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Demônios, guerreiros e pentagramas: os

grupamentos juvenis a partir das capas de


álbuns de Heavy Metal
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Resumo/ Abstract/ Resumen


Jorge Luiz Cunha Cardoso Filho
Jornalista. Bolsista CNPq. Mestrando no Programa de Pós-graduação em Comunicação
e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia

RESUMO
O artigo demonstra como é possível analisar performances mediatizadas a partir das
capas dos álbuns de música popular massiva do gênero Heavy Metal. Identificando
através de quais estratégias esse gênero deixa vestígios das suas condições de
produção nas imagens, compreende-se o modo como a performance media as
convenções do gênero musical – ritos partilhados e genealogias – e as experiências
únicas que cada álbum proporciona ao ouvinte.
Palavras-chave: Heavy Metal; Performance; Grupamentos Juvenis

ABSTRACT
The article demonstrates how it is possible to analyze the mediatics performances
through the albuns cover of the musical genre Heavy Metal. Identifying through which
strategies this musical genre leaves vestiges of its production conditions in the images,
we comprehend the way in which the performance mediates the musical genre
conventions - shared rites and genealogies - and the single experiences that each
album can provide to the listener.
Key words: Heavy Metal; Performance; Young Groupments

RESUMEN
El articulo demostra como es posible analisar performances mediatizadas por medio
de las fachadas de los álbumes de musica popular masiva del género Heavy Metal.
Identificando através de que estrategias ese género deja vestigios de sus condiciones
de producción en las imagenes, se comprende el modo como la performance media
las convecións del género musical – ritos compartidos y genealogías – y las experiencias
únicas que cada álbum proporciona al oyente.
Palabras-clave: Heavy Metal; Performance; Juventud
Abordagens iniciais sobre os grupamentos juvenis

O estudo sobre as práticas de sociabilidade dos grupamentos juvenis vinculados à


música massiva vem sendo realizado há algum tempo por teóricos associados a refle-
xões dos denominados “estudos culturais” – Hebdige (1979), Weinstein (1991), Straw
(1991), Grossberg (1997) e Bennet (2000). O modo como o fenômeno é abordado permi-
te compreender de que maneira esses grupamentos se relacionam com os bens de con-
sumo culturais, como constroem sua identidade ou mesmo identificar quais estruturas
legitimam determinadas práticas do grupo. O estudo de Dick Hebdige sobre a subcultura
punk ou o conceito de tribo desenvolvido por Michel Maffesoli, na tradição de estudos
francesa, são alguns dos cânones que norteiam essas investigações.
O sucesso dessas abordagens se deve, em boa medida, ao estabelecimento de uma
visão processual e dialógica dos fenômenos culturais e ao estudo da materialidade das
práticas simbólicas – o que demonstra a dimensão ideológica das atividades humanas de
maneira explícita. Essas contribuições ajudam significativamente no estudo dos
grupamentos juvenis, uma vez que só é possível acesso ao imaginário do grupo median-
te a materialidade de suas ações e seus comportamentos que, por sua vez, não podem
perder de vista as classes sociais, repertório cultural etc. Segundo Andy Bennet, “o
trabalho do centro de estudos culturais contemporâneos ofereceu a primeira tentativa
sustentável para os sociólogos ingleses de estudar as culturas juvenis do período pós-
guerra” (BENNET, 2000, p. 21). [Tradução pessoal ].
O Rock n’ Roll seria um dos principais fenômenos juvenis da década de 50 e o seu
“impacto cultural como música popular pós-guerra sobre as pessoas jovens também iria
impor uma série de questões aos teóricos da música popular” (BENNET, 2000, p. 34). As
práticas musicais juvenis se expandiriam e tornar-se-iam práticas culturais, reorgani-
zando o modo como a juventude construía seus valores e identidades. Como produto
cultural iminente do período pós-guerra, o Rock n’ Roll iria contribuir para uma nova
organização social da juventude, que deveria ser explorada analiticamente a fim de
compreender como os jovens se apropriavam dos produtos musicais e construíam sua
sociabilidade.
A partir da constituição do BCCCS, portanto, houve a primeira grande chance de um
estudo sistemático e profundo sobre o modo como a juventude se inseria nesse contexto
cultural pós-guerra. Os questionamentos gravitavam sobre o modo como a juventude
encarava a cultura hegemônica, sobre suas subculturas ou mesmo sobre seus estilos de
vida. Contudo, desde aquele período até as investigações mais atuais – Solomon (2005)
e Baulsh (2003) – escapa do olhar analítico dos estudiosos desse fenômeno a dimensão

