobre um grande autor italiano e a Assírio e
Alvim (com a indispensável ajuda de patrocínios públicos) com a fotobiografia
do Rafael Bordalo Pinheiro. De resto os catálogos dos Salões de Lisboa e da
Amadora, O breve roteiro da BD e o Catálogo do Bordalo: a rolha têm todos por
trás a chancela editorial de entidades públicas.

Um quadro comparativo mostra-nos a quantidade de monografias publicadas


em Portugal sobre banda desenhada, nos últimos 6 anos.
2005 DOSSIÊ 118|259

2000 – 7
2001 – 5
2002 – 4
2003 – 3
2004 – 6
2005 – 4

É assim que as coisas têm andado. Num país onde as pessoas lêem pouco.
Lêem ainda menos banda desenhada, é normal que não exista grande
interesse por este tipo de edições. Salve-se a abertura da nova Biblioteca da
Bedeteca que em duas frentes distintas criou, por um lado, um novo espaço de
preservação de obras raras para os investigadores (centro de documentação)
e, por outro, um espaço de promoção da leitura de obras recentes (biblioteca
de banda desenhada). Sejam muito bem vindos!...

_____

BIBLIOGRAFIA DA INVESTIGAÇÃO PUBLICADA EM PORTUGAL, 2005

BARBIERI, Daniel – Sonhos da china: o onírico e o fantástico na literatura aos


quadradinhos. // In: BD Amadora 2005. Amadora: Câmara Municipal, 2005. P.
30-35

BD JORNAL [Publicação periódica]. Dir. J. Machado Dias. Lisboa:


Pedranocharco, 2005 . N.º 1-8

BOLETIM DO CLUBE PORTUGUÊS DE BANDA DESENHADA [Publicação


periódica]. Dir. Paulo Duarte. Lisboa: CPBD, 2005. N.º 110-113

COTRIM, João Paulo – Rafael Bordalo Pinheiro: fotobiografia. Lisboa: Assírio e


Alvim, 2005.
119|259

LINO, Geraldes – Eduardo Teixeira Coelho, um clássico da banda desenhada.


// In: BD Amadora 2005. Amadora: Câmara Municipal, 2005. P. 113-119
2005 DOSSIÊ

LISBOA. Câmara Municipal. Hemeroteca – A rolha: Bordalo. Lisboa:


Hemeroteca Municipal, cop. 2005. ISBN: 972-8695-27-6

LISBOA. Câmara Municipal. Bedeteca – Salão Lisboa, 2005. Lisboa: bedeteca,


2005. ISBN: 972-8487-72-X

MOTA, Pedro – Dreamcomics. // In: BD Amadora 2005. Amadora: Câmara


Municipal, 2005. P. 90-94

MOTA, Pedro – Miguel Rocha. // In: BD Amadora 2005. Amadora: Câmara


Municipal, 2005. P. 90-94

PESSOA, Carlos – Roteiro breve da banda desenhada em Portugal. [S.l.] :


CTT, 2005. ISBN: 972-9127-94-8

PRATT, Hugo; PETIFFAUX, Dominique – O desejo de ser inútil. Lisboa:


Relógio d’Água, 2005. ISBN: 972-708-860-0

REZENDES – Mania dos quadradinhos [Em linha]. [Consult. a 27 de Jan.


2006]. Disponível em: http://quadradinhos.blogspot.com/

SÁ, Leonardo de – O sonho comanda a arte. In: BD Amadora 2005. Amadora:


Câmara Municipal, 2005. P. 51-58

SATÉLITE INTERNACIONAL [Publicação periódica]. Dir. Colectivo A Língua.


Porto: A Língua, 2005. N.º 5

XII SALÃO INTERNACIONAL DE BANDA DESENHADA DO PORTO [Em


linha]. [Consult. a 27 de Jan. 2006]. Disponível em: www.sibdp.com
2005 DOSSIÊ 120|259

Movimentos
Geraldes Lino

Haverá sempre mais do que um critério para encarar este tipo de tarefa: ou
fazer uma espécie de "best of" dos vários temas escolhidos, ou registá-los, o
mais exaustivamente possível, para se ter a máxima visibilidade do panorama,
além de poder servir para, no futuro, ser viável uma análise temporal. Optei por
este último critério.

Concursos
–1º "Concurso de Banda Desenhada – Jovens talentos 2005", organizado pela
Associação Juvenil C.O.I., sediada na localidade de Pinhal Novo, no âmbito da
10ª edição do "Março a Partir – Mês da Juventude".
– 5º Concurso de BD, em Julho, iniciativa anual da responsabilidade da Junta
de Freguesia de Olhão, que sempre, antes de chegar ao fim do ano, edita em
álbum de formato A5 as bandas desenhadas distinguidas com os três primeiros
prémios.

Colóquios, conferências, debates & mesas redondas


Há suficiente curiosidade do público em saber coisas acerca da BD, e alguns
professores, bedéfilos confessos, convidam especialistas – autores e/ou
críticos – para mostrar como se faz ou tirar dúvidas.

Entre os autores:
Arlindo Fagundes, no dia 15 de Fevereiro fez uma palestra sobre BD na
Biblioteca da Escola Secundária Sá de Miranda, em Braga.
José Carlos Fernandes, participou em palestras, ou colóquios, ou conferências,
na Escola Superior de Educação, Universidade do Algarve, Faro (Abril) e em
Espanha, na 18ª Semana Negra de Gijón, Astúrias (Julho). Em Dezembro,
esteve na Biblioteca Orlando Ribeiro (Telheiras, Lisboa) a apresentar o projecto
"Black Box Stories".
José Ruy, quase ubíquo, falou sobre BD em várias escolas, mas também
noutros locais.
2005 DOSSIÊ 121|259

Em Janeiro, foi no Colégio Planalto, Lisboa, e nas Escolas: E,B José Ruy,
Amadora; em Fev., na Rui Belo, Queluz; em Março, na Biblioteca Municipal de
Almodôvar e na Escola Secundária de Mafra; em Abril, nas Escolas E,B da
Venteira, E,B Artur Bual, E,B D'Orey da Cunha, todas na Amadora, e na Esc.
Quinta dos Plátanos, em A-da-Beja; em Maio, na Esc.E,B Cardoso Lopes; em
Junho, na Escola Secundária de Argoncilhe e Camões de Lisboa.
Além de tudo isto, ainda ensinou "Como fazer um jornal de BD" (ou, por outras
palavras, um fanzine) numa sessão para crianças, em Abril, no Palácio
Galveias, Lisboa.
Serviu de guia a jovens numa visita à Escola E,B na Amadora que tem o seu
nome, para explicação das imagens do mural de sua autoria existente naquele
estabelecimento de ensino. Em Julho, fez um colóquio na Biblioteca Municipal
de Óbidos, para apresentação da obra "Humberto Delgado o General sem
medo".
Em Dezembro, na Escola Secundária de Santarém, falou sobre "Temas e
técnicas da BD", palestra integrada num Seminário Internacional de Museologia
da Infância e da Educação.

Entre os críticos e divulgadores:


João Miguel Lameiras, andarilho coimbrão, efectuou a seguinte maratona: nos
meses de Novembro e Dezembro: foi a Matosinhos, ao Encontro Internacional
de Alcoologia, falar de "Álcool e Banda Desenhada"; veio a Lisboa, à Biblioteca
Orlando Ribeiro e à Livraria Almedina, para apresentar o projecto "Black Box
stories"; esteve em Braga, na Livraria Centésima Página, a falar sobre BD e
Cinema; e ainda teve tempo para se deslocar a Pinhal de Frades/Seixal, à
Escola Básica 2/3, dissertar sobre a "Linguagem da Banda Desenhada", num
encontro promovido pelo Clube de Super-Heróis (diz-me Lameiras: eles agora
também têm um clube?).
Paulo Monteiro, actualmente mais conhecido como responsável pelo "Atelier
Toupeira" e principal organizador do debutante Festival BD de Beja, mas que
também é autor, esteve em Junho na Escola EB 2,3, da Vidigueira, onde
contou "Histórias da Banda Desenhada"; e teve a seu cargo um colóquio
intitulado "Conversas sobre BD", na EB 2,3 de Ferreira do Alentejo, no mês de
Novembro.
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Cursos
– Nuno Saraiva – Curso de Banda Desenhada no AR.CO; "Workshop" de BD
nas várias escolas E,B1 e E,B 2/3 da Câmara Municipal do Seixal sob o título
"Estação do Livro", organizado pelo Instituto de Apoio às Bibliotecas Escolares
do Seixal.
– Arlindo Fagundes, Carlos Dias Tavares, Paulo Patrício e Pedro Costa
participaram num ateliê designado por "Estaleiro Cultural" realizado, ao longo
de Abril e Maio, no jardim de Velha-a-Branca. Os alunos produziram uma série
de pranchas que apresentaram a 15 de Julho sob a forma de fanzine.
– José Carlos Fernandes orientou "workshops" nas bibliotecas escolares do
Concelho de Loulé (Abril a Junho), um outro intitulado "BD: intercâmbios e
interacções texto-imagem" inserido no seminário "O professor passador de
cultura", na Associação Educativa para o Desenvolvimento da Criatividade, na
Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro (Março); colaborou num "Workshop de
BD" e outro de Argumento, no CITEN, Fundação Gulbenkian (Fev. e Abril,
respectivamente).
– Paulo Monteiro – É o orientador do Workshop de Banda Desenhada da
Bedeteca de Beja, que teve início em 21 de Novembro e terminará a 22 de
Fevereiro.
– Rui Brito – Foi responsável por "workshops de Iniciação à Banda Desenhada"
em Castro Verde, em Lagos, e na Moita; e dirigiu um Curso de Iniciação à BD,
no Centro Cultural do Laranjeiro (Almada).

Exposições
A advertência do costume: não são referidas aqui as exposições integradas em
eventos bedéfilos (festivais e afins), visto que esse tema é tratado por outro
especialista.

Noutros locais e diferentes datas, o panorama foi o seguinte:


– "Desenhar a Música", de José Garcês, pranchas realizadas para o Mosteiro
da Batalha, estiveram visíveis no CNBDI (Amadora), de Jan. a Abril.
2005 DOSSIÊ 123|259

– Houve exposição comemorativa do 5º Ano do CNBDI – de Set. a Dezembro,


na galeria do próprio Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem
(Amadora).
– Foi organizada uma exposição relativa ao "1º Concurso de banda desenhada
– Jovens talentos 2005", no "foyer" do Auditório Municipal de Pinhal Novo,
entre 5 de Março e 1 de Abril.
- "A última obra-prima de Aaron Slobodj", de José Carlos Fernandes, esteve na
Biblioteca Municipal de Loulé (Abril) e na Galeria de Arte, Marina de Albufeira
(Nov.). Ainda nesta galeria esteve "Geração de 70", outra exposição individual
do mesmo autor. Em colectivas, Fernandes participou no 5º aniversário do
CNBDI, e neste mesmo local integrou o tema "BDs de Abril: o 25 de Abril 30
anos depois" que se tornou itinerante por várias cidades.
– "Atelier Toupeira", colectivo bejense, deu o seu próprio nome à exposição de
pranchas dos elementos que o constituem (Carlos Páscoa, Catarina Julião,
João Lam, Lobato, Maria João Careto, Paulo Monteiro, Susa Monteiro, Véte e
Zé Francisco) na 17ª edição das Xornadas de Banda Deseñada de Ourense
(Galiza), isto entre 1 e 15 de Outubro.
– O mesmo "Atelier Toupeira", ainda em Outubro, entre os dias 21 e 23, esteve
em Salvada (uma das freguesias do concelho) com uma mostra colectiva dos
seus elementos integrada no V Fim de Semana da Juventude – Salvada 2005.
– Véte, talvez o mais prolífico "toupeira", teve direito à exposição individual
"Véte - Tudo a preto e branco", patente na Casa da Cultura de Beja entre 6 de
Outubro e 4 de Novembro.
– "Independentes na Bedeteca de Beja", representados por André Lemos,
Carlos Apolo, Estrompa, João Lam, Marcos Farrajota/Pedro Moura e
Pepedelrey, tiveram pranchas expostas na Galeria de Exposições Temporárias
da Casa de Cultura de Beja, entre 2 e 4 de Junho.
– "Contrastes" foi o título dado a um conjunto de pranchas assinadas por Luís
Louro, patentes ao público entre 24 de Junho e 9 de Julho, no local
referenciado anteriormente.
– "Submarino – 10 anos de banda desenhada", exposição de pranchas
realizadas por jovens com idades entre os 7 e os 13 anos, participantes, entre
1995 e 2005, do "Submarino – Atelier de Banda Desenhada", uma iniciativa do
Pelouro da Juventude da Câmara Municipal de Beja.
2005 DOSSIÊ 124|259

– "Bíblia – Ilustração e Banda Desenhada" – Pranchas da autoria de Alice


Geirinhas, Ana Cortesão, Dani Roxo, João Chambel, João Fonte Santa, Luís
Lázaro e Pedro Amaral, seleccionadas entre as que foram reproduzidas na
revista "Bíblia" desde o seu início, em 1996. A exposição decorreu entre 10 de
Novembro e 9 de Dezembro.

Inaugurações
A 9 de Abril inaugurou-se a Bedeteca de Beja. Uma iniciativa digna de elogios
ao Pelouro da Cultura da Câmara Municipal daquela cidade, e a Paulo
Monteiro, principal impulsionador da criação daquele equipamento cultural.

Internet
Sites e blogs onde se mostra BD ou dela se fala, proliferam, dando-se aqui
preferência aos que se centram basicamente no tema.
O painel que se apresenta inclui grande número deles, e em cada um há algo
que vale a pena: vinhetas ou pranchas de bedês clássicas ou de cariz
alternativo, pormenores inusitados, textos sugestivos, informações
inesperadas, pistas de leitura, críticas lúcidas, notas divulgatórias actualizadas,
e variados outros aspectos.
Claro que para formar opinião própria acerca de méritos, ou deméritos, dos
sítios e blogues bedéfilos, nada melhor do que visitá-los. Por mim, sugiro uns
tantos endereços, mas há muitos mais. Quem se sentir ostracizado, reclame.

Alexandre Algarvio – www.alexalgarvio.com


Alhos Vedros Visual – http://www.phlog.net/user/Avedros/Visual
Álvaro – www.geocities.com/alvarocartoon,
http://www.geocities.com/xatoman3000, http://alvarocartoon.blogspot.com e
http://www.geocities.com/alvarossantos
Aqui no Canto – http://aquinocanto.do.sapo.pt
Área BD – http://areabd.blogspot.com
Beco das Imagens – http://becodasimagens.blogspot.com
BD Portugal – www.bdportugal.info
BEDÊ – http://bede.blogdrive.com
Blog da Utopia – http://bandadesenhada.blogspot.com
2005 DOSSIÊ 125|259

Central Comics – http://www.centralcomics.com


Chili Com Carne – http://chilicomcarne.blogspot.com
Cidade Desconhecida – http://cidadedesconhecida.com.sapo.pt
Dinis Vale – http://dinisvale.planetaclix.pt
Divulgando BD – http://divulgandobd.blogspot.com
Entropia – http://entropia.no.sapo.pt
Imaginário – www.imaginario.org e www.truca.imaginario
Interdinamica – www.interdinamica.pt
Juvemedia – www.juvemedia.pt
King Leonardo and his short subjects –
http://www.leonardodesa.interdinamica.com
Kuentro – http://kuentro.weblog.com.pt
Ler BD – http://lerbd.blogspot.com
Mania dos Quadradinhos – http://quadradinhos.blogspot.com
Mundo Fantasma – http://blog.mundofantasma.com
Notas B.D.Filas – http://notasbedefilas.blogspot.com
Paulo Pinto – http://www.paulopintoescrevo.blogspot
Os Positivos – pwp.netcabo.pt/026023210/fanzzine.htm
Richard Câmara – http://richardcamara.blogspot.com
Sergei – www.sergeicartoons.com
Sir Haiva – sirhaiva.blogspot.com
Sítio dos fanzines – http://geocities.yahoo.com.br/fanzinelandia
Sonhos Diluídos – www.sonhosdiluidos.blogspot.com
Toonman – www.toonman.com.pt
Ultra-Secreto – http://ww.ultra-secreto.com

Há um que acho não valer a pena escrever aqui o endereço. Quem acertar,
ganha uma visita guiada ao sítio da Bedeteca de Lisboa, no Palácio do
Contador-Mor, Olivais.
Sendo também aquela Bedeteca indiscutível divulgadora da Ilustração – até
organiza, bienalmente, um Salão dedicado ao tema –, justificar-se-ia, neste
dossiê, uma rubrica que falasse da actividade dos ilustradores, e eventos
realizados na área.
2005 DOSSIÊ 126|259

Como (ainda) não há, registo eu, dois ou três espaços internéticos que incluem
ilustrações, alguns deles com salpicos de BD, embora, na maior parte dos
casos, os textos sejam alheios de todo a qualquer dos dois temas.

Caixa dos Fósforos – http://caixadosfosforos.blogspot.com


Crime-Creme – http://www.crime-creme.blogspot.com
Erotic Sunshine – http://eroticsunshine69.blogspot.com
Patronize our Sponsors – http://pleasepatronizeoursponsors.weblog.com.pt
Sonho de Newton – http://sonhodenewton.crimsonblog.com

Imprensa
Desapareceu no fim do ano, por decisão do respectivo coordenador e redactor,
Pedro Mota, o espaço dedicado à banda desenhada no jornal Notícias da
Amadora. Cansaço, exigências da vida profissional, tudo junto.
Felizmente que noutros jornais, e também em revistas não especializadas, a
BD continua, nuns casos sob a forma de textos divulgatórios e/ou críticos, às
vezes em simples tiras, outras em pranchas completas e a cores. Ela anda por
aí, aqui fica o panorama pretérito.
Em Lisboa, tivemos no "Público" as prosas de Carlos Pessoa e Nuno Franco,
na última 6ª feira de cada mês; no "Diário de Notícias", à 2ª feira, foi João
Miguel Tavares a tomar a palavra; no quinzenário "JL – Jornal de Letras, Artes
e Ideias", opinou João Ramalho Santos. No "Jornal de Almada", na "Coluna da
9ª Arte", escreveu semanalmente alguém que usa o pseudónimo Alfa Zulu.
Sem periodicidade certa aparece o "Cuco Suplemento Informativo" no "Diário
do Sul", que se edita em Évora, com textos de Dâmaso Afonso. Em Loulé,
semanalmente, há o jornal "Louletanto", com bandas desenhadas e textos,
ambas as componentes coordenadas por José Batista (mais conhecido,
enquanto banda-desenhista, como Jobat) na rubrica "9ª Arte". No Porto, no
"Jornal de Notícias", às 2ªs feiras, Pedro Cleto escreve a rubrica "Aos
Quadradinhos". No jornal "Mundo Universitário", o autor deste levantamento
criou a rubrica "Vinheta", extinta depois das férias grandes devido à redução de
três para duas páginas dedicadas à Cultura.
Mas houve também algumas revistas não especializadas em BD onde foi
possível encontrar notas críticas. Por exemplo: numa que se intitula "Os Meus
2005 DOSSIÊ 127|259

Livros", apareceu Sara Figueiredo Costa a assinar um texto opinativo em cada


número; e uma revista cujo título mistura francês e italiano, a "Mondo Bizarre",
publicou críticas curtas, algumas muito oportunas, em que os autores se
identificam por siglas, uma das quais, EA, faz lembrar um tal Esgar Acelerado,
também ilustrador e autor de BD.
Bandas desenhadas propriamente ditas viram-se em várias publicações:
No jornal quinzenário gratuito "Mundo Universitário", na rubrica "Banda
Desenhada", coordenada por quem escreve este texto, foram publicadas
dezassete bedês, a cores, com estilos bastante diversificados, tantos quantos
os autores participantes: Pedro Alves, J. Mascarenhas, Ricardo Cabral,
Alexandre Algarvio, Mota, Zé Manel, J. Coelho, Pepedelrey, Carlos Marques,
(sob argumento de Sílvia Matos e Lemos), Kalika, Rocha, José Lopes,
Francisco Sousa Lobo, Fritz, Paulo Marques (desenho) e Bruno Silva
(argumento), Luís Valente e Álvaro, todos eles a realizarem uma bd
autoconclusiva numa só página.
O mais prolífico autor da nova geração – eu acho que toda a gente sabe quem
é, mas, pelo sim pelo não, escrevo o nome – José Carlos Fernandes, teve a
seu cargo, no matutino "Diário de Notícias", a bd a cores (com predominância
do sépia), "A Agência de Viagens Lemming". Foi publicada todos os dias,
contendo cada entrega uma prancha com duas tiras, entre 1 de Julho e 31 de
Agosto – sem fins-de-semana! – no estilo "continua no próximo número".
Aposto que ainda vai sair em álbum.
No mensário gratuito "Ensino Magazine" é editada uma tira a preto e branco,
da autoria de Bruno Janeca (desenho) e Dinis Gardete (argumento).
O "Diário do Alentejo" - que contraria o título saindo com maior lentidão, quer-
se dizer, semanalmente – publica-se uma tira, a cores, da autoria de Luca
(pseudónimo da dupla Luís Afonso (no argumento) e Carlos Rico (a desenhar).
Nuno Markl, faz uma série semanal, quase sempre a preto e branco, mas
esporadicamente a cores, sob o título "Há vida em Markl", em "O Inimigo
Público", suplemento do jornal "Público".
Paulo Araújo retomou as suas antigas personagens "Zé do Paddock mecânico
extraordinário e Roquete seu assistente", em episódios curtos de uma prancha,
a cores, na revista mensal "Moto compra & venda".
2005 DOSSIÊ 128|259

Do autor que usa Marte por pseudónimo e que cultiva o estilo alternativo,
aparece na revista trimestral "Underworld" a série "Não 'tavas lá!?" em formato
de tira, a preto e branco.
O enorme Villhena, na sua revista "A Gaiola Aberta" (2ª série) continua a
publicar, sempre, a série "Dorita", sem contar com algumas bedês brejeiras,
como é o caso das suas paródias que cria para Charlie Brown, Snoopy e Lucy,
em cenas que talvez façam corar Schulz, lá no seu túmulo.
O BDjornal, interessante e corajosa iniciativa de J. Machado-Dias, foi lançado
em Abril. Com periodicidade mensal, publicou uma bd em todos os números,
sempre de autores diferentes: Ferrand, Carlos Páscoa, Sergei, Maria João
Careto, Estrompa, Alexandre Algarvio, Álvaro e Pedro Alves.
Trimestralmente, apareceu a revista "C", do Centro Comercial Colombo, com a
colaboração de dois autores bem conhecidos: Miguel Rocha e José Carlos
Fernandes. Particularidade curiosa: nesta dupla, JCF aparece como
argumentista.
Mensalmente continua Luís Pinto Coelho a pôr o seu herói Tom Vitoín a viver
episódios cómicos ligados às motos, ou não fosse a revista "Motociclismo" a
publicá-los.
Também de ritmo mensal apareceu a rubrica em BD "Sexo, Mentiras e
Videojogos", com argumento e desenho de Alexandre Algarvio, na revista
"Mega Jogos".
Como suplemento do jornal "Público", ao domingo, há a revista "Kulto", com
uma mangá por autores portugueses, Ana Freitas (desenho) e Nuno Duarte
(argumento).

E fora de Lisboa, o que há?


– Em Taveiro, lá para as bandas de Coimbra, edita-se o diário "As Beiras",
onde, a falar de banda desenhada – a rubrica tem esse título – pontifica João
Miguel Lameiras, especialista atento e conhecedor.
– Em Évora há textos de divulgação no "Diário do Sul", suplemento "O Cuco –
Informativo de BD", com Dâmaso Afonso responsável pelas opiniões e fotos.
– Na Póvoa de Santa Iria publica-se o quinzenário "O Triângulo", com artigos
escritos uma vez por mês por Miguel Sousa Ferreira.
2005 DOSSIÊ 129|259

– Em Loulé, no semanário "Louletano", José Batista (que usa Jobat como


pseudónimo, enquanto banda-desenhista) coordena o conteúdo duma página
inteira, reproduzindo bandas desenhadas de clássicos portugueses – Eduardo
Teixeira Coelho, José Garcês, e do próprio Jobat – , completando-se o espaço
com artigos de autorias diversas, entre as quais a de Jorge Magalhães, José
Pires, António Dias de Deus, Leonardo De Sá e também do coordenador.

Lançamentos de álbuns, livros e revistas


Fev. – No "Santiago Alquimista" festejou-se o aparecimento do nº 0 da revista
"Blastmagazine". A festa foi organizada por duas entidades: Núcleo de
estudantes da ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e Tertúlia
BD de Lisboa.

Rádio
Este medium continua sem qualquer tempo radiofónico dedicado em exclusivo
à banda desenhada, embora por vezes haja alguém que se lembre de
entrevistar um autor em foco, ou qualquer especialista em assuntos
"esquisitos", tipo fanzines.

Televisão
Idem, idem, aspas, aspas, em relação ao que ficou dito sobre a rádio. A
excepção desta vez foi cometida pela SIC Notícias, em Dezembro, no
programa Alice no País dos Viajantes, já dedicado a várias personalidades
(uma de cada vez) até que chegou a vez de António Jorge Gonçalves, cuja
conversa incidiu sobretudo na subway life e, como não podia deixar de ser,
também na banda desenhada.
2006 DOSSIÊ 130|259

Ilustrações Luís Henriques

Introdução

Este ano pedimos as ilustrações deste Dossiê a Luís Henriques, a mais recente
descoberta na bd portuguesa graças à edição do "Tratado de Umbrografia",
primeiro volume de "Black Box Stories" - série de bd editada pela Devir em que
José Carlos Fernandes escreve para vários desenhadores.
Curiosamente o que Luís Henriques nos ofereceu são excertos do seu próximo
projecto, "Babinski, o salteador de Praga" (baseado "O Golem", de Gustav
Meyrinck, adaptado por José Feitor) a sair em 2007 pela Imprensa Canalha.
2006 DOSSIÊ 131|259

Crítica
Domingos Isabelinho

No texto de Adalberto Barreto dedicado à investigação e incluído neste mesmo


dossiê da Bedeteca pode ler-se sob o título Teses Académicas (abro
parênteses para perguntar porque carga de água tenho de escrever “dossiê” se
Marcos Farrajota himself escreve, no texto dele incluído no dito, e mudar isso
agora não vale: “dossier”; cf. linha 4): “Das 2547 teses de doutoramento,
mestrado e licenciatura registadas no catálogo DiTed (Biblioteca Nacional)
temos zero ocorrências para a pesquisa banda desenhada”. Ou seja, onde
realmente se faz investigação a banda desenhada continua a ser o parente
pobre ou, pior ainda, nem sequer existe, como aconteceu durante 2006.

Passemos então à frente, indo até ao extremo oposto: no supracitado artigo de


Marcos Farrajota não se apercebe sombra de crítica nos fanzines. (E abro
parênteses de novo para informar os leitores do otherwise altamente
recomendável livro de Bart Beaty "Unpopular Culture: Transforming the
European Comic Book in the 1990s", de que um tal “Marcos Pellojota” – cf. a
apropriadamente denominada pag. ix – é mesmo Marcos Farrajota.)

Resta-nos então a imprensa e a internet (crítica na TV e na rádio?, não é que


não exista de todo, mas a pergunta só pode mesmo dar origem a risinhos
nervosos e a uma resposta condizente: não me façam rir!). Quanto à última
refiro o blog Ler BD, da autoria de Pedro Moura, por ser um espaço de crítica e
não um espaço “meramente” informativo: http://lerbd.blogspot.com/

Numa série de artigos provocadoramente intitulados “‘A crítica’ ainda existe?”,


publicados no jornal "Público" em meados de 2006, Augusto M. Seabra
identificou três “questões fulcrais à actual situação [...]: 1) uma marginalização
informativa do espaço da cultura, 2) uma informação tantas vezes apressada e
pouco trabalhada, que transmite com escasso tratamento os diversos discursos
“oficiais” e 3), como corolário, uma secundarização da crítica, desde logo pouco
considerada nos orçamentos, favorecendo agendamentos de diversas
2006 DOSSIÊ 132|259

proximidades imediatas” (“‘A crítica’ ainda existe? (III)”, suplemento "Mil Folhas"
do jornal "Público" de 24 de Junho de 2006, pag. 22).

Dito por outras palavras, e assumo o papel de colonizado (obrigado grande pai
branco pelas tuas armas de destruição cultural em massa!): a crítica a sério é a
pain in the ass. Isto porque a ditadura cultural do proletariado não é de
esquerda; a ditadura cultural do proletariado é de direita e bem de direita. Mais
propriamente, a ditadura cultural do proletariado é a ditadura do mercado, a
ditadura imposta pelo capitalismo selvagem. E esse não tem contemplações
para o que languesce nas prateleiras das livrarias ou para salas de teatro “às
moscas” (não é verdade Rui Rio?). Dito ainda por outras palavras: da
Broadway at Portas de S. Antão até “aos multiplexes de “cinema pipoca”” (José
Carlos Fernandes dixit in “Contas de Cabeça”, "BD Jornal" n.º17, de Fevereiro /
Março de 2007, pag. 14) e ao Marvel import em qualquer livraria da
especialidade, passando, claro (que injustiça seria esquecê-las!), pelas
televisões generalistas, vivemos uma época de barbárie, de reino absoluto do
kitsch sobre todas as coisas. Ser crítico significa, como sempre significou, ser
desmancha-prazeres; significa ser um aguafiestas no circo mediático.
Eliminem-se, pois, os críticos, esses inimigos dos inefáveis feixes hertzianos e
da cultura... do eucalipto.

Mais à frente, no mesmo artigo, José Carlos Fernandes diz: “O Estado central
[...] não atribui, pelo menos de forma regular, qualquer subsídio, estipêndio, ou
apoio à BD. A sua condição “híbrida” deixa-a desamparada, sem casa ou
instituto que a acolha. [...] Os criadores de BD não podem gozar a generosa
sombra do ICAM (que sustenta, além de um primo afastado [da banda
desenhada, suponho] o Cinema, um meio-irmão, o Cinema de Animação); não
podem agarrar-se aos fartos úberes do IA (que nutre, entre outros, os primos
das Artes Plásticas) e não são bem recebidos no IPLB (que provém aos meios-
irmãos da Literatura Séria)”. Para além de não perceber lá muito bem esta
“mania” do comics milieu em escrever os nomes das artes com letra maiúscula
(sem que as mesmas integrem um qualquer currículo académico; será respeito
desmedido?), diria que comparto inteiramente o lamento. Mas bem pode José
2006 DOSSIÊ 133|259

Carlos Fernandes invocar relações familiares... No mundo real estamos a falar


de meios sociais completamente diferentes.

Veja-se o que diz o produtor de cinema, Paulo Branco ("Jornal de Letras, Artes
e Ideias" n.º946 de 3 a 16 de Janeiro de 2007, pag. 10): “As indemnizações
compensatórias de serviço público para a televisão são cerca de 160 milhões
de euros/ano e a sua dotação de apoio à actividade cinematográfica (toda ela:
longas e curtas-metragens e documentários) é de um milhão e 750 mil euros”.
Uma ninharia, de facto, mas qual é a dotação do apoio do Estado à produção
de banda desenhada?

Sabemos como a direita no poder pretende emagrecer os Estados (no poder


real, entenda-se, não me refiro aos governos dos países, esse é um poder
mais virtual que outra coisa; o outro é um rolo compressor que tem recebido a
graça de “realpolitik”). Sabemos que o orçamento do Ministério da Cultura é
sempre minúsculo e vemos, pelas afirmações de Paulo Branco, como muito do
apoio estatal nestas áreas é gasto na cultura pimba (aquilo que, nalguns
círculos, é conhecido pelo pomposo nome de “serviço público de televisão” –
ressalvo apenas, nesta generalização óbvia, algumas emissões geralmente por
volta da uma ou duas da manhã).

E a banda desenhada no meio disto tudo?, e a crítica de banda desenhada no


meio do meio disto tudo? A banda desenhada pouco recebe do Estado para a
organização de eventos e nada para a criação, mas o problema não é a sua
suposta natureza híbrida (não é o cinema a arte híbrida por excelência?). Ou
melhor, pode-se falar de um problema de hibridismo, mas trata-se de
hibridismo social, não de hibridismo formal. Como fenómeno de massas a
banda desenhada não pode competir com a televisão, como arte séria (ou, a
sério) está muito longe de ser reconhecida pelos vários poderes culturais, os
quais a encararam como um pária algo infantilóide e idiota. Ao “transmit[ir] com
escasso tratamento os diversos discursos “oficiais”” sobre a banda desenhada
(entendam-se: os discursos que interessam às editoras), a grande maioria dos
críticos de banda desenhada dos jornais perpetuam esta imagem. Voltando ao
início deste texto: sabemos que o espaço para escrever sobre cultura na
2006 DOSSIÊ 134|259

imprensa portuguesa é cada vez mais escasso; sabemos que o espaço para o
elo mais fraco (a banda desenhada) é o primeiro a desaparecer em alturas de
cortes e remodelações. Por mim, sinceramente, divido-me entre lastimar que o
número de vozes a falar sobre banda desenhada no espaço público seja cada
vez mais reduzido e a dúvida que me assalta: não sei se não será melhor
assim?

PS Duas notas, apenas, a finalizar...

1) Augusto M. Seabra escreveu ainda no jornal "Público": “Desde há dois anos


que neste jornal há uma menção, “O PÚBLICO viajou a convite de...”” “(‘A
crítica’ ainda existe? (IV)”, suplemento "Mil Folhas" do jornal "Público" de 1 de
Julho de 2006, pag. 23). Alertado por esta passagem, foi com prazer que li, em
nome da transparência: “O jornalista do PÚBLICO viajou para Angoulême a
convite das Edições Asa” (edição de 6 de Janeiro de 2007, pag. 29 e
suplemento "Mil Folhas" de 2 de Fevereiro de 2007, pag. 4).

2) Há mitos que se perpetuam no discurso crítico da banda desenhada. Um


dos mais difíceis de eliminar é o de que Will Eisner inventou a expressão
“graphic novel” (Pedro Cleto, por exemplo, no "Jornal de Notícias" de 16 de
Março de 2006 (passagem recolhida no site da Bedeteca): “'graphic novel'
(termo criado nos anos 70 por Will Eisner, para designar bandas desenhadas
extensas, de conteúdo mais exigente, publicadas em formato livro)”. Não criou:
a invenção da expressão deve-se, até prova em contrário, a Richard Kyle, o
qual a utilizou pela primeira vez por escrito no fanzine "Capa-Alpha" n.º2, de
Novembro de 1964. Will Eisner é, aliás, um bom exemplo de autor considerado
menor caso tivesse trabalhado noutras áreas, mas inexplicavelmente elevado
aos píncaros pela maioria da crítica de banda desenhada. Tanto assim é que
até lhe atribuem aquilo que ele não fez.
2006 DOSSIÊ 135|259

Edição
Sara Figueiredo Costa

Vender livros num país com tão baixos índices de leitura não é tarefa fácil para
ninguém, mas vender livros de bd num país onde continua a acreditar-se que a
bd é coisa de miúdos pequenos ou entretenimento de quem não é capaz de ler
outra coisa revela-se, como parece, um empreendimento verdadeiramente
hercúleo.

O ano que passou não trouxe, como já se augurava, muitas novidades no que
respeita à tendência que temos verificado nos anos mais recentes. O papão da
crise continua a agitar-se, com as tiragens médias a ficarem-se pelos mínimos
exigíveis para que as gráficas imprimam os trabalhos a um preço aceitável e
com a variedade de títulos a deixar muito a desejar. Apesar disso, são de
saudar alguns regressos, autorais e editoriais, que contribuíram para que o ano
editorial não fosse um desastre total, pelo menos no que ao interesse da
produção diz respeito. E, por outro lado, a vontade de diversificar títulos e
modos de editar parece ganhar terreno por entre as dificuldades da crise (ou
também por causa dessas dificuldades, e como modo de resposta e de procura
de alternativas?), mesmo que longe das editoras mais ‘seguras’ em termos de
presença no mercado.

A Asa manteve a sua posição segura e dominante no mercado editorial. A


habitual fornada de Astérix e Lucky Luke prosseguiu e várias séries e álbuns
(essencialmente do universo franco-belga de vertente mais comercial) foram
sendo editados ao longo do ano. Mas as edições mais interessantes andaram,
quanto a mim, em torno de outros autores. Jean-Claude Denis, com "Alguns
Dias em Amélie", Miguelanxo Prado, com "A Mansão dos Pimpão", Tronchet e
Anne Sibran, com "Lá em África" ou a adaptação de "Cidade de Vidro", de Paul
Auster, pela mão de Paul Karasik e David Mazzuchelli. E, claro, Enki Bilal, cujo
terceiro volume da "Tetralogia do Monstro", "Encontro em Paris", chegou às
livrarias portuguesas este ano.
2006 DOSSIÊ 136|259

A Devir, que em 2005 tinha ombreado com a Asa no assegurar da maior fatia
da edição que chegou às livrarias, assistiu este ano ao instalar da crise, com
uma redução drástica do seu volume de edição. Depois de vários meses de
quase silêncio, a editora que ajudou a transformar os escaparates de banda
desenhada nas livrarias portuguesas apresentou, entre outros livros, o terceiro
volume da série "Sandman" (infelizmente, acompanhado da notícia de que
será, muito provavelmente, o último a sair em português com a chancela da
Devir, devido à perda de direitos de publicação), o primeiro volume das tão
esperadas "Black Box Stories", "Tratado de Umbrografia", de José Carlos
Fernandes e Luís Henriques (um dos livros de 2006 a recordar) e o livro "A
Orquídea Negra", resultante do primeiro encontro entre Neil Gaiman e Dave
McKean.

