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Uma doce

História do Brasil Alexandre Menegale*

D o cultivo da cana, dos engenhos e


da senzala, a trajetória dos doces
brasileiros praticamente começa
quando nasce o País
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Assim como os persona- E o que dizer de João Goulart e grande escala na alimentação,
gens João e Maria, que deixa- Jorge Amado, verdadeiros ado- criando amêndoas e nozes
vam pequenos pedaços de pão radores do doce de coco? Sem açucaradas, além dos doces de
pelo caminho, com o objetivo de falar no ex-presidente Juscelino figo e de laranja. Já no século
não se perderem por entre os Kubitschek, que nunca recusava XV, ao conquistar a Península
caminhos da floresta, se salpi- uma baba-de-moça, e nos com- Ibérica, os mesmos árabes
carmos nossa História com positores Roberto Carlos e Chico incluíram a cana-de-açúcar nas
nacos de quindins, geléias, Buarque, que talvez tenham se mudas que passariam a produzir
compotas ou frutas cristalizadas, inspirado após porções genero- as frutas utilizadas nos doces
certamente trilharemos um fiel e sas de doce de abóbora. futuros. A partir daí, de Portugal
cronológico panorama da forma- Mas de onde surgiu esta que e Espanha, a cana-de-açúcar
ção de nosso povo às mais é uma das mais fortes facetas desembarca na América pelas
recentes manifestações da mais de nossa miscigenação no mãos de nossos desbravadores.
refinada confeitaria nacional: o quesito gastronomia? Dizem os Pronto: estava sacramentada a
imperador D. Pedro II trocava os historiadores que o açúcar, obti- invasão mais doce da história
afazeres da Corte por um doce do após a evaporação do caldo brasileira, uma cultura que se per-
de figo tirado do tacho; já Rui da cana, foi descoberto na Índia, petuaria pelos séculos seguintes.
Barbosa se derretia por colhe- lá pelo século III. Mas teriam sido Muito mais do que simples-
radas fartas de doce de batata. os árabes seus introdutores em mente descrever receitas consa-

* Jornalista. Colunista do Jornal da Comunidade – Brasília, DF, e do site www.interlistabsb.com.br


Uma doce história do Brasil

gradas, relembrar sabores que inundam nossas sas em todo canto de um país recém-descoberto.
lembranças, ou supor esta ou aquela origem de São ambrosias, doces de abóbora, banana com
uma determinada alquimia à beira do tacho, decidi laranja, cocada, merengue, tapioca e tantas outras
revirar páginas caramelizadas pelo tempo. E me preciosidades.
surpreendi com a comunhão antropológico- Ainda nos tempos coloniais, a cajuada e a
gastronômica de sabores. Antes mesmo de termos goiabada ganharam ares de nobreza, já conside-
imperador, já havíamos nos rendido a compotas, rados os dois grandes expoentes da casa-grande.
bolos e quitutes que ganharam formas e ade- Mas foram tempos também em que os aromas de
quações locais assim que os portugueses desem- bananas assadas ou fritas, envoltas em canela,
barcaram em nosso litoral. invadiam as propriedades, assim como o chamado
Comprovadamente, muitos dos doces hoje mel de engenho era fundido com nossa farinha de
considerados brasileiros têm origem portuguesa. É mandioca ou macaxeira.
saborosa, por exemplo, a história de que, nos Nos engenhos do interior de Pernambuco,
conventos d´além mar, era comum o uso de claras Paraíba, Alagoas e Maranhão, assim como nos
de ovos para o trabalho de engoma dos hábitos sobrados de Recife, São Luiz e Maceió, as
das freiras.O que fazer com a gigantesca sobra de cozinheiras negras foram verdadeiras alquimistas na
gemas? Criativas, as religiosas começaram a fazer formação de uma cozinha regional. Sem falarmos
quindim, bom-bocado, pudim, papo-de-anjo e na Bahia, estado no qual a tradição branca mal se
manjar com essa abençoada abundância de percebe hoje nos guisados salgados, vencida que
ingredientes. Passadas as gerações, cá estamos foi pelo calor arrebatador dos condimentos africanos 25