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plástica e material que a experiência da música de massa proporciona, vez que esta
fica, de maneira freqüente, relegada ao segundo plano da análise, como mero acessório
de ambientação que favorece e/ou possibilita determinadas práticas e comportamen-
tos. Se esses grupos de pessoas se reúnem em torno da música, é razoável supor que
eles possuem experiências comuns – não apenas sociais ou políticas – mas, sobretudo,
das experiências provenientes do efeito que a música produz sobre eles. Que tipo de
“efeito” é esse? Como seria ele construído no interior dos produtos mediáticos?
Este artigo parte do pressuposto que a dimensão plástica da música de massa deve
ser devidamente priorizada na formação dos grupamentos urbanos, vez que, no proces-
so comunicacional estabelecido dentro destes grupos, a materialidade da música incide
diretamente sobre os ouvintes e, conseqüentemente, sobre o modo como estes produ-
zem sentido, se apropriam de produtos culturais e constroem suas identidades. Numa
investigação anterior, Cardoso Filho (2004) procurou estabelecer limites teóricos para a
noção de “afetividade” desenvolvida por Lawrence Grossberg (1997), acreditando que
esta é uma das chaves interpretativas para identificação dos modos como aqueles efei-
tos são produzidos. O esforço atual é o de compreender o que se entende por
“performance” na análise dos produtos mediáticos da cultura contemporânea e esclare-
cer que tipos de respostas este conceito pode oferecer na descrição e interpretação das
estratégias de produção de sentido presentes em produtos da música popular massiva.
Álbuns do gênero Heavy Metal guiarão esse questionamento.
Convém, antes de tudo, revisar os modos como os etnomusicólogos e estudiosos da
música popular massiva se apropriaram do conceito de performance nos últimos anos, a
fim de não promover confusões sobre o que é considerado performance nesse artigo. As
diferentes aplicações do termo remontam ao período de delimitação do objeto de estudo
dos folcloristas e etnomusicólogos, no qual se debateu exaustivamente sobre a aborda-
gem textual ou contextual dos seus objetos. A variação ocorria, a depender da filiação
do investigador, numa dessas grandes abordagens. Richard Bauman, num ensaio deno-
minado Performance (1989), estabeleceu, ao menos, três maneiras de aplicação do ter-
mo naquela ocasião: como oposto ao decreto – performance de uma peça e script da
mesma – como uma atividade expressiva elevada – uma ação estética orientada para
fins comunicacionais – ou como o oposto de competência para realizar um ato – uma
habilidade que se desenvolve inconscientemente. No que diz respeito às investigações
em âmbito acadêmico é muito comum utilizar o termo para se referir a todas as noções
esboçadas por Bauman, o que demonstra que a performance engloba, pelo menos, essas
três dimensões descritas pelo autor.
Numa perspectiva mais recente, Paul Zumthor (2000) aproxima a performance de

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uma forma-força que possui um status de regra e desenvolve quatro aspectos da mes-
ma: a performance implica o reconhecimento de certos traços característicos, ela cha-
ma atenção para si mesma ao mesmo tempo em que projeta a audiência para outro
contexto, promove repetições não redundantes e modifica o conhecimento na medida
em que marca a comunicação. Com isso, o autor pretende demonstrar que o ato de ouvir
música requisita disposições físicas específicas, diferentes, por exemplo, das requisita-
das pelo ato de leitura. Cada um desses atos requisita sua performance específica, que
revela uma forma-força particular de apropriação do objeto, que nunca é estática, mas
que se transforma cada vez que é acessada:

Entre o sufixo designando uma ação em curso mas que jamais


será dada por acabada e o prefixo globalizante, que remete a uma
totalidade inacessível, se não inexistente, performance coloca a
“forma”, improvável. (ZUMTHOR, 2000, pp. 38)