Um outro eixo que ajudou a sustentar o mercado editorial em 2006 foi o


trabalho da Vitamina BD e, mais recentemente, a chegada da nova editora Bd
Mania, associada à livraria homónima. Com a chancela da Vitamina BD saíram,
entre outros, "Belo Horizonte", de Miguelanxo Prado (originalmente pensado
para a colecção brasileira "Cidades Ilustradas"), bem como o terceiro volume
da primeira trilogia de "Sky Doll" e "Vlad, o Empalador", de Hermann. O
aparecimento da BdMania, sob a coordenação de Pedro Silva (VitaminaBD e
livraria BdMania), trouxe "Wolverine: Saudade" e "Ultimate Iron Man",
anunciando o reforço dos comics norte-americanos nas livrarias portuguesas, e
trouxe igualmente um plano editorial ambicioso, ainda que realista, para os
próximos tempos, tema que será interessante acompanhar ao longo deste novo
ano.

Mas não foi só a BdMania a chegar à edição de livros depois de se dedicar ao


negócio livreiro. Também a livraria Kingpin of Comics criou uma chancela
homónima, iniciando a sua actividade editorial com "Super Pig" e "C.A.O.S. -
Livro Um", dois projectos periódicos que prometem ter continuidade já em
2007.

As tiras humorísticas continuaram a aparecer pela mão da Gradiva, este ano


com o destaque absoluto para Matt Groening, criador dos Simpsons, com o
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título "O Amor é Um Inferno". A mesma Gradiva prosseguiu as suas incursões


além do mundo das tiras de humor, recuperando Largo Winch, com "Dutch
Connection" (Philippe Francq e Jean Van Hamme), e voltando ao universo do
mestre Will Eisner com "John Law, Detective", de Gary Chaloner (onde se
incluem as três histórias que Eisner criou em 1948 e que foram o ponto de
partida para a personagem de John Law).

Uma das boas notícias de 2006 no panorama editorial foi o regresso da Polvo.
Depois de uma tímida tentativa, ensaiada em 2005 com "Borda d’Água – No
Tempo das Papoilas", de Miguel Rocha, a Polvo voltou em força no último
trimestre do ano com três títulos (de Sergei, Baladi e Filipe Abranches). "Solo",
o volume que reúne trabalhos de Filipe Abranches dispersos por publicações
várias, é, claramente, um dos livros fundamentais do ano que passou.

Outras editoras foram responsáveis por lançamentos vários, uns mais fáceis de
encontrar nas livrarias generalistas do que outros. A Pedranocharco, que edita
o "Bd Jornal", trouxe "BD Voyeur", a chancela El Pep editou a obra colectiva
"Virgin’s Trip" e "Fato de Macaco: o Símbolo", de Rui Gamito e a Má Criação,
editora discreta mas que nos vai surpreendendo com alguns títulos de boa
memória em diferentes áreas, publicou "Dias Eléctricos", um volume com
histórias curtas em torno do "milagre" da electricidade assinadas por Luís
Rainha (argumento) e vários autores portugueses, entre eles Jorge Mateus,
Daniel Lima, João Fazenda e Tiago Albuquerque (um autor pouco conhecido
do público leitor e cujo trabalho merecerá a pena acompanhar nos próximos
tempos). Também a Livros de Papel, sob a orientação de Manuel Caldas,
prosseguiu a saga do "Prince Valiant", tendo editado ainda um volume, do
próprio Manuel Caldas dedicado à obra de Harold Foster, "Foster e Val - Os
Trabalhos e os dias do criador de Prince Valiant". E ainda no plano do ensaio e
da história, como sempre menos concorrido ainda do que o da edição de bd em
geral, registe-se (com alegria suprema!) a publicação pela Assírio e Alvim de
"Stuart – A Rua e o Riso", de João Paulo Cotrim, dedicado à vida e à obra de
Stuart Carvalhais.
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Dois dos momentos mais altos do ano editorial da bd foram protagonizados por
editoras tradicionalmente desligadas do meio. A Parceria A.M.Pereira (que nos
anos 70 organizou uma exposição de fanzines de bd, não tendo prosseguido
esse trabalho ao nível editorial nas décadas seguintes) editou "Salazar, Agora
na Hora da Sua Morte", de João Paulo Cotrim e Miguel Rocha, seguramente
uma das obras fundamentais da bd portuguesa (e não, não me parece nada
arriscado fazer semelhante afirmação sobre um livro que saiu há tão pouco
tempo), e a Afrontamento iniciou a épica publicação da integral dos "Peanuts",
do mestre Charles M. Schulz, com os dois primeiros volumes a abarcarem a
produção de 1950 a 1954. E para além destas duas editoras, também a Campo
das Letras contribui para a edição de bd e artes paralelas (chamemos-lhes
assim, deixando para outros espaços a discussão mais teórica), com "Este Céu
Cheio de Terra", de Max Tilmann (ou Tiago Manuel, se preferirem).

O balanço é indubitavelmente de crise no que toca à quantidade (e pertinência)


das edições, bem como às suas tiragens médias, muito abaixo do que seria
desejável para a saúde financeira das editoras. Resta saudar o interesse de
editoras generalistas pela edição de obras de bd (bem sei que falamos apenas
de três casos, mas num panorama tão pequeno, alguma relevância assumem),
destacar as escolhas do ano ("Solo", "Tratado de Umbrografia", "Salazar,
Agora na Hora da Sua Morte" e "Peanuts") e ter atenção ao muito que se vai
agitando fora deste meio editorial mais "sólido". É que, longe das preocupações
comerciais, umas vezes puramente com o lucro, outras com a simples
sobrevivência financeira, das editoras, o que de mais interessante se produziu
este ano em termos de bd, ilustração e terrenos contíguos veio, creio, da
edição dita alternativa ou independente, da auto-edição e de projectos vários,
colectivos ou individuais. Cito apenas a Imprensa Canalha, projecto de José
Feitor que, sem sombra de dúvida, valerá a pena continuar a acompanhar, e a
Chili Com Carne, que recentemente editou o "Mesinha de Cabeceira Popular
#200". E se não falo mais é porque o Marcos Farrajota já abordou a questão no
texto sobre os Fanzines. Vão até lá...
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Autores
Daniel Maia

O mercado português de banda desenhada está em ruínas, é um facto. Mas


pessoalmente, dou-me por contente – enquanto os meus colegas escrevem
sobre a crise que de uma forma ou doutra presentemente se abate sob todos
os segmentos da área, tenho a boa sorte de vir falar sobre o único aspecto
deste que, paradoxalmente, floresce: o sector criativo.

Este paradoxo tem mais de uma face. Não só o fluxo de novos autores que
paulatina, mas continuamente se dão a conhecer surge ao mesmo tempo que
artistas consagrados regressam às lides – sendo este um movimento salutar,
porém contrário ao output de edições domésticas (que agora atingiu um
mínimo histórico após o “boom” editorial de 2002 e vaticina uma ainda maior
descida) – como é igualmente surpreendente a crescente desenvoltura destes
novos autores que, na sua maioria, demonstram logo num primeiro momento
um apreciável conhecimento técnico mais visto em profissionais experientes. E
isto nas mais diversas práticas da BD, seja em registo comics, em indie ou
mangá…
Ainda outro sinal dos novos tempos é a aparente corrida a sofisticados
formatos e modos de edição, que permitem aos autores uma acrescida
independência face às casas editoriais. Estas tecnologias, digitais, e o sistema
POD (Print on Demand) – introduzido cá pela ilustradora Carla Pott e o
quadrinhista Filipe Peres, que disponibilizaram um calendário ilustrado e dois
volumes de BD, respectivamente – vieram em boa altura facilitar ao próprio
autor realizar autonomamente os seus projectos. Consequentemente, a
acessibilidade que estes modos trazem poderão vir a revolucionar a forma
como se faz e publica BD em Portugal, assim como a trivialização do usufruto
destas condições pode, a média prazo, levar os novos artistas a um mais
rápido amadurecimento profissional.

Mas mesmo sem estas portas que agora se abrem, os autores e militantes da
BD têm sabido usar os poucos recursos ao seu dispor para promover
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ininterruptamente a produção da banda desenhada. E se a solo não se alcança


os objectivos, então faz-se-o em conjunto com outros de intentos semelhantes
ou simplesmente participa-se nas várias iniciativas levadas a cabo. Estas são,
na sua maioria, conscientemente orientadas para providenciar rampas de
lançamento à nova leva de autores e autoras, trazendo-os para as trincheiras
da Nona arte nacional.
Foram vários os projectos realizados ao longo de 2006, mas friso aqui apenas
alguns: começo pela "Blazt", que unificando num sistema de network diversas
entidades de relevo no meio bedéfilo, expôs em duas mostras colectivas o
vasto e eclético leque de autores seus associados; o projecto "24h à Volta de
Portugal", que propôs uma viagem pelo país através de BDs cuja acção tem
lugar a horas certas; a nova chancela Kingpin of Comics, que entrou de pé
direito no sector, com promessas de desenvolver séries portuguesas ao jeito
dos comics; o projecto "All-Girlz", que destaca o potencial feminino na arte
sequencial portuguesa e que, entre outras, trouxe para esta área a conceituada
ilustradora Carla Pott (aqui em dupla com Alain Corbel); o Ciclo de
Homenagem a Robert E. Howard no "Tertúlia BDzine", que também dá a
conhecer novos valores, desta feita mais aptos no género do comic norte-
americano; a associação Clube Otaku, que após a edição do “K-Zine” levou a
cabo diversos workshops no evento Anime Weekend de Aveiro; também o
"BDVoyeur", que procurou desafiar a comunidade artística e interessar os
leitores no género porno-erótico (uma temática não muito vista nas nossas
páginas, com a excepção da revista "Carne Viva", de Horácio Gomes); e ainda
os eventos Feira Laica, que foram verdadeiros faróis de nevoeiro, mobilizando
a interacção entre os autores e público, pautando 2006 com encontros culturais
e comerciais, bem necessários durante tempos de crise como os presentes.

Perante o repentino advento de todas estas tendências, talvez seja de


sublinhar a performance do ano salientando os nomes que podem servir como
testa de ferro das vertentes que representam:

Para começar, temos em Miguel Rocha um dos autores mais celebrados.


Inicialmente em foco pelas colaborações com José Carlos Fernandes na
revista interna do C.C. Colombo, onde publicam geniais BDs da série "Black
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Box Stories", o Miguel subiu (literalmente) ao pódio em 2006, ao vencer os


principais Prémios Nacionais de BD (PNBD), atribuídos pelo álbum "Salazar –
Agora, na hora da sua morte". Após ter levado ao pico da execução o estilo
gráfico em pastel por que é conhecido – em "A vida numa colher" (Polvo, 2004)
– conseguiu sucessivamente (e com sucesso) reinventar-se com o recurso a
ferramentas digitais, sabiamente esgrimidas em "Salazar". O prémio de Melhor
Desenho ficou bem entregue.
Também de regresso ao mercado, Filipe Abranches foi outro dos autores em
destaque. Um dos filhos pródigos da BD portuguesa, foi o autor em cartaz no
Festival Internacional de BD da Amadora (FIBDA), após ter ganho o PNBD de
2005 pelo melhor desenho em álbum, atribuído a "As Aventuras de Fortunata,
Maria e Garção" (Instituto do Emprego e Trabalho, 2005). O festival saudou-o
com uma exposição que primava pela apresentação dos trabalhos, sendo
complementada mais tarde pela edição de "Solo", uma antologia de histórias
curtas. Esta, embora peque por nos privar das versões coloridas daquelas BDs,
foi uma das edições fundamentais do ano e tem a valia de compilar obras do
autor já indisponíveis há anos e outras até à data inéditas no país.

Seguindo-lhes o exemplo, também Nuno Saraiva, João Fazenda, Daniel Lima,


André Lemos, João Maia Pinto, entre outros reputados autores, fizeram o gosto
às canetas e publicaram nos volumes "Mesinha de Cabeceira Popular" e "Dias
Eléctricos", bem como em vários zines. Com isto se repete o que por cá tem
sido tradição: em ano de vacas magras e de desinvestimento por parte das
grandes editoras, é deixado aos esforços colectivos e privados o salvar a
“honra do condado”, no que toca a dar espaço ao talento nacional. Não fossem
eles e pouco se teria visto dos nossos autores…

Outro versátil desenhador, comparativamente recém-chegado ao mercado é


Luís Henriques; autor que José Carlos Fernandes soube recrutar para o álbum
de estreia da colecção "Black Box Stories", de título "O Tratado de
Umbrografia". (É ele, inclusivamente, o autor das ilustrações que este ano
adornam os topos dos Dossiês da Bedeteca.)
Facilmente o runner-up ao galardão confiado a Miguel Rocha, o Luís entrou em
cena com as sessões de promoção a "Black Box Stories" e a pré-publicação
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parcial do álbum no "BDjornal". Perante a recepção positiva daquela antevisão,


o Luís não ficou à sombra dos louros e iniciou pouco depois a produção de
"Babinski, o Salteador de Praga", um livro realizado em conjunto com José
Feitor (a publicar em breve).

Ainda falando em valores emergentes, também a Suza Monteiro, do Atelier


Toupeira de Beja, teve uma discreta mas aplaudida presença em 2006.
Embora (incompreensivelmente) lhe tenha sido sonegado um prémio ou justa
menção no Concurso de BD do FIBDA, a autora esteve patente na colectiva
“17 Autores Portugueses Contemporâneos” desse certame, assim como no II
FIBDB (Beja), tendo ainda os seus mais recentes trabalhos publicados no
prozine internacional “Barzowia”.
O mesmo se pode dizer do jovem Filipe Andrade, outro injusto ignorado nos
PNBD, que rapidamente subiu na consideração dos leitores ao se estrear com
Filipe Pina (argumento e cores) numa série cativa do “BDjornal”. É sem duvida
outro talento cujo nome vale a pena fixar.

Também importantes de mencionar são os elementos do estúdio D´Alfama


(Jorge Coelho, Rui Lacas, Rui Gamito e Pepedelrey), aquele que é
actualmente, como disse Pedro Vieira Moura, o mais funcional atelier de BD
português.
Embora plenamente reconhecidos entre nós, é todavia admirável observar o
dinamismo que o quarteto tem ganho desde há um par de anos. O bom
momento criativo e sinergia de que o grupo goza reflecte-se nos diversos
trabalhos que assinam colectivamente (como o fanzine JazzBanda) ou nas
colaborações para a chancela El Pep; falo dos álbuns "Virgin’s Trip" (escrito por
Pepedelrey, com Nuno Duarte) e "Fato de Macaco 2 – O Símbolo".
Sem demérito para os restantes, importa destacar Rui Lacas, pelo seu salto
profissionalizante no mercado francófono ao ver editado pela Paquet o seu
‘whopper de 90 páginas, "Merci, Patron". A este, o autor fez seguir a coloração
das pranchas de Rui Gamito para "Fato de Macaco 2 – O Símbolo" – uma
pequena ajuda entre colegas de estúdio – antes de começar o seu próximo
trabalho (“Asteroid Fighters”).
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Passando para terras do Tio Sam, continuamos a assistir à caminhada de


Eliseu Gouveia em busca do seu ‘american dream. A encerrar um ano
movimentado, o Eliseu viu chegar aos escaparates o #1 do seu comic
"Infiniteens", que ele próprio concebeu na totalidade, da idealização à
legendagem. Mostrando-se colaborador, participou ainda noutros títulos de
curta duração para o mercado norte-americano: "Genie" e "Vengeance of the
Mummy" (em dupla com Justin Gray).
O reconhecimento do autor é merecido, sendo por isso pena que somente
editoras medianas reparem no seu trabalho. Se bem que, por essa lógica, mais
absurdo é que nenhuma casa nacional dê uso aos vários álbuns que o autor
tem na gaveta… Esperemos que o destaque que granjeou na exposição do
FIBDA, “Comics made in Portugal”, ajude a mudar este fado.

Quanto à BD indígena, José Abrantes, com a série "Morgana", e Artur Correia,


nos volumes editados pela Bertrand, fazem as honras da casa relativamente à
Nona arte dirigida a crianças. Artur Correia em especial, colocou de lado a sua
notoriedade e renome nos filmes de animação para investir na BD o 2º fôlego
da sua carreira. Primeiro com as adaptações dos textos de António Gomes de
Almeida e agora de Gil Vicente, com "A Farsa de Inês Pereira”. É ele, a par de
José Carlos Fernandes, o único autor nacional que mais público tem
conquistado e fidelizado por via da regularidade/qualidade das suas edições.
E já que falo em decanos da área, aproveito também para salientar o regresso
de José Ruy aos álbuns de cariz histórico-educativo. "Peter Café Sport e o
Vulcão do Faial" foi editado pela Marginália, fazendo assim de José Ruy o
representante da velha guarda portuguesa em 2006. Foi apenas acompanhado
por Carlos Baptista Mendes, num álbum histórico-documental pela mão da
Âncora.

Por último, puxando a geleia à minha torrada (se me é permitido), o balanço


não ficaria completo sem indicar quem foi consagrado em matéria de prémios
nas mais importantes distinções do sector. Ora nos IV Troféus Central Comics,
segundo escrutínio público, galardoou-se José Carlos Fernandes e eu próprio
(…coff) como Melhores Argumentista e Desenhador de 2005, respectivamente,
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enquanto que no final do ano, pelas mesmas categorias, foram premiados João
Paulo Cotrim e Miguel Rocha nos PNBD do FIBDA.
Neste evento, foram ainda atribuídos a Luís A. Pereira, Sara Serrão e a
Bárbara Fonseca os prémios do Concurso de BD, no 1º escalão, e
distinguiram-se ainda Fernando Madeira, Ernesto Silva e Marc Figueiredo no
Concurso de Cartoon.

Em suma, parece ser claro que temos fruta madura pronta a ser espremida, em
quantidade e variedade mais que suficiente para satisfazer os leitores. E agora
já nem temos falta de copos para colher o sumo, talvez apenas uma escassez
de quem o beba… Mas surpresas para quê? Até isto é, tipicamente, Portugal.

Festivais
João Miguel Lameiras

Os últimos nºs do "BD Jornal" tem albergado uma acesa discussão sobre o
futuro dos Festivais de BD em Portugal. Uma discussão motivada pelas
evidentes dificuldades sentidas pelos Festivais em conquistar novos públicos
para a Banda Desenhada. "Práticas na BD: Os Visitantes do 16º FIBDA", o
bem documentado (mas superficial em termos de análise) estudo de Helena
Santos sobre os visitantes do Festival da Amadora, avança com números que
reflectem uma evidência: mesmo o nosso principal Festival de Banda
Desenhada e o único com capacidade de mobilizar os média, funciona cada
vez mais para um público que se vai reduzindo e que está envelhecer. No
fundo, tal como acontece com a Banda Desenhada em Portugal…

Cumprindo uma sina que arrasta desde que deixou de se realizar na saudosa
Fábrica da Cultura, o Festival da Amadora mudou mais uma vez de lugar, com
o núcleo central a trocar o espaço claustrofóbico e sufocante, mas de fácil
acesso da Estação de Metro da Amadora-Este, pelo novo espaço do Fórum
Luís de Camões, na Brandoa, cujas melhores condições logísticas para acolher
o Festival são contrabalançadas pela dificuldades em termos de
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acessibilidades, acrescidas pela fama que a Brandoa tem de ser uma das
zonas mais problemáticas da grande Lisboa… A programação, de qualidade,
mas eminentemente alternativa, aliada ao facto dos autores presentes serem
pouco chamativos (ou eram repetentes ou não tinham nada editado em
Portugal), também não ajudou a levar o público até à Brandoa. E talvez por
isso, com excepção do fim-de-semana em que esteve no Festival o brasileiro
Maurício de Souza, criador da Turma da Mónica, deu para perceber que o
número de visitantes ficou abaixo de outros anos.

De qualquer maneira, se a Amadora sofreu com mais uma mudança de local, o


panorama dos outros Festivais não foi melhor, bem pelo contrário. O Salão
Lisboa, em ano de Ilustração Portuguesa, não se realizou e nada indica que a
situação venha a ser alterada este ano, tanto mais que a actividade da
Bedeteca, entidade responsável pelo Salão Lisboa, tem cada vez menor
visibilidade e impacto mediático.

A nível dos pequenos Festivais, ligados às Jornadas de BD da Sobreda, o


panorama não foi mais animador. Os Festivais de Viseu e Moura não se
realizaram e mesmo a Sobreda teve que cancelar o Concurso de BD, por falta
de apoios. Apenas o Festival de BD de Beja continuou, com uma segunda
edição que, apesar da quantidade e qualidade das exposições e, sobretudo, da
forma como essas mesmas exposições estavam montadas, não conseguiu dar
o salto em termos de público que o sucesso da primeira edição indiciava.

Ou seja, o panorama geral é muito negro, mas poderá vir a melhorar em 2007.
O Festival da Amadora, que entra na sua 18ª edição, procurará certamente ter
uma programação à altura de uma instituição que assume a maioridade,
enquanto que a Sul parece haver uma convergência que vai fazer de Maio o
mês da BD no Alentejo. Primeiro, com o regresso do Festival de Moura (que vai
contar com a presença de um dos principais desenhadores da série Tex, a
mais popular BD italiana da Casa Bonelli, que conta com fieis seguidores em
Portugal) e depois com a passagem do Festival de BD de Beja para o mês de
Maio.
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Face a uma indústria de BD em crise, não se pode esperar que sejam os


Festivais a ocupar o espaço que devia pertencer às editoras, mas cabe aos
Festivais de Banda Desenhada fazer chegar o seu trabalho ao grande público e
fazer com que se fale da Banda Desenhada nos media. Assim, termino citando
o autor espanhol Angel de la Calle, numa entrevista ao site
www.bdesenhada.com cujas declarações vão nesse mesmo sentido,
esperando que os responsáveis dos Festivais as tenham bem presentes: Os
festivais fazem-se para o público leitor. Pode ser um festival de vocação
minoritária ou alternativa; logicamente, não vão assistir os mesmos públicos
que ao Festival de Manga; mas se uma convenção se faz para um público
potencial de 400 leitores e só vão 200 é um fracasso. Se se faz para 100
pessoas e vão 150 foi um êxito. Tudo é, pois, relativo. Mas não se deve perder
de vista o objectivo prioritário: reivindicar os valores da banda desenhada; para
isso, faz falta que os meios de comunicação se interessem e entrevistem os
autores e falem do festival. Que durante uns dias, na cidade que for, os leitores
de jornais ou os que vêm TV saibam que existe a banda desenhada e que é
algo vivo e culturalmente activo. Mesmo que essa gente não vá ao festival ou
não leia banda desenhada. Se não estamos no mapa cultural, não existimos,
por muito valor que acreditemos ter.”

Fanzines
Marcos Farrajota

«Do you want Total War?» (Boyd Rice)

Para a análise dos “Fanzines” do Dossiê 2006 decidi, este ano, não fazer
distinção entre Fanzines, Zines, Prozines, Edição Amadora, Edição DIY, Edição
Independente, Edição de Autor, etc… porque para além das diatribes já terem
sido lançadas no Dossier 2005 (e também no blog da Chili Com Carne), para
mais, em mais um ano “na fossa”, 2006 foi um ano rico em experiências no
mundo da “pequena imprensa”, diria mesmo, que foi neste mundo onde
surgiram as obras mais interessantes dado o deserto da edição comercial.
2006 DOSSIÊ 147|259

Tal com a revista “Times” colocou um espelho na sua capa para eleger a
Personalidade do Ano de 2006 – “You.” (você ou nós a população mundial – ou
aquela com acesso à www) – devido à capacidade da Humanidade gerar cada
vez mais Cultura fora dos malefícios das “grandes companhias” graças a
serviços informatizados cada vez mais utilitários (apesar do Youtube, Blogger,
POD, etc… serem serviços de grandes empresas), pouco a pouco também (em
Portugal) tem aumentado a capacidade de edição de objectos físicos feitos por
indivíduos ou colectivos sem grandes recursos materiais e capitais.

Creio que se o mercado comercial da bd está em crise, a culpa é dos


“pequenos”, daqueles autores e editores que foram ridicularizados pelos
apreciadores da bd comercial – que não achavam que o “Maus” de Art
Spiegelman fosse bd porque não servia para rir, ou que os “autobiográficos”
não passavam de autores preguiçosos. Ora do que se fala nos Media tem sido
autores como Chris Ware, Craig Thompson, Robert Crumb, Joe Sacco,
Marjane Satrapi… Ou ainda, por exemplo, no fim deste ano, em Itália, foi
lançada uma colecção de “graphics novels” (que incluía “Maus”, “Palestina” de
Joe Sacco, Mattotti…) que se vendia com o jornal “La Republica”. Não me
parece muito convincente o que se continua a editar por cá. Neste novo milénio
as nossas editoras de bd (ou editoras que editam bd) ainda lançam apenas
bd’s de super-tipos com cuecas de fora ou álbuns europeus – em que seja qual
for o género (História, Western, Policial, etc…) tem sempre uma cena picante,
ali mesmo: entre uma conspiração na Corte e uma Cruzada. O panorama da bd
portuguesa mudou quando houve um período dinâmico da edição portuguesa
entre 1996 e 2001 (em grande parte graças aos apoios da Bedeteca de
Lisboa). Os gostos mudaram, os leitores habituaram-se a ler bd portuguesa ou
bd de autor mas são os sabujos álbuns europeus que ainda mais se editam em
Portugal não deixando espaço público para os “indies”.

Tem sido esta a batalha da “pequena imprensa”: criar não só o seu próprio
espaço de exposição pública como ainda criar novos públicos. E por isso que o
primeiro destaque de 2006 que faço vai para duas “pseudo-entidades” que
animaram a vida cultural da bd, ilustração e edição independente quase
2006 DOSSIÊ 148|259

durante o ano todo (literalmente desde Janeiro até Dezembro de 2006), no


Porto e em Lisboa. Falo d’A Mula e da Feira Laica, “feiras de zines e edição
independente” com exposições de originais incluídas (e mais do que isso, no
caso da Feira Laica, que incluía artesanato urbano, comida vegetariana,
produtos culturais muito baratos fossem de origem fossem em segunda mão), a
primeira esteve residente nos Maus Hábitos no primeiro trimestre e ainda
andou por Sto. Tirso, Braga e Vigo (Galiza). A segunda, realizou a «MAIOR
feira de edições independentes» (zines, livros, discos) nos jardins da Bedeteca
de Lisboa e programou quase três meses de actividades no Espaço – Centro
de Desastres até culminar numa feira de natal. No primeiro caso, ainda de
salientar o lançamento do “Cospe Aqui”, maníaco-zine do mesmo grupo
organizador do evento, ou seja a dupla Miguel Carneiro e Marco Mendes, bem
como os colaboradores (André Lemos, Manuel João Vieira,…), verdadeira
lufada de ar fresco no meio.

Rompendo para o exterior

Mais um ano e mais alguns casos de autores saíram do “anonimato” para


registos “oficiais” ultrapassando as instituições públicas onde se encontram as
colecções para novos autores como a “Lx Comics” da Bedeteca de Lisboa -
que mais uma vez falhou em lançar novos autores. A respectiva colecção
“Toupeira”, da Bedeteca de Beja, só conseguiu lançar um número.

Em 2006, a iniciativa foi privada dada à contínua desorientação pública, em


que assistimos aos regressos das editoras Polvo, Nova Comix e
Pedranocharco, bem como da El Pep e da Má Criação, dos quais destaco as
últimas duas por estarem a trabalhar de uma forma colectiva - essa palavra
alienígena em Portugal – como foi o caso do “Virgin’strip” (El Pep), uma história
desenhada por vários ilustradores (Pepedelrey, JCoelho, Lacas e Rui Gamito)
e “Dias Eléctricos” (Má Criação), várias histórias escritas por um autor (Luís
Rainha) e desenhada por autores consagrados (João Fazenda, Daniel Lima) e
novos talentos vindos dos cursos da escola Ar.Co. Espero que esta forma de
trabalho seja para continuar.
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Como novas experiências profissionais DIY apareceram dois “comics” (de


continuação) da loja Kingpin of Comics e a revista de humor “HL Comix” do
autor Derradé que lançou dois números nas bancas.

Uma revista que apostou na bd foi a “Underworld – Entulho Informativo”,


dedicada à música underground, que publicou 2 páginas de bd nos quatro
números de 2006: o sérvio Aleksandar Zograf, o português João Maio Pinto, e
os polémicos norte-americanos Dirty Danny e Mike Diana.

Literalmente para fora, para o estrangeiro, continuaram as colaborações


nacionais no zine suíço “Milk+Wodka”, André Lemos participou em vários
projectos pela Europa fora (Bongout, Le Dernier Cri, La Commissure, 5eme
Couche), Pedro Nora e Isabel Carvalho na antologia finlandesa “Glömp”, Isabel
também participou na antologia de bd no feminino “… de ellas” (Edicions De
Ponent) e João Maio Pinto em duas antologias da 5eme Couche.

Sucedâneos?

Enquanto o formato “fotocópia barata” vai sendo descartado pelos novos


autores / editores – que preferem a Internet ou imprimir edições com aspecto
profissional – e ao mesmo tempo que o “Succedâneo” fez 10 anos em Abril (e
suspendeu actividade no número -31 que era um carro de rolamentos!) na
Bedeteca de Lisboa, surgiram dois novos projectos que seguem as pegadas do
Succ: usam o formato fanzine mas com maiores preocupações de produção,
apostam em boas fotocopias, assumem o facto de serem edições limitadas e
como tal especulam na sua raridade. Foram eles a Imprensa Canalha com três
projectos, a saber, o “Néscio”, “Mundo dos Insectos” (de José Feitor) e “Belo
Cadáver”; e a Opuntia Books também com três títulos monográficos de André
Lemos, Bruno Borges e Frederico (uma criança de 4 anos). Nas folhas destes
projectos vamos encontrar algumas bd’s ou colaborações de autores de bd
como Filipe Abranches, Rosa Baptista...
2006 DOSSIÊ 150|259

Por fim,

Continuaram a revista “Sketchbook” (que acabou ao terceiro número), o zine


mutante (agora antologia / livro) “Mesinha de Cabeceira” pela Associação Chili
Com Carne, a revista “Venham +5” da Bedeteca de Beja, os zine “Aqui no
canto” (especial “Aqui no cantinho” com uma bd para crianças), “O Hábito faz o
monstro”, “Durty Kat”, “Jazzbanda” e mais um título bombástico da Joana
Figueiredo…

Saiu o “Allgirlzine” (zine de bd no feminino organizado por Daniel Maia),


“Alçapão”, zine dedicado à «arquitectura dura» com um bom grupo de
ilustradores e autores de bd a colaborarem, e “24h volta em Portugal em bd”
(pelo colectivo Dr. Makete) que embora seja um zine é descrito como um «um
livro de bd com 24 histórias diferentes realizadas em 24 horas em 24 locais
diferentes».

«Power to the people!»

Investigação
Adalberto Barreto

Tal como sucedeu nos anos anteriores vamos considerar para efeitos de
investigação os trabalhos publicados (comercialmente ou não) em qualquer
espécie de suporte, medium narrativo (escrita, banda desenhada,
documentário, filme…) ou onde ocorram, separada ou cumulativamente, um
dos seguintes requisitos:
consulta de fontes externas (e.g. a existência de uma bibliografia final é forte
indício favorável à consideração do trabalho como investigação), depoimentos
de autores, ou outras testemunhas sobre factos que tragam nova informação;
tratamento de informação estatística. Grosso modo vamos tentar analisar toda
a produção não ficcional sobre banda desenhada (que não seja uma mera
opinião) manifestando, também, a vontade (algo utópica) de ser exaustivos. A
2006 DOSSIÊ 151|259

este respeito corremos e assumimos o risco de falhar rotundamente, dado o


constante tsunami de informação acessível na Internet. A vantagem é que
sendo este trabalho publicado em formato electrónico, podemos sempre
acrescentar, censurar ou suprimir informação de forma sucessiva. Não ficamos
presos à insuficiência da primeira versão online.
Para facilitar a estruturação e leitura desta recolha optámos por dividir o texto
em cinco partes: livros, catálogos, publicações periódicas, Internet, teses
académicas, conclusões e lista bibliografia final.

LIVROS
Apesar da explosão de informação publicada na Internet e da facilidade cada
vez maior para os autores e investigadores se auto publicarem,
designadamente através da blogosfera, verificamos que o suporte “livro”
continua e ser o mais ilustre objecto de recolha e divulgação dos trabalhos de
investigação. Nada é mais prestigiante para o investigador do que ver a sua
obra publicada no velho formato de papel («the dead tree media») de lombada
e duas capas. Sobre este aspecto é curioso verificar que a cada vez que se
anuncia a morte de papel ou o fim do velho livro, mais uma empresa de e-
books abre falência. O velho livro domina o mercado e constitui a suprema
glória de quem escreve. Continua, por outro lado, a ser a melhor forma de
chegar a informação ao consumidor final com garantia mínima de qualidade.
Assim, no ano de 2006 temos:
Pela Assírio & Alvim em parceria (inédita) com o El Corte Inglês a “jóia da
coro”: «STUART: A RUA E O RISO» oferece-nos um luxuoso “calhamaço” de
270 páginas que nos conta pormenores biográficos, muito bem estruturados,
da vida e obra de Stuart acompanhados de grandes ilustrações e magníficas
fotografias. Um inegável contributo para a história da banda desenhada e do
cartoon nacionais, em tempos pouco propícios a publicações dispendiosas.
Da Póvoa do Varzim e pelas mãos de Manuel Caldas a obra «FOSTER E VAL»
um trabalho sobre a vida, obra, técnicas e influências Harold Foster o autor do
Príncipe Valente.
A Câmara Municipal da Amadora e as Edições Afrontamento lançaram para o
mercado um curioso estudo, que merece o nosso destaque, sobre os públicos
do Festival da Amadora. Os seus gostos, preferências e motivações para
2006 DOSSIÊ 152|259

frequentar o festival. Trata-se de livro «PRÁTICAS NA BANDA DESENHADA:


OS VISITANTES DO 16º FESTIVAL INTERNACIONAL DE BANDA
DESENHADA DA AMADORA». Falta na nossa opinião um pouco mais de
audácia ou vontade de saber mais. Gostava, na verdade, de ver um trabalho
académico sobre hábitos de leitura de banda desenhada em Portugal: crianças,
adolescentes, jovens adultos, adultos… gostos, tendências, programas de
animação preferidos (crianças e adolescentes). Seria uma ferramenta preciosa
para os editores e investidores no mercado de banda desenhada. É importante
saber qual a percentagem de portugueses que leram mais de 4 livros de banda
desenhada por ano (e que são capazes de os identificar), é preciso saber qual
é a percentagem de portugueses que não lê banda desenhada (que serão
seguramente a esmagadora maioria) e porquê não lêem? É importante saber
se os mais novos gostam de cinema de animação e se encontram títulos de
livros ou revistas relacionados com as séries que vêem e que gostam mais?...
É assim que se formam hábitos de leitura. É a ler trash televisivo, tal como
muitos da nossa geração começaram por ler as revistas do Mickey antes de
passar para o nível do Tintim e já em adultos para o Joe Sacco ou para o Art
Spiegelman. Se desprezamos a bd “xunga” (mesmo que seja vista apenas
como ferramenta de promoção de hábitos de leitura) e promovemos apenas a
bd «venerável» corremos o risco de em vinte anos não encontrarmos ninguém,
da geração dos nossos filhos a ler BD neste país. Os leitores de BD serão
objecto de estudo para palentólogos. Uma espécie extinta. Uma imagem
aterradora que dará vontade de emigrar para o Japão. Para dar um exemplo
este artigo produzirá, como é óbvio, um efeito nulo na promoção da leitura de
banda desenhada no curto, médio e longo prazo – ao contrário, seguramente,
do que sucederia com uma pilha imensa de revistas “Doraemon” à entrada das
escolas primárias todas as sextas feiras (durante 4 anos), ao fim de duas
décadas…
Uma palavra de apreço para o livro «DISCURSO DO ZÉ POVINHO» publicado
pelo Centro de Educação Especial Rainha D.ª Leonor também é devida
sobretudo pelo trabalho de investigação realizado sobre a vida e obra de
Rafael Bordalo Pinheiro.
Finalmente, pelo CNBDI foi publicado o «CATÁLOGO DE AUTORES DE
BANDA DESENHADA PORTUGUESA» um anuário organizado pelo Nelson
2006 DOSSIÊ 153|259

Dona e Cristina Gouveia com informação pessoal e profissional sobre os


referidos autores.