nos fartando dessas mesmas iguarias - muitos se que lhe deram as cozinheiras negras.
achando brasileiros pioneiros na doce arte da Comprovado o prestigio do mel de engenho
confeitaria. em meio a aliados como farinha, cará ou fruta-pão,
Ainda sem abordarmos invasões européias o tradicional arroz-doce ganha contornos nacionais
outras, que viriam a contribuir com o enriquecimento no arroz com leite-de-coco. Ao mesmo tempo, a
de nossa confeitaria, recuperamos a comunhão da tapioca surgia soberana por entre mesas de chá
tradição lusitana com as frutas brasileiras. Um elo patriarcais: sozinha ou na companhia da pamonha,
fundamental surge nessa linha de produção: as do beiju, do cuscuz e da cocada. Situa-se também
quituteiras negras, que das senzalas emergiram para o nascimento do pé-de-moleque (com castanhas
as cozinhas das sinhás, trazendo consigo a farinha de caju), além da canjica e de bolos à base de
de mandioca, o fubá, a abóbora e o cará para a milho.
composição das iguarias. Estamos falando de uma Mas se a maioria das origens são identificadas,
região geográfica situada, principalmente, em Per- sobre o bolo Souza Leão - que até hoje reina em
nambuco, Alagoas e interior de São Paulo. terras pernambucanas - têm-se notícias de
Sabemos que as frutas são base de sobre- inúmeras receitas que se arvoram em autênticas.
mesas há séculos - dos rincões
da Babilônia às cortes francesa
e italiana. Daí, imagina-se o Sabemos que as frutas são base de
quanto os portugueses, que
sobremesas há séculos -
misturavam mel às frutas antes
do uso comum do açúcar, se dos rincões da Babilônia às cortes
deslumbraram com as possibili-
francesa e italiana.
dades de nossas polpas, genero-
O Sabor do Brasil

Os anos se sucedem e a
Balas, tortas, biscoitos, geleias, chegada de imigrantes de toda
a Europa espalha como pólen os
compotas, musses, sorvetes e gelatinas gens das tradições confeiteiras
povoam nosso imaginário degustativo. inglesa, francesa e alemã, para
citar algumas, incrementando,
Ainda sobre bolos: são também de Portugal alterando, adequando as novas feições abrasilei-
os primórdios dos bolos de noivas e aquelas radas de seus dotes adocicados. Hoje, o açúcar
pirâmides de açúcar encravadas no centro das mais consumido é o branco-refinado. Mas para a
mesas mais nobres. Assim como a arte dos enfeites, preparação de doces e compotas se usa em grande
surge a criação de letras ou de desenhos, à base escala o tipo cristal, sem refino. Além desses,
de canela, bordados nas toalhas e nos guarda- algumas receitas tradicionais pedem o mascavo ou
napos, como também opções de formatos de a rapadura. A dicotomia entre prazer e culpa é um
caixas, ornamentos e papéis recortados. Cabe dos dogmas que nos cerca. Balas, tortas, biscoitos,
lembrar a tradição de um Brasil Colonial: era geleias, compotas, musses, sorvetes e gelatinas
comum, em procissões, fiéis conduzirem tabuleiros povoam nosso imaginário degustativo.
de doces, oferecidos de forma gratuita a indivíduos Guardamos lembranças, imagens e aromas.
que representavam figuras bíblicas. Teria partido daí Quem não se perde em devaneios ao lambuzar
uma das primeiras denúncias de um suspeito os dedos após um naco de goiabada caseira, se
26 judaísmo ao Santo Oficio: o homem teria oferecido, vê o mais feliz dos reis ao morder sem timidez um
durante uma procissão, confeitos que represen- sonho recheado com o melhor dos cremes, ou se
tavam figuras de judeus. enche de orgulho ufanista após uma saraivada de
Passado o tempo, surge um dos mais doces à base de frutas brasileiras? Seja por qual
encantadores aliados da culinária e, por que não motivo for, a origem da confeitaria nacional é, antes
dizer, dos hábitos da civilização moderna: o gelo. A de tudo, antropológica, histórica, elucidativa.
partir daí, as frutas brasileiras, presentes em doces, Vencidas estas páginas, não se furte: cerre os
geléias e pudins, servidos ainda quentes, incor- olhos, evoque sua reminiscência mais significativa
poraram novos contornos de sabor e de comporta- e, tenha certeza, um doce virá à mente como
mento, e se transformaram em sorvetes. Tratados imagem marcante para tal sentimento.
como cremes para os dias de calor, agradavam
tanto à visão quanto ao paladar.
Rompendo as fronteiras das fazendas e dos
engenhos, surgiram como mote para as primeiras
confeitarias das grandes cidades do Brasil. A iguaria
tornou-se quase marco do desaparecimento das
clássicas e fumegantes sobremesas patriarcais e
do descrédito dos saraus em torno de chás
ferventes, com queijo do sertão e pão torrado.
Segundo os historiadores, os jornais da primeira
metade do século XIX trazem o sorvete como aura
de pecado: nas notícias, até então restrito aos
homens, as confeitarias passam a receber as
primeiras moçoilas.

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