Com essa aproximação, o autor aponta para um modo de compreensão da performance


como uma interação entre sujeito e objeto que possui determinadas reiterabilidades
próprias. Com esse estatuto de forma de interação, Zumthor pode afirmar a existência
de “níveis” de performance, uma vez que qualquer atividade interpretativa exige uma
mediação - o fato de não haver co-presença do produtor e do receptor não implica não
participação, ou não jogo entre esses dois sujeitos – sendo possível restabelecer os
princípios da performance, inclusive, no âmbito de produtos mediáticos.
O projeto de Zumthor é estender as formas de mediação com o poético para que se
dê conta de fenômenos como o Heavy Metal, por exemplo, que exige uma corporificação
do prazer e uma forma de interpretação menos convencional que a do texto escrito.
Segundo o autor, a mediação ocorre através da performance e subentende a existência
de produtos identificados como pertencentes àquela tradição (Heavy Metal, por exem-
plo), produtores de músicas assim identificadas (bandas ou artistas) e um público inici-
ado no gênero musical (um grupamento juvenil conhecido como metalheads ou
headbangers). Ou seja, o ato de ouvir música não é uma operação abstrata, ao contrá-
rio, é uma operação material situada, em parte, no intérprete que permite sofrer as
provocações performáticas e plásticas da obra. Ouvir música é cooperar, entrar no jogo
e gerar prazer. Em suma, ouvir música é uma performance, desde que o ouvinte se
engaje nas provocações e apostas feitas na obra. Roy Shuker afirma:

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Todas são formas de mediação entre o artista, o texto e o
consumidor. Seu significado cultural está na relação entre ritual,
prazer e economia. A performance molda o público, alimenta a
fantasia e o prazer do indivíduo, e cria ícones e mitos culturais.
(SHUKER, 1999, pp. 210).

Quando se afirma, portanto, que performance implica experiência, competência e


ação, se quer demonstrar que o próprio ato de ouvir música é uma performance, na
medida em que é ela que promove a mediação entre o produto (álbum, videoclipe etc.),
o produtor (banda ou cantor) e o ouvinte. Ao empregar o termo performance, o teórico
Simon Frith (1996), por sua vez, se refere a uma retórica significativa que depende
tanto da habilidade da audiência para interpretar seus signos e gestos quanto do agente
que atua na performance. Isso possibilita que a performance seja julgada a partir da
avaliação de quão eficazmente ela cumpre seu papel de mediação – os melhores músicos
são aqueles que constroem a performance baseada no repertório cultural da audiência.
A mediação que se estabelece numa canção de Heavy Metal (entre o músico, a audi-
ência e o gênero musical) propõe que o ouvinte esteja disposto a “bater cabeça ”, a
cantar, que esteja disposto a colaborar com a materialidade musical, participando ativa-
mente do que a musica propõe. Visando promover uma maior interação com público, o
músico dispõe de sinais de gênero específicos que são usados a fim de orientar seus
ouvintes – como as capas dos CDs, os nomes das músicas, as pontes, os refrões, os solos
de guitarra, o headbanging e o moshing – para os sentidos e rituais que querem instau-
rar. Essas marcas antecipam algumas experiências e frustram outras, dando pistas do
repertório requisitado por aquela obra. A partir da identificação dessas marcas, é possí-
vel inferir a performance sugerida por uma música de Heavy Metal e descobrir quais
sentidos as expressões adquirem, as estruturas ponte/refrão/solo, quais efeitos estéti-
cos produzem e, sobretudo, quais experiências representam.
O principal objetivo de uma abordagem como esta é mostrar que, mesmo que cada
ouvinte sinta a música de uma maneira particular e especial, todos expressam essa
experiência de maneira semelhante – seja no ato de headbanging, de moshing, fazendo
os “chifrinhos” com os dedos da mão ou mesmo fantasiando no uso de uma guitarra
imaginária – o que revela uma certa gramática que estrutura os elementos poéticos e
expressivos de um grupamento que se reúne em torno da música. Espera-se dos ouvin-
tes que eles reconheçam os momentos nos quais a música deixa espaços ou requisita a
aproximação em dança, gritos ou cantos. Espera-se que a banda, conhecendo a necessi-