CATÁLOGOS DE EXPOSIÇÕES
Na maioria das vezes as exposições pressupõem um trabalho prévio de
investigação sobre os autores, estilos / escolas ou assuntos objecto da mostra.
Ao contrário das exibições nas galerias de arte (com fins comerciais), os
museus (e eventualmente bibliotecas) têm a preocupação profissional de
acompanhar as suas exposições com informação detalhada e didáctica
(acessível a um público o mais amplo possível). Essa informação fica via de
regra a cargo dos letterings, gravações (para ouvir em auriculares), folhetos,
brochuras, informação na Internet e catálogos em formato de livro. De qualquer
modo a investigação é um requisito indispensável à realização de qualquer
exibição em equipamentos culturais de natureza pública ou privada sem fins
puramente comerciais. Contudo as instituições públicas (muitas vezes sem
autonomia administrativa e financeira) ao debaterem-se com uma queda
contínua dos seus orçamentos, por natureza limitados, perdem os meios para
adquirir serviços de estudo e investigação e publicam cada vez menos
catálogos das exposições que realizam. Isto explica a razão pela qual a
Bedeteca de Lisboa, embora mantendo um calendário de exposições amplo e
diversificado (seis exposições em 2006), não publicou qualquer catálogo nem
teve meios contratuais para “encomendar” trabalhos desta natureza. Para além
da Bedeteca de Lisboa também a sua congénere em Beja realizou o seu II
Salão Internacional de Banda Desenhada, sem a publicação do respectivo
catálogo. A este nível vai se salvando o Município da Amadora que tanto
através do Festival como do CNBDI vão mantendo um registo mínimo das suas
exposições.
Assim, da exposição dedicada à banda desenhada infantil portuguesa que teve
lugar no início do ano (CNBDI) foi publicado o catálogo «EM TRAÇOS
MIÚDOS». A exposição dividiu-se em quatro partes (andamentos). Os marcos
fundadores, a caminho da maioridade, revistas heróis & aventuras e três
nomes [actuais] para os novos leitores. As 48 páginas que compõem o
catálogo contêm diversos textos dos quais destacamos «Um percurso em
quatro andamentos» da Sara Figueiredo Costa que consegue em simultâneo
2006 DOSSIÊ 154|259

fazer uma visita guiada à exposição e (re)contar de forma fluida e agradável


uma história abreviada da bd infantil portuguesa. Também digno de registo é o
trabalho de José António Gomes (algures entre as páginas 17 e 21) dedicado
ao carácter formativo da banda desenhada, ao seu potencial pedagógico e ao
estímulo do seu uso no contexto escolar.
Para além da exposição acima referida também o DÉCIMO SÉTIMO
FESTIVAL DE BANDA DESENHADA DA AMADORA produziu o tradicional
catálogo. Com um tema arriscadamente amplo «17 graus periféricos e o resto
do mundo» o festival foi uma autentica volta ao mundo em matéria de géneros,
estilos e cronologias. O catálogo é disso reflexo e contém no seu interior uma
variedade idêntica de artigos, dos quais destacamos os trabalhos de João
Miguel Lameiras, Domingos Isabelinho, Nuno Franco, Claude Moliterni,
Aleksander Zograf, Sara Figueiredo Costa, Cristina Gouveia e o conjunto de
investigadores que assinam mais de cinquenta páginas dedicadas à banda
desenhada nos diversos países que compõem a América Latina.

PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
O BD JORNAL vai para o seu segundo ano consecutivo como periódico de
referência em Portugal. Em 2006 foram publicados sete números, cuja
encadernação soma 208 páginas. Notável espaço de informação sobre banda
desenhada em tempos de crise, cujos créditos recaem sobre o infatigável
director Machado-Dias. O seu conteúdo editorial é generalista ou de grande
abrangência (o cartoon e cinema de animação também podem ser assuntos a
tratar). Temas populares como a mangá, ou mais restritos como a BD
Finlandesa podem ser destaque assim como a análise do mercado pelos
editores e proprietários de lojas especializadas, entrevistas a autores, bem
como artigos de autores a expressar uma opinião sobre o mercado e os
festivais, reportagens aos salões em Portugal e lá fora, fanzines, edições
alternativas e super heróis… Tudo é visto e pouca coisa escapa ao radar deste
periódico resistente.
Especialmente activo esteve o «BOLETIM DO CLUBE PORTUGUÊS DE
BANDA DESENHADA» com a publicação de 6 números. Cinco numerados
com dois grandes temas de investigação: «A influência da BD inglesa no Jornal
Mosquito» em três actos da autoria de Américo Coelho e «O início da guerra
2006 DOSSIÊ 155|259

fria e sua influência nos comics americanos» em duas partes da autoria de


Fernando Cardoso e um número especial de aniversário (30 anos do CPBD)
dedicado a «Il legionário».

INTERNET
Na Internet os destaques vão para o blogue «MANIA DOS QUADRADINHOS»
(http://quadradinhos.blogspot.com/) que mantém o registo de repositório de
informação sobre a banda desenhada clássica. O site BDESENHADA
(www.bdesenhada.com) com alguns textos de investigação dedicados à
utilização da banda desenhada como instrumento de promoção da leitura nos
vários ciclos de ensino e o site CENTRAL COMICS
(http://www.centralcomics.com).

TESES ACADÉMICAS
Das 2547 teses de doutoramento, mestrado e licenciatura registadas no
catálogo DiTed (Biblioteca Nacional) temos zero ocorrências para a pesquisa
banda desenhada.

CONCLUSÕES
Um quadro comparativo de livros considerados investigação (com ISBN)
publicados em Portugal nos últimos 7 anos, mostra-nos que 2006 foi um ano de
boa colheita (comparável apenas com o ano 2000 que correspondeu ao siglo
de oro da Bedeteca) e poderia augurar uma possível retoma na publicação de
trabalhos de investigação em BD. Creio, no entanto, que estes números não
são mais do que fruto do acaso. Para haver crescimento, tem de haver um
crescimento dos índices de leitura (aqui o papel das escolas e das bibliotecas
públicas para promoção da leitura de BD é fundamental) e um feliz encontro
entre esses gostos ou tendências com a oferta do mercado.
2000 – 7
2001 – 5
2002 – 4
2003 – 3
2004 – 6
2005 – 4
2006 DOSSIÊ 156|259

2006 – 7

Uma nota final dirigida a todos os investigadores que considerem os seus


trabalhos omitidos neste resumo sobre a Investigação. Mais do que um pedido
de desculpas faço aqui um manifesto para que assinalem os vossos trabalhos
de forma a acrescentá-los “atempadamente”.

____________
BIBLIOGRAFIA DA INVESTIGAÇÃO PUBLICADA EM PORTUGAL, 2006

BD JORNAL [Publicação periódica]. Dir. J. Machado Dias. Lisboa:


Pedranocharco, 2006 . N.º 9-15
BDESENHADA [Em linha]. [Consult. a 27 de Jan. 2006]. Disponível em:
http://www.bdesenhada.com/
BOLETIM DO CLUBE PORTUGUÊS DE BANDA DESENHADA [Publicação
periódica]. Dir. Paulo Duarte. Lisboa: CPBD, 2006. N.º 114-118
BOLETIM DO CLUBE PORTUGUÊS DE BANDA DESENHADA [Publicação
periódica]: Il legionário. Dir. Paulo Duarte. Lisboa: CPBD, 2006. N.º especial de
aniversário.
CATÁLOGO DE AUTORES DE BANDA DESENHADA PORTUGUESA.
Amadora: Câmara Municipal. CNBDI, 2006.
CENTRALCOMICS [Em linha]. [Consult. a 27 de Jan. 2006]. Disponível em:
http://www.centralcomics.com/
CENTRO NACIONAL DE BANDA DESENHADA E IMAGEM – Em traços
miúdos. Amadora: Câmara Municipal. CNBDI, 2006.
DISCURSO DO ZÉ POVINHO. Caldas da Rainha : Centro de Educação
Especial Rainha Dona Leonor, 2006.
FESTIVAL INTERNACIONAL DE BANDA DESENHADA, 17, AMADORA, 2006
– Festival BD 2006. Amadora. Câmara Municipal, 2006.
CALDAS, Manuel – Foster e Val. Póvoa do Varzim : Manuel Caldas, 2006.
COTRIM, João Paulo – Stuart: a rua e o riso. Lisboa : Assírio & Alvim ; El Corte
Inglês, 2006.
2006 DOSSIÊ 157|259

SANTOS, Helena; DONA, Nelson; CARDOSO, Ana – Práticas na banda


desenhada: os visitantes do 16º Festival Internacional de Banda Desenhada da
Amadora. Lisboa ; Amadora : Afrontamento ; Câmara Municipal, 2006.
REZENDES – Mania dos quadradinhos [Em linha]. [Consult. a 27 de Jan.
2006]. Disponível em: http://quadradinhos.blogspot.com

Movimentos
Geraldes Lino

Este ano apetece-me mudar (posso?) o critério que tenho seguido em anos
anteriores para esta tarefa, abdicando de alguns pormenores, em especial a
datação das actividades. Mas abarcarei na mesma as diferentes áreas que
buliram – concursos, colóquios, cursos, exposições, Internet, jornais, rádio,
televisão –, tentando não passar secantes às que foram observadas, criticadas,
escalpelizadas, aqui ao lado, pelos meus pares.

Concursos
- Associação Juvenil COI (AJCOI), em Pinhal Novo – Tema: A Noite;
- 1º Concurso de Banda Desenhada Infanto-Juvenil de Colares.

Colóquios, conferências, debates & mesas redondas


- Estiveram em actividade diversos especialistas e autores, com destaque para
João Paulo Cotrim, João Miguel Lameiras, José Ruy, José Carlos Fernandes,
Paulo Monteiro, Marcos Farrajota e Jorge Magalhães, sobre temas que foram
de "Salazar agora na hora da sua morte" até à análise dos contos e novelas de
José Padinha, colaborador literário de "O Mosquito", passando pela "Edição
Independente".
2006 DOSSIÊ 158|259

Cursos, Ateliês, Oficinas, Workshops


- José Carlos Fernandes orientou workshops na Biblioteca Municipal de Loulé e
no Instituto Politécnico do Algarve.
- Miguel Rocha fez workshop na Bedeteca de Beja
- José Pedro Cavalheiro [Zepe] coordenou um Curso de Banda Desenhada, no
Centro de Investigação e de Estudos Arte e Multimédia (CIEAM), da Faculdade
de Belas Artes da Universidade de Lisboa –FBAUL; Luís Henriques, Diniz
Conefrey, Cátia Salgueiro, Miguel Valverde e Pedro Moura coadjuvaram-no.
Na Bedeteca de Lisboa os mais novos tiveram possibilidade de participar no
ateliê "Cá se Faz BD", um título bem achado.
- A propósito dessa faceta, ocorre focar "O Desenhador Foi-se Embora", nome
dado a dois workshops organizados conjuntamente pela Mediateca do Instituto
Franco-Portuguais e Nouvelle Librairie Française, sob direcção artística e
pedagógica do autor Mathieu Sapin.

Exposições
- "Em traços miúdos", e "O Mosquito – Uma Máquina de Histórias", ambas no
Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI (Amadora).
- "Tenho visto carteiristas" e "All Girl Zine", neste último caso dando primazia às
autoras Carla Pott, Rosa Baptista, Ana Freitas, A.Rechena, Cláudia Dias, Ana
Biscaia, Sara Mena Gomes, Joana Lafuente, Joana Pereira e Joana Sobrinho.
Ambas as expos na Bedeteca de Lisboa.
- Banda Desenhada (também Ilustração), de Daniel Lima, na Bedeteca de Beja
/ Casa da Cultura – Galeria de Exposições Temporárias.
- "Virgin's Trip"; Rui Lacas – "Merci Patron"; Gamito – "Desenhos de Imprensa";
Diniz Conefrey – "Uma Ilha em Sketches". Todas (uma de cada vez, óbvio) na
Nouvelle Librairie Française (NLF).
- Várias bandas desenhadas, expostas numa velha fábrica desactivada do
Montijo, representaram os "Jovens Criadores 2006" – Lucas Almeida, Pedro
Vieira, P.Amorim e Ana Madureira, que as fizeram. Será que a expo teve
visitantes, apesar de relegada para aquele local imprevisível? Além dos
montijenses, e mencionados autores, houve um lisboeta presente.
2006 DOSSIÊ 159|259

- Muito mais fora de mão esteve a banda desenhada "Aventuras de Jerílio no


séc. 25", feita em azulejos por Luís Guerreiro, exposta no Museu de Arte de
Brasília e Pirinópolis. De portugueses, só consta ter lá estado o autor.
- Os belgas Hergé e Tintin obtiveram visibilidade em imagens afixadas na
Biblioteca Municipal de Coimbra. Assim se evitou que, em 2006, esta rubrica
fosse exclusiva de portugueses, bem como a possível acusação de xenofobia.
- "Agora... Chuchai no dedo..." exposição comemorativa dos 10 anos do
fanzine Succedâneo na Bedeteca de Lisboa.

Internet
Sítios e blogues têm proliferado. Grande parte deles ficaram aqui registados no
levantamento do ano passado. Desta vez limito-me a apontar os meus
preferidos: em primeiro lugar, os que apresentam crítica fundamentada e bem
escrita, e os que fazem divulgação de qualidade; em segundo lugar, alguns dos
que se estrearam este ano (focando apenas a BD):
Os primeiros:
- Ler BD, de Pedro Vieira de Moura – lerbd.blogspot.com
- Beco das Imagens, da dupla Sara Figueiredo Costa e Sílvia Moldes, com
excelentes textos, em especial da primeira – becodasimagens.blogspot.com
- Mania dos Quadradinhos, de um bedéfilo que se identifica por - Rezendes –
quadradinhos.blogspot.com
- Bdesenhada, "site" onde pontifica Enanenes (Nuno Pereira de Sousa) –
www.bdesenhada.com
- Blog da Utopia , mantido basicamente por dois bloguistas que assinam
simplesmente Farinha e Ferrão – bandadesenhada.blogspot.com
- Kuentro, muita divulgação feita pelo Machado-Dias – kuentro.weblog.com
- Central Comics, portal bastante activo e de grandes dimensões. Ou, como
eles dizem, "o universo da banda desenhada" – www.centralcomics.com
Os segundos:
- O Estrompa tem uma filha chamada Cristina que canta, escreve poesia, e
soube criar um sítio onde aparece Tornado, o anti-herói de estimação do pai -
www.estrompa.com
- Dedicado totalmente aos fanzines de bd surgiu no princípio do ano o
www.fanzinesdebandadesenhada.blogspot.com
2006 DOSSIÊ 160|259

- Ideias Feitas em Lugares Comuns, de José Abrantes, e a sua mimada


Morgana - www.ideiasfeitasemlugarescomuns.blogspot.com
- Fankaria. Net. Já no fim do ano, em Dezembro, marca o reaparecimento do
"bizarro" Bruno Campos -www.fankaria.net
- Tertúlia BDzine.net, um sítio dedicado ao fanzine homónimo, criado por
Daniel Maia, admirador e colaborador do dito zine – www.tbdz.net

Imprensa
Duas são as áreas onde, na imprensa, a BD ocupa espaço: na respectiva
publicação e nas rubricas de crítica e divulgação. Vejamos cada uma delas em
separado:

- Bandas desenhadas de autores portugueses


Em revistas não especializadas e jornais houve várias:
- Bd's de André Ruivo e Pedro Zamith na revista Op.
- "Capitão Vega" apareceu, todo colorido, em seis episódios auto-conclusivos,
escritos e desenhados por Richard Câmara. Onde? Na Vega, revista mensal de
temas marítimos.
- Gaiola Aberta, título que nasceu com o 25 de Abril (embora tenha tido um
interregno), tem sempre algumas bandas desenhadas, geralmente curtas,
habitualmente brejeiras, mas também com ferroadas políticas, escritas e
desenhadas por um grande senhor que faz humor nos livros e revistas que ele
próprio edita – a "Gaiola" é uma delas –, há cerca de quarenta anos: José
Vilhena.
- Gente Jovem, revista mensal dedicada ao público feminino, tem como
colaborador em BD um autor que se identifica por Algarvio (Alexandre, ou Alex,
Algarvio). Desde Janeiro de 2004 que ele realiza uma bd autoconclusiva, a
cores, inserida na série "Que Cena, Rita".
- Motociclismo, revista mensal, continua a publicar os episódios em estilo
humorístico do "motard" Tom Vitoín, personagem criado por Luís Pinto-Coelho.
- Moto Compra e Venda, revista mensal, tem incluído episódios
autoconclusivos, a cores, escritos e desenhados por Paulo Araújo, que criou
"Zé do Paddock, mecânico extraordinário e Roquete seu assistente.
2006 DOSSIÊ 161|259

- Mega Score, repleta de análise crítica de videojogos e informática, é uma


revista que publica, ao seu ritmo mensal, uma bd autoconclusiva, a cores, da
autoria de Algarvio, na série "Sexo, Mentiras e Videojogos"
- CCC, bimestral de distribuição gratuita no Centro Comercial Colombo,
mantém a colaboração de Miguel Rocha e José Carlos Fernandes, em bandas
desenhadas curtas, a cores, realizadas graficamente pelo primeiro, sob
argumento do segundo. Uma equipa de luxo.

- Underworld, publicação gratuita distribuída pelos bares e discotecas da


cidade, teve uma excelente bd feita por João Maio Pinto.
- Ripa na Rapaqueca, revista gratuita (entretanto desaparecida) mostrou uma
série a cores chamada Ripa & Rapa, escrita e desenhada por João Ferreira.
- P'Almada, revista mensal, tem publicado bedês de Serrano.
- Em O Inimigo Público, suplemento do jornal Público, Nuno Markl apresenta-se
como autor e personagem na série "Há Vida em Markl".
- Sol, um novel semanário, com suplemento-revista "Tabu": nas páginas do
jornal debutou, e mantém-se activa, uma dupla constituída por Joba, que
desenha, e ML que escreve, na série de crítica social "As Tias", impressa a
cores; no "Tabu" colabora Luís Afonso com a desconcertante bd "Sol aos
Quadradinhos" em formato de tiras, também a cores, tipo "continua no próximo
número", coisa que já não se via desde o tempo das antigas revistas de BD.
Ainda no suplemento-revista "Tabu" ocupa espaço de uma página a série "Na
Terra Como No Céu" em quadricromia, criada integralmente (argumento e
desenho) por Nuno Saraiva.
- Mundo Universitário, jornal gratuito que mudou este ano de quinzenário para
semanário, publicou, em todos os números bandas desenhadas a cores, de
tema livre, no sistema de episódios autoconclusivos numa só prancha.
Aceitando o convite do coordenador da rubrica BD - o mesmo que assina este
artigo – , participaram os seguintes autores e autoras, alguns mais do que uma
vez: Pedro Alves, Derradé, Andreia Rechena, Jucifer (Joana Figueiredo), Pedro
Manaças, Cheila, J. Mascarenhas, Zé Manel, Pepedelrey, Ricardo Cabral com
argumento de Jorge Cabral, Pedro Nogueira, António Valjean, Estrompa, Pedro
Massano, Álvaro, Algarvio, Ricardo Ferrand, Pedro Morais, Nuno Saraiva, José
Lopes, nomes colocados pela ordem de publicação. Com a sua tiragem de
2006 DOSSIÊ 162|259

30.000 exemplares, o MU está a ser a grande montra semanal da BD


portuguesa.
- "Educação às Tiras" é feita, obviamente, numa tira, em simples preto e
branco. Quem a desenha é Bruno Janeca, sob argumento de Dinis Gardete
Isto no jornal gratuito Ensino Magazine, editado em Castelo Branco.
- Ainda em tira, mas nos Açores, colabora a dupla Paula Cabral, que desenha,
e Manuel Moniz, que faz o argumento. O resultado publica-se no Diário dos
Açores, de Ponta Delgada.

Com tira de bd também, mas em quadricromia, trabalham:


- Agonia Sampaio, no jornal A Voz da Póvoa;
- Luca (Luís Afonso que escreve o argumento para Carlos Rico desenhar) da
tira semanal "Ribanho", no Diário do Alentejo, que afinal é semanário…
- Carlos Rico, mesmo sem sair de Moura, faz a "solo" a tira "Cartoon", no
Sporting, jornal do homónimo clube lisboeta.

Textos críticos
Quem escreve críticas e textos de divulgação?
- João Miguel Tavares costumava fazer crítica BD no Diário de Notícias,
mesmo que com alguma irregularidade no suplemento "6ª". A certa altura
desapareceu (no que se refere a escrever sobre BD, claro).
- João Miguel Lameiras assina semanalmente, desde 14 de Maio de 1994, a
rubrica "Banda Desenhada", aos sábados, no jornal Diário As Beiras.
- Pedro Cleto escreve no Jornal de Notícias, ocupando o espaço de uma
coluna a que chama "Aos Quadradinhos", desde 11 de Fevereiro de 1998.
- Luiz Beira viu desaparecer a sua vetusta rubrica "Coluna da 9ª Arte", que
existia há 23 anos, no paroquiano Jornal de Almada. Em compensação passou
a coordenar o "Espaço BD" no regional Diário do Alentejo.
- Dâmaso Afonso, alentejano, coordena o suplemento "O Cuco - Informativo
BD" no Diário do Sul (de Évora).
- João Ramalho Santos mantém espaço relevante no prestigiado quinzenário
JL.Jornal de Letras, Artes e Ideias, com a rubrica "Banda Desenhada" desde
1994.
2006 DOSSIÊ 163|259

- Os meus livros, revista mensal, conta com textos de crítica assinados por
Sara Figueiredo Costa e João Morales.
- No jornal Público, há textos de análise escritos por Carlos Pessoa e Nuno
Franco.

Rádio
- Na SIC foi transmitida uma reportagem sobre BD Internacional. Soube que
houve, mas não ouvi.
- No programa "Roteiro Cultural", da Rádio Renascença, foi dada notícia
alargada sobre o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. Aliás
este evento bateu recordes de divulgação pelas ondas hertzianas: foi falado
nas Antenas 1, 2 e 3, mas igualmente em rádios locais (Pax, Voz da Planície e
Castrense) além de ter sido visto na televisão. O Paulo Monteiro não deve ter
sido alheio a esta ampla cobertura dos média…
- Artur Correia, desenhador, e António Gomes de Almeida, argumentista,
falaram dos seus "Super-heróis da História de Portugal" no programa "Um certo
Olhar".

Televisão
Entrevistados, esporadicamente, em programas ("Por Outro Lado" e
"Sociedade Civil") e em canais vários (RTP1, SIC Notícias e TV2), foram
alguns autores:
- Miguel Rocha e João Paulo Cotrim, desenhador e argumentista,
respectivamente, da premiada obra "Salazar agora na hora da sua morte", e
Miguel Montenegro, a falar da sua colaboração americana.
- Não despicienda foi a passagem, em texto de rodapé, de chamada de
atenção para a obra de Rocha e Cotrim, também focada no noticiário da TVI.
- Machado-Dias foi entrevistado, no propósito de anunciar o lançamento do
BDJornal nº 13, no programa "Curto Circuito" da SIC Radical.
- O Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja foi focado nos canais
RTP 1 e 2, SIC e TVI.
2006 DOSSIÊ 164|259

Finalizando:
Afinal, mesmo tentando ser sucinto, não consegui resistir à tentação de registar
tudo de que tive conhecimento, o que dá um texto se calhar demasiado
extenso para a paciência de alguns visitantes. Mas a verdade é que, apesar de
as actividades serem espaçadas, o balanço de um ano, abarcando todos estes
quadrantes, acaba por ser volumoso, o que se reflecte na quantidade de
caracteres (10760) que para isso utilizei. Peço desculpa aos leitores e
agradeço a compreensão do responsável editorial.
2007 DOSSIÊ 165|259

Ilustrações Pedro Brito

Introdução

Está concluída a publicação "on-line" das análises de várias personalidades


sobre sete áreas que integram este relatório anual sobre a bd portuguesa. Este
ano com algumas mudanças no grupo, em particular, foi decidido deixar a
secção "Autores" como uma espécie de testemunho das experiências dos
autores de bd começando por Luís Henriques que se destacou no ano de 2007.

As ilustrações deste ano são da autoria de Pedro Brito, realizador de filmes de


animação e um dos autores de bd mais versáteis da geração dos anos 90 com
vários livros publicados. 2008 será ano de regresso após quase seis anos de
inactividade no campo da bd - tirando algumas bd's curtas publicadas em
periódicos e zines. Ainda este mês de Fevereiro, o livro "Tu és a mulher da
minha vida, ela a mulher dos meus sonhos (Polvo; 2000) com desenhos de
João Fazenda, foi alvo de uma edição francesa pela 6 Pieds Sous Terre.
2007 DOSSIÊ 166|259

Crítica
Domingos Isabelinho

Há um ano a Universidade portuguesa primou pela ausência no balanço sobre


a crítica de banda desenhada. Em 2007 brilhou a estrela, solitária (?), de Ana
Bravo e da sua tese de mestrado, com honras de publicação: “A invisibilidade
do género feminino em Tintin, a conspiração do silêncio”. Não vou aqui discutir
o mérito dos pressupostos teóricos, hipóteses de trabalho, investigação,
elaboração e conclusões da dita tese, amplamente debatida pelos meus
colegas metacríticos João Paulo Boléo, Pedro Moura
(http://lerbd.blogspot.com/2007/09/invisibilidade-do-gnero-feminino-
em.html#comments) e outros, certamente... O meu comentário será de ordem
geral, por um lado, e muito particular (porque me afectou pessoalmente), por
outro.

A crítica feminista (ou marxista, ou pós-colonial, ou pós-estruturalista, ou queer,


ou outra coisa do género...) é-me simpática porque vejo demasiada miopia na
análise dos conteúdos que as obras veiculam ou sugerem (se é que essa
análise existe em Portugal para além do blog “Ler BD”, de Pedro Moura). Ao
denunciarem estereótipos femininos na BD (na esteira de Edmond Baudoin, as
maiúsculas caracterizam, aqui, a banda desenhada comercial) as feministas
bem podem dizer: o rei vai nu. Mais, no caso de Ana Bravo nem se trata de um
rei. Como bem viu Joël Kotek em “Les grands mythes de l’histoire de Belgique,
de Flandre et de Wallonie”, a tintinologia (eu diria: a tintinofilia) é uma religião e
Hergé é o seu profeta. Segundo o mesmo Kotek existem, na tintinologia
(entendida como teologia): os textos sagrados (os livros de banda desenhada e
demais papelada de Hergé); os sumo-sacerdotes, guardiões do templo e
evangelistas (hergéologos, tintinólogos, tintinófilos, tintinólatras, tintinmaníacos,
tintinopatas); uma congregação de fiéis (os demais fans de Tintin); cismas,
heréticos, textos canónicos (estes últimos publicados pelas edições
Moulinsart). Mark McKinney, o qual cita Kotek no último “International Journal
of Comic Art”, acrescenta ainda: o sanctum sanctorum (onde se guardam as
relíquias sagradas); um templo: o museu a construir em Louvain-la-Neuve, com
2007 DOSSIÊ 167|259

inauguração marcada para o dia 22 de Maio de 2009. (McKinney acrescenta


ainda outros pormenores como a universalidade dos textos sagrados e a
anunciação da segunda vinda, encarnação em filme com realização das
estrelas do box office, obviamente, Steven Spielberg e Peter Jackson.)

Só é pena que a crítica de banda desenhada feita por homens (a única que
existe nos jornais portugueses) sofra de ataques constantes de nostalgia,
infantilismo, hagiografismo, enciclopedismo, biografismo, gosto pelo midcult, e
outras barbaridades do género... Estereótipos e personagens com a espessura
psicológica da folha de papel em que foram desenhadas; formulas narrativas
dignas de filmes de série B; etc... etc... são pormenores que não impedem a
canonização na história oficial da banda desenhada (entenda-se: a história da
inane BD infanto-juvenil do século XX; aí esteve a exposição “As 10 BDs do
Séc. XX” (sic) no 18º Festival Internacional Banda Desenhada Amadora 2007
(sic) para, à excepção de “Maus”, de Art Spiegelman, provar o que digo). O que
faz falta, portanto, realmente, e em conclusão, é uma crítica “machista”. Posto
isto vamos ao “pormenor” que me afectou pessoalmente nesta história (e peço
desde já desculpa por utilizar um meio público em “proveito” próprio): fui
plagiado por Ana Bravo (nas pp. 40, 41). O que me parece irónico é que o
subtítulo do livro em causa seja “a conspiração do silêncio” e que no título
apareça a palavra “invisibilidade” porque a sensação que tive foi exactamente
essa: a de ser invisível. Claro que eu sou apenas um crítico de banda
desenhada... Uma arte menor para deleite dos menores de idade, como todos
sabemos e no-lo diz o lugar-comum, ou/e dos adultos que têm um intelecto
algo reduzido. Citar-me não podia ajudar a conseguir a classificação de Muito
Bom, como, estou certo, Ana Bravo mereceu... e eu com ela. Dá muito mais
status e capital intelectual citar Pierre Bourdieu ou Michael (sic, pag. 82)
Foucault, claro.

Mas, infelizmente, Ana Bravo esteve longe de estar sozinha nesta menorização
da crítica de banda desenhada durante o ano de 2007. Nos jornais, o
panorama não foi melhor. (Escuso-me de comentar, em jeito de reportagem,
como soe fazer-se, nestes balanços, o trabalho de divulgação que ainda vai
existindo nos nossos pasquins.) Refiro-me, mais concretamente, à única razão
2007 DOSSIÊ 168|259

que leva as chamadas “políticas editoriais” (entenda-se, fórmulas que


explicitam o dilema: “vamos lá a ver como é que raio conseguimos vender mais
papel?”) a incluírem a BD nos parcos suplementos culturais que ainda vão
subsistindo (a banda desenhada como arte a sério está fora de questão porque
quase não existe como negócio): a última adaptação hollywoodiana de um
qualquer comic industrial, livro, ou argumento original da autoria de algum peso
pesado do mainstream dos comics. Em 2007, miséria das misérias, tivemos as
versões cinematográficas da mini série fascistóide “300”, do racista neocon
Frank Miller, e da fantasia light “Stardust, O Mistério da Estrela Cadente”, livro
do peso leve da literatura e da banda desenhada, Neil Gaiman.

À semelhança do que (não) fiz acima a propósito do livro de Ana Bravo


abstenho-me, porque não é este o espaço indicado, de comentar o filme “300”,
para além do óbvio: trata-se de uma peça de propaganda racista, homofóbica,
e militarista, parte integrante da engrenagem hegemónica do poder económico
imperial. Nem sequer falta a ridícula dicotomia infantilóide, belos/bons,
feios/maus: os iranianos, perdão, os persas (parafraseando Rui Henrique
Coimbra), são ninjas e orcs; o espartano traidor Efialtes é um indivíduo
disforme; só Xerxes, Rodrigo Santoro, foge a esta lógica, mas é um fulano
descomunal, provavelmente homossexual, que se encontra “desfigurado” por
inúmeros piercings.

Pelo que sei do que se escreveu a propósito do filme e do livro nos jornais
portugueses nem uma palavra disseram os críticos de banda desenhada
habitualmente de serviço sobre o assunto (apenas João Miguel Lameiras
tentou tapar o sol com a peneira no diário “As Beiras” de 14 de Abril: “a reacção
que teve mais impacto mediático foi a do governo iraniano (não por acaso, o
filme foi proibido no Irão) que acusou “300” de ser um instrumento de
propaganda da administração Bush na sua luta contra o Irão. Claro que esta
acusação é absurda, pois a BD de Frank Miller data de 1999, muito antes de
Bush Jr. chegar ao poder e a visão que ela transmite tem por base os escritos
do historiador grego Heródoto, que passou à escrita um episódio épico da
história da Grécia, preservado pela tradição oral e que Miller reinterpretou na
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BD”). “Reinterpretou”, está certo... fazer-se esta versão em cinema,


precisamente agora, também deve indicar qualquer coisa... mas adiante...

No jornal “Expresso” deu-se um fenómeno curioso; houve uma divisão de


tarefas à boa maneira das linhas de montagem (“300” teve honras de capa no
suplemento “actual” de 6 de Abril, mas alguém boicotou a publicidade com um
título na tradição do jornal “Independente”: “A Batalha dos 300”; o
trocadilho/alusão a uma batalha de pacotilha, tipo “loja dos 300”, parece não
deixar dúvidas): o correspondente em Los Angeles, Rui Henriques Coimbra,
entrevistou o realizador Zack Snyder e esmiuçou os aspectos económicos
envolvidos (em Roma, sê romano; nos Estados Unidos da América, sê
capitalista); Nair Alexandra escreveu um excelente texto sobre os factos
históricos; o crítico de banda desenhada, João Paulo Cotrim, foi chamado a
discorrer sobre Frank Miller (e fê-lo recorrendo ao habitual biografismo); o
crítico de cinema Vasco Baptista Marques, criticou o filme, de forma breve, mas
contundente (senão, vejamos: “Tem “décors” claustrofóbicos e sequências de
acção sanguinolentas; tem 300 gajos monosilábicos, psicóticos e bronzeados;
tem uma horda de adeptos da magia negra, “shows” lésbicos e teratologia; e
tem um argumento tão protofascista e eugenista que faz com que o cinema de
Risfenstahl pareça politicamente inócuo por comparação”; além do mais, todos
os colegas de Vasco Baptista Marques que escrevem no “Expresso” deram
uma solitária estrelinha ao pompieríssimo filme). Resultado: crítico de cinema –
1; crítico de banda desenhada – 0. (Já agora, e para equilibrar as coisas,
recomenda-se o texto de Pedro Moura: http://lerbd.blogspot.com/2005/05/300-
frank-miller-com-lynn-varley-dark.html#comments).

Também Neil Gaiman teve honras de capa no suplemento “actual” do jornal


“Expresso” de 29 de Setembro e também desta vez o título alusivo ao dito não
é de todo lisonjeiro: “Neil Gaiman, Anda nas Nuvens”. Os meus parabéns,
portanto, a quem escreveu os dois ajustadíssimos títulos. Se Frank Miller é
elogiado pela comunidade fanática “da BD” apesar dos seus dotes literários
medíocres e de uma política maníqueista caricatural (entenda-se: propaganda
grosseira), Neil Gaiman não lhe fica atrás, apesar de ser o campeão do midcult.
Depois de largos elogios por parte do crítico de banda desenhada João Paiva
2007 DOSSIÊ 170|259

Boléo, o crítico de cinema Manuel Cintra Ferreira criticou o filme, “Stardust, O


Mistério da Estrela Cadente” (realizado por Matthew Vaughn), de forma breve,
mas inequívoca (sem, apesar de tudo, ter sido tão mordaz como deveria; o
dumbing down constante tem de produzir efeitos nefastos nalgumas mentes:
“O filme de Vaughn é bonito, vê-se sem grandes cuidados, [mas] talvez [seja]
demasiado “lavado” para quem procure um pouco de ironia. Se o seu alvo é o
público infantil suporta-se. Se é outro, falta-lhe o humor (apesar da presença de
Ricky Gervais) que a série “Shrek” tem para dar e vender”. Resultado: críticos
de cinema – 2; críticos de banda desenhada – 0.

Por fim, e para terminar com uma nota positiva (convém, nestas quadras
festivas), quero saudar os textos de José Carlos Fernandes no “BD Jornal” e no
catálogo do festival da Amadora. Apesar de não serem crítica, no sentido mais
tradicional, são crónicas interessantes e uma lufada de ar fresco. É do catálogo
referido que transcrevo o excerto seguinte: “Editores, autores e organizadores
de festivais terão que tomar consciência de que a BD deixou de ser uma “arte
popular” e nunca mais irá recuperar esse estatuto” (citação retirada do artigo “A
Era do Pechisbeque”). Faço uma correcção, e um acrescento: parece-me que a
banda desenhada nunca foi uma arte popular; a banda desenhada foi, isso sim,
uma arte de massas; a necessidade da tomada de consciência de que nunca
mais o voltará a ser, de que deixou de estar espartilhada pelo colete de forças
alimentar, deveria chegar, em primeiro lugar, aos críticos. Infelizmente, e com
honrosas excepções, como Nuno Franco, não é na geração (ou gerações)
actualmente em actividade que isso acontecerá.

PS Para iniciar uma tradição vou citar aquela que considero ser a frase crítica
do ano: “O projecto Book'n'Shop surge de urgência pois vivemos tempos em
que as livrarias estão mais preocupadas com livros Pop ou de Elfos – aliás, as
livrarias de “livros normais” nos dias que correm conseguem ser ainda mais
folclóricas que as lojas especializadas em bd sobre as quais se ridicularizava
por serem lojas de “nerds”, vulgo, consumidores de super-heróis e estatuetas
de super-gajas com super-mamas e super-armas.”
Marcos Farrajota: email, 25 de Julho de 2007.
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Esta é uma das maiores ironias da história da banda desenhada: quando a


cultura mais focada nos media e nos meios difusores era cultura com “C”
maiúsculo, a banda desenhada era desprezada por ser uma arte menor e
infantil, agora que a banda desenhada é uma arte como todas as outras foi o
resto do mundo que ficou infectado pelo síndrome de Peter Pan. Uma autêntica
pandemia de que pouco se fala.

