Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Contou-me coisas de espantar com sua voz ora doce, grávida de ternura, ora violenta de
cólera desatada quando falava da fome dos trabalhadores, da opressão salazarista sobre
o povo, da opressão imperialista sobre a sua pátria de primavera e mar.
(...)
os comunistas portugueses, heróis anónimos do povo, os invencíveis, os que estão
rasgando a noite fascista com a lâmina de sua audácia e de sua certeza para que
novamente o sol da liberdade ilumine o país dos pescadores e das uvas. De um me
disse: «Esse esteve no Brasil e aprendeu com vocês»
(...)
Falou do campo, dos homens que habitam as montanhas, daqueles que Ferreira de
Castro, o grande romancista, descreveu em «Terra Fria» e «A Lã e a Neve». (...) Falou
dos operários das cidades daqueles que Alves Redol descreveu em seus magníficos
romances e contou da sua irredutível resistência ao regime salazarista. (...)
Naquela tarde como que me apossei por inteiro de Portugal, do melhor Portugal, do
Portugal eterno, como se Álvaro Cunhal o trouxesse nas suas mãos ossudas, tão
descarnadas e nervosas, como se trouxesse – e o trazia em verdade – no seu coração de
revolucionário e patriota.
Voltei a vê-lo ainda uma vez, dias depois, e a longa conversa sobre Portugal continuou.
Falou-me dos escritores, dos plásticos, dos pescadores, fadistas, e sobretudo da luta
subterrânea, dura e difícil e jamais vencida. (...)
Veio o processo, dentro dos métodos infames dos tribunais fascistas. Ali se ergueu
Álvaro Cunhal (Militão morrera de torturas) e não era o réu, era o acusador, a voz de
fogo a queimar o vergonhoso rosto dos carrascos do seu povo, dos vendilhões da sua
pátria.
(...)
Pretendem matá-lo e nós sabemos que são frios assassinos os que querem matá-lo. É
uma vida preciosa, preciosa para Portugal e para o mundo, ajudemos o povo português a
salvá-la!
(...)
Há alguns meses eu estava em frente ao mar Pacífico, na costa sul do Chile, em Isla
Negra, em casa de Pablo Neruda, meu companheiro de lutas de esperança. Uma figura
de proa de barco se elevava em frente ao mar de ondas altas e violentas. Por isso
falámos de Portugal e do seu destino marítimo. Contei ao poeta sobre Cunhal e Pablo
levantou-se, deixou-me com o pescador que parara para escutar-nos e quando voltou
havia escrito esse maravilhoso poema que é «A Lâmpada Marinha»* sobre Portugal,
seu povo, Álvaro Cunhal e o dia luminoso de amanhã»
(...)
Hoje o mais bravo dos filhos desse povo heróico, aquele que tudo sacrificou para ser
fiel à esperança do povo está com sua vida ameaçada.»
* A Lâmpada Marinha **
Pablo Neruda
Quando desembarcas
em Lisboa,
céu celeste e rosa rosa,
estuque branco e ouro,
pétalas de ladrilho,
as casas,
as portas,
os tectos,
as janelas
salpicadas do ouro verde dos limões,
do azul ultramarino dos navios,
quando desembarcas,
não conheces,
não sabes que por detrás das janelas
escura,
ronda,
a polícia negra,
os carcereiros de luto
de Salazar, perfeitos
filhos de sacristia a calabouço,
despachando presos para as ilhas,
condenando ao silêncio
pululando
como esquadrões de sombra
sobre janelas verdes,
entre montes azuis,
a polícia,
sob outonais cornucópias,
a polícia,
procurando portugueses,
escarvando o solo,
destinando os homens à sombra.
A cítara esquecida
II
Ó Portugal formoso,
cesta de frutas e flores ?
emerges na prateada margem do oceano,
na espuma da Europa,
com a cítara de ouro
que te deixou Camões,
cantando com doçura,
esparzindo nas bocas do Atlântico
teu tempestuoso odor de vinharia,
de flores cidreiras e marinhas,
tua luminosa lua entrecortada
de nuvens e tormentas.
Os presídios
III
Mas,
português da rua, entre nós,
ninguém
nos escuta,
sabes
onde
está Álvaro Cunhal?
Sabes, ou alguém o sabe,
como morreu,
o valente,
Militão?
E sua mulher sabes tu
que enlouqueceu sob torturas?
Moça portuguesa,
passas como que bailando
pelas ruas
rosadas de Lisboa,
mas
sabes,
sabes onde morreu Bento Gonçalves,
o português mais puro,
honra de teu mar, de tua areia,
sabes
que ninguém volta jamais
da Ilha
da Ilha do Sal,
que Tarrafal se chama
o campo da morte?
Sim, sabemos,
em remotos países,
que há trinta anos
uma lápide
espessa como túmulo ou como túnica,
de clerical morcego,
afoga Portugal, teu triste trino,
salpica tua doçura,
com gotas de martírio
e mantém suas cúpulas de sombra.
O mar e os jasmins
IV
Não obstante,
o tempo te soterrou,
o pó clerical
acumulado em Coimbra
caiu sobre teu rosto
de laranja oceânica
e cobriu o esplendor de tua cintura.
A lâmpada marinha
V
Portugal,
volta ao mar, a teus navios
Portugal volta ao homem, ao marinheiro,
volve à terra tua, à tua fragrância,
à tua razão livre no vento,
de novo
à luz matutina
do cravo e da espuma.
Mostra-nos teu tesouro,
teus homens, tuas mulheres,
não escondas mais teu rosto
de embarcação valente
posta nas avançadas do Oceano.
Portugal, navegante,
descobridor de Ilhas,
inventor de pimentas,
descobre o novo homem,
as ilhas assombradas,
descobre o arquipélago no tempo.
A súbita
Aparição
do pão
sobre a mesa,
a aurora,
tu, descobre-a,
descobridor de auroras.
Como é isso?
Como podes negar-te
ao ciclo da luz tu que mostras-te
caminhos aos cegos?
Tu, doce e férreo e velho,
estreito e amplo Pai
do horizonte, como
podes fechar a porta
aos novos racimos,
ao vento com estrelas do Oriente?
Proa da Europa, procura
na correnteza
as ondas ancestrais,
a marítima barba
de Camões.
Rompe
as teias de aranha que cobrem
tua fragrante copa de verdura
e então
a nós outros, filhos dos teus filhos,
aqueles para quem descobriste a areia
até então escura
da geografia deslumbrante,
mostra-nos que tu podes
atravessar de novo
o novo mar escuro
e descobrir o homem que nasceu
nas maiores ilhas da terra.
Navega, Portugal, a hora
chegou, levanta
tua estatura de proa
e entre as ilhas e os homens volve
a ser caminho.
A esta idade agrega
tua luz, volta a ser lâmpada
aprenderás de novo a ser estrela.