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dade do grupamento em realizar esse ritual, insira nos álbuns esses simulacros de expe-
riência. Mesmo no ambiente privado, longe dos shows e apresentações ao vivo, é esse
tipo de performance que o produto (um álbum de Heavy Metal, nesse caso) prevê, em
outras palavras, é o modo como ele posiciona seu ouvinte.
Essa perspectiva tem a vantagem de possibilitar um juízo valorativo sobre os produ-
tos da música popular massiva a partir de critérios partilhados por qualquer crítico cul-
tural, uma vez que ele se baseia nas regras poéticas e expressivas do gênero musical e
não em impressões pessoais ou gosto. Uma performance fracassada consistiria, desse
modo, numa aposta mal sucedida, na qual as demandas suscitadas pela obra não foram
atendidas pelo ouvinte, seja por incompetência cultural ou deliberadamente – no primei-
ro caso, o ouvinte não sabe como agir frente aquela situação, faltando-lhe repertório; já
no segundo caso, o ouvinte sabe como proceder, mas não está disposto a cooperar com
a obra, seu problema não é de repertório, mas de disposição, de afeto. É uma performance
fracassada ouvir Heavy Metal, por exemplo, num volume baixo ou sentado apreciando
um bom vinho. As músicas do Heavy Metal requisitam altos volumes e participação
corporal ativa. Evidentemente, existem aqueles gêneros musicais nos quais o volume
baixo e a apreciação do vinho serão as performances mais adequadas – participar dan-
çando poderia se configurar como fracasso, desse modo – logo é possível reconhecer que
o termo “performance” entendido como uma mediação, tal como proposto por Zumthor,
pode servir para a análise e interpretação das mais variadas formas de expressão musi-
cal.

Esse tal de Heavy Metal

O universo no qual o Heavy Metal está inserido possibilita, como demonstrado, a


produção de sentido através de outros elementos além das notações musicais. A própria
capa ou crítica de um determinado álbum, por exemplo, já oferece pistas sobre o tipo de
público para o qual se destina, sendo este identificado através das convenções de gêne-
ro e dos padrões valorativos do grupamento de ouvintes. Ao examinar um desses produ-
tos, o headbanger é capaz de fazer uma série de inferências sobre uma banda, seu estilo
e sua sonoridade, sem sequer precisar ouvir uma música. Os signos utilizados na cons-
trução desses produtos – como os crânios, zumbis, espadas e guerreiros medievais –
estão inseridos num campo semântico muito particular do gênero Heavy Metal, que
concede determinados valores positivos frente a esses signos. A mascote do Iron Maiden,
Eddie, é um exemplo que extrapolou os limites do signo bem sucedido e tornou-se uma
estratégia de merchandising da banda.

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Na década de 80, sobretudo, o Heavy Metal começou a se legitimar como um fenôme-
no global mediatizado, com a consolidação de bandas como Iron Maiden e Metallica e
preocupação na utilização de formas de divulgação massivas, capazes de captar um
maior público e proporcionar mais visibilidade às bandas. Os conglomerados mediáticos
compreenderam o potencial de consumo do jovem headbanger e passaram a investir
nesse público com a produção de videoclipes, trabalhos gráficos em discos e estratégias
de marketing. As chamadas majors divulgavam o trabalho das bandas e o Heavy Metal
começou a se difundir entre públicos totalmente variados, o que promoveu conflitos
sobre os elementos consensuais específicos do gênero musical e favoreceu a fragmenta-
ção em diversos subgêneros.
No entanto, mesmo surgindo no interior de uma manifestação cultural tão heterogê-
nea quanto Rock e tendo um amplo apelo ao consumo popular, o Heavy Metal parecia não
chamar atenção de pesquisadores no âmbito musical ou cultural. Algumas pesquisas
foram realizadas enfocando possíveis relações entre agressividade e audição desse gê-
nero musical, sobretudo nos Estados Unidos – Arnett (1991) ou Epstein, Pratto e Skipper
(1990) – ou tratando o fenômeno como indigno de nobreza para pesquisa científica.
Apenas recentemente ele vem sendo estudado de maneira profunda por teóricos e pes-
quisadores da cultura. Em 1991, por exemplo, a socióloga Deena Weistein publicou um
estudo denominado Heavy Metal: a cultural sociology, no qual estabelece um importante
ponto de investigação sobre o fenômeno:

Quando o Heavy Metal é chamado de gênero musical nesse


estudo, o termo música é utilizado a fim de incluir não apenas
arranjos sonoros, mas outros elementos estéticos e significativos
que apóiam o som, como a arte visual e expressão verbal. O gêne-
ro é, nesse sentido, uma sensibilidade total baseada em padrões
sonoros, mas que não se encerra nesses (WEINSTEIN, 2000, pp.
22).