Edição
Daniel Maia

Este ano, devido a arranjos internos, assumo eu a análise sobre edições que
usualmente cabe à Sara Figueiredo Costa. Todavia, não deixa de ser caricato
que a mesma continue "participante" no artigo, uma vez que o meu parecer
quanto ao panorama do sector neste ano que passou é concordante com o da
Sara, e vem aliás repetir argumentos que ela própria já havia denunciado. No
texto que escreveu sobre o evento “Semana Negra” de Gijón, in "BDjornal"
nº20 (Set'07), a Sara compara a certa altura o nosso (disfuncional) mercado
bedéfilo com o de "nuestros hermanos", aludindo ali a algumas noções que de
seguida também vou deslindar.

Mas primeiro, um breve enquadramento estatístico: Em 2005, bem na cauda da


quebra comercial do sector bedéfilo, observou-se um derradeiro fôlego editorial
por parte das nossas chancelas, as quais – entre outros factores, por via das
colecções em jornais e revistas, e certamente devido ao esforço suplementar
para se posicionarem dominantes na área enquanto a poeira assentava –
conseguiram, incrivelmente, gerar perto de 500 títulos de/sobre banda
desenhada. Até então, um feito inédito na história da BD portuguesa.
Porém, tão incontornável como a crise que nos assola, a subsequente queda
na oferta não só era lógica como iminente, sendo precisamente isso o que se
tem vindo a constatar desde então. Em 2006, à medida que se acanhavam ou
iam desaparecendo editoras outrora dinâmicas, deu-se uma descida acentuada
2007 DOSSIÊ 172|259

para 340 títulos, pelo que não é de espantar que presentemente, com o
contínuo definhar – comercial e cultural – do mercado, apenas tenham dado à
estampa 258, incluindo reedições e outras obras mais situadas na fronteira
daquilo que se tem por banda desenhada ou cartoon.

Ou seja, em 2007 houve menos 24% de edições face a 2006 (diferença que
aumentaria para 32% caso retirássemos da equação as reedições, assim como
certas publicações mais singelas, porém contabilizáveis), e menos 52% em
relação aos lançamentos de 2005.
É bem sabido que o negócio da bd vai mal, mas expondo a dimensão do tombo
nestes termos o cenário adquire logo outro peso… Para adensar a trama,
importa ainda frisar que somente 62% do total editado/reeditado em 2007 é
referente ao que se pode chamar de "álbuns". Falo em formatos–livro portanto,
sejam cartonados ou brochados, de maior ou menor tamanho, que são o que
cá na velha Europa instintivamente visualizamos quando se fala em BD.

Falemos das principais tendências do ano último ano e casos de especial


interesse.

A nível de protagonistas, embora seja uma entidade estrangeira, o Grupo


Panini foi sem dúvida aquele cuja acção entre finais de 2006 e 2007 teve
maiores repercussões no mercado português. Ao renovar os laços comerciais
que o unem à Marvel Comics, aprofundando a sua posição enquanto
licenciador mundial da “Casa das Ideias”, com acção na Europa e América
Latina, este multinacional italiano tornou-se hoje um poder incontornável no
campo da Nona Arte.

Numa posição de exclusividade, a Panini soube gerir astutamente o seu trunfo


e criou uma mais vasta rede de parcerias internacionais para co-edição dos
álbuns Marvel (mas não só), garantido assim mais baixos custos de produção e
outras comodidades que tornaram apetecível a aposta neste esquema de
concessões editoriais. Entre as empresas envolvidas temos, por exemplo, a
BDmania e a G-Floy Studios (também esta uma editora de fora), que deste
modo puderam entrar no ramo da edição em Portugal; não esquecendo a
2007 DOSSIÊ 173|259

Devir, que aderindo à colecção 100% Marvel pôde mais facilmente lançar a sua
última grande fornada de edições à porta de 2007, antes de se ausentar do
mercado.

Contudo, a influência da Panini não terminou aí e, para além de se incluir na


tradução para português (de Portugal) em alguns volumes Marvel – Homem-
Aranha Marvel Knights, Quarteto Fantástico e Eternos, por Neil Gaiman –, a
empresa devolveu aos quiosques as revistas mensais de super-heróis e toda a
linha de “gibis” dos Estúdios Maurício de Sousa, para gáudio dos leitores; até
então, apenas a Mythos Editora desempenhava esse serviço, com títulos tais
como Tex, Conan entre outros. O retorno à importação de sobras oriundas do
Brasil não foi do agrado geral e significa um retrocesso face ao trabalho que
fora feito na (quase) última década, mas ao menos preenchia o vácuo deixado
pela retirada da Devir do circuito das bancas/papelarias.

No entanto, escassos meses após o inicio da distribuição, durante o último


trimestre, eram já aparentes as repetidas e graves falhas na distribuição dos
títulos e o tratamento selectivo que se exercia quanto aos postos de venda aos
quais se fornecia as sobras. Perante obtusidades destas, que naturalmente
afectam resultados das vendas, crê-se agora que a Panini não vá permanecer
no mercado por muito mais, ou pelo menos com o mesmo fôlego inicial. É uma
das situações a observar em 2008…

Outro protagonista de relevo, aqui com menor expressão no negócio mas


certamente com maior mérito na sua acção é a Livros de Papel. Unanimemente
aplaudida pela actividade que desempenha, a pequena chancela, da
responsabilidade de Manuel Caldas, traz à memória (sem qualquer intuito
ofensivo) o filme de Peters Sellers, “O Rato que Ruge.”

À cadência de dois a três livros por ano, a editora tem recuperado literal e
paulatinamente, os clássicos “Príncipe Valente” de Harold Foster, em faustosas
edições de grande formato e interior a preto-e-branco que por fim fazem justiça
à importância histórica da série. E como recompensa pelo meticuloso trabalho
de restauro que Caldas encetou, as suas publicações colheram a atenção de
2007 DOSSIÊ 174|259

editoras estrangeiras também interessadas em publicar a versão portuguesa da


obra, tida como as de melhor qualidade no mercado internacional, no que toca
ao legado de Harold Foster. É sem dúvida um feito individual que nunca é
demais relembrar, merecedor de toda a atenção que lhe é cedida nos media e
reportagens online – tendo mérito também por isso, num ano de parca atenção
mediática à BD.

Igualmente epopeico e de grande valia é a iniciativa da Afrontamento de


publicar os 22 volumes da “Obra Completa dos Peanuts”, por Charles Shultz.
Dois novos tomos foram apresentados em 2007, respectivamente o 3º e 4º da
colecção, e de imediato se destacaram entre as melhores edições ano.

Houve todavia mais clássicos dignos de referência: da Gradiva chega-nos a


derradeira obra do mestre Will Eisner, “Fagin o Judeu”; a Vitamina BD
encarregou-se de levar aos escaparates “A Trágica comédia ou Comédia
trágica de Mr. Punch”, de Neil Gaiman e Dave McKean – que venceu o troféu
9ª Arte nos Prémios Nacionais de Banda Desenhada (PNBD) no 18º Festival
Internacional BD da Amadora (FIBDA); enquanto a sua editora-gémea, a
BDmania, tratou de lançar a novela gráfica “Elektra – O Regresso”, da dupla
Frank Miller e Lynn Varley.

Ainda, seguindo na esteira da missão: “Príncipe Valente”, a Bonecos Rebeldes


assumiu outra recuperação, desta feita das pranchas dominicais da série
“Tarzan”, no elegante traço de Russ Manning entre 1968–70. Também de
grande dimensão, o formato apenas varia em ser ‘italiano’ (sob comprido),
mantendo-se a qualidade da produção e, espera-se, também o sucesso
comercial e crítico.

E para fechar a passagem pelos títulos peso-pesados, falta frisar o excelente


trabalho realizado pelo jornal “Público”, que durante cinco meses aproximou as
aventuras de “Spirou e Fantasio” dos leitores, reeditando obras essenciais da
famosa série, bem como diversos inéditos. É curioso notar que, após a atenção
dada a Tintim e Corto Maltese, ambas de grande impacto na comunidade
bedéfila, e agora a Spirou, seja um grupo jornaleiro o mais tarefeiro editor de
2007 DOSSIÊ 175|259

material franco-belga em Portugal. Pena é que igual elogio já não possa ser
feito ao seu projecto seguinte, mas isso, já lá dizia Michael Ende, “é outra
história e terá de ficar para outra ocasião…”

Autores
Luís Henriques

Terminei as Belas Artes em 96 e dediquei a maior parte dos anos seguintes às


aulas (e ao estudo da História da Arte). Cheguei, portanto, um pouco tarde à
banda desenhada.

Há quatro ou cinco anos atrás, a Rita Duarte perguntou-me se eu não queria


fazer umas ilustrações para uma história que andava a escrever. A ideia
agradou-me e fui desenhando, bastante irregularmente. Mérito dela, sorte
minha: o texto foi premiado e tivemos direito a edição (começou assim a nossa
ligação à Caminho).

Quis continuar mas pesavam-me certas limitações e alguns vícios (ainda


pesam, mas já não me incomodam tanto). Um tanto casualmente, inscrevi-me
no curso de Banda Desenhada do CITEN, dado pelo Zepe. As coisas correram
muito bem e durante o curso comecei a sentir uma certa desenvoltura. No
exercício final trabalhámos sobre um argumento do José Carlos Fernandes,
que acabaria por aparecer na cave da Gulbenkian para nos falar do seu
trabalho (e ver o nosso). O José Carlos gostou dos meus desenhos e, um
pouco mais tarde, acabaria propor-me a colaboração nas “Black Box Stories”.
Li os textos, escolhi uns tantos e fui aproveitando muito do meu tempo livre
para desenhar, acertando agulhas por mail. Contando os intervalos, andámos
nisto cerca de um ano. Os argumentos do José Carlos são, na verdade,
pequenos contos e como tal oferecem margem a experiências bastante
distintas. Julgo que isso foi particularmente benéfico, embora reconheça
oscilações nos resultados gráficos.
2007 DOSSIÊ 176|259

Resumindo: os desenhos foram surgindo, a dado momento demo-los a ver ao


João Miguel Lameiras e ao José de Freitas da Devir; eles gostaram e eu
continuei a trabalhar em contacto com o José Carlos – que foi reescrevendo os
textos –, até completarmos as seis histórias do “Tratado de Umbrografia”.

Na altura em que comecei a trabalhar no “Tratado”, reencontrei também o José


Feitor (que já conhecia) e, por intermédio dele, fui entrando em contacto com
gente ligada à ilustração, ao desenho e às edições independentes. Participei no
Zurzir o Gigante, colaborei no fanzine “Néscio” e nas exposições da Feira
Laica.

A dada altura, o José Feitor propôs-me um argumento que tinha adaptado de


um pequeno fragmento do “Golem”, de G. Meyring. Fui arranjando mais tempo
para desenhar, procurando abordar o texto de forma mais arbitrária. Recortei a
narrativa e trabalhei pontualmente pequenos conjuntos ou frases singulares,
procurando a interferência de outras coisas, vistas e lidas (as fotografias de
Joseph Sudek, linhas avulsas de literatura, etc.). Gota a gota, foram surgindo
os desenhos; pelo meio, fomos conversando. Quando terminei, o Feitor tratou
da paginação e acordámos o arranjo gráfico, com o auxílio de amigos ligados
às artes gráficas e aos livros.

Relendo o que escrevi, noto que tenho estado a referir aspectos


circunstanciais. Parece pouco, mas na verdade não me sinto inclinado à
interpretação ou tentativa de fornecer chaves sobre o meu desenho. Direi
apenas que segue um certo princípio de montagem: parece vindo de uma
reserva de imagens, ou de certos traços da memória, acabando sempre por
ultrapassar um plano, ou um esquema premeditado. Há também uma certa
alegria metida nisto: nem criação absoluta, nem determinismo.

Em dois passos terei posto os pés em terrenos diferentes. De um lado o


“Tratado de Umbrografia” editado pela Devir, do outro, o “Babinski” editado pela
Imprensa Canalha (cingindo-me apenas à produção "adulta"). Não peso muito
esta diferença, embora verifique a existência de facetas contrastantes,
sobretudo no que diz respeito ao custo da edição, ao processo de tratamento
2007 DOSSIÊ 177|259

final do trabalho ou ao acordo entre partes (de qualquer modo, nenhum deles
oferece um sustento económico). Noto apenas que a circulação do “Babinski”
(blogosfera, feiras ou livrarias especializadas) está ligada a uma comunidade
de leitores (não tão pequena como se poderia pensar) capaz de contornar os
circuitos comerciais da distribuição convencional (há mais vida para além das
grandes superfícies).

Esta faceta tardia de desenhador de banda desenhada (ou ilustrador) tem sido
muito importante para mim. Coisa rara – quase um contra-exemplo, nos dias de
hoje –, consegue conciliar o trabalho com uma dimensão colectiva bastante
informal e um grande recolhimento (penso agora no desenho). Quando corre
melhor, acho que isso acaba por transitar para os próprios livros.

Festivais
Jorge Machado-Dias

Como dizia João Miguel Lameiras no ano passado, neste mesmo capítulo
deste dossier, o BDjornal andou a fomentar durante o ano de 2006 e parte de
2007, a discussão do tema “para que serve um Festival de BD”. A conclusão a
que se chegou (depois de lidas e ouvidas mais de uma centena de opiniões) é
que um Festival de BD serve exactamente para celebrar, em ambiente Festivo,
a Banda Desenhada na sua globalidade, ou seja em todas as suas
componentes. Porque não há um só público, mas vários, como sabemos. E se
uns defendem um conceito de Festival apontando o FIBDA, Festival
Internacional de Banda Desenhada da Amadora, que funcionou como ponto de
referência para quase todos os intervenientes, como exemplo – especialmente
indivíduos com mais de 40 anos – outros mais jovens (cada vez mais a
esmagadora maioria dos interessados) insistem que é necessário passar
obrigatoriamente a haver outras componentes, com inclusão de materiais
(exposições de originais, livros e autores) sobretudo dos comics e da mangá,
para que os Festivais tenham para eles algum interesse.
2007 DOSSIÊ 178|259

Quer isto dizer que um Festival só pode assumir-se plenamente como tal e
satisfazendo todos os públicos, reunindo Autores, Editores, Livreiros
especializados e Público num mesmo sítio e na presença de originais expostos,
englobando todas as tendências por que se exprime a BD em todo o mundo, e
onde se possa originar uma convivência generalizada e também conquistar
novos adeptos para a “causa”. A maioria das opiniões escutadas, aponta ainda
para que a realização de actividades paralelas tenha a ver com a exposição da
própria actividade dos autores, tanto quanto possível “em directo e ao vivo”,
seja em sessões de autógrafos, seja por outros meios.

E para analisarmos o que se passou durante o ano de 2007 nos nossos


Festivais de BD, teremos que partir destes pressupostos.

Começo por citar, em face do que ficou dito atrás, um paradigma em termos
europeus: não é por acaso que o Festival de BD de Angoulême congrega cerca
de 300.000 visitantes todos os anos durante 4 dias – porque aí se reúnem
amostras de quase tudo o que se passa na Banda Desenhada em termos
mundiais.

Quanto ao conceito de Salão, há que dizê-lo, ele é um pouco menos


abrangente que o de Festival. Normalmente reúne exposições de originais (ou
reproduções), sem a preocupação de realizar actividades paralelas, o que lhe
dá um ambiente mais fechado e selectivo. Acrescente-se que a organização e
montagem dos Salões de BD, são também caracterizados por serem levados a
cabo por pequeníssimas equipas amadoras de prestimáveis “carolas”, movidas
acima de tudo pela grande vontade de divulgar a banda desenhada e sem
grandes orçamentos disponíveis.

Vejamos então o que se passou em Portugal, no ano de 2007:

• III Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja – de 5 a 20 de Maio de


2007 - 4.858 visitantes (3.876 em 2006 - 3.302 em 2005). Livros vendidos na
livraria comum nas três edições: 2005: 284 exemplares; 2006: 533 exemplares;
2007: 605 exemplares.
2007 DOSSIÊ 179|259

O Festival de Beja, nasceu em Abril de 2005 gerado pela actividade do Atelier


Toupeira e a organização, desde logo percebeu a importância dos números
para, digamos assim, avaliar o desempenho. E o certo é que perante o ligeiro
crescimento do Festival na 2ª edição, não se hesitou em procurar outras
componentes que o fizessem crescer de forma mais acentuada, sendo o
resultado francamente positivo na edição de 2007.
Começou por se alterar a data de realização, para sair da órbita da OviBeja (o
maior evento que se realiza em Beja e que absorve todos os meios e todas as
atenções da região), optando-se pelo mês de Maio. O Mercado do Livro passou
para o exterior da Casa da Cultura, para a galeria das arcadas, o que lhe
proporcionou uma visibilidade que nos anos anteriores não teve. O efeito “deixa
lá ver o que é aquilo” para as pessoas que passavam por perto e que
eventualmente as levaram também ao interior da própria Casa da Cultura, é
muito mais poderoso do que a simples proliferação de cartazes pela cidade.
Depois a organização das Noites Temáticas, sobretudo a Noite Tokyo Moon e
a Noite do Terror, na Esplanada por cima da referida galeria das arcadas da
Casa da Cultura foi, no dizer de Paulo Monteiro, o director do Festival, um
êxito, tão memorável como inesperado. O que vai levar a Organização a
reincidir e alargar estes eventos paralelos em 2008.
Outra interessante componente foi a associação ao Festival, da Galeria do
Desassossego (um “restaurante-cutural” de Beja) onde foram servidas todas as
noites, ementas das localidades de origem dos autores presentes.
E estiveram presentes no FIBDB 2007 os autores galegos Emma Rios, David
Rubin, Kiko da Silva, Kike Benloch, Miguel Robledo, Victor Rivas, Diego
Blanco, Miguelanxo Prado, o catalão Max, o francês David B, o alemão Ulf K e
os portugueses Alice Geirinhas, André Lemos, António Gomes de Almeida,
Artur Correia, Augusto Trigo, Carlos Apolo, Carlos Geraldes, Carlos Páscoa,
Carlos Pedro, Daniel Maia, Fernando Dordio, Filipe Teixeira, Gisela Martins,
Inês Freitas, JCoelho, João Lam, Jorge Magalhães, José Manuel Saraiva,
Lobato, Luís Guerreiro, Maria João Careto, Maria João Worm, Mário Freitas,
Miguel Rocha, Paulo Monteiro, Pedro Alves, Pedro Ganchinho, Pedro Rocha
Nogueira, Pepedelrey, Rui Gamito, Rui Lacas, Sara Ferreira, Susa Monteiro,
Véte, Vitor Cabral, Zé Francisco e Zé Pedro. Pena que Miguelanxo Prado não
possa ter estado presente pessoalmente.
2007 DOSSIÊ 180|259

Sobre as cuidadas edições que acompanham o FIBDB, O Splaft, o nº 3 do


Venham + 5 e a colecção Toupeira, desta vez dedicada a La Bellête, de Pedro
Rocha Nogueira, resta dizer que estaria na altura de o Splaft, o Catálogo do
festival deveria evoluir para uma peça mais trabalhada e com maior peso
editorial.
Restará dizer que o Festival não ganhará nada com a excessiva
descentralização das exposições. Já se percebeu que os visitantes dos núcleos
centrais dos diversos festivais raramente vão às outras exposições.
Podem ler-se nas edições do BDjornal #18 e #19, o Programa do Festival, a
Entrevista com Paulo Monteiro e a Reportagem sobre o FIBDB 2007.

• XVI Salão Internacional Moura BD 2007 – de 26 de Maio a 3 de Junho - cerca


de 2.000 visitantes e 1.200 alunos de escolas do Concelho de Moura.
Tendo nascido em 1991 como uma espécie de extensão das Jornadas de BD
da Sobreda (concebidas e organizadas por Luís Beira, que levou mais tarde o
conceito – e as exposições – para Moura e Viseu), o Salão Moura BD, cedo se
libertou da tutela sobredense e começou a navegar com ideias próprias.
Interrompendo a edição em 2006, devido aos fracos resultados de público em
2005 (lembre-se que se realizava no mês de Novembro), o Salão resolveu
reposicionar-se no calendário e, apontando para Maio/Junho de 2007, criou na
sequência do Festival de Beja (Moura fica a cerca de 60 Km de Beja), um mês
inteiro de eventos bedéfilos naquela zona do Baixo Alentejo.
Beneficiando das obras de recuperação de algumas alas do Convento do
Castelo, o Salão pôde em 2007 expandir-se para além da Capela, com
resultados positivos no que diz respeito à cenografia e distribuição das
exposições.
A opção de escolha da personagem Tex, da editora italiana Bonelli, como
atracção internacional do Salão resultou em cheio. E a presença do italiano
Fabio Civitelli – um dos mais conotados desenhadores da série – tornou o
Moura BD, pela primeira vez num Salão verdadeiramente internacional, coisa
que nunca tinha sucedido. Depois, Tex e as edições da Bonelli têm em
Portugal uma legião de fãs, o que terá motivado uma autêntica romaria a
Moura.
2007 DOSSIÊ 181|259

Estiveram no Moura BD 2007, os autores Fabio Civitelli, como já dissemos,


José Abrantes, Catherine Labey, Susa Monteiro, para além de originais de uma
vintena de novos desenhadores de Tex e uma panorâmica sobre Os Gatos Na
Banda Desenhada – lembremos que o tema do Salão foi O Gato. Ainda, e
como sempre desde há alguns anos, a presença do humor, com uma
exposição organizada pelo incansável Osvaldo de Sousa e a sua Humorgrafe
intitulada Nas Garras Felinas do Humor.
Por outro lado, as publicações que a Câmara Municipal de Moura edita durante
o Salão, têm vindo a subir de qualidade e são de assinalar a brochura O
Western na BD Portuguesa, de Jorge Magalhães; os Cadernos Moura BD
(herdeiros dos extintos Cadernos da Sobreda), sendo este nº 7 dedicado a
José Abrantes e a brochura da Humorgrafe, dedicada à exposição humorística
que referimos atrás e que contém textos de grande qualidade sobre os gatos
no humor.
Digamos que falta ainda um sistema efectivo de contagem de visitantes e a
divulgação de exemplares de livros vendidos na sua Feira do Livro, para que o
Salão de Moura comece a ter peso real, que já merece, no panorama da banda
desenhada deste país.
No BDjornal #20 podem ler-se as entrevistas com Carlos Rico, Coordenador do
Salão e com Fabio Civitelli.

• XV Salão Internacional de Banda Desenhada de Viseu – 22 a 30 Setembro


2007
O Salão de Banda Desenhada de Viseu, também subsidiário na sua génese
das Jornadas de BD da Sobreda, é o único Salão ou Festival, que não conta
actualmente com qualquer apoio financeiro ou logístico do Município onde se
realiza. Foi sempre realizado pelo GICAV – Grupo de Intervenção e
Criatividade Artística de Viseu e conta quase exclusivamente com o apoio do
IPJ – Instituto Português da Juventude local, a Biblioteca Municipal de Viseu
(que apenas cede parte das suas instalações) e pouco mais.
Quem esteve presente na edição de 2005, pôde constatar em 2007 a queda do
Salão num autêntico vazio, de apoios principalmente e subsequente grave
perda de qualidade, apesar do esforço dos organizadores para o manter de pé.
É de sublinhar que o Salão de Viseu manteve desde a sua primeira edição uma
2007 DOSSIÊ 182|259

digna postura de objectivos, quer apresentando exposições com a qualidade


que os orçamentos possibilitaram, quer editando algumas brochuras que
proporcionaram o contacto da população com a banda desenhada, ou
atribuindo prémios em concursos de BD que incentivaram alguns jovens na
realização de trabalhos prometedores.
Contudo, o cada vez menor interesse do Município local no apoio a actividades
culturais, levou a que actividades como a realização do Salão de BD de Viseu,
tenham caído para o que poderíamos chamar de grau zero de interesse. É
sintomático que na apresentação das exposições no edifício do IPJ de Viseu,
por Carlos A. Almeida, principal organizador do evento, estivessem presentes
cerca de uma dúzia de interessados, enquanto que simultaneamente no piso
inferior do mesmo edifício, ocupado pelo bar-restaurante, centenas de jovens
pululassem em barulhento convívio de fim-de-semana.
Evidentemente que na exposição não havia originais de comics ou mangá!
Apenas reproduções em fotocópias de “chatérrimos” autores nacionais, como
Álvaro, José Abrantes, Sergei…
E será aqui que os organizadores falham? Será que os autores escolhidos
pelas organizações de Festivais e Salões neste país não dizem nada às
actuais gerações mais novas? Parece evidente que não.
Resta dizer desta edição do Salão de Viseu (que esperamos não tenha sido a
última como os seus organizadores vaticinaram – porque há maneiras de dar a
volta a este panorama), que estiveram presentes os autores Álvaro e Sergei –
José Abrantes não conseguiu comparecer – e pouco mais. Calhou à
Pedranocharco Publicações “salvar” a honra do convento, uma vez que
cumpriu o programa de lançamentos agendado: foram lançados em Viseu os
livros Sexo, Mentiras e Fotocópias, de Álvaro, Portefólio, de José Abrantes e a
BDVoyeur #2. Tudo o mais parece ter falhado.

• XVIII Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora – de 19


Outubro a 4 de Novembro – cerca de 27.500 visitantes com entradas pagas e
convidados (em 2006: 25.000 visitantes).
É o único Festival em Portugal que conta com uma equipa profissional, tanto na
organização como na montagem e por aí se revela a importância que o
Município da Amadora lhe confere, uma vez que é a única realização que
2007 DOSSIÊ 183|259

sobressai numa zona do país que tem sido um autêntico deserto cultural. Em
2007 a concepção e montagem do Núcleo principal do festival – no Fórum Luís
de Camões, Brandoa – foi entregue a uma equipa profissional exterior à
Câmara, contratada para o efeito. O que pressupõe um orçamento que os
outros Festivais ou Salões não têm nem sonham vir a ter.
Daí que se possa assacar ao FIBDA uma responsabilidade na divulgação e
promoção da banda desenhada que não pode, de modo nenhum, ser
escamoteada. O FIBDA deixou à muito de ser um evento para consumo local,
para passar a ser um verdadeiro suporte nacional em tudo o que diz respeito à
BD. E sabemos que a Câmara Municipal da Amadora quer essa distinção.
Porque é a única que lhe dá visibilidade a nível nacional e internacional em
termos culturais.
Por isso, toda a análise que se segue, se baseia neste pressuposto, ligando
intrinsecamente com o que dissemos no início deste texto.
O 18º FIBDA, assumiu-se em 2007 como o Festival da Maioridade - como o
numérico indica – e do seu programa fizeram parte várias matérias e presenças
de interesse, mas o que sobressaiu de imediato foi a anunciada presença de
Milo Manara. Terá sido esta a mola real que levou mais 2.500 visitantes ao
FIBDA, em comparação com 2006? Podemos quase afirmar que sim, uma vez
que o fim-de-semana em que esteve presente o autor italiano, foi de longe o
que mais afluência teve.
Mas comecemos por dizer que esta edição do Festival Internacional de Banda
Desenhada da Amadora, foi a melhor que se realizou desde que o Festival saiu
da Fábrica da Cultura. Não só em termos da qualidade de programa e
funcionalidade dos espaços do Núcleo Central, no Fórum Luís de Camões,
como na apresentação das exposições. De referir a reorganização dos próprios
espaços do Festival, revelando a preocupação de concentrar em vez de manter
dispersos pela cidade peças essenciais, como a integração no Núcleo Central
de um Auditório para a atribuição dos Prémios e realização de outros eventos
paralelos (como o concurso de cosplay) e de um Auditório de Cinema.
O que se põe em causa é a oportunidade de algumas exposições: digamos que
o conjunto não fez grande sentido para todos os públicos da BD! E isto revela a
ausência de uma filosofia de conceito que guie a organização do FIBDA: fazer
um Festival com a responsabilidade deste, não pode ser apenas a conjugação
2007 DOSSIÊ 184|259

de uma amálgama de exposições sem qualquer nexo, mesmo que sejam


exposições de grande qualidade. É preciso que haja um objectivo. E esse
objectivo tem que ser a captação de novos públicos, trazer sangue novo à
banda desenhada, digamos assim.
O próprio conjunto principal de exposições – as 10 bandas desenhadas mais
votadas das 100 mais votadas do século XX, ou seja, As 10 BDs do Século XX
– poderia ter sido encarada como exposição secundária, ou programada para o
próximo Festival, sem qualquer perda. No seu lugar podia ter sido realizada
uma grande exposição que reflectisse o momento actual da BD portuguesa, em
todas as suas componentes: uma exposição analítica. E aí sim revelar-se-ia a
maioridade do Festival por ter a capacidade de dar a perceber ao público em
geral o que se passa neste país em termos bedéfilos.
Do Programa de Exposições no Núcleo Central constaram: Salazar, agora, na
hora da sua morte, João Paulo Cotrim (arg) e Miguel Rocha (des); As 10 BDs
do Século XX; Concursos de Banda Desenhada (inteligentemente colocadas
num expositor continuo logo à entrada do Núcleo); Asterix e os seus Amigos;
Alain Corbel – retrospectiva; Roberto Goiriz (Paraguai) e Sixto Valência
(México); O Caso Tiotónio; La Mort dans le Yeux, de Daniel Zezelj (Croácia);
Supermurgeman, de Mathieu Sapin (França); Espaço Infantil; O Caso Italiano,
BD italiana para maiores de 18 anos; Divide et Impera, banda desenhada
contemporânea e Autores Portugueses / Novidades editoriais (Luís Louro, Rui
Lacas, Ricardo Cabral, Álvaro, Carlos Pedro e Mário Freitas, F. Teixeira, F.
Dordio Campos, C. Geraldes, Sergei, Hugo Jesus e Manuel Morgado).
Não vamos analisar aqui as exposições, uma a uma, diremos apenas que
algumas delas (apesar de serem interessantes e cuja qualidade não se põe em
causa) podiam perfeitamente ter dado lugar às grandes ausências sentidas
pelos públicos mais jovens: os comics e a mangá. Estamos convencidos que
com estes dois tópicos no programa, a afluência de público teria sido muito
maior. Bastou ver o que se passou no dia do concurso de Cosplay: a grande
afluência de jovens não encontrou nada que lhes despertasse o interesse em
matéria de exposições. E esta falha já se notou nas anteriores edições do
Festival. Pode estar aqui uma grande perda de oportunidade para trazer gente
nova à banda desenhada.
2007 DOSSIÊ 185|259

Apesar de tudo o que dissemos acerca da qualidade geral das exposições,


temos que destacar duas pelo lado negativo: O Caso Italiano – BD italiana para
maiores de 18 anos e Divide et impera. A primeira porque se perdeu a
oportunidade de apresentar uma exposição que mostrasse a história da
riquíssima BD erótica italiana, em vez de apelar apenas ao voyerismo, com
algumas pranchas desgarradas e sem grande interesse. A segunda porque
apesar da qualidade cenográfica e do próprio conceito, estava montada num
espaço inapropriado, por demasiado grande, que não apelava ao intimismo que
as obras expostas requeriam e que, por isso mesmo em vez de atraírem o
público, o afastaram.
Em termos de novidades editoriais, foram lançados durante o Festival cerca de
uma dúzia de novos títulos, o que deixa ficar bem patente a grave crise por que
passa a edição de banda desenhada em Portugal. Crise esta que tem a ver
com a acentuada quebra de vendas nos últimos anos.
Depois do que ficou dito resta acrescentar que não cabe, evidentemente
apenas ao FIBDA a conquista de novos públicos. Essa é uma tarefa que
precisa da conjugação de todos os agentes responsáveis pela BD e a
convergência da educação pública, bibliotecas, etc… Mas cabe, se calhar ao
FIBDA a responsabilidade de dar o mote para essa conquista, porque tem uma
equipa profissional em permanência, porque tem um orçamento superior ao
dos outros Festivais e Salões e porque, sobretudo (e por causa disso) é o mais
visível em termos mediáticos.
Pode ler-se no BDjornal #21 a reportagem do XVIII FIBDA.

• Outros Festivais e Salões.


Quanto a outros Festivais e Salões que em anos anteriores se realizaram um
pouco por todo o país, restaram em 2007 o V Encontro de BD de Santo Tirso,
de 1 a 24 de Junho e onde estiveram exposições de Emma Rios, Miguel
Robledo, Filipe Abranches, Cristina Reis e Esgar Acelerado. A organização
apostou este ano mais nas actividades paralelas do que propriamente na
exposição de originais, tendo mesmo suprimido a venda de livros, pelo pouco
interesse que parece ter havido na edição anterior.
E também o 1º Micro Festival de BD de Aveiro, realizado entre 25 e 26 de
Junho e que não apresentando qualquer exposição de originais, apostou nos
2007 DOSSIÊ 186|259

workshops, sessões de autógrafos, conferências, apresentações de livros,


cosplay e todo o tipo de convivência em torno da banda desenhada que foi
possível realizar em 24 horas. Um conceito deveras interessante, que não
requer orçamentos elevados e congregou muita gente.
Já no final do ano realizou-se o VI Festival Anipop no IPJ do Parque das
Nações, entre os dias 28 e 30 de Dezembro, um Festival dedicado à banda
desenhada japonesa (mangá), ao cinema animado japonês (animé) e à cultura
japonesa em geral. Este género de eventos proporciona geralmente o encontro
de centenas de jovens em animada e colorida (devido ao cosplay) convivência
e não se compreende como os maiores festivais portugueses os não
incorporam nos seus programas, apesar de o FIBDA ter um animado e cada
vez mais participado concurso de cosplay e o FIBDB ter organizado em 2007
uma Noite Tokyo Moon, são iniciativas mínimas que ganhariam muito em ser
alargadas. Cremos que há ainda um inexplicável preconceito em relação a
estes eventos, quiçá devido à recusa da evolução de mentalidades que
qualquer novidade provoca.

Conclusão

O panorama de 2007 parece ter sido um pouco mais animador do que o


apontado aqui no ano passado por J. M. Lameiras. Mas não muito. Sobretudo
porque se realizaram os Salões de Moura e Viseu, o que não vai acontecer, por
exemplo em 2008. Por outro lado constatamos que em termos de afluência, os
Festivais de Beja (+ 25%) e da Amadora (+ 10%) cresceram relativamente ao
ano transacto. Resta saber o que nos dizem os números do ano editorial – e já
agora os números das vendas, mas neste aspecto os editores fecham-se em
copas, segundo a velha máxima de mercearia de que o segredo é a alma do
negócio – para podermos perceber o que querem dizer alguns dos números
aqui avançados. Porque isto anda tudo ligado.
E já que termino a falar em números, quero deixar aqui bem claro que
enquanto persistir o secretismo em relação às afluências de Festivais e Salões,
às quantidades e especificidades de livros editados e respectivas vendas,
nunca existirá matéria de análise para se perceber o que se passa
2007 DOSSIÊ 187|259

exactamente na banda desenhada em Portugal, de modo a poder fazer-se um


diagnóstico e agir em conformidade. Não basta dizer que as coisas vão mal, é
preciso saber-se porquê.

O Festival de Beja já percebeu a importância da questão dos números, o


Festival da Amadora, apesar do estudo realizado e editado em 2006, parece
não levar muito a sério esta questão – não acreditamos muito que o FIBDA
tenha crescido em afluência apenas 10% em 2007, porque estivemos nos três
últimos Festivais quase diariamente – ainda para mais sendo o único Festival
português com entradas pagas, seria à partida o que tinha maior possibilidade
de fornecer números concretos e fiáveis. Vejam-se os relatórios anuais da
ACBD (Associação de Críticos de Banda Desenhada) em França e perceba-se
a diferença que o conhecimento dos números exactos podem trazer à solução
dos problemas.

Finalizando deixo aqui, como matéria de reflexão, um pequeno excerto do texto


A Era do Pechisbeque, de José Carlos Fernandes, publicado no Catálogo do
XVIII FIBDA: “(…) Nos países com fortíssima tradição da BD como a França,
os autores e editores souberam reagir às novas tendências de socialização,
consumo e lazer, e a BD continua pujante, pelo menos em termos comerciais.
Em Portugal, país de baixo nível de rendimentos, de ainda mais baixo nível
cultural e onde a BD de autores nacionais há muitas décadas perdeu qualquer
expressão comercial, as recentes deserções em massa para os novos media
foram o golpe de misericórdia.

Não se veja nestas palavras um lamento por qualquer idílica época de ouro: é
uma mera constatação de uma mudança. E será bom que não nos deixemos
tomar pela ilusão de que estamos perante uma qualquer "crise passageira" e
que "para o ano", em resultado de uma conjuntura económica mais favorável,
da estreia de mais um filme do Hulk, de uma localização mais acessível do
FIBDA ou da abertura de mais umas "exposições descentralizadas" no Festival
de Beja, o público da BD regressará.
2007 DOSSIÊ 188|259

Editores, autores e organizadores de festivais terão que tomar consciência de


que a BD deixou de ser uma "arte popular" e nunca mais irá recuperar esse
estatuto. (…)”

Fanzines
Marcos Farrajota

Uma análise ao ano de 2007 sem pessimismo não seria uma análise a 2007. A
Ficção Científica do século XX sempre gostou de cenários desastrosos para
além do Milénio. No que diz à bd portuguesa nem o escritor de FC mais
“hardcore” poderia prever tal descalabro – pior que não se editar obras
estrangeiras de interesse, pior que o desaparecimento da bd popular, pior que
não haver apoios institucionais, é saber que quase não se encontra interesse
pela bd nos jovens. E é por isso que no meio independente, o cenário não é
muito animador porque pura e simplesmente quase não há “sangue novo” nem
uma “nova geração”. O pessimismo dos subtítulos acusa para esse sentido.

They came from… nowhere!?


Antes de mais, 2007 foi caracterizado pela visita a Portugal de uma série de
editores independentes da Europa como Roman Maeder (do zine suíço
“Milk+Wodka”) e Alberto Corradi (da editora italiana Black Velvet) durante duas
Feira Laica, Max (premiado autor e editor da extinta “Nosotros Somos los
Muertos”) e Kike Benloch (do colectivo editorial galego Polaqia) durante o
Festival de BD de Beja, Ilan Manouach (autor e editor grego), Fábio Zimbres
(autor e editor da inesquecível revista brasileira “Animal”) e os Requins
Marteaux (editora francesa) durante a BD Amadora, e ainda no fechar do ano
os editores do zine espanhol de arte contemporânea “La Más Bela” estiveram
na Galeria ZDB. Esta tendência parece que não irá morrer tão cedo, afinal “dois
Stripburgers” já visitaram a exposição “Honey Talks” na Bedeteca de Lisboa em
Janeiro de 2008. O mundo está mais pequeno ou as viagens de avião são mais
baratas?
2007 DOSSIÊ 189|259

Não estando errada a segunda sugestão, a resposta mais romântica será um


“mundo mais pequeno”, até porque a julgar pelo contínuo crescente número de
participações de portugueses em projectos como “Milk+Wodka”, “Barsowia” (da
Polaqia), “Glömp”, “Kuti” (ambos da Finlândia), “Golden Age” (Grécia), “Bongolê
Bongoró” (Brasil) e no catálogo do festival Komikazen (Itália). Entre Filipe
Abranches, Pepedelrey, Paulo Monteiro ou Teresa Câmara Pestana, aquele
que mais participou em projectos internacionais foi, sem sombras de dúvida,
André Lemos.

Zines are dead!


Parece que a fotocópia já pouco é usada para editar material gráfico, seja para
bd ou para ilustração – muito provavelmente porque as novas gerações não
querem saber da bd para nada ou andam perdidos na ‘net. E ao que parece, as
confusões sobre o que é um fanzine e afins continuam. O caso mais bizarro
deste ano foi a Bedeteca de Beja ter aceite o Prémio de Melhor Fanzine do
Festival de BD da Amadora para o título “Venham +5”. O “Venham +5” é uma
publicação de uma instituição pública (ligada à Câmara Municipal de Beja) - de
“fanzine” ou de “zine” parece que tem pouco por definição mas considerando o
deserto editorial e sobretudo o típico deserto de ideias do Festival da Amadora
que se reflecte no sistema de atribuição dos prémios, não é de admirar que isto
aconteça.

Começando pelos projectos de teor profissional (a avaliação é feita pela


impressão e tiragem) continuaram projectos como os comics da loja Kingpin of
Comics, os livros da Pedranocharco (incluindo o “BDjornal”) ou os
desdobráveis “Le Sketch” (editados por Paulo Patrício). A Má Criação prometeu
o “Área de Segurança: Gorazde” de Joe Sacco mas até agora não se sabe de
nada dessa bênção, digo, edição. A MMMNNNRRRG continuou a sua
existência “bruta” com um livro: “Já não há maçãs no Paraíso” de Max Tilmann.
Por sua vez a Imprensa Canalha iniciou-se no formato livro com “Babinski” de
José Feitor e Luís Henriques. Curiosamente muitas destas edições tiveram
boas críticas (no caso de Tilmann foi considerado um dos 20 melhores livros
2007 DOSSIÊ 190|259

pela revista comercial literária “Os meus livros”) e vendas bastante


interessantes para “pequeninos” – num saco editorial vazio é interessante que
quem o encha sejam os que sempre foram marginalizados tradicionalmente
pelas livrarias e imprensa (especializada ou não).

Passando para os zines, a Imprensa Canalha lançou mais um título, “Animais”


de José Feitor, e o projecto “Opuntia Books” de André Lemos mais quatro –
dois de Lemos, outros dois de autores estrangeiros, a saber, Sylvain Gerand
(também editor do premiado zine “L’Horreur est Humain”) e Mehdi Hercberg. O
“Ups!” saiu mais uma vez com banda sonora incluída no espaço virtual:
myspace.com/zineups. Marco Mendes editou em parceria “Projecto de
fecundar a lua” com Janus e “Carlitos” com Lígia Paz. Tiago Baptista lançou
vários títulos que até suspeito que não apanhei todos: “Facada”, “Bolso” e
“Cleópatra”. Continuaram “O hábito faz o Monstro” (de Lucas Almeida) e
“Shock” (de Estrompa) e iniciou-se o “Fantástico, Michael” - um colectivo de
Oeiras.

Indo para os “Fanzines”: continuaram o “Efeméride” (dedicado ao Príncipe


Valente com pastiches de vários autores) e “Tertúlia BD’zine” (fanzine da
Tertúlia de BD) ambos de Geraldes Lino, “Fandaventuras” (reedição de
clássicos) de José Pires e o “Boletim CPBD” (reedição de clássicos e alguns
ensaios) do Clube Português de BD. Inesperado foi o décimo número de “Eros”
que Geraldes Lino lançou para comemorar o nascimento do projecto há 20
anos apesar de não publicar o zine desde 1991!!! Sim, o fanzine dedica-se à
edição de bd erótica com colaborações de vários autores e o chato ainda é a
masturbação, digo, discussão do que é erótico e o que é pornográfico
passados 20 anos!

Uma surpresa de 2007 foi o ataque feminino nos formatos “indies” como o livro
“Postais de Viagem” de Teresa Câmara Pestana (editora do “Gambuzine”) e os
inícios de Joana do Paço com o zine “Os músculos não têm para onde ir” e
Andreia Rechena com o zine “[R]eject” (que já prepara o segundo número para
2008). A Piggy regressou com o “Enfraskado”, um zine dentro de um frasco –
2007 DOSSIÊ 191|259

saudades do “Succedâneo”? Estas edições estão longe da condescendência


de projectos como “All*girlzine”, lançado em 2006 e com continuidade lenta!

Nobody can hear you scream in deep space


2007 foi o ano de celebração oficial dos 10 anos da Associação Chili Com
Carne em que a questão colocada pela própria entidade ficará sempre por
responder: «(…) ainda hoje parece-nos inacreditável que uma estrutura como a
Associação Chili Com Carne, não só tenha sobrevivido 10 anos, como seja
única num Portugal que se rege por 14 distritos - não deveriam haver pelo
menos 14 "chilis" no país?» Para uma associação que já provou o seu
“profissionalismo”, curiosamente, este ano só editaram um zine em fotocópias
para comemorar o aniversário e que foi oferecido como “bilhete” numa festa
com concertos Rock e Electrónico. Ainda remodelaram o site entre outras
iniciativas que se prolongam até 21 de Abril de 2008 – esperemos que a bd
faça parte dos planos.

E se qualquer editor independente já está habituado a escrever, desenhar,


editar, promover e comercializar o seu trabalho – a independência obriga a
todas estas e outras mil tarefas – só faltava ter de criar o seu próprio espaço
comercial. Coisa que a Chili Com Carne conseguiu com a galeria Work’n’Shop
e a editora de música electrónica Thisco. A loja Book’n’Shop dedica-se à
cultura alternativa sendo que se pode encontrar lá fanzines, zines, edições de
autor, edições limitadas, estrangeiras e nacionais num claro acto de desafio a
uma cultura oficial cada vez mais competitiva, espectacular e em decadente
espiral.

Claramente, que no meio alternativo procura-se conquistar espaços de trabalho


e comercialização uma vez que os sítios oficiais parecem cada vez mais
fechados a novas ideias. Talvez por isso que em 2007 assistiu-se a quatro
eventos da Feira Laica: em Oeiras, no Seixal, na Bedeteca de Lisboa (como de
habitual desde 2005) e uma no Natal desta vez no Porto. E ainda houve
exposições, ressacas das actividades da Laica no Espaço (2006), na Velha-a-
Branca (Braga) e na loja de música Carbono. Em Faro apareceu o Festival
2007 DOSSIÊ 192|259

P/Artes, ainda em formato experimental mas com um modelo de interesse que


inclui lançamento de zines, workshops, exposições, exibição de filmes e
concertos.

Famous lust words


Como a cena zinista está a morrer já começam a ser publicadas as primeiras
linhas de análise e investigação sobre o assunto – piada de mau gosto?

Aconteceu logo no principio do ano com o livro “Unpopular culture: transforming


the European comic book in the 1990’s” do académico canadiano Bart Beaty
que analisa a “movida europeia” não faltando referências à Bedeteca de Lisboa
ou ao Salão Lisboa mas também às “pérolas” da cena independente como foi o
“Mr. Burroughs” (Círculo de Abuso; 2000) de David Soares e Pedro Nora.
Seguiu-se o catálogo “Salão Olímpico 2003/06” de José Maia que apanhou
uma outra “movida”, ou seja, o movimento artístico do Porto em que os
fanzines e a bd têm bastante “tempo de antena” neste grosso volume. Há
referências à “A Mosca”, alíngua/”Satélite Internacional”, Janus, A Mula,
Senhorio embora de forma bastante fragmentada e incompleta. Por fim, uma
pequena provocação no jornal “Cascais Submerso”, ou pelo menos um
primeiro levantar de nomes da cena zinista e bedéfila em Cascais, feito por
este vosso escriba.

E claro, aquele que ainda teve maior impacto mediático, o programa “Ver BD”
de Pedro Moura que passou na RTP2 durante o Verão – que dedicou um dos
cinco episódios à edição – com zines incluídos.

Funerais assim até que são divertidos! Zines: RIP (rust in punk).
2007 DOSSIÊ 193|259

Investigação
Sara Figueiredo Costa

Ponto prévio: estas não são as águas onde costumo mover-me. O aviso é
necessário porque, estando mais à vontade no acompanhamento da edição de
banda desenhada em Portugal do que da investigação que por cá se vai
fazendo, é muito possível que me tenham escapado elementos importantes.

Feito o ponto prévio, importa esclarecer algumas ideias. O termo ‘investigação’,


normalmente identificado com a vertente académica de um trabalho rigoroso e
ponderado, será aqui assumido num contexto mais lato, como aliás têm sido
norma nesta secção do Dossier da Bedeteca, remetendo para os trabalhos de
índole académica, mas também para as publicações que fogem da crítica ou
que desenvolvem um trabalho para além desta (acrescentando-lhe algo ou
ficando além dos seus propósitos, conforme os casos), para trabalhos em
suportes diferentes dos tradicionais ou para textos incluídos em publicações
várias onde o trabalho de pesquisa, mesmo que em níveis diversos, surge de
algum modo. De resto, seguiremos a estrutura que Adalberto Barreto vinha
definindo nos dossiers anteriores e que reúne as condições de funcionalidade e
clareza para que percebamos todos do que se fala.

Começando pelos trabalhos académicos, e reincidindo na conclusão do dossier


do ano passado, não se encontraram registos de teses de mestrado ou
doutoramento no catálogo DiTeD da Biblioteca Nacional. Nada de novo,
portanto, neste capítulo.

O Festival Internacional de BD da Amadora realizou a sua décima oitava


edição, dedicada ao tema da ‘maioridade’. Como têm sido norma, editou-se um
catálogo do Festival, com textos relativos aos autores e às exposições. Embora
uma parte dos textos se resuma à mera informação biobibliográfica dos autores
presentes, alguns textos procuraram desenvolver uma reflexão sobre as obras
expostas, apontando linhas de leitura, explorando abordagens interpretativas e
críticas ou, como no caso de Leonardo de Sá, desvendando novas informações
2007 DOSSIÊ 194|259

sobre a história da banda desenhada portuguesa, concretamente sobre a vida


de António Cardoso Lopes, cujo centenário foi comemorado no Festival.

A terceira edição do Festival Internacional de BD de Beja, uma verdadeira


instituição na área, apesar da sua pouca idade, e sobretudo uma instituição
que não se acomoda ao que vende ou ao que parece mais fácil (primando por
uma programação que procura satisfazer diferentes públicos de modo
rigoroso), foi acompanhada pela edição de um pequeno catálogo, o Splaft!. Os
textos, assinados por uma mão cheia de colaboradores, acompanharam as
exposições com algumas informações de ordem bibliográfica e sobretudo com
propostas de leitura.

A revista Vértice, histórica publicação na área das humanidades, continuou a


abrir as suas páginas à reflexão sobre a banda desenhada. Nos cinco números
que saíram em 2007, duas colaborações remeteram para o assunto: no
número 134, assinei (e desculpem a auto-referência...) um texto sobre a banda
desenhada galega, a propósito da exposição retrospectiva que a Fundación
Feima idealizou e a Bedeteca de Lisboa acolheu; no número seguinte, Pedro
Moura escreveu sobre o livro de Ana Bravo, A Invisibilidade do Género
Feminino em Tintim, lançando vários tópicos para uma discussão ainda em
aberto.

Entre Julho e Agosto, a RTP2 transmitiu o programa Ver BD, da autoria de


Pedro Moura e Paulo Seabra. Foram cinco episódios onde se traçou um
percurso pela história da banda desenhada portuguesa e se acompanharam as
várias vertentes da produção contemporânea através do trabalho e das
reflexões de onze dos seus autores, entre outros convidados igualmente
pertinentes para a apreensão do actual momento da banda desenhada
portuguesa.

O programa, de algum modo reflexo do trabalho mais amplo de crítica e


investigação em torno da banda desenhada que Pedro Moura continua a
desenvolver no seu blog Ler BD, teve algum eco na imprensa e poderá,
2007 DOSSIÊ 195|259

esperamos, ter chegado a públicos alheios ao núcleo habitual de leitores de


banda desenhada.

Dois livros se destacaram este ano, no âmbito da investigação em torno da


banda desenhada. Na sequência da edição de 2006 do Prémio Stuart, atribuído
a André Carrilho, a Assírio e Alvim editou O Rosto do Alpinista – André
Carrilho, de João Paulo Cotrim, sobre o trabalho do ilustrador português mais
requisitado no estrangeiro. No âmbito académico, Ana Bravo viu a sua tese de
mestrado, A Invisibilidade do Género Feminino em Tintim, editada pela
Chronos.

Fora do âmbito restrito da banda desenhada, mas abarcando-a num plano de


intersecção de várias expressões e meios, importa referir ainda a publicação do
livro Salão Olímpico 2003-2006, com edição partilhada pela Fundação de
Serralves e o Centro Cultural de Vila Flor, onde se reúnem textos em torno do
projecto multidisciplinar que a sala de bilhares portuense Salão Olímpico
acolheu ao longo de três anos.

O BD Jornal prosseguiu o seu trabalho, agora em formato de revista,


assegurando, para além da publicação de banda desenhada propriamente dita,
uma diversidade de textos e notícias notável. Recensões a livros e revistas,
novidades sobre publicações, exposições e outros eventos, crónicas em torno
do meio da bd – com José Carlos Fernandes a revelar os seus dotes de
escriba atento –, reportagens sobre os principais acontecimento nacionais e
internacionais da área são alguns dos conteúdos que continuam a assegurar a
vitalidade da única publicação portuguesa regular e com distribuição alargada
dedicada à banda desenhada. Que prossiga em 2008!
2007 DOSSIÊ 196|259

Movimentos
Geraldes Lino

Ano após ano, a movimentação em redor da banda desenhada mantém a sua


dinâmica, através de cursos, concursos, palestras, exposições e festivais, mas
também por entrevistas e notícias na rádio, televisão e internet.
Este levantamento – assim o entendo eu, embora respeite quem colabore no
presente dossiê com diferente critério – tem demonstrado a actividade
constante nas áreas mencionadas. É o que se pode verificar lendo o que foi
escrito anualmente desde 1999, e o que se relata em seguida.

Colóquios, conferências, debates, palestras & mesas redondas


Uma palestra no Museu de Arte Moderna de Salamanca, "La historieta como
recurso didáctico", outra na Biblioteca Yamaguchi, Pamplona, mais uma no
Instituto de Estudos Secundários (IES) Zizur, Pamplona, uma quarta na Casa
de la Juventud de Pamplona. Foi o resultado de quatro idas a Espanha de José
Carlos Fernandes. Em contrapartida, cá no seu próprio país, caso ele esteja
bem recordado, em 2007 apenas foi convidado uma vez para conferenciar
sobre BD pela Escola Superior de Educação da Universidade do Algarve.
Também em Espanha, em Badajoz, foi orador Geraldes Lino, fazendo uma
síntese da História da Banda Desenhada Portuguesa (pioneiros, BD Moderna e
BD actual), para a Associação de Professores de Português na Estremadura.–
APPEX.
Acerca de Hergé houve três palestras, cada uma em seu dia, a cargo de João
Paiva Boléo, Geraldes Lino e Nelson Dona, na Biblioteca Municipal de Cascais,
polo de São Domingos de Rana.
Quando se fala de palestras e/ou sessões de dinamização, o nome de José
Ruy surge repetidamente. Só na Amadora esteve em quatro escolas, uma
delas ostentando o seu próprio nome; também em bibliotecas municipais,
passou por Setúbal, Tavira, Caldas da Rainha e Alter-do-Chão; participou num
encontro de autores que realizaram obras dedicadas a Aristides de Sousa
Mendes, no Salão Nobre do Teatro da Trindade, em Lisboa. Sobre aquela
2007 DOSSIÊ 197|259

mesma importante personalidade, mas como personagem de BD, José Ruy, o


autor, falou na FNAC do Chiado.
A nível universitário realizou-se um importante (deduzo pelos títulos dos temas)
seminário, "A Arquitectura na Banda Desenhada", na UAL – Universidade
Autónoma de Lisboa – Departamento de Arquitectura, incluindo diversas
conferências: a de João Paulo Cotrim, "Habitar o Espaço entre os
Quadradinhos"; a de Miguel Rocha, desenhador, e Dr. Francisco Oliveira,
argumentista, "Cruzamento de Linguagens na BD"; a do Prof. Paulo Pereira,
historiador, "Arquitectura, Património e BD"; Drs. João Ramalho Santos e João
Miguel Lameiras "As Cidades do Futuro"; Arq. Pedro Cabrito (aliás Pedro
Burgos, enquanto autor de BD), "Arquitectura vs BD".
Mais uma actuação de João Paulo Cotrim, que falou em Sines de "Salazar,
agora na hora da sua morte", novela gráfica de que ele foi o autor do
argumento e Miguel Rocha o desenhador.
Paulo Monteiro, em representação da Bedeteca de Beja, de que é director,
realizou a acção Histórias da Banda Desenhada, uma panorâmica sobre o
tema através da projecção de diapositivos, em escolas do concelho de Beja e
em Sabóia.
Pedro Vieira de Moura, bloguista, ensaísta e crítico de BD, fez uma palestra
sobre banda desenhada no âmbito do projecto Ramificações, a convite da
ExQuorum de Évora.
Na Universidade de Berkeley (USA), António Jorge Gonçalves fez uma palestra
baseada nas suas actividades artísticas onde ressalta a BD, juntamente com
Teatro, Cartune e desenho digital.

Concursos
Houve um concurso de BD, incluído em evento denominado BDTECA, levado a
efeito pela segunda vez em Odemira.
Baseado no Campeonato do Mundo de Vela, em Cascais – ISAF 2007, foi
organizado um concurso para jovens dos 12 aos 14 e 15 aos 19 anos, pela
Biblioteca Municipal de Cascais, polo de S. Domingos de Rana.
Efectuou-se em Colares o 2º Concurso de BD infanto–juvenil, organização
conjunta do Grupo Entropia e da Alagamares – Associação Cultural.
2007 DOSSIÊ 198|259

Inserido no projecto LAB Jovem da Associação Burra de Milho, realizou-se um


concurso destinado a "Jovens Criadores dos Açores", em várias especialidades
incluindo a BD, em Angra do Heroísmo, Ilha Terceira.

Cursos, ateliês, oficinas, workshops


Na ESAP – Escola Superior Artística do Porto (Guimarães) manteve-se a
licenciatura em Artes, englobando Desenho BD/Ilustração e Grafismo
Multimédia. Mais pormenores visíveis em www.esap-gmr.com
Na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, de Braga, efectuou-se um "workshop"
destinado a jovens a partir dos 15 anos, orientado por Carlos Dias Tavares.
Embora sem dar direito a licenciatura, efectuam-se cursos anuais de Ilustração
e Banda Desenhada no Centro de Arte e Comunicação Visual – Ar.Co (Lisboa)
com excelentes professores, designadamente Nuno Saraiva, a ensinar como
se faz BD, tendo ele o saber de experiência feito, e na teoria alguns ilustres
comunicadores, como são indiscutivelmente Pedro Vieira Moura, João Paulo
Cotrim e Domingos Isabelinho, mais o competente "designer" Jorge Silva.
Também Curso de Banda Desenhada sem licenciatura foi o que ocorreu no
Centro de Investigação e de Estudos Arte e Multimédia (CIEAM), da Faculdade
de Belas Artes da Universidade de Lisboa, com a duração de 144 horas, 24
sessões de 6 horas cada, sob coordenação de José Pedro Cavalheiro (Zepe),
e participação, como monitores, de alguns nomes bem conhecidos: Pedro
Vieira Moura, Marcos Farrajota, Diniz Conefrey, Luís Henriques, José Carlos
Fernandes.
Na Bedeteca de Lisboa, efectuou-se um "workshop" sobre Banda Desenhada,
para interessados entre os 13 e os 18 anos, com Marcos Farrajota, funcionário
daquele equipamento cultural, como formador.
Em Odemira, na Biblioteca Municipal, foi realizado um "workshop" de fanzines,
por Geraldes Lino.
Como todos os anos, realizou-se o Submarino – Ateliê de Banda Desenhada,
destinada a crianças e adolescentes entre os 8 e os 14anos, na Bedeteca de
Beja, sob orientação de Paulo Monteiro.
2007 DOSSIÊ 199|259

Este mesmo responsável, da anteriormente citada bedeteca, orientou um outro


ateliê de banda desenhada, com horário pós–laboral no Centro de Artes e
Ofícios de Aljustrel.
A Câmara de Évora promoveu uma actividade de animação de leitura de banda
desenhada, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, destinada ao público
infantil e juvenil, que teve por formador o autor de BD Pedro Leitão.
Em Loulé teve lugar uma oficina de Desenho e Banda Desenhada, na
Biblioteca Municipal daquela cidade, orientada por José Carlos Fernandes

Exposições
"Nahui Ollin - Banda Desenhada Pré-colombiana", assim se intitulou a mostra
de pranchas originais de Diniz Conefrey, expostas na Casa da América Latina,
em Lisboa.
Banda Desenhada e Ilustração, tendo por tema Fernando Pessoa, organizada
pelo colectivo Imaginarte, na FBAUL- Faculdade de Belas Artes da
Universidade de Lisboa, com pranchas de Miguel Marreiros, Nuno Frias,
Ricardo Reis, João Vasco Leal, estes três últimos a desenharem sob colorido
de Cristiano Baptista e argumento de André Oliveira.
Pelo mesmo colectivo Imaginarte foi realizada outra mostra, na Faculdade de
Medicina Dentária de Lisboa, em que participaram, com bd's, Mariana Perry,
André Oliveira, Joana Hipólito, Marina Gonçalves e Miguel Marreiros.
Pedro Massano esteve bem representado por pranchas das suas principais
obras de BD, na Galeria Lino António, da Escola Secundária António Arroio, em
Lisboa.
Na Bedeteca de Lisboa houve várias exposições de autores estrangeiros e
nacionais, concretamente "BD Checa", "A Banda Desenhada Galega", "Tropa
Macaca", "Guerrilha Laica", "O táxi visto por crianças e jovens" e "Babinski",
individual de Luís Henriques.
Miguel Rocha teve direito a uma "Retrospectiva", assim se intitulou a exposição
de pranchas suas que teve lugar na Biblioteca Municipal D. Dinis, em Odivelas.
Em Colares, na sede do Sport União Colarense, estiveram expostas as bandas
desenhadas premiadas num concurso organizado naquela localidade pela
dupla Grupo Entropia e Associação Cultural Alagamares.
2007 DOSSIÊ 200|259

Em Faro, na Galeria de Exposições do Instituto Português da Juventude, foi


montada uma mostra englobando quatro estilos diferentes, os de Luís Peres,
Phermad, Rocha e Serafim, algarvios de nascimento ou lá residentes.
No Norte, Marco Mendes teve direito a uma individual com as suas pranchas
de BD e Ilustração, na Galeria Plumba do Porto.
Uma Junta de Freguesia, a de Santo Ildefonso (Porto), está a levar a efeito,
desde 3 de Novembro, e só terminará a 9 de Fevereiro, uma colectiva de BD,
Ilustração e Cartune, iniciada na própria Junta e passando depois por dois
espaços Musas e Casa Vivas, com término na livraria Central Comics.
Chama-se Maus Hábitos, também é no Porto, salvo erro num 5º andar, tem
grande animação nocturna e é um espaço de divulgação cultural onde se
efectuam exposições, caso da colectiva "Se cá nevasse fazia-se cá ski", que
contou com a participação dos autores–artistas Marco Mendes, Miguel
Carneiro, José Feitor, Jucifer, Ana Torrie et al.
Continuando naquela cidade: para os tintinófilos, esteve patente desde 3 de
Dezembro (e vai estar até 31 de Janeiro 08), na Biblioteca Pública Municipal do
Porto, o conjunto das colecções documentais do seu acervo, sob o título
"Hergé, Tintin & Cª na Banda Desenhada Portuguesa: a colecção da B.P.M.P.";
na loja Central Comics, houve três exposições de bd, a colectiva de
Pepedelrey, Rui Gamito, Lacas e JCoelho; "BRK", de Filipe Andrade e Filipe
Pina; e, uma mista de bd e ilustração de Pedro Pires.
Igualmente para tintinófilos foi a Exposição Documental Tintim e(m) Portugal,
na Biblioteca Municipal de Cascais, polo de São Domingos de Rana. Nela
colaborou o autor destas linhas, com algumas raridades da sua colecção
(álbuns, revistas e fanzines) portuguesas e estrangeiras, totalmente
preenchidas com paródias, algumas pornográficas, outras políticas, dedicadas
integralmente às personagens de Hergé
Em Sines e em Faro esteve a exposição composta por pranchas de Miguel
Rocha (desenho) e João Paulo Cotrim (argumento) relativas à obra em BD
"Salazar, agora na hora da sua morte".
Na Galeria Municipal de Almada estiveram visionáveis pranchas de BD de
alunos do Centro de Arte e Comunicação Visual Ar.Co, entre os quais
Francisco Sousa Lobo e Vasco Gargalo.
2007 DOSSIÊ 201|259

Autor português com exposição de BD no estrangeiro só soube de um, o


António Jorge Gonçalves, que teve pranchas das obras "Rei" e "A tribo dos
sonhos cruzados", da série Filipe Seems, na Universidade de Newcastle (Reino
Unido).

Imprensa
Criticar ou divulgar BD em rubricas de jornais ou revistas, foi missão de que se
encarregaram: João Ramalho Santos (JL-Jornal de letras artes e ideias), João
Lameiras (Diário As Beiras), Sara Figueiredo Costa e João Morales (revista Os
meus Livros), F. Cleto e Pina (Jornal de Notícias), Luiz Beira (Diário do
Alentejo) e Dâmaso Afonso (Diário do Sul).
Ao nível de trabalho jornalístico pontual, João Paulo Cotrim elaborou dossiê
para o Expresso a propósito do centenário do nascimento de Hergé.
Bandas desenhadas mesmo, com marca portuguesa, em jornais, tem sido
tarefa desempenhada por vários autores, uns com regularidade, outros
esporadicamente. Vejamos quem:
Nuno Saraiva, Joba mais ML, e Luís Afonso, significando três séries, todas a
cores, no semanário Sol, tanto no corpo principal do jornal como na sua
revista–suplemento Tabu, intituladas "Na Terra como no Céu", "As Tias" e "Sol
aos Quadradinhos", respectivamente;
Luca (Luís Afonso e Carlos Rico) fazem o "RIbanho" numa tira, a cores, no
Diário do Alentejo, e Carlos Rico, sozinho, colabora com tira colorida a verde,
como não podia deixar de ser, no jornal do Sporting;
Jorge Mateus desenhou, com argumento dele e de Luís Rainha, a série
"Manicomics", a cores, para o semanário "Tal & Qual" (transposta para álbum,
após o desaparecimento do jornal).
Joca (João Amaral), a desenhar e Gui (Isabel Afonso), a escrever os
argumentos, assinaram, mensalmente, as peripécias protagonizadas pelo
bando "O Gui, a Nô…e os outros", no mensário gratuito Cruz Alta, de Sintra.
Também mensal e gratuito é o Ensino Magazine, um jornal de Castelo Branco
em que a série "Educação às tiras" tem a assinatura de Bruno Janeca
(desenho) e Dinis Gardete (argumento).
2007 DOSSIÊ 202|259

"Ida e Volta" é igualmente uma tira de BD, esta assinada por João Peixoto e
Miguel Velez, no diário Destak, distribuído gratuitamente.
E continuando nos gratuitos (parece que é o que está a dar), temos o
semanário Mundo Universitário com a rubrica BD – coordenada pelo mesmo
escriba que assina este texto – onde, todas as semanas, entre Janeiro e
Dezembro, exceptuando nos meses das férias, apareceram bandas
desenhadas autoconclusivas a cores, no formato tablóide do jornal, assinadas
por Filipe Goulão, Ângela Gouveia, Marco Mendes, Nazaré Álvares, Pedro
Zamith, pelo trio Ricardo Correia (desenho), Ana Maria Baptista (cor) e André
Oliveira (argumento), João Lam, ZéPaulo, José Lopes, Pedro Nogueira, pelo
duo Arlindo Fagundes (desenho) e José Pedro Costa (cor), Zé Manel, Vasco
Gargalo, Filipe Andrade (desenho) e Filipe Pina (argumento), José Carlos
Fernandes, Esgar Acelerado, Antero Valério, outro trio composto por Ricardo
Reis (desenho), Cristiano Baptista (cor) e André Oliveira (argumento), Pedro
Alves, Álvaro, Pedro Manaças, Derradé, de novo o duo Arlindo Fagundes e
José Pedro Costa, mas dessa vez alterando os papéis (Fagundes no
argumento, Costa no desenho e na cor), Algarvio, Phermad, Fernando Relvas
(sim, ele continua a viver na Croácia, mas enviou-me a bd por e-mail),
Pepedelrey, Sko Nihil Vo (desenho) e Hugo Sousa (cor).
Em revistas não especializadas na BD, a lista de participantes, sendo exígua, é
um pouco mais extensa do que os menos atentos displicentemente costumam
afirmar, como se pode verificar pela seguinte listagem:
Na Jazz.pt, publicaram-se bedês realizadas por: C.Zingr (Carlos Corujo
"Zíngaro").
A Visão associou-se às homenagens a Hergé provocadas pelo centenário
decorrido após o seu nascimento, com bandas desenhadas numa prancha a
cores, tipo "pastiche", assinadas por António Jorge Gonçalves, José Carlos
Fernandes e Pedro Massano.
Algarvio, desenhou episódios numa só prancha, a cores, na Megascore e na
Gente Jovem, enquanto duraram (ambas deixaram de se publicar em meados
de 2007).
Luís Pinto Coelho, continua a fazer, na mensal Motociclismo, há uns tantos
anos, duas pranchas com o seu herói Tom Vitoín.
2007 DOSSIÊ 203|259

GQ–Gentlemen's Quarterly, edição portuguesa, é uma publicação luxuosa,


onde colabora Joana Sobrinho, com uma tira a cores na série que ela
ironicamente intitulou "Da Fêmea Implacável".
Na P'Almada, editada em, está-se mesmo a ver onde, e ali oferecida em vários
locais, é reproduzida mensalmente uma bd de página inteira, assinada por
Serrano.
A gratuita Underworld, distribuída nos bares e restaurantes de Lisboa, teve
colaboração de: "Mr.Adam", com bd's em formato de página, a cores, tal como
as do trio Ricardo Reis (des.), Ana Baptista (cor) e André Oliveira (arg.), sendo
que este jovem mas já prolífico argumentista trabalhou também com o
desenhador João Monteiro numa outra prancha. Ainda na mesma Underworld,
na derradeira saída em 2007, houve lugar para mais uma bd, em duas
pranchas, assinadas por André Coelho.
Na edição portuguesa da Elegy (esta é vendida, e não é barata) foi publicada
uma bd de JCoelho em sistema de continuação.
José Carlos Fernandes, por duas vezes, desenhou tiras ao alto e a cores, na
novel publicação semanal Time Out Lisboa.
Em registo infantil vê-se mensalmente uma bd curta, a cores, pelo duo Pedro
Morais, a desenhar, e Luís Almeida Martins, a escrever o argumento, na Visão
Júnior, vendida separadamente da Visão mãe.

Internet
Nos "movimentos" anteriores oscilei no critério adoptado: uma vez dei
endereços de espaços internéticos que estavam em maior evidência, noutra,
entre portais, sítios e blogues, dei uma lista quase exaustiva, num outro ano
escolhi os da minha predilecção, tudo num total de mais de sessenta
endereços, entre 1999 e 2006, que ainda podem ser vistos aqui no "site" da
bedeteca, nos "Movimentos" da habitual rubrica "Dossiê".
Desta vez, a minha opção relativa a 2007 é minguante, para evitar ser
repetitivo. No capítulo dos blogues com textos de crítica e/ou divulgação, indico
apenas o meu blogue preferido, o do Pedro Vieira Moura, por aliar o
brilhantismo literário à seriedade crítica:
http://lerbd.blogspot.com
2007 DOSSIÊ 204|259

Nos que têm a ver com banda desenhada propriamente dita, sugiro a visita a
três:
1) "Álvaro – Bandas Desenhadas", com, pelo menos, duas bedês imperdíveis:
uma com 14 pranchas, a cores, "Salvai-vos, Irmão!", e outra, com 18 pranchas
(nesta, caso invulgar, o argumento não é do próprio Álvaro, mas de Ana
Laureano), sob o título "Vampirosa".
2) Diário Rasgado, de Marco Mendes, um autor–artista com imaginação, humor
descontraído e bom desenho, nascido em Coimbra mas a viver no Porto, que
trabalha no endereço: http://diariorasgado.blogspot.com
3) VD Cartoons, de António Pilar, um dos autores que trabalhou na revista de
BD Visão (1975/76), e presentemente a fazer tiras de banda desenhada (a que
chama "cartoons"), uma tira "on line" cada domingo, com bom sentido crítico e
um engraçado cão, o Van Dog (daí o VD), que justifica a frase "Chega de
explora cão! Nem Nato nem canja, queremos pato com laranja". Até ao final
deste ano 2007 já lá cantam, neste caso, ladram, 57 tiras. Ver em:
www.vdcartoons.blogspot.com

Livrarias e/ou lojas especializadas


Este ano lembrei-me de voltar a fazer, tal como em Movimentos 2004, o registo
das livrarias e/ou lojas especializadas espalhadas pelo país. De Norte para Sul,
começa-se pelo Porto (Central Comics, Mundo Fantasma e alfarrabista Tintim
por Tintim); passa-se por Aveiro e encontra-se a Secção 9, aberta este ano;
vamos a Coimbra e temos a Dr Kartoon, agora com novos donos, dois dos
quais, João Miguel Lameiras e João Ramalho Santos são muito bons
conhecedores do material que vendem, e há também a Dungeon Comics.

Mais para sul, em Leiria, encontramos a Shop Suey Comics.


Chegamos enfim à capital, e depara-se-nos uma boa rede livreira: BdMania,
Kingpin of Comics, Mongorhead Comics, NLF - Nouvelle Librairie Française, no
material novo; a pequena Livraria do Duque, com edições francesas e
espanholas, recentes e antigas, e a Casa da BD na Feira da Ladra com muito
material antigo mas também bd importada do Brasil.
2007 DOSSIÊ 205|259

Há também alfarrabistas que, pela sua capacidade em obter e vender


publicações raras, merecem referência. Façamos-lhas:
Em Lisboa, o Freitas, o Vilela (Vilelivros) e o Oliveira (perdão), Castanheira, da
Figueira, perdão, da Silveira (Loja das Colecções).
No Porto, julgo que continua a fumegar o castiço Chaminé da Mota, um dos
melhores alfarrabistas de BD, que conheci na Feira de Vandôma, quando esta
ainda rodeava lá no alto a Catedral.
Mais para Sul, até Setúbal vamos encontrar a Nono Império, e em Faro a
Ghoul Gear.
Para finalizar o capítulo livrarias, vamos à região autónoma da Madeira,
concretamente à cidade do Funchal, lá encontramos a livraria Sétima
Dimensão que, para além de vender bd, costuma organizar o evento 12 horas.