Em 1993, Robert Walser lançou Running with the Devil: Power, Gender and Madness
in Heavy Metal Music, no qual faz um estudo cuidadoso desse fenômeno cultural, suge-
rindo que o tratem como um gênero discursivo, uma vez que isso “permite especificar
não apenas certas formas características do gênero, como também um punhado de en-
tendimentos partilhados pelos músicos e pelos fãs sobre a interpretação dessas caracte-
rísticas” (WALSER, 1993, p. 28). Em âmbito nacional, os trabalhos de Janotti Júnior
(2004) e Tom Leão (1997) são os mais expressivos.

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A contribuição de Walser para o estudo do Heavy Metal se faz a partir do estabeleci-
mento de um ponto de partida para pesquisas posteriores – antes de tudo, o Heavy Metal
deve ser encarado como um gênero discursivo sujeito a convenções e regras constitutivas
específicas – no qual Janotti Júnior se fundamenta para estabelecer as relações entre
Heavy Metal e meios de comunicação de massa. É fato que outros autores já haviam
chamado atenção para as relações intricadas entre a música popular massiva e os meios
de comunicação, como Simon Frith (1996) e Andrew Goodwin (1992), mas nenhum deles
especificamente para o Heavy Metal. Exceção para o estudo de Harris Berger (1999)
que, a partir da observação participante da cena de Heavy Metal de uma pequena cidade
de Ohio, conseguiu identificar convenções e regras que os próprios headbangers afirma-
vam seguir. Entre essas convenções, a aproximação com a música a partir do movimen-
to de headbanging ou moshing são as mais absorvidas.
Para fins analíticos, desse modo, a bibliografia especializada aponta para a observa-
ção de seis convenções expressivas do gênero discursivo Heavy Metal que contribuem
decisivamente para a produção de sentido: em primeiro lugar o gênero musical, ponto
de partida para a análise da música massiva. A partir do gênero, identifica-se a proposta
poética musical implícita no produto, suas convenções etc. Em seguida, a letra associa-
da à música, que vai indicar alguns movimentos da audiência e do artista durante a
performance. O ritmo, que estimula o corpo a se envolver no ritual e partilhar a mesma
experiência temporal desenvolvida pela música. A voz e todas as dimensões expressivas
da fala, que concedem relevância a determinadas expressões em detrimento de outras.
A altura do som, que privilegia a sonoridade de alguns instrumentos em detrimento de
outros. Finalmente, a performance, que realiza papel fundamental na dimensão comuni-
cativa da música.
Nesse artigo, o interesse é chamar atenção para os modos como o Heavy Metal deixa
vestígios dos dramas e rituais que valoriza no seu produto mais comercial, que é o
álbum. Embora as novas tecnologias de comunicação venham reconfigurando a forma de
distribuição dos produtos fonográficos, no caso desse gênero musical predomina o su-
porte composto por capas, encartes e gravações heterogêneas ou de caráter narrativo,
com uma seqüência de canções compostas sobre o mesmo tema. Com esse objetivo,
selecionou-se o caso da banda soteropolitana Malefactor, que já possui três álbuns gra-
vados ao longo de sua carreira, para emprego analítico das suas capas. Desde já, se
considera adequado avaliar se as performances, propostas nesse domínio imagético da
obra se efetivam nas canções (domínio sonoro).
A Malefactor lançou seu primeiro CD em 1999 pela Megahard Records – um pequeno
selo paulista especializado em Heavy Metal – batizado de Celebrate Thy War. Neste, a

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banda fazia referência, em suas peças expressivas, ao paganismo e alguns símbolos do
subgênero Black Metal . Os nomes das canções que utilizam elementos de mitologia, a
paisagem montanhosa na capa do álbum e a espada cravada em destaque, já parecem
indícios de um determinado agenciamento sugerido pela obra na sua relação com o
fruidor. Tons frios predominam e é possível perceber um vazio na composição dessa
cena que se apresenta ao espectador. O pôr-do-sol, em segundo plano, se configura
como elemento final da sua disposição visual.