Rádio
Coisa que há muito não acontecia, com carácter sistemático: voltou a ouvir-se
falar de banda desenhada em dois programas radiofónicos.
Um deles localiza-se em Coimbra, intitula-se Planeta Calafrio, na RUC, as
vozes são de João Miguel Lameiras (reincidente, falou durante anos no Balada
do Mar Salgado), e Maria Santos. Têm um blogue no endereço
http://planetacalafrioruc.blogspot.com.
O outro é de Lisboa, na Rádio Zero, a rubrica dá pelo título de Invisual, nele se
ouvem as vozes de Marcos Farrajota e Rui Tomás. Contam com o apoio do
I.S.T.
Ao nível de momentos radiofónicos esporádicos, houve entrevistas: na RUM -
Rádio Universidade do Minho - Hugo Jesus falaram de bd.
Na Antena 2, programa Um Certo Olhar, Luís Caetano entrevistou Artur Correia
(desenhador) e António Gomes de Almeida (argumentista), para saber coisas
da vida dos "Super–Heróis da História de Portugal".
Acerca do livro "Nabos na Cozinha", feito metade em BD e outra em texto
ilustrado, destes mesmos autores, foi entrevistado o editor José Vicente, da
Roma Editora, no Rádio Clube Português.
De salientar a divulgação além-fronteiras que têm tido algumas personalidades,
como, por exemplo, Paulo Monteiro, entrevistado na Rádio Galiza.
2007 DOSSIÊ 206|259

Televisão
Afirmava eu, no texto Movimentos 1999: "No que concerne à TV, nunca houve
nenhum programa televisivo dedicado à BD". Esta afirmação caducou
finalmente no corrente ano, graças à iniciativa do duo Pedro Vieira de Moura
(entrevistador) e Paulo Seabra (realizador), que conseguiram concretizar o
projecto Ver BD, composto por um conjunto de cinco programas semanais na
RTP2, com 25 minutos cada, onde foram entrevistados autores, estudiosos,
críticos e divulgadores. Tratou-se de autêntica "pedrada no charco" (passe o
chavão), que merece indubitavelmente os maiores elogios, e de que se deseja
sequela em 2008.
Único ponto contestável: a inclusão no grupo de entrevistados de um ou outro
autor com escassa participação na BD, em detrimento de quem tem folha de
serviços bem recheada e de qualidade assinalável. Um dos incluídos
forçadamente? André Lemos (sem desdouro para a qualidade da sua obra na
área da ilustração). Um excluído injustamente? Nuno Saraiva. Será que o
trabalho realizado na extensa e consagrada "Filosofia de Ponta", sob
argumento de Júlio Pinto, e agora "a solo" com a série "Na Terra como no
Céu", ao ritmo de duas, geralmente boas, pranchas semanais de banda
desenhada, não lhe permitiu atingir a bitola exigível para ser incluído entre os
autores vistos e ouvidos no Ver BD?
Afora este importante programa, houve algumas aparições esporádicas:
A de João Paulo Cotrim, no programa Câmara Clara (RTP2), a propósito do
centenário do nascimento de Hergé;
A de Nelson Dona (naquele mesmo programa) para apresentar o 18º Festival
Internacional de Banda Desenhada da Amadora;
A de António Jorge Gonçalves no Câmara Clara, na SIC Radical e na SIC
Notícias (Programa Lisboa Mistura); e juntamente com Rui Zink, na SIC, para
falarem de REI, sua obra conjunta.
A de Miguel Montenegro, no programa da RTP2, Sociedade Civil.
Na SIC Radical deu uma notícia dedicada ao BD Jornal.
2007 DOSSIÊ 207|259

Numa televisão local, a TV Beja (que mostra depois o programa na internet), foi
feita a apresentação do III Festival Internacional de Banda Desenhada, daquela
cidade.
A SIC, no dia 25 de Maio, transmitiu uma reportagem sobre BD internacional.
A SIC Notícias entrevistou Ricardo Cabral (autor de BD), juntamente com o
alpinista Miguel Garcia, a propósito da obra em BD "Evereste".
2008 DOSSIÊ 208|259

Ilustrações Daniel Lima

Introdução

2008 é um ano que deve ter as pessoas que gostam de bd tão desesperadas
que nunca antes houve um atraso tão grande como este no Dossiê… Em 2007
assinou-se o óbito para os fanzines. Em 2008 que livro de investigação saiu? E
uma nova mente crítica? Os autores ainda existem? Se sim foram todos
trabalhar para o estrangeiro porque nem sabemos se ainda há editoras...
Haverá respostas? Esperamos por elas, pelas mãos de Marcos Farrajota,
Pedro Brito, Daniel Maia, Domingos Isabelinho, Sara Figueiredo Costa, Nuno
Franco e Geraldes Lino.
As ilustrações para o Dossiê deste ano são da autoria de Daniel Lima, exímio
ilustrador e autor de bd mas de obra fragmentada de tal forma que só o ano
passado é que nos deu o prazer de ter o seu primeiro livro de bd a solo -
"Epifanias do inimigo invisível" - editado pela associação Cinema Ao Norte.
2008 DOSSIÊ 209|259

Crítica
Domingos Isabelinho

Não é nada fácil (digo-o em tom de confissão, mas também como início de
caracterização do meio), escrever estas notas metacríticas anuais,
supostamente em tom de balancete, sem entrar na repetição obsessiva dos
mesmos nomes e temas. E a dificuldade vem de um facto simples: de ano para
ano, nada de novo se passa... Poderia, é verdade, e apesar de tudo, tentar
encontrar pequeníssimas variações, ondas microscópicas no marasmo da
superfície... O problema é que essa tarefa hercúlea, de dimensões
verdadeiramente épicas, correria sérios riscos de resultar num produto em
proporção directa com o comprimento da putativa e muito teórica
perturbaçãozinha superficial. Ou seja, para usar o lugar-comum: a montanha
iria parir um rato, de certeza...
Por acaso, a minha estratégia até tem sido a inversa: em vez de
micrometacrítica, macrocoisa...

Em anos anteriores escrevi sobre a crítica em geral e sobre a crítica de banda


desenhada em particular; escrevi sobre o fenómeno, um pouco esquecido na
voragem frenética da cultura de massas, espero bem, da adaptação das
bandas desenhadas infantilóides de Nova Iorque ao cinema infantilóide de
Hollywood mais as devidas repercussões na crítica de cinema portuguesa. Este
ano vou também para dentro lá fora (antes de saltar para um tom
autobiográfico)...
Segundo Xavier Guilbert, do site Du9, acontece que a imprensa francesa tem
uns prémios para as artes: os Globes de Cristal de sua graça. Os nomeados
para a literatura deste ano incluíam desde um prémio Flora a um prémio Nobel
(Le Clézio, evidentemente). Entre os nomeados para o cinema encontrava-se
nada mais, nada menos, do que uma Palme d’Or de Cannes ("Entre les murs" -
"A Turma" - de Laurent Cantet). Estando a banda desenhada também incluída
na festa pasme-se com os nomeados: "Une vie de chat" de Philippe Geluck;
"Titeuf: le sens de la vie" de Zep; "Largo Winch: la voie et la vertu" de Jean Van
Hamme e Philippe Francq; "Le Petit Prince" de Joann Sfar; "XIII T.19: le dernier
2008 DOSSIÊ 210|259

round" de Jean Van Hamme e William Vance. Xavier Guilbert acrescenta à


supracitada lista um lapidar: “Sans commentaire”. Eu acrescento que me sinto
chocado: isto é como se, nuns prémios semelhantes em Portugal, vencesse
Emanuel em vez de vencer Emmanuel Nunes!

Mas o que é que se pode esperar de uma crítica que vai distribuindo elogios a
torto e a direito na proporção directa dos êxitos comerciais? É verdade que a
mediocridade perpetua a mediocridade em todas as artes, mas só na banda
desenhada é que esse postulado se erigiu em religião. Dominada pelo
infantilismo durante décadas, abandonada senão mesmo desprezada e
vilipendiada pela intelligentsia, a banda desenhada foi deixada ao cuidado
daqueles a quem chamei, há já cinco anos, pelo menos, os “bedófilos”:
“críticos” nostálgicos das suas leituras infantis. Talvez um dia, quando as
nostalgias forem para os jogos de computador e consola, a crítica de banda
desenhada esqueça infantilismos idiotas... talvez um dia...

Mas ainda não falei do acontecimento do ano: a crise económica. É devido à


crise, suponho, que os poderes da Europa (económicos, claro, porque os
políticos são meros fantoches) ordenaram o emagrecimento dos Estados
(passou a não haver vida para além do deficit). Primeira vítima a cair: a cultura.
Primeiríssima vítima: a banda desenhada. É por isso que uma revista adulta,
especializada em banda desenhada (daquelas que ignoram olimpicamente o
cosplay na Amadora; ou o Salão da Brandoa tout court...) se torna impossível.
Como os jornais só estão interessados em vender papel ao quilo, passando por
um inevitável processo de apimbalhamento, a solução, para quem quer
continuar a escrever de forma responsável só pode ser: tornar-se blogger.

Foi o que resolvi fazer, depois de muitas hesitações...

Alguém disse que os blogues são como os tubarões: têm de continuar sempre
em frente ou morrem, pura e simplesmente. A consciência desse facto é que
me fez ponderar: seria capaz de manter o ritmo? Outra decisão que tomei foi
escrever em inglês. Porquê limitar-me a ter um público leitor de língua
portuguesa? Escrever sobre banda desenhada, a mais minoritária das artes,
2008 DOSSIÊ 211|259

em português, seria limitar-me a uma parcela infíma duma já de si infíma


parcela (quem gosta exclusivamente de X-Men, Astérix, e afins, não gosta de
arte, e, portanto, esse público não é para aqui chamado). Em ambos os casos
acho que fui bem-sucedido. Esperemos que assim continue, pelo menos até ao
final do meu cânone: a morte anunciada do blogue.

Uma nota final... Não quero acabar este texto sem o facto mais positivo do ano
transacto no que à crítica portuguesa diz respeito (ou será investigação?,
pouco importa...): a publicação (restrita, por enquanto, esperemos que venha a
ser livro...) da tese de mestrado de Pedro Moura: "Memória na Banda
Desenhada: presença e leituras da Memória em sete casos da banda
desenhada contemporânea francófona" (Agosto de 2008).

Edição
Daniel Maia

Sou uma pessoa optimista por natureza, e por isso opto, muita vez sem
qualquer indício de que deva fazê-lo, em acreditar no sucesso das boas
intenções ou que as nuvens carregadas hão-de abrir em breve. Tal é o
princípio da fé, acho; algo muito familiar a quem lida com banda desenhada,
especialmente em Portugal, e especialmente nos presentes tempos infectados
(não escolho esta palavra levianamente) pelo papão da crise.

Posto isto, dizer o quê? Obviamente, consigo, a esforço, vislumbrar farripas de


esperança em certas iniciativas e acções comerciais de 2008. Mas contar que
as mesmas efectivamente sejam de valia ao sector e devolvam alento ao
marasmo editorial e consumo de banda desenhada é algo que está por provar
e por isso, sei-o, permanece um acto de fé; quiçá mesmo daqueles
desprovidos de qualquer indício de legitimidade, se atendermos às várias lojas
especializadas que têm fechado porta por todo o país ao longo dos últimos
meses…
2008 DOSSIÊ 212|259

Assim, embora se possa definir o ano editorial destacando as principais


tendências e performances, talvez seja mais verdadeiro (ou optimista…)
começar por um discurso analítico: a nível estatístico, o ano passado reuniu
poucas menos edições que 2007 (260 títulos antes para 238 agora), o que nos
indicaria que após a queda galopante do sector em anos recentes, estaríamos
a atingir uma estabilização entre oferta e procura. Contudo, é na quantidade de
reedições tidas nestes dois anos que reside a grande diferença; enquanto 2007
teve 26, 2008 sofreu 60 títulos reeditados! Um número sem precedentes, que
perfaz sensivelmente 1/4 do total editado no ano. É bastante.

Feitas as contas, no que toca a novidades – nas quais ademais se regista uma
dúzia de obras redux; ou seja, material reeditado porém apresentado com nova
roupagem e extras –, assistimos na realidade a um novo decréscimo, na ordem
de ~25%, sendo portanto o somatório final de edições em 2008 artificialmente
mantido, em grande parte, por colecções (re)editadas pela (dinâmica) parceria
Edições Asa/ "Público", distribuídas naquele jornal, a par doutras que houve.

No calendário editorial, os meses Junho e Julho foram, neste cenário, sem


surpreender, os de maior azáfama. Isto pois não só as Feiras do Livro e
Festival Internacional BD de Beja (FIBDB) se afirmam como um momento ideal
para lançar novidades, como é também no verão que se tornam mais
apetecíveis as tais colecções que cada vez mais encontramos nos jornais e
revistas. Logo atrás, com menos dez títulos ambos, vêm Outubro e Novembro,
que continuam a ser um momento fulcral para a edição, não só devido à
proximidade do natal mas também pela existência do Festival Internacional BD
da Amadora (FIBDA).

Além do fenómeno das reedições, outra tendência foi a aposta mangá, da qual
creio apenas vimos a ponta do iceberg. Encabeçada pela Edições Asa, esta
avançou com um plano para abrir hostilidades e paralelamente cortejar os
difíceis licenciadores nipónicos, através de apresentar savoir-faire com
propriedades de menor interesse, americanas, porém dimensionadas para os
habituais géneros shonen (rapazes) e shoujo (raparigas, nos target juvenil e
infantil) vigentes no mangá; para assim criar condições de negociação que
2008 DOSSIÊ 213|259

permitam de futuro trazer a Portugal as icónicas séries que os leitores queriam


como apostas iniciais. Há que entender que o nosso mercado funciona com
tiragens pequenas, que no máximo rondam as 2 mil cópias, enquanto noutros
países facilmente são possíveis 10 mil…
Apesar da investida da Gradiva e Bertrand nesta área ter surtido menos
resultados (a meu ver, devido a desinteresse promocional), a tendência será
para continuar, pois sabe-se haver mais projectos nesse sentido. E
inclusivamente, fica a dúvida se, com o mudar dos tempos, não será mais
proveitoso para o sector no seu todo se mais editoras investissem neste
segmento e público-alvo.

Menos promissor esteve o sector humorístico. À excepção do contínuo bom


trabalho da Gradiva, Bizâncio e Librimpress (antiga Livros de Papel) com obras
estrangeiras, pouco ou nada se editou de origem nacional e menor ainda foi o
critério naquilo que se publicou.

O mesmo não se pode dizer das demais produções. Embora poucas, houve
trabalhos de relevo, dos quais destaco o 1º tomo de "Terra Incógnita", por José
Carlos Fernandes e Luís Henriques, o "biopic" sobre Camões, de Jorge Miguel,
e a antologia "Venham+5" nº5, da Bedeteca de Beja, que, salvo erro, se tornou
a mais extensa publicação portuguesa de sempre, reunindo seminais autores
internacionais a talentos nossos.

Há a aplaudir a entrada no mercado das novas editoras Plana Press, Qual


Albatroz e Tinta da China Edições, que deixam antever frescas perspectivas de
como intervir no sector. Outro projecto de interesse vem da recém-chegada
Tugaland, com colecções que exploram o modelo BD+CD, e aliam "biopics" de
bandas e músicos nacionais a colectâneas destes.

Ainda sobre chancelas, importa frisar a prestação das editoras (gémeas)


Vitamina BD e BDmania, donde chegou a maior variedade de livros
estrangeiros inéditos, de cariz comercial (i.e. "Astonishing X-Men" ou
"Castaka"), e também dos mais apetecíveis (i.e. "Fábula de Bagdad" e 1º
volume da definitiva "A Casta dos Metabarões"), acompanhados por novos
2008 DOSSIÊ 214|259

álbuns de séries clássicas, pela Edições Asa (i.e. "Blake & Mortimer –
Santuário de Gondwana", "Astérix e seus Amigos" ou o 3º "Lucky Luke"). Ao
mesmo tempo, houve espaço para surpresas mais eruditas, como "As Paredes
têm Ouvidos", de Giorgio Fratini (Campo das Letras), e a adaptação de "O
Principezinho", por Johann Sfar (Presença).

Mas a mutação do sector prossegue. No fim do ano despediram-se as últimas


revistas infanto-juvenis da Edimpresa, que já antes havia descontinuado outros
periódicos, após em 2006 ter cancelado toda a linha de títulos Disney. Assim
termina com efeito a presença regular de mensais nacionais no circuito de
papelarias, começado há precisamente dez anos pelo surgimento da Devir no
mercado. Sobeja apenas um par de títulos (i.e. "Club Winx" e "Tom & Jerry")
pela Zero a Oito – mas por quanto tempo mais…?

Todavia, nem tudo são más notícias. Embora constitua um retrocesso no que
respeita à afirmação de empresas locais no mercado (e da própria língua-mãe,
sans novo acordo ortográfico), e por mais deficiente que seja o funcionamento
do sistema de distribuição neste circuito ou proibitivos os seus encargos, os
fanboys do país viram-se reapresentados às sobras brasileiras, agora pela
Panini, somadas às que já havia da Mythos. As distribuições não têm sido
ideais, como disse, mas injectam os tão necessários super-heróis junto das
novas gerações de leitores. Talvez assim, não obstante a desvantagem(?)
linguística, se volte a chamar público para a área, que depois as editoras
especializadas e chancelas independentes possam desenvolver em leitores
mais maduros e exigentes, ou talvez derivem eles próprios em autores.

Por último, sem querer interferir na apreciação do Marcos Farrajota sobre


Fanzines, importa referir o 2º alento da área em 2008, mercê das facilidades
cedidas pelo sistema de impressão digital actualmente em voga. Houve poucos
títulos, rondando a vintena segundo os meus cálculos, mas encontramos ali
algumas pérolas da edição dita independente ou cooperativa, que creio podem
vir a acalentar novos e maiores ímpetos desta ordem no presente ano, e
vindouros…
2008 DOSSIÊ 215|259

Frisando só dois exemplos, começo pelo colectivo "Murmúrios das


Profundezas" que, por pouco conseguidos tenham sido os resultados
concretos, conseguiu com inequívoco sucesso mostrar como uma iniciativa
daquelas deve ser conduzida, em termos de edição e promoção; segundo sei,
nunca antes um “mero” fanzine teve honras em rodapé nos telejornais e
poucas vezes terá esgotado tão rápido. Também de parabéns está a Imprensa
Canalha, que fiel a si mesma e ao campo indie onde se move, conseguiu com
a antologia "Cabeça-de-Ferro" manter elevadas as fasquias da micro-edição,
muito devido ao preceito da produção e prestação dos seus colaboradores.

Sem fazer vaticínios (para não azarar…), sabe-se de novos projectos prestes a
dar à estampa este ano e de razões para estar optimista em 2009. À medida
que o mercado se ajusta, a comunidade nacional vai-se desenvolvendo (ou
evadindo para mais verdes mercados), mas mais projectos surgem para “fazer
mais” com “menos.” No próximo ano veremos qual foi o saldo.

Autores
Pedro Brito

Festivais
Nuno Franco

Foram certamente as palavras, mais do que certeiras, de José Carlos


Fernandes em “A Era do Peschisbeque” sobre a maioridade da BD em Portugal
aquelas que mais ecoaram em 2008. Fernandes escrevia então: “são os
estudiosos da BD e que dela reclamam apaixonados leitores e empenhados
prosélitos, [os] que mais ferozmente se opõem ao reconhecimento dessa
maioridade”. Outras questões convergem, a principal e por ventura a que pior
2008 DOSSIÊ 216|259

herança deixa adivinhar, é que esta está a perder o seu público especialmente
os jovens.
O que é que isto tem a ver com festivais? Tudo porque é nos novos leitores
que se depositam as esperanças da revitalização do meio, o que por vezes até
não é necessariamente mau: as crises servem e podem ser contornadas, a
começar nos diversos meios à disposição (publicações online, fanzines, mini-
comics) ou passando pela procura de elos criativos com outras editoras
estrangeiras. Digamos que há um horizonte de expectativas, as quais nunca se
concretizam, ou se concretizam, fazem-no marginalmente. Se a BD em
Portugal tenha especificidades próprias, a começar no tipo de trabalhos que
são feitos e publicados, mantêm-se a crença sobre os tipos de mercados que
funcionam, privilegiando-se essencialmente o franco-belga e os comics norte-
americanos de super-heróis enquanto se esquece outras vertentes: a BD
infantil-juvenil anglo-saxónica, de Tove Jasson a Raymond Briggs ou “Bone”,
de Jeff Smith; as obras (adultas) de Posy Simmonds, James Sturm ou Kim
Deitch, isto já para não falar nos clássicos, que em Portugal se resumem a
“Tarzan”, “Tex” e outros que tais. A haver “culpados” por este estado de coisas,
alguns desses serão os leitores órfãos da revista “Tintin” (e de outras que lhe
seguiram as pisadas!) que encontraram espaço de acolhimento no Festival
Internacional de BD de Amadora. Mas se esse mercado teve e tem muita coisa
de positivo, também tem os seus mercantilistas, personalidades como Henri
Filippini ou os malogrados Claude Moliterni e Greg – alguns dos quais que a
Amadora acolheu como “os grandes de antigamente” (a expressão é minha) –
que sempre procuraram travar a tal “maioridade” da banda desenhada. Tudo a
contribuir para que, face a muitos novos fenómenos mediáticos que tendem a
passar desapercebidos, a BD em Portugal continue a permanecer tão
irredutível quanto a aldeia de Asterix – fechada sobre si própria e imune a
qualquer contaminação, não vão os incautos fugirem a sete pés da BD que,
antes de mais, devia ser para as criancinhas.
Seria ilusório, pois, pensar que em Portugal se poderia passar com o tempo do
oito ao oitenta. Se cabe aos editores e livreiros muita da responsabilidade, para
o bem e para o mal, daquilo que se tem editado, diga-se, não ser a vocação
dos mesmos apostar naquilo que sabem à priori não ser vendável. Por isso, o
papel mais justificado dos festivais seria a defesa das mais diversas linguagens
2008 DOSSIÊ 217|259

que hoje formam o complexo arquipélago da BD, algo que nem sempre
acontece.
Não posso, por isso, deixar de observar que algumas das escolhas daquele
que é nosso maior festival – falo da Amadora que não deixa de ser o espelho
onde se revê o estado da BD em Portugal – continua a reger-se por critérios
iguais ao de duas décadas, para mais com a crise há muito instalada no sector.
Importa contudo sublinhar o papel aglutinador que o FIBDA tem tido– e eco
presente no burburinho que se instala, meses antes da sua realização, nos
criadores, jovens e menos jovens, ou no papel importantíssimo, no caso, do
CNBDI, junto das escolas da região.
Como tema do FIBDA de 2008: “a ficção científica e tecnologia”. Foi essa a
razão pela qual se metamorfoseou o espaço do Fórum Luís de Camões, na
Brandoa, numa cápsula futurista de uma nave. Foi aí, à entrada, num espaço
do “Astroporto”, que se acedeu à exposição temática. Dividida em cinco
núcleos – personagens, argumentistas, desenhadores, publicações e
concursos do festival – nela faltaram critérios que valorizassem as
especificidades do género; isto como se houvesse somente um determinado
tipo de ficção científica. Para complicar mais, inserido no seio desta
encontrava-se outra sub-exposição, se assim poderemos chamar, dedicada à
“Metal Hurlant”. Meia dúzia de originais de autores como Moebius e Philip
Druillet e outros mas que nada diziam a quem quisesse conhecer, de facto, o
legado da publicação francesa.
Foi uma escolha de peso e figuras importantes de onde sobressaiu a ideia do
coleccionador. Destaque, não é demais sublinhar, para os originais de Alex
Raymond e o seu “Flash Gordon”, para Breccia, Solano Lopez e Oswal Viola
(estes três em colaboração com o grande e malogrado German Oesterheld).
Em franco contraste com este tipo de obras, voltou-se à infantilização com o
inevitável “Valerian” e no trabalho de autores como Kevin O’Neill e Pat Mills.
E depois o termo FC. Se na literatura tanto se pode aplicar à costumeira
“heroic-fantasy” e aos seus exotismos futuristas de pacotilha, como às distopias
de Philip K. Dick ou Ballard, o que dizer da BD que se cinge quase
exclusivamente à primeira? É por isso que “FC” em BD corresponde quase
sempre a clichés e banalidades de base: naves, fantásticas arquitecturas ou
bestiários a surgirem a surgirem quando menos se espera (de que Valerian
2008 DOSSIÊ 218|259

acaba por um dos mais consumados exemplos). Aborrecidos pastelões, como


a gíria bedéfila tanto gosta de sublinhar “bem desenhados” (Flash Gordon, Dan
Dare, Frazetta, Caza). Importante seria ter tido, se pelo menos não presentes,
Kirby, Ditko, Chris Ware, Auclair, Warren Ellis, Nicolas Devil, Ed Brubacker,
Buzzelli, E.P. Jacobs, Andrzej Klimowski, Chris Reynolds ou o primeiro Bilal (“A
Cidade que não Existia”, “Navio de Pedra”) reflectidos no catálogo. Louvável o
levantamento histórico de Jorge Magalhães, não isento de uma certa nostálgia
por uma “Idade de Ouro”, ou de Leonardo de Sá relativamente a António
Cristiano, mas importava ter igualmente outro tipo de textos, de alguma
maneira explicativos da complexidade da ficção científica actual e de que
maneira como também a BD tem explorado isso. Ou então, de volta à
exposição, e quando se fala em captar os jovens, porque não trabalhos de
jovens autores portugueses que têm singrado em algumas das mais
conhecidas “majors” internacionais com destaque para a Marvel? A questão é
essa a que Fernandes remete: consciente das dificuldades de crescimento,
impostas por um mercado que se importa com os belos livros; onde os autores
são sacrificados ao ritual infindo do autógrafo; onde nos limitamos a transpor
de ano para ano idênticos modelos, é caso para dizer que em Portugal só resta
mesmo a nostalgia.
Além de ser o principal investimento da Câmara Municipal de Amadora, para o
festival, o público visitante foi desde do início um elemento necessário de
escrutínio, quer através dos números quer através de parcerias que se
estabelecem. Mostrando que o FIBDA tinha mais do que condições para ser
um evento com projecção internacional numa cidade onde o panorama cultural
era quase nulo. Adquirida há muito essa legitimação, importa ir além dos
habituais valores seguros, até porque os festivais deveriam ser locais para
trazer autores novos e não somente autores consagrados que mobilizem os
visitantes, caso de Maurício de Sousa, criador de Mónica. É óbvio que são
autores como esse que trazem à Amadora os visitantes, mas importa sublinhar
se isso legitima alguma coisa. Importa ter melhores leitores ou deixar-se abater
por más experiências com exposições demasiado “alternativas” (ou por não
serem conhecidos e como tal não se faz um esforço para conhecer, ou porque
é melhor ficar naquilo que é conhece há muito evitando assim a novidade) o
2008 DOSSIÊ 219|259

que mostra que afinal o problema, por vezes, não será também dos públicos?
Uma questão em aberto…
Para não se dizer que nave não trouxe novidades e que já se conhecia os
cantos à mesma, houve a descoberta de Luís Henriques, de “Rei”, de António
Jorge Gonçalves e Rui Zink, Jean-Claude Denis, ou a majestosa visão das
irrealidades políticas e não só de João Abel Manta que foi talvez a grande
exposição deste ano e não é demais relembrar. Sem trazer nada de novo, o
trabalho de Tara McPherson mostrou-se ainda assim como um interessante
eixo entre a BD e a ilustração pop (mas a sua vinda deveu-se menos à
Amadora do que a uma conhecida editora portuguesa que, dessa forma, volta a
fomentar os ateliers e os workshops de autor). Depois a BD chinesa,
igualmente presa aos referidos clichés da FC. Isso e Liberatore, e o seu
inenarrável Rank Xerox, denominado na secção lhe dedicada, imagine-se, de
“O Miguel Ângelo Pós-Moderno” (curioso o paralelismo com a mediática e
inaugural exposição «Bande Dessinée et Figuration Figurative”, Paris, 1967,
visão institucional da BD que, entre outras coisas, entronizava para a história o
nome de Burne Hogarth, autor de “Tarzan”, como o "Miguel Ângelo da Banda
Desenhada", senão por quem… Moliterni).
Se o espaço da Fórum Luís de Camões, permite algumas soluções
imaginativas a nível da cenografia, já cá fora as coisas não correm pelo melhor:
o estacionamento escasseia e confuso e as acessibilidades dos transportes
públicos não são as melhores: a estação de metro de Arfornelos, julgo,
encontra-se perto, mas a zona não convida propriamente à deambulação.
Depois editores há que considerariam mais vantajoso concentrar-se a vinda
dos autores num espaço mais curto, três ou quatro dias mais concorridos, do
que os habituais 15 dias do certame. É uma opinião a ter em conta mas não
creio que traga grandes resultados para a dinâmica de festival. Uma visão
mercantilista como a que aconteceu no 1º (e único) BD Fórum: visão à
americana da BD com os autores-bd-estrelas a distribuir autógrafos mas onde
ideia de BD era nenhuma ou quase zero. Por outro lado, a dispersão por outros
espaços culturais da Amadora que anteriormente tão bem resultava neste
momento já não faz sentido. Ninguém sai do forum para se deparar aqui ou
acolá com exposições de José Ruy ou José Garcês, não por falta de mérito
mas por serem autores que não são propriamente novidade na Amadora.
2008 DOSSIÊ 220|259

Se a Amadora é como vimos o paradigma, e de primordial importância no seio


da banda desenhada portuguesa, no que toca em relação ao Festival de Beja,
a sua dimensão é menor e resultante do trabalho de equipa da Bedeteca de
Beja e do Atelier Toupeira, com destaque para o director Paulo Monteiro e a
autora Susa Monteiro. Ao não prender-se a nenhum figurino em específico,
ganha uma maior liberdade em termos de escolha. Em 2008, exposições de
Dave McKean, Duchazeau, Gipi, Martin Tom Dieck, entre outras, e colectivas
várias, desde jovens autores norte-americanos aos 10 anos da BD galega. A
dispersão por percursos mais ou menos próximos leva a que haja um relativo à
um relativo vontade e que não haja condicionamentos em termos de quem é o
autor mais importante presente, ou quem não é, o que sempre uma atitude de
saudar. Não temos aqui a atitude do autor-estrela ou “intocável” – de que o
referido BD Forúm, em 2003, acabou por ser o exemplo mais acabado. Devido
à sua interioridade, também Beja tende a ganhar com a aposta em eventos
paralelos (ciclos de cinema, concertos, concursos de Play Station ???) e nas
visitas com turmas de escolas, para muitos para quem este é o primeiro
contacto real com a banda desenhada. Por outro lado, teria a ganhar em ter um
catálogo mais profissional como o da Amadora. Destaque para a referência que
é já o fanzine “Venham + 5”, à venda em diversos pontos do país e que é um
dado essencial à própria descentralização. É assim uma outra visão da banda
desenhada que se complementa.

Fanzines
Marcos Farrajota

Só se fala em crise neste nosso país mas parece que a máxima “em tempos de
crise é que aparece a criatividade” acaba por ser verdade. Não que tenham
aparecido muitas inovações, como aconteceu nos anos 90 e princípios de
milénio mas pelo menos no mundo da edição independente – seja fanzine,
zines, livros de autor – tem havido massa crítica o suficiente nem que seja para
escrever um texto como este.
2008 DOSSIÊ 221|259

Muitas páginas, apesar da crise…

Desde já, é de constatar que continuaram a ser publicados os seguintes


fanzines e zines: o “Boletim CPBD”, “Facada” de Tiago Baptista, “[R]eject” de
Andreia Rechena, “Tertúlia BDzine” e “Efeméride” ambos editados por
Geraldes Lino. Regressou o “Gambuzine” de Teresa Câmara Pestana, agora
como uma nova numeração / nova série. A Joana Figueiredo lançou mais um
zine com um título marado – desta vez é o “Post Shit” que fez tanto sucesso no
Crack (Roma) e no Festival de Helsínquia que acho que não deve ter chegado
a ser divulgado em Portugal… – e Os Gajos da Mula lançaram “Fantôme
Galicia”. O autor algarvio Phermad lançou a colectânea “De trute ise aute der”
que compila bd’s publicadas no seu antigo projecto, o zine “Terminal”.

Novinhos em folha foram “Znok” de Filipe Duarte e “Faixa 9”, um zine dedicado
a «ambiências musicais em BD». E apareceu o um novo colectivo gráfico, o
Hülülülü, que lançou cinco títulos em poucos meses de actividade – nada mal
uma vez que o ano passado queixava-me que não havia uma nova geração de
autores.

Em formato mais profissional saiu o número dois do “Alçapão – fanzine de


arquitectura dura” que incluiu uma bd de João Sequeira e muita (boa)
ilustração; “Le Sketch”, projecto de Paulo Patrício; os Opuntias Books
materializaram-se em três novos títulos com aspecto luxuoso e muito apelativo;
a Kingpin lançou os terceiros volumes das suas séries; a Imprensa Canalha
editou mais uns graphzines e a antologia “Cabeça de Ferro”; a Chili Com Carne
lançou um volume de “Mercantologia”, colecção dedicada a recuperar material
dos zines, intitulado “Noitadas, Deprês e Bubas” que reedita bd’s antigas do
“Mesinha de Cabeceira”. A Bedeteca de Beja continuou o “Venham+5” (num
formato de antologia na linha da revista “Quadrado” ou do “Mutate & Survive”) e
a colecção “Toupeira” com uma bd de Susa Monteiro.
2008 DOSSIÊ 222|259

Novidades: saiu um livro intitulado “Murmúrios das Profundezas” que apesar de


ter resultados muito pobres a todos níveis (o texto, as adaptações, os
desenhos e técnica das bd’s e o design) é interessante porque é um projecto
sinergético e colectivo para um país cheio de individualistas. Copiando o
“template” que foi o “Virgin’s Trip” (El Pep; 2006), reúne autores envolta de um
tema comum, neste caso estórias do H.P. Lovecraft que são adaptadas para
bd. O esforço de fazer um livro “grande” é assim partilhado e sendo colectivo
tem mais hipóteses de chegar a mais público também. Creio que podia ser um
bom modelo para que a haja mais edição em Portugal… Apareceu uma nova
editora, a Plana Press que lançou dois títulos: “Pandora Complexa 500” de
Julio Dolbeth e Rui Vitorino Santos (de ilustração) e “Tomorrow the Chinese
Will Deliver the Pandas” de Marco Mendes (de bd). E a Associação Cinema Ao
Norte iniciou uma nova colecção de bd, “O filme da minha vida”, onde já saíram
dois títulos, um de André Lemos e outro de Daniel Lima. O Serrote estreou-se
na edição de livros de ilustração com “Minho” e “Nouveau Dictionnaire de
Français”, ambos de Nuno Neves.
De referir também o livro “Os Frescos da Aldeia das Amoreiras” editado pelo
Centro de Convergência / GAIA, que documenta uma experiência de bd na
forma de pintura mural numa aldeia alentejana.

De um lado para o outro

A Aldeia Global continua em alta, especialmente necessária para abrir as


cabeças periféricas portuguesas a novas ideias, experiências, contactos e
projectos.

Passaram por Lisboa no âmbito da exposição Honey Talks o autor Jakob


Klemencic (publicado em Portugal pela Polvo e Chili Com Carne e na
“Quadrado”) e o editor David Krancan, ambos da revista eslovena “Stripburger”;
o colectivo brasileiro do zine “Bongolê Bongoró” esteve no evento Brucutumia
2008; o francês Guillaume Soutlages esteve durante a Feira Laica na Bedeteca
de Lisboa; a sueca Kriistina Kohlemainen (organizadora da SPX de Estocolmo)
foi convidada para os colóquios Banda Desenhada e Bibliotecas, e o polémico
2008 DOSSIÊ 223|259

autor norte-americano Mike Diana esteve no Furacão Mitra. Ainda de referir as


autoras finlandesas Anna Kaisa Laine e Tiitu Takalo que acidentalmente caíram
(de pára-quedas?) na Feira de Fanzines de Almada e Feira Laica de Coimbra.
Mas também houve o inverso, portugueses a visitarem eventos internacionais
como representantes da Chili Com Carne que foram ao Festival de Angoulême
(França), SPX (Suécia), Crack (Itália), Festival de Helsínquia – também a Chili
Com Carne foi representada no Boom Fest, em S. Petersburgo. Filipe
Abranches esteve nas Xornadas de BD de Ourense e os Gajos da Mula foram
ao Proxecto Edición em Pontevedra (Galiza).
A nível de publicação, alguns autores portugueses participaram em publicações
estrangeiras como Filipe Abranches na “Stripburger” e “Splot” (Polónia), uma
série de autores no habitual zine suíço “Milk+Wodka”, Teresa Câmara Pestana
no zine feminino e finlandês “Irtoparta”, Richard Câmara no zine espanhol
“ARGH!”, o autor destas linhas no «jornal ilustrado com um mês de atraso»
“Aooleu” (Roménia), e como sempre André Lemos é o autor mais internacional
que colaborou nos seguintes zines (espero ter apanhado todos!): La
Commissure (França), “Zine Arcade” (Inglaterra), “Lazer Artzine” (Bélgica) e
"Elk" (EUA).

Ao metro quadrado

A questão de espaços e eventos tem sido cada vez mais notável e importante
na cena independente uma vez que ao acesso de edições “indies” estarem
vedadas ou ignoradas pelo mercado livreiro e até das ditas “lojas
especializadas”.

Foi um ano em que em Lisboa fecharam a loja de Design Goma 386 e a galeria
Work&Shop, sítios que comercializavam produções independentes e
organizavam exposições de ilustração e bd. Em compensação, as lojas Central
Comics, Kinpin Books e Mundo Fantasma reformularam os seus espaços
dando uma maior dinâmica à produção nacional, e no Porto abriram a Dama
Aflita e a Inc., a primeira é uma galeria dedicada à ilustração e a segunda uma
livraria de edições de autor.
2008 DOSSIÊ 224|259

Talvez pela falta de estabilidade dos espaços comerciais portugueses é que se


tem solidificado cada vez mais eventos “indies” em volta da edição, cada vez
mais com uma programação ousada. Este ano houve três edições da Feira
Laica, as segundas edições da MAGA nas Caldas da Rainha e do Bunny
Weekend em Lagos – e o celebrado Furacão Mitra. Foi o ano de uma Feira de
Fanzines de Almada que mais valia não regressar já que a organização actual
do evento é incapaz de envolver a comunidade fanzinista na sua programação.

Desapaixonado este texto? Sim, sem dúvida… As edições relatadas também o


são? Nada disso, não me permitindo fazer muitos juízos de qualidade – por
várias razões, entre elas porque estes relatos não o permitem e por outro
fazendo eu próprio parte da “cena”… Que giro! É que existe mesmo uma
“cena”! – mas dizia, não me permitindo a fazer esses juízos, só há algo a fazer,
é procurar estes títulos, estas editoras e julgar por si mesmo.

Como tudo na vida encontrará coisas que não serão do total agrado, outras
pelo contrário serão revelações mas só nesta “cena” é que poderão desfrutar
prazeres narrativos e estéticos porque de resto, na sua livraria predilecta a bd
deixou de existir – não sei que dirá o Daniel Maia este ano nas “Edições” – tal
como acontecia até aparecer a Bedeteca de Lisboa em 1996. Resumindo, nas
livrarias não acontece nada… se existe algo é no mundo dos fanzines!

Investigação
Sara Figueiredo Costa

Valerá a pena bater na tecla da pouca produção nacional em termos de


investigação sobre banda desenhada e áreas relacionadas? A situação não se
alterou nos últimos anos, e nada indica que vá alterar-se, pelo que o melhor é
felicitarmos o que vai havendo e continuarmos a recorrer ao que se faz ‘lá fora’,
incluindo neste balanço uma série de produções muito heterogéneas, nem
2008 DOSSIÊ 225|259

sempre muito próximas de um conceito mais rigoroso de investigação, mas


ainda assim passíveis de serem incluídas neste texto.

No capítulo das teses académicas, 2008 trouxe a entrega da tese de Pedro


Vieira de Moura, intitulada "Memória na Banda Desenhada: Presença e
Leituras da Memória em Sete Casos da BD Contemporânea Francófona".
Mesmo que só tenha sido defendida, e portanto, legitimada pela Academia, em
2009, devemos considerá-la parte dos pontos essenciais de 2008 no que à
investigação na área da banda desenhada diz respeito. Se houve outras teses
ou dissertações na área, não se encontram ainda nos registos da Biblioteca
Nacional.

Prosseguindo o seu trabalho regular na historiografia da banda desenhada,


sobretudo portuguesa, Leonardo de Sá deu à estampa o volume: "Tiotónio,
Uma Vida em Quadradinhos", com edição da Bonecos Rebeldes, sobre a vida
e a obra de António Cardoso Lopes Júnior. E João Paulo Cotrim assinou, na
Assírio & Alvim, mais um volume essencial, desta vez dedicado à obra de João
Abel Manta.

Num país onde se produz tão pouco em termos de investigação e de uma


reflexão mais profunda do que a que permitem os parcos caracteres dos
jornais, os catálogos dos Festivais de Banda Desenhada são elementos a
considerar. Assim, o XIX Festival Internacional de BD da Amadora voltou a
fazer-se acompanhar de um catálogo, desta vez com a ficção científica e a
tecnologia, temas centrais do festival, em lugar de destaque. E o Festival
Internacional de BD de Beja continuou a publicação do seu catálogo, com
poucas páginas e menos meios de produção, mas ainda assim um objecto
representativo do que tem sido o excelente trabalho da Bedeteca de Beja.

Domingos Isabelinho, o critico de banda desenhada que mais devemos estimar


neste país, iniciou um blog cuja leitura se recomenda. Crib Sheet está
disponível em http://thecribsheet-isabelinho.blogspot.com e o seu contributo
para um conceito amplo de investigação é inestimável.
2008 DOSSIÊ 226|259

O "BD Jornal" abrandou o ritmo de publicação, certamente motivado pelos


mesmos problemas que assolam toda e qualquer iniciativa que implique verba,
ainda mais em tempos de crise. Ainda assim, saíram dois números em
simultâneo, recolhendo, como habitualmente, uma enorme diversidade de
textos, recensões, apontamentos de carácter histórico e críticas.

Num âmbito um pouco mais vasto, e porque reduzir a banda desenhada aos
quadradinhos e a investigação à produção escrita, e sob determinados
prismas, sobre algo, me parece redutor, importa ainda indicar outros momentos
relevantes de 2008. Acompanhando a exposição "Desenhos de Escritores", o
Museu Berardo publicou o catálogo Desenhos de Escritores (L’un pour l’autre,
Editions Buchet-Chastel) mostrando um percurso pela produção gráfica dos
grandes nomes da literatura universal. Igualmente acompanhando uma
exposição, desta vez na Galeria João Esteves de Oliveira, Jorge Nesbitt
publicou o catálogo "How To Look At Pictures", com chancela da galeria. E
houve ainda a publicação de Brian Cronin. 25 anos de desenho, pela
Ar.Co/Casa da Cerca, no âmbito da exposição homónima, e de Cor, com
participação dos quinze artistas portugueses que expuseram na Casa da
Cerca, e com um excelente texto de João Paulo Cotrim, editado pela mesma
instituição e pelo Centro Português de Serigrafia.

Em colaboração com o Ar.Co, a revista "Reticências", do Instituto Superior


Técnico, dedicou um dos seus números à banda desenhada e à ilustração,
publicando trabalhos de alunos do Ar.Co e um texto de Pedro Vieira de Moura.

Para o ano haverá mais?


2008 DOSSIÊ 227|259

Movimentos
Geraldes Lino

A noção mais imediata no que concerne ao actual momento da banda


desenhada em Portugal, é a de que se está em presença de visível recessão,
com especial incidência na diminuição de compradores a repercutir-se no
mercado.
Todavia, há dois aspectos positivos a contrabalançar:
Um deles tem a ver com o desvio para a internet de uma significativa camada
de leitores/visionadores, de todas as idades, que optam pelo usufruto gratuito
das obras, da leitura de novidades editoriais, biografias de autores, ou até
entrevistas com eles, descrição de inúmeros eventos, análise de publicações e
personagens de todos os tempos, toda uma panóplia de temas a cargo de
numerosos especialistas que se dão a esse trabalho – com prazer, sei do que
estou a falar – através de blogues e sítios, até portais, exclusivamente
dedicados ao tema.
O outro, recorrente e em continuação de anos anteriores, espelha as múltiplas
actividades paralelas – exposições, festivais, feiras em que a BD está presente,
que ocorrem em vários pontos do país –, de carácter formativo, de divulgação e
de aproveitamento das suas potencialidades espectaculares e artísticas.
Ou seja: no suporte tradicional de papel comercializado, a BD está em crise. E
todavia, no universo virtual, ou na área das actividades de índole cultural, ela
mexe.
Vejamos onde, quando, como, e com quem.

Colóquios, conferências, debates, palestras & mesas redondas


Dois autores ressaltam neste tipo de actividades: José Carlos Fernandes e
José Ruy.
– O primeiro, para falar sobre BD, atravessou a fronteira por duas vezes: uma,
em Março, para ir a Varsóvia aos Encontros BD (Warszawskie Spotkania
Komiskowe) e à Universidade daquela cidade, a fim de fazer um seminário
sobre a construção de BD, no Departamento de Estudos Portugueses,
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destinado a estudantes de Artes Plásticas e performativas; outra, em Maio,


para colaborar no evento uruguaio Montevideo Comics. Nesse mesmo mês,
mas já em terra portuguesa, JCF esteve em Faro, no Teatro Lethes, convidado
pela Universidade do Algarve.
– José Ruy, o segundo (por ordem alfabética, nada de melindres), teve, como
habitualmente, actividade contínua, em sessões de dinamização e palestras,
algumas delas incidindo sobre a sua extensíssima obra, realizadas em: Escolas
(Martinho Simões, Mina, Almeida Garrett, Martin Rebolo, Sacadura Cabral, e
na que tem o seu próprio nome, as seis na Amadora; Reinaldo dos Santos, em
Vila Franca de Xira; Pedro de Santarém, em Lisboa; EB 2+3 Abel Varzim, em
Barcelos, e Colégio Particular Miramar, em Mafra); Bibliotecas (Amora/Seixal,
Orlando Ribeiro e Palácio Galveias, estas duas em Lisboa, Municipal de
Setúbal, Municipal de Tavira, Municipal das Caldas da Rainha e Municipal de
Alter-do-Chão). Além de ter falado nestas entidades institucionais, José Ruy fez
também palestras: no Festival Internacional da Amadora (sobre o Director de
"O Mosquito", António Cardoso Lopes Júnior, "Tiotónio"); no Salão Nobre do
Teatro da Trindade, em Lisboa (num encontro de autores que realizaram obras
sobre Aristides de Sousa Mendes); na FNAC do Chiado, acerca da sua obra
Aristides de Sousa Mendes em BD, e deste mesmo tema falou na Paróquia de
Oeiras. Participou numa sessão que decorreu na Universidade Nova, aquando
da apresentação do mestrado de Cristina Gouveia, sobre o parque gráfico que
nos séculos XIX e XX serviu a banda desenhada portuguesa; e esteve
presente na filmagem no CNBDI, dos seus originais em BD ali arquivados, de
"Os Lusíadas" e "Peregrinação de Fernão Mendes Pinto", destinada a um
programa em preparação para a RTP, que se intitulará "Os Grandes Livros de
Autores Portugueses".

Além destes dois autores e activos divulgadores, houve outros eventos com
diferente gente nesta área:
– Uma iniciativa levada a efeito nos dias 15 e 16 de Maio, pela Licenciatura em
Sociologia da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, intitulada
"No País da Banda Desenhada – Imaginários de Portugal na BD
Contemporânea", teve os seguintes temas: "Conversas de Bar(toon), diálogos
2008 DOSSIÊ 229|259

sobre o quotidiano nacional", apresentado por Luís Afonso, numa mesa


moderada por João Miguel Lameiras e Claudino Ferreira;
– "Revisitações ao Estado (nada) Novo, diálogos com Salazar", foi
desenvolvido por João Paulo Cotrim, tendo por base a obra de que foi
argumentista, "Salazar, agora na hora da sua morte", sob moderação de João
Ramalho Santos e Álvaro Garrido.
– Na Bedeteca de Lisboa, a 8 de Novembro, realizou-se o debate "Jornalismo
Gráfico e Censura", com a participação dos críticos e bloguistas Pedro Vieira
de Moura e Domingos Isabelinho, e do jornalista Carlos Pessoa, a representar
o jornal Público. Estive eu como moderador.
– Também em Novembro, dia 14, inserida num "Projecto Informal", teve lugar a
14 de Novembro uma conferência na Associação Convívio, em Guimarães,
realizada por Pedro Vieira de Moura, sob o título "Desenhar para o boneco -
Experimentação artística na banda desenhada".

Concursos
– Houve três integrados em outros tantos eventos bedísticos: na BDteca – 3ª
Mostra de Banda Desenhada de Odemira, na Vírus–Mostra de BD, Ilustração e
Cinema de Animação (Leiria), e no 19º FIBDA 2008 - Festival Internacional de
Banda Desenhada da Amadora.
Independentes de eventos especializados em BD, tivemos:
– Em Faro, surpreendentemente organizado pela Orquestra do Algarve, surgiu
o "Concurso de Banda Desenhada Concertos Promenade 2008". Será para
continuar esta ligação Música/BD?
– 1º Concurso Nacional de Jovens Criativos – assim se chamou a iniciativa
organizada pela parceria Câmara Municipal do Montijo/Gabinete da Juventude
e GDAC/Gabinete de Desenvolvimento Associativo e Cidadania.
– Mais uma edição do Concurso Jovens Criadores/08, iniciativa bienal
organizada conjuntamente pelo IPJ-Instituto Português da Juventude, CPAI–
Clube Português de Artes e Ideias e SEJ–Secretaria de Estado da Juventude e
do Desporto.
2008 DOSSIÊ 230|259

– "Cidadania através da Banda Desenhada" foi o tema indicado aos alunos da


Escola EB1 Gago Coutinho, da Amadora, que corresponderam a esta iniciativa
de Paulo Marques, em Novembro.

Cursos, ateliês, oficinas, workshops


Bastante actividade, incluindo alguma dedicada a gente mais nova.

– "Sons desenhados" que acabam em forma de bandas desenhadas, feitas por


crianças e jovens, dos 8 aos 15 anos, entre 15 e 20 de Março, na Bedeteca de
Lisboa, num ateliê dirigido por Rosário Tavares, Lithales Soares e José Carlos.
– Nesse mesmo equipamento cultural lisboeta, Marcos Farrajota dirigiu, entre
24 e 28 de Março, o "Curso de Introdução à Linguagem da BD".
– Nos dias 10, 17, 24 e 31 de Maio, no Porto, Paulo Patrício dirigiu um Curso
de Banda Desenhada, cuja finalidade foi a de cada aluno desenvolver e
apresentar uma história curta, entre 2 a 6 pranchas, a culminar numa
apresentação pública.
– Também em Maio, mas em Montevideo, na Universidade ORT, José Carlos
Fernandes orientou um workshop.
– Curso Livre de Banda Desenhada e Ilustração teve lugar entre Março e
Junho na Escola Superior Artística do Porto – (polo de Guimarães), sendo
Miguel Carneiro o orientador.
– No Funchal, em Junho, a norte-americana Colleen Doran orientou um Ateliê
Formativo em Banda Desenhada, inserindo-se a iniciativa no Ano Europeu do
Diálogo Intercultural.
– Em estabelecimento escolar com o original nome "Escola Escreverescrever",
em Lisboa, André Oliveira, já com valioso currículo como argumentista, dirigiu o
workshop "Argumento para banda desenhada", que se realizou entre 9 de
Junho e 1 de Julho (uma vez por semana, das 19h30 às 22h00).
– O Centro de Investigação e de Estudos Arte e Multimédia, da Faculdade de
Belas Artes da Universidade de Lisboa, organizou, entre Fevereiro e Julho de
2008, Cursos Livres de Animação em Desenho, Banda Desenhada e
Ilustração, dirigidos a profissionais, ou estudantes, de Artes Plásticas e Design.
2008 DOSSIÊ 231|259

– Mais dois workshops dirigidos por André Oliveira, na anteriormente citada


"Escola Escreverescrever"com o título habitual "Argumento para banda
desenhada", nestas duas vezes ao sábado, um a 30 de Agosto, outro a 4 de
Outubro, das 10h30 às 18h00.

Exposições
O ano começou bem, e de forma invulgar, nesta componente.
– Logo em Janeiro, em Lisboa, no "Espaço Yron", houve alguém que se
lembrou de organizar uma exposição em que as bandas desenhadas fossem
realizadas naqueles pequenos papeis autocolantes, de cor predominante
amarela, chamados post-it. Participaram na original iniciativa vários autores
(Carlos Páscoa, Joana Figueiredo, Mariana Perry, Mike Tunna e Tresa (sic)
Sousa, estes três últimos a desenharem sob argumento de André Oliveira.
– Na Bedeteca de Lisboa, de 12 Jan. a 29 Fev., esteve patente a mostra
"Honey Talks", composta por bandas desenhadas inspiradas em placas de
colmeia pintadas, da autoria do colectivo esloveno Strip Core.
– Também em Janeiro, entre 12 e 31, a Biblioteca Municipal de Odemira
acolheu uma exposição com as bandas desenhadas premiadas em concurso
realizado no âmbito da 2ª edição da BDTeca.
– Em Amarante, na Biblioteca Municipal Albano Sardoeira, estiveram expostas,
a partir do dia 16 de Fevereiro, e até ao fim do mês, pranchas do álbum de
banda desenhada "BANG", da autoria do amarantino Hugo Teixeira.
– Entre 20 e 24 de Fevereiro, realizou-se, na ETIC e no D'Alma Lounge a 1ª
edição do Brucutumia – Encontros de arte urbana luso-brasileira, evento "mix"
englobando diversas actividades, entre as quais uma exposição, a Colectiva
CCC #4.2, com a participação de André Lemos, Bruno Borges, Edgar Raposo,
Filipe Abranches, João Maio Pinto, José Feitor, Jucifer, Lucas Almeida, Pedro
Zamith, Pepedelrey, Rita Braga, Teresa Amaral e Tiago Albuquerque.
– A Galeria de Exposições Temporárias do Instituto Politécnico de Beja
mostrou, entre 22 de Fevereiro e 16 de Março, 35 obras de Paulo Monteiro,
abarcando banda desenhada, ilustração e pintura, sendo que algumas peças
de BD expostas já foram publicadas em Portugal e na Galiza, incluindo as
2008 DOSSIÊ 232|259

primeiras páginas da compilação de pequenas histórias de amor e de guerra,


destinadas a serem publicadas em livro.
– De 29 de Fevereiro a 28 de Março, na Bedeteca de Beja/Cafetaria da Casa
da Cultura, foi montada uma exposição de revistas portuguesas de banda
desenhada, sob o título "Da ABCzinho à Mesinha de Cabeceira", onde se
podiam observar algumas importantes publicações da especialidade,
designadamente as seguintes: ABCzinho, O Mosquito, O Diabrete, Cavaleiro
Andante, Jornal do Cuto, Mundo de Aventuras, Tintin, Lx Comics;
– De 12 a 14 de Março, os alunos do Curso de Licenciatura em Banda
Desenhada–Ilustração da ESAP–Guimarães dinamizaram o evento cultural
"Sei o que fizeste o semestre passado", que incluía uma exposição colectiva
com obras desses mesmos alunos.
– De volta à Bedeteca/Casa da Cultura de Beja, há que mencionar a mostra
centrada na obra "Babinski", de Luís Henriques (desenho) e José Feitor (texto),
visitável em Abril.
– A novela gráfica "Rei", da dupla António Jorge Gonçalves e Rui Zink,
desenhador e argumentista, respectivamente, foi escolhida para base da
exposição comemorativa do décimo aniversário da FnacBraga., entre 3 de Abril
e 9 de Julho.
– De 31 de Maio a 20 de Junho, a Bedeteca de Lisboa apresentou a mostra "10
Anos de BD Galega".
– Entre 9 e 20 de Junho, no átrio da biblioteca da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, viu-se uma mostra de banda desenhada, sob o bem
imaginado título "Heróis e Vilões ao Quadrado";
– Na Casa da Animação (Porto), em Junho, houve exposição de pranchas das
bandas desenhadas resultantes do curso ministrado por Paulo Patrício.
– De 28 de Junho a 15 de Setembro, na Bedeteca de Lisboa, uma mostra
intitulada Äbroïderij! HA! – International Graphic Arts Exhibition, em que
colaboraram cerca de quatro dezenas de artistas gráficos, portugueses e de
outras nacionalidades. Esta exposição esteve igualmente no Porto, na Galeria
do bar Maus Hábitos, em Dezembro.
– Também no último mês do ano, mas em Lisboa, Bairro Alto, no espaço
Interpress, a Associação Chili Com Carne organizou uma mostra de BD e
fanzines no seu evento "Furacão Mitra".
2008 DOSSIÊ 233|259

– A China foi o local mais longínquo onde a banda desenhada portuguesa


esteve presente, no quase inimaginável evento "4ª China Animation Cartoon
and Game Fair", em Xangai, graças a uma iniciativa do FIBDA. Nesta primeira
exposição, os responsáveis amadorenses optaram por seleccionar autores com
obra publicada no estrangeiro:
Daniel Maia (enquanto colaborador do mercado americano, mas, para esse
quadrante geográfico e estilístico, têm produzido, mais visivelmente, vários
outros novos autores portugueses – João Lemos, Miguel Montenegro, Nuno
"Plati", Miguel Alves, Ricardo Tércio e Zeu – que não integraram a exposição…
porquê? Ou foi por desconhecimento, ou por opção, e não obstante reconhecer
globalmente o mérito do FIBDA na iniciativa, considero que este pormenor foi
censurável), José Carlos Fernandes ("A Pior Banda do Mundo", Brasil,
Espanha, Polónia), Miguel Rocha ("Beterraba", Espanha), Richard Câmara
("Cappucetto Rosso", Itália), Rui Lacas ("Merci Patron", Suiça).
Excepcionalmente (apenas por não corresponder à premissa), foi também
seleccionado Luís Henriques, singular desenhador de "Black Box Stories (nº1) -
Tratado de Umbrografia.", obra (ainda) não editada no estrangeiro. Será que se
estreará na China?
– O Hospital Júlio de Matos (aliás, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa),
local aparentemente insólito para apresentar artes, mas que até já é reincidente
em espectáculos teatrais e exposições, teve, entre 13 e 30 de Dezembro, no
"Espaço Pavilhão 28", uma colectiva mista de vários artistas plásticos, entre os
quais um doente internado, José Ribeiro, que apresentou bandas desenhadas
em pranchas de grande formato (A2), uma delas de cariz erótico.
– Outro apontamento inesperado: não constituindo uma exposição no sentido
habitual, a verdade é que está visionável, de forma permanente, uma banda
desenhada de Sara Serrão, feita sobre as paredes do lavadouro do Centro de
Convergência da Aldeia das Amoreiras.
– Uma entidade que teve a seu crédito, durante o ano, várias exposições
itinerantes, foi o CNBDI – Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem,
que cedeu as seguintes mostras:
"Riscos do Natural", de José Ruy, à Biblioteca Municipal da Amadora/Polo da
Boba; "Retrospectiva de Miguel Rocha", à Casa da Animação (Porto) e Mostra
de Artes (Caldas da Rainha; "BD's de Abril", às Bibliotecas Municipais de
2008 DOSSIÊ 234|259

Palmela, Sesimbra, Odemira, Salvaterra de Magos e Núcleo Museológico do


MFA (Pontinha–Odivelas); "Desenhar a Música", de José Garcês, à Biblioteca
Municipal da Amadora/Polo da Boba, e Escola Superior de Teatro e Cinema;
"Intuições", de José Carlos Fernandes, à "Vírus–Mostra de BD, Ilustração e
Cinema de Animação (Leiria); "Em Traços Miúdos", colectiva, à Biblioteca
Municipal de Torres Vedras, Escola Internacional de Torres Vedras e Biblioteca
Municipal de Salvaterra de Magos; "Retrospectiva de Filipe Abranches", às
Jornadas de BD de Ourense (Espanha) e "Alain Corbel", ao Agrupamento de
Escolas de Ourém.
No próprio espaço do CNBDI foram organizadas as seguintes exposições: "007
Ordem para Humorar"; "Um Sabor de Desenho – Homenagem a João Abel
Manta", e "Como se desenham os Sonhos – História da Amadora em BD –
Homenagem a José Ruy".

Ilustração e Desenho Humorístico


Admiro bastante as artes da Ilustração e do Desenho Humorístico (geralmente
chamado Cartune), contudo não são áreas abrangidas pela minha actividade
essencial. Apesar disso, e considerando que, provavelmente, nenhum dos
meus pares deste dossiê referirá o assunto, decidi fazê-lo eu, puxando para o
item Movimentos mais esta rubrica.
E faço-o porquê? Porque nela poderei registar, muito justamente, que a
Bedeteca de Lisboa teve a brilhante ideia de organizar, na sua área expositiva,
entre 11 de Outubro e 31 de Dezembro, a mostra "Os Ridiculos – Desenho
Humorístico e Censura (1933–1945), que deu azo à edição de uma,
excelentemente apresentada, brochura – a fazer recordar os tempos idos das
vacas gordas daquele equipamento cultural.
A inauguração teve um aspecto relevante, o acompanhamento dos visitantes
pelos comissários da exposição, Álvaro Costa de Matos (Coordenador da
Hemeroteca Municipal de Lisboa), e Pedro Bebiano Braga (investigador do
Museu Rafael Bordalo Pinheiro), que dissertaram acerca das imagens
expostas, focando autores e circunstâncias históricas na origem das ilustrações
e desenhos humorísticos seleccionados.
2008 DOSSIÊ 235|259

Imprensa
Continua a haver jornais e revistas com rubricas onde colaboram especialistas
da BD, e espaços para a BD propriamente dita.
Primeiro, vejamos as rubricas regulares com textos críticos e/ou divulgatórios
nos jornais:
– JL-Jornal de letras artes e ideias, quinzenário, com excelentes textos
analíticos de João Ramalho Santos, que considero um muito lúcido e
esclarecido crítico – com intenso e regular trabalho literário iniciado na revista
"Os Nossos Livros" –, a par de Pedro Vieira de Moura e Domingos Isabelinho;
– Diário As Beiras – João Lameiras, honesto e activo crítico, que se desdobra
por este jornal e pela rádio;
– Jornal de Notícias – F. Cleto e Pina, crítico sabedor e atento;
– Diário do Alentejo – Luiz Beira, divulgador;
– Alentejo Popular – Armando Corrêa., divulgador.
– Quanto à publicação de bandas desenhadas – de autores portugueses – o
panorama esteve bastante semelhante ao do relato aqui feito nos Movimentos
2007, com destaque para a qualidade e regularidade da série "Na Terra Como
no Céu", de Nuno Saraiva, em publicação no semanário Sol (mais
concretamente na sua revista/suplemento Tabu).
– Ainda no Sol, houve a série em tiras de bd de Luís Afonso, "Sol aos
Quadradinhos", e a série "As Tias", de Joba/ML, ambas satíricas.
– Continuaram a aparecer bandas desenhadas semanais, duma prancha única,
a cores, sempre de autores diferentes, no semanário gratuito Mundo
Universitário (em Dezembro atingiram a conta redonda de cem episódios!), sob
coordenação deste mesmo escrevinhador.

Jornais de província que merecem referência:


– O Jornal de Trevim, pelo seu suplemento "O Mundo Reguila", onde pontifica
"Jonas o Reguila", personagem direccionada para as crianças, em bd a cores
de prancha única autoconclusiva, da autoria de Carlos Sêco:
– O Diário do Alentejo, com uma tira intitulada "RIbanho", assinada por Luca;
Nas revistas não especializadas em BD, o panorama foi este:
2008 DOSSIÊ 236|259

– A Jazz.pt continua a publicar, bimestralmente (é a sua periodicidade) uma


prancha de BD quase sempre de qualidade gráfica superlativa, assinada por C.
Zingr, aliás, Carlos Zíngaro, artista na música e na BD;
– Na infantil Visão Júnior, mensal, manteve-se em publicação, até ao fim de
Dezembro, a bd curta assinada por Pedro Morais, no desenho, e Luís de
Almeida Martins, no argumento;
Motociclismo, mensal, mantém as proezas do motoqueiro Tom Vitoín (se o
autor da BD, Luís Pinto Coelho, ele próprio motociclista, ler isto, vai zangar-se
por eu não usar o termo motard…).
– Numa edição da Ordem dos Arquitectos-Delegação de Portalegre, saíu em
Maio o nº 2 da revista Alçapão, com muitas ilustrações e duas bedês, de que
relevo a excelente "Tudo o que é sólido dissolve-se no ar", desenhada por João
Sequeira, com argumento de um conhecido ilustrador e autor de BD, Luís
Henriques.
Uma curiosidade da Alçapão é a de apresentar como subtítulo "O fanzine da
arquitectura dura". Nada impede, seja quem for, de usar o bonito vocábulo
fanzine, mas cada conceito tem as suas balizas, e duas, entre várias deste tipo
de publicações amadoras, têm a ver com o facto de dependerem, em termos
editoriais, de um ou vários fãs, não de uma instituição, e os seus colaboradores
trabalharem benevolamente. Mas a Alçapão pagou (ainda bem) aos seus
colaboradores, além de ter uma distribuição formal, pormenores que a integram
no conceito de publicação comercial.
– Papelparede, revista que dedicou o seu nº 4, de Outubro, à criança, incluiu
uma bd de Ricardo Cabrita. A entidade editora é o Núcleo Médio Tejo da
Ordem dos Arquitectos (Abrantes).
– Aula Magna (Nº 00, Nov./Dez.), que se apresenta como órgão de imprensa
estudantil, com conteúdo variado, incluiu uma muito boa bd em sete pranchas a
cores, intitulada "Discurso Sobre a Servidão Voluntária", com argumento de
Álvaro Áspera, desenhos e cor de Filipe Alves (6 pranchas) e Ana Afonso
(prancha de apresentação), sendo de Joana Hartman a legendagem;
– Cais (nº 136, Dez.) – Em duas pranchas, a cores, a bd "O Egoísta", por
Vasco Martins.
2008 DOSSIÊ 237|259

Internet
Mantenho as minhas predilecções internéticas mencionadas no item
Movimentos relativos ao ano anterior, com especial destaque para Ler BD
(http://lerbd.blogspot.com), pela singular qualidade dos textos, Mania dos
Quadradinhos (http://quadradinhos.blogspot.com) pelo utilíssimo trabalho de
trazer à superfície do ecrã da internet obras esquecidas pelos mais velhos e
ignoradas pelos mais novos, publicadas em antigas revistas, e Kuentro
(http://kuentro.weblog.com.pt), pela forte dinâmica na divulgação de tudo o que
mexe na BD. A estes três acrescento agora o blogue The Crib Sheet, do
competente crítico bedéfilo Domingos Isabelinho, recentemente convertido à
blogosfera desde 25 Set. 08, o que pode ser provado com uma visita a
http://thecribsheet-isabelinho.blogspot.com, onde escreve sempre em inglês,
com sapiência sobre os temas, e bom domínio do idioma que usa.
Ouso chamar a atenção para a listagem, surpreendentemente extensa, que
ando a fazer no meu blogue Divulgando Banda Desenhada
(http://divulgandobd.blogspot.com), desde Março, sob o título "Banda
Desenhada na Internet (Portugal) – Blogues, Sítios e Portais – De A a Z", que
já abrange cento e setenta e cinco endereços de espaços internéticos – todos
comentados –, a maior parte deles a criticar e/ou divulgar BD, outros,
numerosos, a mostrar bandas desenhadas, em pranchas ou tiras, feitas
expressamente para o espaço virtual.

Livrarias especializadas
O panorama manteve-se igual ao que descrevi no Dossiê 2007 (quem tiver
curiosidade em ver a lista e respectivos endereços, é só clicar no item
Movimentos desse ano). Atendendo à forte crise deflagrada em meados deste
ano, não ter havido livrarias especializadas em BD a fechar constitui factor
digno de satisfação, porque, entretanto, ainda antes do Natal, encerrou em
Lisboa a Byblos, que se autoconsiderava a "maior livraria do país".

Rádio
No que se refere aos dois programas radiofónicos que registei o ano passado,
com tempo dedicado inteiramente à BD, houve alterações em ambos:
2008 DOSSIÊ 238|259

– "Planeta Calafrio", transmitido pela Rádio Universidade de Coimbra – RUC,


com a participação de João Miguel Lameiras e Maria Santos, foi para o ar até
Julho 08, a seguir foi a banhos e ficou sem voz. A convalescença vai até fim de
Junho 09, em Julho voltará às ondas hertzianas, para, como antes, falar de
obras de BD e, eventualmente, entrevistar alguém que valha a pena, como
aconteceu com José Carlos Fernandes, de passagem pela "Lusa-Atenas".
– Em Lisboa, o "Invisual", programa incluído na Rádio Zero - uma rádio on-line
(www.radiozero.pt) que conta com o apoio do Instituto Superior Técnico –,
ocupava o espaço de tempo de meia hora semanal até Agosto, e eram dois os
apresentadores: Marcos Farrajota e Rui Tomás. Após breve paragem, voltou
em Outubro, com direito a ouvir-se, durante uma hora, agora só com a voz do
Marcos, e, eventualmente, a de algum entrevistado.
Em entrevistas esporádicas, houve também gente da BD na rádio:
– Na "Janela Indiscreta", programa sobre a blogosfera transmitido durante
quatro anos aos domingos de manhã (já não haverá em 2009), Pedro Rolo
Duarte entrevistou o autor destas linhas para falar do seu blogue, da influência
da Net na BD, e da situação actual da dita cuja.
– No programa da Antena 1 "À Volta dos Livros", João Mascarenhas foi
entrevistado por Ana Aranha a propósito do novo livro "A Essência",
protagonizado pelo "Menino Triste".

Televisão
Escasso interesse demonstrado, como é habitual, deste medium pela BD, com
as seguintes esporádicas excepções:
– No novel Porto Canal, foram entrevistados, logo no princípio do ano, Hugo
Jesus e Manuel Machado;
– na SIC Notícias, no programa "Sociedade das Nações", o comentador político
Nuno Rogeiro falou de alguns livros, e, como bedéfilo que é, aproveitou para
falar também de um álbum de banda desenhada da popular série XIII.
– O VerBD, study case da banda desenhada em Portugal, teve um merecido
rappel em Outubro, na RTP2.
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Ilustrações Filipe Abranches

Introdução

2009 em revista com maior ou menor entusiasmo dos colaboradores: Marcos


Farrajota, Daniel Lima, Daniel Maia, Domingos Isabelinho, Sara Figueiredo
Costa, Nuno Franco e Geraldes Lino, a percorrerem os habituais temas
"Fanzines", "Autores", "Crítica", "investigação", "Festivais" e "Movimentos".

As ilustrações para o Dossiê deste ano retiradas do livro de esboços de Filipe


Abranches, reconhecido ilustrador e autor de bd que teve um ano bastante
activo com um regresso à bd ora com a edição italiana de "História de Lisboa"
ora com novos trabalhos como a participação na antologia internacional
"Greetings From Cartoonia" e a participação na colecção "Filme da Minha
Vida". Também foi o ano que a sua bd "Pássaros" (publicada no número zero
da revista "Ai-Ai" nos anos 90) foi transformada em cinema de animação -
sendo esta também a sua estreia como realizador.
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Crítica
Domingos Isabelinho

Há um ano confessava a minha dificuldade em escrever as metacríticas anuais


do dossiê da Bedeteca (porque, de ano para ano, nada de novo se passa) e
classificava uma investigação para tentar encontrar “pequeníssimas variações,
ondas microscópicas no marasmo da superfície...” como uma “tarefa hercúlea”
que muito provavelmente “iria parir um rato”. Desta vez, no entanto, decidi
mesmo meter a mão na massa crítica, mas a motivação foi outra… Desde que
escrevo os balanços anuais do dossiê da Bedeteca que parti de certas
generalizações sobre o trabalho dos críticos de banda desenhada em Portugal.
O problema é que generalizações feitas a partir de dados recolhidos no terreno
são conceitos enquanto generalizações sem essa condição prévia são ideias
feitas, estereótipos, ou o que se queira chamar-lhes...

Nenhum estereótipo se cria por geração espontânea. Neste caso tive em conta
a história da banda desenhada durante o último século (a qual não foi
particularmente brilhante) e o silogismo seguinte: 1) não é o leitor ocasional
que vai sentir-se suficientemente motivado para escrever sobre banda
desenhada na comunicação social; o crítico é alguém que, a determinada
altura, sentiu o bichinho da coisa a morder-lhe as entranhas (por assim dizer);
2) os críticos no activo cresceram a admirar desmesuradamente (a
sobrevalorizar) humor inócuo (no pior dos casos) ou sátiras (como “Astérix”, no
melhor), bem assim como certas obras (e respectivos autores) não só infantis
como de “série B” (caso seja legítimo fazer esta transposição do cinema para a
banda desenhada); 3) o que escrevem reflecte essa posição de base
transmitindo uma imagem estereotipada da banda desenhada como arte de
massas muito, mas mesmo muito, menor...

Não vou tampouco dizer que fiz um trabalho exaustivo e com metodologias
científicas adequadas. Não sou sociólogo e um trabalho feito por alguém
situado fora de uma área profissional, seja ela qual for, só pode ser apelidado
de amador.
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Mas passemos ao que interessa... A minha pesquisa: 1) confirmou a minha


impressão; 2) revelou-me dados novos; 3) desmentiu-me em parte, como não
podia deixar de ser...

A palavra “crítica” tem as costas muito largas, como sabemos... Para apelidar
um texto de “crítica” e o seu autor de “crítico” vale quase tudo... Um texto crítico
pode ser jornalístico (de carácter informativo) e é normal que, num jornal, essa
dimensão surja com frequência (li este ano algumas boas reportagens,
sobretudo da autoria de Carlos Pessoa). Mas quando o crítico reflecte sobre
um acontecimento ou sobre uma obra espera-se que o faça de forma
informada e fundamentada. Afirmações "fanáticas" (no sentido de "proferidas
por um fã") são, regra geral, acríticas. Um crítico fã ou um fã crítico fazem parte
da acrisia da crítica...