Capa de Celebrate Thy War

Na face posterior do álbum pode-se verificar a disposição das músicas: Prelude, The
Awakening, Estuans Interius, Amon Rising, Marching to the Unknown, Under the Law of
the Sword, Into the Twilight, Celebrate Thy War, Of Shadows and Light (Malefactor),
Secret of Amon, Vae Solis e Secret of Amon (part 2). O que demonstra uma certa narra-
tiva conceitual que será apresentada pela obra ao ouvinte. Aplicando os procedimentos
sugeridos por Zumthor para análise da performance, identifica-se que a espada funciona
como um signo vinculado ao Heavy Metal, uma obra inserida numa determinada tradição
musical que valoriza as figuras dos guerreiros mitológicos e da idade média. A paisagem
montanhosa, embora não esteja vinculada exclusivamente ao universo do Heavy Metal,
possui a mesma função. Esses indícios isoladamente não sustentam a conclusão de que
se está diante de uma obra de Heavy Metal, no entanto. É preciso chamar atenção para
o próprio nome da banda e logo utilizado para designá-la. Malefactor, que significa
“malfeitor”, não seria um grupo de pagode nem o nome de algum MC carioca.
Esses elementos projetam a audiência para uma espécie de batalha épica das narra-
tivas clássicas, na qual guerreiros lutaram bravamente em busca de honras e glórias – o
nome do álbum significa “Celebrar a Vossa Guerra” – indício da valorização dessas ações.

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Ou seja, em sua dimensão puramente visual e semântica, o álbum posiciona o ouvinte
na condição de um guerreiro, pronto para brandir a espada no momento em que as
músicas são executadas. Mas, se o repertório no qual a imagem aposta está vinculado a
guerreiros e bárbaros, por que um vazio predomina em toda a capa? Onde estão os
agentes daquela ação sugerida pelas dimensões visuais e semânticas? Essa não é uma
resposta fácil, mas pode-se afirmar que os próprios princípios que regem a música
popular massiva indicam uma determinada posição que o consumidor deve assumir para
fruir a obra. A posição construída para o espectador na capa desse álbum é a do próprio
guerreiro (não há outros porque o espectador foi o vitorioso, há o vazio porque todos já
foram derrotados), cabendo a ele contemplar o pôr-do-sol por entre as montanhas e
celebrar a própria vitória.
O Sol poente, que tradicionalmente simboliza o fim de um jornada, indica o final da
guerra e da carnificina e o início da celebração. Uma celebração que se inicia com riffs
e sons de guitarra. A partir daí, a combinação com aspectos plásticos de canções que
cumpram essa promessa feita no aspecto imagético do álbum, a reiteração pode propor-
cionar prazer ao ouvinte, de outro modo pode haver frustração das expectativas do
mesmo.
The Darkest Throne, o segundo álbum da Malefactor, saiu em 2001. Foi distribuído
pela Demise Records, um selo mineiro, e possuía uma qualidade sonora muito superior
ao seu antecessor. Oito faixas compunham esse CD: Necrolust in Thulsa Abbey, Into The
Silence, Luciferian Times, Breaking the Castles, Prelude to a Battle, Behind the Mirror,
The Darkest Throne e A God that doesn’t Lie. Aqui, não é possível falar de uma temática
narrativa que perpasse a obra, mas o modo padrão de concepção de um álbum da música
popular massiva – no qual canções diversas são escolhidas para compor determinado
produto, sem que haja, necessariamente, uma relação entre elas.

Capa de The Darkest Throne

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Na capa do álbum vêem-se a figura borrada de Baphomet – uma entidade demoníaca
que faz parte do universo de sentido do Heavy Metal – com duas mulheres seminuas ao
seu lado. O logotipo da banda está maior e mais bem trabalhado que no primeiro álbum,
se apresentando na parte superior da capa, onde se encontra, logo abaixo, o nome do
álbum. O uso da entidade demoníaca e as próprias cores empregadas na capa (os tons
quentes de amarelo e vermelho) facilitam a identificação da obra como pertencente à
tradição musical do Heavy Metal de maneira automática. Indicam, dessa vez, que aque-
la obra propõe ao fruidor a posição de um sujeito que submete os objetos a uma ordem
muito particular.
As mulheres seminuas, por exemplo, funcionam como símbolos de “controle” que se
propõe ao fruidor. Tradicionalmente, a nudez está associada à fragilidade – prisioneiros
dos impérios antigos eram freqüentemente despidos para apresentar ao público suas
vergonhas – e o destaque concedido aos seios femininos na capa parecem sugerir uma
posição submissa das mulheres em relação à entidade demoníaca. Esse sentimento de
controle, ou melhor, de poder é um dos principais estados afetivos que esse gênero
musical procura proporcionar aos seus ouvintes e, nesse álbum, ele aparece já no seu
aspecto visual e semântico – para maiores detalhes sobre a construção da identidade
masculina no Heavy Metal ver Running with the Devil, Robert Walser (1993).
A capa projeta o fruidor para um universo de misticismo, onde sagrado e profano
estão em constante alternância (pois demônios são, em alguma medida, criaturas sa-
gradas). Baphomet parece apontar, mediante os braços abertos, os dois “objetos” por
ele controlados. O que o aspecto imagético desse álbum indica, portanto, é a experiên-
cia de um ser sagrado subjugando os profanos. Bem como na capa anterior, a reiteração
dos elementos característicos do Heavy Metal é explorada pelo álbum em detrimento às
inovações ou rupturas.
Em 2003, a Malefactor lançou Barbarian, seu terceiro trabalho. Desta vez, vinculado
ao selo baiano Maniac Records , o álbum conta com uma faixa em MPEG com o videoclipe
da música Followers of the Fallen. As seguintes faixas compunham esse CD: Intro,
Echoes of Lemuria, The Pit, Barbarian Wrath, Nightfall, Followers of the Fallen,
Returning..., ...to Unholy Graves, Forgotten Idol, 300 from Sparta e Summoning the
Braves.
Este trabalho segue a estratégia estilística utilizada nos trabalhos anteriores da ban-
da, com destaque para a figura do bárbaro segurando uma espada e um machado –
personagem muito comum no universo de sentido do Heavy Metal. Utilizado por diversas
bandas consagradas nesse gênero musical – como Manowar, Virgin Steele e Grave Digger
– inserir o bárbaro como peça expressiva dentro do álbum é dialogar, de maneira