Posto isto eu diria que há muito pouca crítica de banda desenhada a sério nos
jornais portugueses. A título de exemplo comparemos dois casos: 1) José Vítor
Malheiros, a propósito de “Dilbert” de Scott Adams (Público, 31 de Julho):
“Declaração de interesses: sou um fã. [...] Há quem ache que Dilbert é uma
poderosa arma anticapitalista e um exemplo de activismo anti-corporate, mas
Marx não gostaria do Dilbert. A verdade é que Dilbert é uma insider joke e não
ataca mortalmente o coração pérfido do sistema, apenas lhe faz cócegas.”; 2)
Pedro Cleto, a propósito do ano de 1934 nas comic strips norte-americanas
(Jornal de Notícias, 12 de Setembro): “Com estes heróis – invencíveis,
invulneráveis, corajosos, audazes, musculados e/ou inteligentes, capazes de
enfrentar e vencer os piores inimigos e os mais inimagináveis perigos, apenas
para conseguir a vitória do bem, restaurar a ordem e conquistar/libertar as suas
belas (e quase sempre eternas…) noivas, – os norte-americanos e, na sua
peugada, progressivamente, muitos outros, vibravam dia-a-dia com as suas
façanhas, sofriam com os seus revezes, descobriam (e sonhavam com)
universos exóticos e deslumbrantes, reencontravam, em suma, razões para
esquecer a realidade diária, para sonhar, acreditar, ter esperança. [Etc... etc...]”

É curioso que Vítor Malheiros, um verdadeiro crítico (demonstra-o ao não se


deixar enganar pelas aparências), se declare “fã” enquanto um “fã” se faz
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passar por crítico. É inadmissível que o colonialismo (em Tarzan, por exemplo,
ou no inenarrável Fantasma: nos tais “universos exóticos” onde o homem
branco faz a sua lei), o machismo (de “máquinas” narrativas que destinam à
mulher - e ao comparsa de origens “exóticas” – um papel passivo) e o
vigilantismo (em Batman e outros “heróis”, mais ou menos super), bem assim
como o mais despudorado racismo (por todo o lado nas comic strips e nos
comic books - na personagem Ebony de Will Eisner, por exemplo) não só
sejam branqueados (e nunca melhor dito) como, ainda por cima, sejam “o bem”
(e ressalvo casos muito raros como as pranchas dominicais poéticas de
“Gasoline Alley” ou o Coconino County de George Herriman em “Krazy Kat” –
mas já alguém reparou que os índios norte-americanos estão, nesta série,
estranhamente ausentes do seu próprio mundo?). É também incrível que um
crítico defenda explicitamente a alienação tornando-se cúmplice desta
autêntica doutrinação encapuçada. Pedro Cleto é, aliás, useiro e vezeiro neste
tipo de branqueamento (caso do racista Hergé, na primeira fase da sua
carreira: Jornal de Notícias, 10 de Janeiro). Idem Manuel António Pina (Notícias
Magazine, 20 de Setembro): o autor argumenta que se deve fazer uma
contextualização histórica da atitude de Hergé; de acordo: havia muitos racistas
e Hergé era um deles – está feita... (Já que ando por estas bandas corrijo o
seguinte: J. W. Müller não foi inspirado em ninguém de nacionalidade alemã; o
nome J. W. Müller foi inspirado no bem português Adolfo Simões Müller.)

Outro problema é a falta de análises mais técnicas que sublinhem fórmulas


narrativas e fraquezas evidentes na construção dos bonecos (não merecem
sequer o nome de personagens) bem assim como o simplismo de mundos que,
coloridos ou não, são sempre a preto e branco… (E, já agora, se os tais
“heróis” são “invencíveis, invulneráveis” como é que são, ao mesmo tempo,
“corajosos, audazes”, etc, etc? A coragem é a capacidade de vencer o medo
em situações de perigo. Alguém que é invulnerável está em concorrência
desleal com os seus inimigos e não pode sentir medo porque é invencível. Nem
sequer se encontra nunca em situação de enfrentar “os mais inimagináveis
perigos” porque quem nunca morre é imune ao risco.)
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Se a acrisia é um problema muito grave num crítico (a ironia é propositada), a


falta de fundamentação do que se afirma retira, pelo menos, peso às opiniões
proferidas. A título de exemplo: João Miguel Lameiras refere a dicotomia banda
desenhada comercial / banda desenhada alternativa sem a problematizar (As
Beiras, 12 de Dezembro). “Comercial” é tudo o que reforça estereótipos
dominantes na sociedade (servindo-se como veículo de formas “transparentes”:
não é só o conteúdo que não problematiza, a forma idem). Histórias onde o
espectador, leitor, etc... se reconhece... É dever do crítico reflectir sobre elas e,
sejamos sérios (volto ao caso anterior), uma leitura da banda desenhada norte-
americana dos anos trinta (e nem precisa de ser muito profunda), mostra-nos
uma sociedade racista e imperialista, com ideias de extrema-direita
(camufladas em democracia) não muito diferentes daquelas que reinavam na
Alemanha e na Itália da altura…

Já que falo em João Miguel Lameiras (e, atenção, o autor foi crítico quando
escreveu um bom texto sobre “Eternus 9” - As Beiras, 14 de Fevereiro)
pergunto-me o que terá querido dizer quando afirmou que uma história do
surfista prateado está "bem escrita e bem contada" (As Beiras, 17 de Janeiro)?
(O mesmo repetiu João Ramalho Santos: Jornal de Letras, 2 de Junho.) O
problema é que nada é problematizado, nada é explicado... Será que
Straczynski é tão bom escritor como Tchekov?...

A própria linguagem dos críticos de banda desenhada dos jornais me dá razão


e confirma as ideias, feitas ou nem tanto, que deles tenho: a personagem
principal é sempre “o herói”, a maior parte das vezes não se trata de obras mas
de “séries”... Bem mais de metade dos textos falam sobre banda desenhada
infantil ou juvenil (isto não acontece em nenhum outro campo artístico) e isto
não quer dizer que o resto foque a banda desenhada adulta, quer
simplesmente dizer que a grande maioria da percentagem restante é
reportagem.

Um facto francamente surpreendente para este escriba (tanto mais que está
muito longe de tudo quanto é esquema mental formativo da minha identidade)
é o economicismo subjacente a muitos dos textos em causa. Carlos Pessoa e
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Pedro Cleto (mas não só, é toda uma sociedade que os acompanha) estão
fascinados pelo dinheiro. Tudo quanto cheire à circulação de bilhetinhos verdes
(ou bits em contas bancárias virtuais) os atrai, quais ratinhos apanhados pelo
cheiro do queijo. Os exemplos são muitos e vão desde a referência a tiragens
colossais (Carlos Pessoa, Público, 4 de Julho) até ao preço exorbitante pago
por certos coleccionadores nos mercados da nostalgia e da burrice (Pedro
Cleto, Jornal de Notícias, 10 de Março).

Fui desmentido (mas não muito porque sempre soube que existiam excepções
a confirmar a regra, evidentemente) porque algumas, poucas, obras de
qualidade também são mencionadas: colecção “O Filme da Minha Vida” (Sara
Figueiredo Costa, Ler, 1 de Setembro); “O Sétimo Selo” de Jorge Nesbitt
(Pedro Cleto, Jornal de Notícias, 1 de Março); “Caminhando Com Samuel” de
Tommi Musturi (Sara Figueiredo Costa, Expresso, 12 de Dezembro), “Diário
Rasgado”, exposição de Marco Mendes (Luís Chambel, A Voz de Ermesinde,
15 de Maio).

De resto, o tom da grande maioria do que se escreve em Portugal sobre banda


desenhada enquadra-se naquilo a que chamei: a estória. Para se fazer história
a sério não basta alinhar uma série de factos (e certificar-se de que estão
correctos), é necessário enquadrar as obras na sociedade do tempo em que
foram criadas, analisá-las à luz da teoria, etc… Para além da estória há todo
um folclore, típico das subculturas, feito de registos de efemérides (50 anos
deste, 75 daquele, etc… etc…), curiosidades mais ou menos curiosas
(relacionadas com Barack Obama, por exemplo), necrologia (Vasco Granja), as
sacrossantas adaptações ao cinema (“Watchmen”)…

A maior calinada do ano (aliás, são três calinadas juntas) vai para Cristóvão
Gomes no jornal i (a propósito: nada de novo e muito menos de estimulante por
estas bandas, embora o jornalista tenha uma escrita que não é, de todo,
desprovida de qualidades; também não percebo como é que o “Especialista
BD” conseguiu falar sobre o plagiador Charles Schulz – dizendo
inclusivamente: “Foi [o] desencanto que levou a obra [“Peanuts”] a sítios antes
vedados à BD” – sem referir o espoliado Percy Crosby – 5 de Março de 2010) o
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qual escrevinhou (25 de Setembro de 2009): “aos 15 anos [José Muñoz] estava
inscrito na Escola das Artes [sic], assistindo a aulas de Pratt e de Alberto
Breccia. Acabaria por colaborar mesmo com Pratt em Ernie Pike.” Não senhor,
José Muñoz nunca foi aluno de Hugo Pratt na Escola Panamericana de Arte e
muito menos colaborou com o dito em “Ernie Pike”… José Muñoz colaborou,
sim, com Héctor Germán Oesterheld em “Ernie Pike”. De uma vez por todas:
“Ernie Pike” é uma série de Héctor Germán Oesterheld na qual Hugo Pratt
apenas participou (para melhor a plagiar em “Corto Maltese”, claro; a minha
base de dados regista dezanove histórias desenhadas por Pratt, mas está
incompleta – porque ainda me faltam oitenta livros da Editorial Frontera e
porque é um trabalho ainda por completar; o total de histórias da personagem
Ernie Pike que a citada base de dados regista, por enquanto, é de cento e
cinquenta e quatro – e falta-me incluir, precisamente, a série “Ernie Pike,
corresponsal de guerra, Batallas inolvidables” – vinte e sete números
publicados). Não consigo perceber a fixação hagiográfico-maníaca por certas
vacas sagradas, mas menos ainda consigo perceber quando, em nome dos
santos (de pau carunchoso, como Pratt), um jornalista falseia os factos.

Ainda a propósito de outra calinada de Cristóvão Gomes (i, 14 de Agosto),


quizz show: alguém sabe quem é Danny Rolling?

No já algo longínquo ano de 2006 corrigi um dos erros mais difundidos no meio
crítico da banda desenhada: o boato de que Will Eisner inventou o termo
“graphic-novel”. Desta vez tenho de bisar porque Pedro Cleto parece
particularmente vulnerável a estas confusões (Jornal de Notícias, 3 de Janeiro):
o termo “manga” não foi criado por Hokusai no século XVIII [sic], o termo
“manga” foi criado por Hanabusa Itcho no século XVII.
Um autor anónimo afirmou (Público, 11 de Março) que Andrei Molotiu é de
nacionalidade alemã; não é: Andrei Molotiu é norte-americano de origem
romena.

O livro do ano é o excelente (mas breve) “Almanaque: Festival Internacional de


Banda Desenhada da Amadora XX Anos” publicado pela Câmara Municipal da
dita cidade com coordenação editorial de Sara Figueiredo Costa. O livro é mais
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do que aquilo que dá a entender no (modesto) título porque nele se traça um


panorama do meio durante as últimas duas décadas. Merece também
referência o número duplo (13 + 14) da revista “Margens e Confluências, Um
olhar contemporâneo sobre as artes” publicado pela ESAP de Guimarães.
Destaco o excelente artigo de Pedro Moura “O Peregrino Cego”, sobre a obra
homónima de Eduardo Batarda numa revista onde, curiosamente, o artigo de
João Paulo Cotrim “O perigoso salto entre um quadradinho e o outro”, datado
do ano 2000 (com nota biográfica a condizer!, ou seja, com nota biográfica a
parar no dito final de milénio), faz figura de parente pobre a demonstrar que,
apesar de tudo, algo se vai avançando.

Na internet Sara Figueiredo Costa (http://becodasimagens.wordpress.com/) e


Pedro Moura (http://lerbd.blogspot.com/) continuam o seu bom trabalho (e
lamento não me alongar mais…). Mas quero realçar um post em particular, da
autoria de Diniz Conefrey, no blog Quarto de Jade (30 de Dezembro):
“Fernando Relvas – O Abismo do Autor”
(http://quartodejade.wordpress.com/2009/12/30/fernando-relvas-o-abismo-do-
autor/). Não é vulgar os autores reflectirem sobre a arte dos colegas. E menos,
com esta qualidade…

A frase do ano vai para João Ramalho Santos (Jornal de Letras, 11 de


Fevereiro): “Os medíocres não deveriam ser tão recompensados, até porque é
inevitável que essa recompensa penalize os que vale a pena conhecer.”
Aplaudo vivamente até porque é esta a razão principal que me faz escrever
sobre banda desenha. Só é pena que quem tal escreveu me faça lembrar frei
Tomás…

Edição
Daniel Maia

...
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Autores
Daniel Lima

MILAGRE NATURAL DE PILHAR FRASES

O PERCUTOR HARMÓNICO?
O primeiro título da colecção AO NORTE, arroubado!

E a epístola de Tiago Manuel, O Filme da Minha Vida?


Fora do alcance de uma resposta! Não tenho o que recitar de socorro.

Il Deserto dei Tartari?


O filme de Valério Zurlini, adaptação do romance homónimo de Dino Buzzati,
desfez o binómio felicidade/infortúnio da minha escolha.

Epifanias do Inimigo Invisível?


Fantasma que desempenha uma função irrevogável, num novo encontro com o
destino de Giovanni Drogo.

Outro título a esta colecção.


Qual a craveira da sua aspiração... do seu significado?
Uma vez criada a BD não possui a faculdade de chegar até nós, seria
presunção exigir que prestasse auxílio na revelação do impulso que a ditou
(não é seu ofício!)

Desenho higiénico ou epifânico?


Deliberado lugar das ambiguidades e paradoxos, visão onde as imagens são
tomadas em mais de um sentido. Epifânico!

Representa tudo, e não vive por tanto!?


Exige ser interpretada, antes de mais! Ou por outra, exige dedicação.
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Poderia ser um bocadinho mais think tank e pesado?


Sou doente por tudo o que é desenganado por médicos e padres.

O que te concretiza como autor ver um objecto daqueles… que reacções


esperas?
Concretizar um objecto que não fira a vaidade dos outros!
Confesso que não me sirvo de bandeiras. Também temo o fanatismo da
liberdade, e sinto-me desarmado pelo juízo são e voz clara da arbitrariedade.

Por que estás aqui, e por que não ali?


...segundo parece, porque continuo sur la branche, et c´est une branche plutôt
sèche et très peu convenable qui me soutient*...

(*Em cima do ramo, e é um ramo mais seco e muito pouco adequado que me
serve de apoio.)

Sabes, o mosaico de questões aqui levantado, nem sempre propositado, foi


todo ele inventado.
Com certeza o endereçado roubou... o palavrório que aqui deixou, é o que sei!

Festivais
Nuno Franco

Novo ano, tempo de balanços sobre o ano que findou. Os festivais de BD...
Tempo novo mas os vícios, salvo seja (melhor dizer vicissitudes) permanecem
os mesmos. Várias razões devem ser tidas em conta mas as conclusões
acabam invariavelmente por ser a não consideração do sector da BD com vista
a uma política global concertada entre festivais, livreiros e público-leitor,
apostando-se apenas em eventos eficazes mas de curto prazo e nada
contribuindo para mudanças concretas. É a política somente do número de
visitantes.
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Comecemos pela Amadora, exemplo acabado do que acaba de ser dito:


quando se fala naquele que é o maior evento do género, o Festival
Internacional da Amadora, na sua vigésima edição, a percepção é (depois dos
anos de ouro na Fábrica da Cultura, e isto disto sem qualquer espécie de
nostalgia, e quando os orçamentos permitiam exposições como as dedicadas a
“Calvin & Hobbes” ou a “Spirit”) a de um de certo atavismo desde há muito
tornado norma: horários nunca cumpridos nas sessões de autógrafos (uma das
queixas mais salientadas por parte de quem se desloca à Amadora); o
sistemático atraso do programa e do catálogo; estruturas mastodônticas que
transitam de ano para ano (e aqui o ataque mais incisivo veio de Machado Dias
no blog Kuentro: “A implantação do “carro eléctrico” (onde no ano passado
estavam os desgraçados dos autores a darem autógrafos) no meio do
excelente espaço de circulação e de convívio, que era em 2007 e 2008 o
centro comercial do FIBDA, destruiu completamente uma estrutura funcional e
arejada que fornecia uma dinâmica própria ao conjunto”). Longe estamos,
como se disse, dos anos em que se podia circular e descobrir o festival e não
como costuma acontecer, ficar-se encafuado em soluções pouco práticas de
espaço, de circulação e até de arejamento.

Uma vez mais, temos a eterna descentralização. Segundo o autor do blog


“notas bedéfilas” (os blogs, substituindo-se a espaços de crítica que
praticamente deixaram de existir, são hoje talvez a melhor forma de perceber o
estado das coisas), poucos são os que se atrevem a sair do espaço da
Falagueira: “Qual Galeria Municipal Artur Bual ou o Centro Nacional de Banda
Desenhada e Imagem. A não ser que estejam munidos de um GPS e dotados
de uma enorme paciência para andar de um lado para o outro dentro do
concelho da Amadora (...)”

Poderão ser pecadilhos menores. O problema é quando se joga em trunfos de


última hora para concretizar aquilo que não se consegue durante a semana:
afluência de público. Nesse aspecto, nada como a vinda à Amadora, uma vez
mais, de Maurício de Sousa, para gáudio da pequenada e do adulto para quem
a BD é sinal da pipoca e do “divertimento inócuo” – e sinal que a Amadora não
acompanha as movimentações da actual BD, apenas vai com os
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acontecimentos, deixando-se levar à espera que as três semanas do evento


decorram sem sobressaltos de maior. Tudo bem, mas a sensação é não haver
qualquer noção de futuro, novos caminhos a traçar.

Pode soar categórico, ou mais, pode soar a irrealismo suicidário mas só um


verdadeiro corte poderia criar novas maneiras de ler e ver a actual BD em
todas a suas extensões. Mas isso somente no plano teórico. Hoje muitos
autores não teriam lugar na Amadora. Um exemplo? A nova geração [já não
assim tão nova] de autores francófonos (Frederick Peeters, Blutch) ou editoras
independentes europeias (L’Association, Drozophile, L’Atrabile). Não trariam
obviamente idêntico número de pessoas à corrida desenfreada ao autógrafos
(neste ponto, ironicamente, é pena ninguém publicar em Portugal algumas das
BD incluidas na antologia “l'Éprouvette”, da editora L’Association, para se ver a
regressividade que pulula em muitos festivais europeus). Para variar, muitos
dos autores são inéditos em Portugal, o que também não ajuda. Voltamos
então, uma vez mais, a Schuiten, a Boucq (autores qualificados por muitos,
num delírio colectivo, como exemplos de “BD adulta”). Tudo autores
geracionais com 20 ou 30 anos decorridos sobre a sua publicação em Portugal
– dando aqui a perceber o impacto de uma editora como a Meribérica nos
gostos do público-leitor.

Por isso, havendo análises e análises, as de Sara Figueiredo Costa, na obra


“Almanaque: Festival Internacional de BD da Amadora”, obra feita em parte
com base em depoimentos de alguns dos príncipais intervenientes, acabaram
por ser um elemento essencial no sentido de perceber o que tem mantido,
aquilo que mudou neste últimos 20 anos, como tal, abarcando alguns dos
temas acima salientados.

Antes de avançar para as exposições propriamente ditas, esclareça-se um


apontamento relativo à temática: o pomposo título de ‘O Grande Vigésimo’, a
celebrar os vinte anos do festival, e simultaneamente piscadela-de-olho a
Hergé, em nada ajudou a quem tinha de apresentar trabalhos a concurso, caso
para dizer: uma resposta errada a um questão pertinente e que só tem
equivalente na língua original. Depois outros equívocos. O que dizer da
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exposição dedicada aos cinquenta anos de Asterix? Uma série de bonecos


pífios em pvc sobre os quais nem vale a pena comentar. Não haverá uma
razão única para explicar semelhante incoerência; apenas isto: uma pesquisa
mais atenta por parte do festival em países como França a Bélgica, teria trazido
objectos mais representativos do universo de Goscinny e Uderzo. Depois mais
prata da casa: José Garcês. É impressão minha ou esta exposição já andou lá
noutros anos?

Ao lado demissionário destes dois últimos exemplos contrapõe-se a aquilo a


que poderemos chamar exposições concebidas de raiz como as dedicadas aos
portugueses Rui Lacas e Osvaldo Medina (Fórmula da Felicidade e Mucha); a
mostra de autores polacos em “Komics”, Lepage em “Muchacho”, “Rei”, de
António Jorge Gonçalves. Destaque ainda para os “Israel Sketchbooks”, de
Ricardo Cabral e a superlativa mostra de Hector German Oesterheld, no
CNBDI (mas, exceptuando um texto ou outro, – como o de João Miguel
Lameiras, por exemplo – esperar-se-ia textos mais aprofundados no catálogo
assim como traduções mais fidedignas do castelhano).

O “legado” da Amadora não é somente aquilo que se promove. É aquilo que


surge em reacção, à margem das grandes tendências. Autores que não se
revêm, num plano mais geral, naquilo que é proposto; algo sintomático numa
da mostras mais importantes do festival: “Contemporaneidade na Banda
Desenhada Portuguesa", comissariada por Pedro Moura.

Julgo importante ver expostos trabalhos de autores, entre outros, de Bruno


Borges, Miguel Carneiro, André Lemos, “grupo”, segundo Moura “não obstante
a sua aparente ou real diversidade estilística, constroem uma rede coesa de
referências, estratégias, interesses e linhas de força”. É certo, podem ser
linguagens pouco “acessíveis” para a grande maioria do público visitante mas
há uma intensidade nelas, diria, que é genuina (neste ponto, uma pergunta:
não seria mais interessante trazer estes autores e os seus trabalhos em
fanzines e em obra de auto-edição para os Prémios Nacionais de Banda
Desenhada, do que as escolhas serôdias de certos autores, por exemplo, de
ilustração?).
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Relativamente ao Festival de Beja, na sua quinta edição, as coisas tem se


pontuado pela singularidade (nunca ninguém pensou que Beja pudesse ter um
festival de BD e isso já, desde há muito, é um ponto ganho) e por um perfil
discreto que não tem suscitado reparos de maior. Para já, tal como a Amadora,
também Beja tem de apresentar viabilidade, número concretos em relação a
entradas, na ligação feita com as escolas do concelho e não só (mas não em
número tão grande quanto a Amadora) e na proximidade com Espanha. Nesse
aspecto, as suas especificidades (trata-se de um evento que aposta numa
certa proximidade entre autores e público presente) mostram um festival em
crescendo com iniciativas diversas: ateliers de serigrafia, lançamentos,
concertos, sessões de cinema e, novidade, entrega dos troféus Central
Comics. Porque é uma cidade pequena, a descentralização acaba por ser um
aspecto ganho. Quanto às exposições, deu sinal da presenças de autores dos
mais diversos quadrantes – da BD mais mainstream ao sector independente,
passando pela presença assídua de autores portugueses : Denis Deprez
(Bélgica), Gary Erskine (Escócia), Lorenzo Mattotti (Itália), Craig Thompson
(EUA) ou o brasileiro Fernando Gonzales, autor de “Niquel Náusea”, foram
alguns dos presentes. Importantes também as mostras de João Maio Pinto e
Marco Mendes, autor a ter em atenção. Prova em como os caminhos servem
para ser cruzados, criando-se ligações, elos, não se resumindo somente à
comitiva lisboeta do primeiro fim-de-semana, mas antes a aproximação feita à
população de Beja e arredores.

Do XVI Salão Internacional de Banda Desenhada de Viseu, o único que


subsiste a norte do país, não posso falar pois não tive presente. Em destaque,
a obra de Pedro Massano, o universo do super heróis, homenagem a Vasco
Granja, Daniel Maia, Hugo Teixeira e a nova BD romena.

Se festivais são também lugares de encontro e de novas descobertas – de


autores de latítudes pouco conhecidas – e não estruturas fixas, tivemos, numa
lógica aqui completamente díspare da Amadora e Beja, a Feira Laica mas mais
importante, a mostra “GlömpX”, na Bedeteca de Lisboa entre 9 de Maio a 31 de
Julho. Face a impasses que levaram ao fim do Salão Lisboa, “GlömpX” acabou
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por recuperar o espírito do mesmo numa lógica de corte que extravasa a


própria BD, de diálogo com outras ‘media’: patente trabalhos de BD de Sami
Aho, Jan Anderzén, Roope Eronen, Jyrki Heikkinen, Reijo Kärkkäinen, Jarno
Latva-Nikkola, entre muitos autores finlandeses, em pranchas, instalações,
esculpturas, animações publicadas na antologia finlandesa "Glömp".

Fanzines
Marcos Farrajota

Foi um ano bastante emocionante no que diz respeito aos zines e a edição
independente, em geral - pelo menos para este vosso relator. Mesmo que
algumas estórias tenham acabado mal, outras talvez sejam o início de algo
maior a acontecer no futuro. No geral, a característica comum é a
internacionalização...

Foi um ano tão emocionante que fiquei desgastado e escrevi o texto menos
inspirado de sempre.

«Vai!»

--- Cá dentro (mas cada vez mais para fora)

Continuaram em actividade os fanzines “Boletim CPBD”, “Tertúlia BD zine”, os


zines “Mesinha de Cabeceira”, “Shock” e “Znok” bem como os da autora
Jucifer, o desdobrável gratuito de esboços “Le Sketch” (na essência com
autores norte-americanos), as colecções “O filme da minha vida” (da
Associação Ao Norte) e “Toupeira” e a revista “Venham +5”, estas duas últimas
pela Bedeteca de Beja. A Imprensa Canalha e Opuntia Books lançaram três
graphzines / livros de autor cada. As editoras MMMNNNRRRG, Kingpin Books
e a El Pep produziram dois livros cada, três deles de autores estrangeiros: Igor
Hofbauer (Croácia), Tommi Musturi (Finlândia) e colectivo Tx Comics (EUA). A
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Plana Press lançou um título apenas. De realçar o regresso dos Gajos da Mula
com o muy aguardado “Qu’Inferno”, pujante objecto gráfico.

Lançou-se o “É fartar Vilanagem!” (2 números) por Alexandre Esgaio, “Jungle


Comics” (do Rudolfo da Silva), a antologia “Zona BD” (2 volumes) e
“Troubadour Comics” (de Afonso Ferreira) e ainda saiu um zine de bd no vinil
punk “Raridades, vol.1” (Zerowork). Parece que em Guimarães, devido à
licenciatura de BD, também saíram zines de bd mas como é seu apanágio,
nada saiu para fora da sua rede. Devem ser a lógica do “consumo interno”
como acontecia com os zines das Caldas da Rainha nos anos 90. Pergunto-me
se as pessoas sabem mesmo o que é um zine? Se pensam que é apenas um
amontoado de fotocópias que não difere muito do mítico trabalho na gaveta ou
se sabem que é uma forma de comunicação? Deverei preocupar-me com isso?
Não me parece... Se algo de bombástico tivesse a acontecer alguma coisa
sairia "cá para fora” – como aconteceu inevitavelmente com os zines das
Caldas.

Houve as habituais Feiras Laicas - de Verão nos jardins da Bedeteca de Lisboa


e no Natal desta vez no Braço de Prata -, Mercado Negro (Porto), Bunny
Weekend (Lagos) e A Mula Ruge (Porto). De realçar também o festival Vírus
(Leiria) que inclui uma feira de zines e edição independente no restaurante /
bar Cinema Paraíso. A exposição (entretanto itinerante) "åbroïderij! HA! -
International Graphic Arts" visitou a Casa da Animação, Biblioteca de Abrantes
e o Festival Outfest (Barreiro).

A nível de documentos sobre edição independente, no “Almanaque do Festival


de BD da Amadora” são reconhecidos os esforços da cena independente como
o “Mutate & Survive” (2001), “Zalão de Danda Besenhada” (2000), El Pep,
Gajos da Mula, embora pese alguma confusão em assinalar projectos como o
fanzine “Zundap” e Opuntia Books, uma vez que não são exclusivamente de bd
mas «podia ser pior…»

-- Lá fora (mas cada vez mais cá dentro)


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Continuam a ser publicados autores portugueses em edições estrangeiras: Ana


Cortesão na revista universitária “Splot” (Polónia), JCoelho e Pepedelrey na
antologia “The Passenger” (Itália), André Lemos e um texto sobre bd
portuguesa no jornal “Kuti” (Finlândia), Filipe Abranches na antologia
“Greetings from Cartoonia” editada pela revista “Stripburger” (Eslovénia) e creio
que as habituais participações no zine suíço “Milk + Wodka”.

Os convites para fora intensificaram-se: André Lemos e Pedro Moura estiveram


em Charloteville (EUA) com a exposição “Divide et Impera”, Jucifer foi à SPX
de Estocolmo, Filipe Abranches foi a Ljubjana por causa do “Greetings from
Cartoonia”, Marcos Farrajota foi à comemoração dos 20 Anos da Fanzinoteca
de Poitiers (França) e uma grande comitiva a representar a Chili Com Carne foi
ao Festival Crack (Roma) - Jucifer, André Lemos, Marcos Farrajota, José
Feitor, João Maio Pinto e ainda o impressor de serigrafia António Coelho (Mike
Goes West). Participaram também a Chili Com Carne e El Pep no Festival de
BD de Angoulême.

De realçar em relação ao “Crack” que a Chili com Carne cuidou da edição da


antologia do evento, intitulada “Crack On” com trabalhos de autores
portugueses, italianos, suecos, franceses e dos Balcãs. E essa não foi a única
participação internacional no plano da colaboração editorial, junta-se o projecto
“Greetings from Cartoonia” com a Chili Com Carne a ser a parceira oficial do
projecto para representar Portugal – havendo ainda colectivos da Roménia,
Polónia, Itália, Noruega e Finlândia ao barulho. E ainda a co-impressão de
“Caminhando Com Samuel” de Tommi Musturi, com a MMMNNNRRRG a
participar neste livro com outros editores independentes da Finlândia, Suécia e
Bélgica. Neste último caso, dividindo custos de impressão por quatro partes,
baixou os custos de produção de um livro luxuoso (capa dura, a quatro cores,
140 páginas) - é uma pista para o futuro, mostrando que não deve ser só as
grandes Vitamina BD e Asa a serem as únicas a trabalhar desta forma.
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Por fim, neste capítulo, veio também para a Bedeteca de Lisboa a exposição
do livro/ antologia finlandesa “GlömpX” que explora a tridimensionalidade da
bd, uma exposição ousada tal como a antologia. A exposição esteve patente
durante a Feira Laica, tendo visitado três autores finlandeses participantes – e
não esquecendo, a participação também na Laica, do colectivo Stripburger com
dois autores a apresentar o jogo-bd “Stripble”, também mostrado na “Mula
Ruge”.

-No meio (?)

A necessidade de espaços físicos para escoar a criação e produção (nacional e


estrangeira!) foi um placebo este ano, começou com um “bang” e acabou num
“puf”. Houve excepções como a abertura da Casa Ruim (em Torres Vedras), a
união da loja Matéria-Prima (do Porto) à Galeria Dama Aflita (a única galeria
que se dedica à ilustração) e a continuidade da programação da galeria na loja
Mundo Fantasma. Do que me referia em onomatopeias aconteceu em Lisboa,
com o espaço “diferente” e “alternativo” CHILI! que durou sete meses.

Sendo um dos sócios e o programador da minúscula sala de exposições,


destacava algumas exposições ligadas a este tema: a do suíço Nicolas Robel
(que dirige a editora B.u.l.b. Comix), Luís Henriques que tinha o livro de autor
“Time Life Life Time” lançou pela Opuntia Books e ainda uma comemoração do
zine “Shock” que mostrou trabalhos de Estrompa e José Lopes. No espaço
havia também uma componente de loja de cultura alternativa – incluindo bd e
ilustração ou edições alternativas – que sustentava a maior parte de espaço, e
devo desvendar o facto do espaço ter fechado não foi por problemas
financeiros ou comerciais mas apenas por desentendimento com um dos
sócios, o que impossibilitava a “part-time” sustentar uma estrutura deste tipo. E
nesse aspecto, não há problema nenhum, uma vez que não nutro simpatia pelo
adágio “o segredo é a alma do negócio”, em revelar que gerir um espaço “só
com material alternativo” não é um suicídio comercial! A verdade é que na loja
vendeu-se de tudo: zines de um mero euro, livros da Imprensa Canalha ou da
Canicola de preços “normais” (entre os 10 aos 20 eur), edições luxuosas do Le
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Dernier Cri ou o último número da antologia "Kramer’s Ergot" (cujo preço era de
125€!).

A verdade da fórmula é simples e já vinha encriptada na pretensiosa


apresentação da inauguração do espaço: «É sempre com um orgulho que os
lisboetas ouvem os estrangeiros falarem da sua cidade. E adoram ouvir o
cliché da Luz da Cidade. Mas os lisboetas esquecem-se que a Luz que os
estrangeiros falam não é Luciferiana, é apenas aquela cujos raios solares
oxidam a matéria até à sua obliteração. Lisboa de Iluminada nada têm, é
medieval sobre vários prismas. (…) era constrangedor explicar aos tais
estrangeiros porque é que nesta capital europeia não havia um espaço
dedicado às margens sonoras e gráficas.»

Não havendo espaços que tenham publicações alternativas nessa “grande


cidade europeia e capital de Portugal”, existe uma clara necessidade de um
espaço assim – na comemoração da mais pura e dura Lei da Oferta e da
Procura! Seja para os “locais” e os “nacionais” seja para esses tais estrangeiros
sedentos de levar edições deste canto europeu que tanto gostaram de visitar. E
aproveito para fazer um parêntesis em relação aos últimos, um turista em
Lisboa não encontra publicações de bd portuguesa em lado nenhum, seja nas
cadeias de lojas (Fnac, Bertrand, etc…) ou no mercado livreiro porque há muito
que não tem as edições dos tempos áureos da bd (Bedeteca de Lisboa, Polvo,
etc…) como não se tem editado quase nenhuma bd portuguesa nos últimos
anos em casa editoriais com distribuição profissional. Não sendo aqui a secção
do Dossiê para uma discussão sobre mercado de bd – deixo isso para as
“Edições” – serviu esta advertência só para explicar este ponto de vista
“turístico”. E já agora, mais outra “boca-parêntesis”, desta feita para as lojas
especializadas que também ignoram a produção portuguesa (com honrosas
excepções!).

A fórmula? Bom… seria uma equação simples de 5 variáveis: espaço bem


localizado, sócios sérios, boa promoção, programação dinâmica e envolvência
com a comunidade. Utopia? É bem provável não se conseguir as cinco
variáveis mas pela experiência bastaria três destas condições perfeitas para
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um projecto deste tipo poder avançar, evoluir e vencer. Até o Obama diria “yes
we can-can”.

Investigação
Sara Figueiredo Costa

A encerrar o texto dedicado à investigação no dossier da Bedeteca de Lisboa


do ano passado, ficou a pergunta, perante a escassa produção: 'Para o ano
haverá mais?' Claro que a pergunta era retórica, mas ainda assim é impossível
disfarçar alguma apreensão perante os poucos itens possíveis de integrar
neste espaço, mesmo dando de barato que se assume 'investigação' no
sentido o mais lato possível.

Pelo que se constata nos arquivos de teses, não houve notícia de dissertações
de mestrado ou doutoramento relativas à banda desenhada.

O Festival Internacional de BD da Amadora editou, sob a minha coordenação


(e uma vez mais, lamento a auto-referência, mas num meio tão exíguo não
seria de esperar outra coisa), o livro FIBDA XX Anos, onde procurou aliar-se a
comemoração da efeméride dos vinte anos do FIBDA a uma reflexão e a um
balanço sobre as últimas duas décadas no que à produção, edição, divulgação,
crítica e leitura de banda desenhada em Portugal diz respeito.

O Festival Internacional de BD de Beja reafirmou a sua posição no panorama


nacional e acompanhou a sua quinta edição com mais um número do Splaft!,
contando com colaborações várias no que aos textos diz respeito, sempre em
harmonia com os trabalhos expostos nos vários núcleos do festival.

Do pólo de Guimarães da Escola Superior Artística do Porto chegou um


número duplo da revista Margens & Confluências dedicado à banda desenhada
e à ilustração, com artigos vários, entre pesquisa, reflexão, entrevistas e
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algumas colaborações de artistas como Miguel Carneiro, Marco Mendes ou


Filipe Abranches.

Nesta visão alargada do que pode ser a investigação, importa referir o trabalho
filológico (se tal termo pode aplicar-se à banda desenhada) de Manuel Caldas,
que este ano editou uma antologia de Krazy Kat (Krazy+Ignatz+Pup, edição
Libri Impressi), bem como Tarzan dos Macacos, de Harold R. Foster, a partir de
Edgar Rice Burroughs (igualmente em edição Libri Impresi).

No capítulo da investigação, e por mais que se abra o leque das interpretações


possíveis do termo, pouco mais haverá a registar. Movimentos e tendências
com potencial para se afirmarem no futuro parecem passar por outros tópicos
deste dossier, pelo que o melhor é passar directamente à sua leitura,
esperando que 2010 traga as novidades que o último ano não pode trazer.

Movimentos
Geraldes Lino

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