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intertextual, com toda a tradição numinosa em que o Heavy Metal está fundamentado.
O logotipo da banda continua centralizado na parte superior da capa, mas perde seu tom
brilhante, enquanto o nome do álbum encontra-se na extremidade inferior da capa.
Como fundo para o bárbaro, encontra-se um pentagrama na mesma tonalidade dourada.
Importante frisar que o pentagrama é, tradicionalmente, um signo vinculado às ques-
tões místicas e ganhou significado distinto em função dos contextos nos quais era em-
pregado.

Capa de Barbarian

A espada e o machado segurados pelo bárbaro, bem como a sua boca aberta simulan-
do um brado de guerra, são elementos que indicam um privilégio concedido à batalha.
Aqui, a imagem não apresenta uma espada já utilizada e cravada numa montanha (como
no primeiro álbum), mas armas empunhadas por um ser forte, com músculos bem deli-
neados, que clama pelo combate. O estado afetivo que essa capa privilegia é, portanto,
o êxtase, que se configura na própria expressividade do bárbaro.
Ou seja, na capa do álbum Barbarian, é possível afirmar que a estratégia é posicionar
o fruidor como uma espécie de bárbaro com poderes místicos, união das propostas
feitas nos dois álbuns anteriores. O que não indica uma proposta inovadora, mas a
aposta no repertório já consolidado por outras obras da banda.

Considerações finais

Esse trabalho, ainda em desenvolvimento, vem buscando aprimorar o conceito de


performance para a análise dos produtos da música popular massiva. As diferentes sig-

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nificações atribuídas ao conceito é um dos principais obstáculos para a utilização do
mesmo nesse âmbito de investigação, uma vez que trata de gravações e produtos da
criticada indústria cultural. Para subsidiar as hipóteses teóricas aqui desenvolvidas,
buscou-se articular os argumentos de Zumthor aos de Frith e Shuker, e testar essas
articulações na discografia de uma banda de Heavy Metal da cidade de Salvador. Essa
experiência preliminar demonstrou que é possível identificar os traços reiterativos, co-
municados e reconhecidos nos álbuns da banda em questão e inferir quais tipos de
sentido eles são capazes de produzir, no entanto, a plausibilidade não significa compro-
vação das hipóteses apresentadas, sendo necessário novas verificações e testes com
produtos de outras bandas.
É necessário, ainda, conseguir elevar a noção de performance à condição de opera-
dor analítico, uma vez que é um esforço diferenciado explicar o que um conceito é e
como é possível descobrir determinados indícios de valor e significados utilizando esse
conceito. Além disso, é preciso aplicar essa noção às próprias canções para compreender
que tipo de proposta há em cada uma de maneira específica e não somente no álbum, de
maneira geral. Embora uma primeira tentativa da segunda operação tenha se delineado
nesse artigo, não é suficiente, ainda, para legitimar sua condição de ferramenta para
análise.

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Jorge Luiz Cunha Cardoso Filho


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