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EDUCAÇÃO FÍSICA, CULTURA E SOCIEDADE

Prof. Dr. Mauro Betti1


INTRODUÇÃO

Quando se diz que a Educação Física é um fenômeno cultural, não se quer dizer que os dados
biológicos não estão presentes ou não são importantes, mas que estes últimos não são suficientes para a
compreensão, digamos, do esporte. Os europeus do Renascimento ou os indígenas brasileiros à mesma
época não jogavam basquetebol ou futebol, embora do ponto de vista fisiológico-mecânico possuíssem o
potencial para fazê-lo. É claro que jogos com bola, atendendo ao impulso lúdico que está na origem da
própria cultura humana (HUIZINGA, 1980) são registros bastante antigos na história, mas apenas em
contextos socioculturais específicos é que surgiram o basquetebol e o futebol tal como os conhecemos
hoje. O surgimento e ascenção do esporte como um importante fenômeno sociocultural pode ser
explicado pelos predicados intrínsecos (lúdicos e agonísticos) presentes nas diversas modalidades
esportivas, aliados ao contexto de liberalismo e industrialização da Europa no século XIX, daí
espalhando-se para todo o mundo (BETTI, 1991).

CULTURA E CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO

Mas o que é cultura? Temos dificuldade em compreender nossa própria cultura, porque estamos
nela imersos, ela nos aparece como um dado evidente, sobre o qual não nos debruçamos a todo momento
para uma análise sistemática.
DaMatta (1978) considera que, ao estudar uma dada cultura, um antropólogo deve realizar um
duplo movimento: transformar o estranho em familiar, e, ao mesmo tempo, o familiar em estranho. O
primeiro é o movimento original da Antropologia, ao final do século XIX, quando buscava compreender
culturas nativas. O segundo corresponde ao momento presente da Antropologia, que se volta para a nossa
própria sociedade, e então temos que estranhar o que nos é familiar .
Lembra Dartigues (1973) que E. Husserl (1859-1938), considerado o “pai” da fenomenologia
moderna, agradeceu aos antropólogos do seu tempo, já que concebia a descoberta da essência dos
fenômenos sociais e culturais como decorrentes de uma compreensão prévia, logo, de um conhecimento,
pelo sociólogo/historiador, de culturas diferentes da sua – e os antropólogos penetraram em universos
culturais inteiramente estranhos ao homem europeu, os quais não poderiam ter concebido, nem mesmo
como pura possibilidade, se não tivessem ido investigar in loco.
Uma boa e didática ilustração do que poderia ser esse processo de estranhamento, e que apresenta
interesse para a Educação Física, é a matéria jornalística exibida na televisão sobre alguns aspectos da

1
Professor Adjunto do Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências da Unesp- campus de Bauru.
Coordenador do Laboratório de Estudos Socioculturais e Históricos da Educação Física
cultura da Mongólia, país encravado na Ásia, entre a Rússia e a China. Naquele país realiza-se
anualmente, conforme a referida matéria, há quase oito séculos, um “festival de esportes”, que inclui as
modalidades: arco e flecha, corrida de cavalo e luta. Na corrida, o percurso totaliza 56 quilômetros, tendo
como cavaleiros meninos de 4 a 12 anos; exaustos, alguns cavalos morrem de cansaço, literalmente. É o
animal vitorioso, e não o cavaleiro, quem recebe as honras. Na competição de luta, mais de 500
concorrentes se enfrentam sucessivamente, sem divisão de categorias por peso e sem limite de tempo
(algumas lutas chegam a durar duas horas), até que apenas um deles permaneça em pé – o vencedor é
aclamado como herói. Tais fatos podem chocar defensores dos direitos dos animais, médicos, pedagogos
e/ou profissionais da Educação Física, porque confrontam valores estabelecidos (mesmo que
provisoriamente) em nossa cultura – tanto a cultura no sentido mais amplo (a cultura ocidental, por
exemplo), como em sentido mais específico (a cultura profissional-pedagógica da Educação Física, por
exemplo). Todavia, se tomarmos a corrida de cavalos como exemplo, é preciso considerar que saber
cavalgar, num país em que a maioria da população possui hábitos nômades, e onde há mais eqüinos que
seres humanos, é habilidade altamente valorizada, inclusive para crianças.
O exemplo nos permite entender porque “cultura” pode ser definida como “conjunto dos modos
de vida de um grupo humano determinado, sem referência ao sistema de valores para os quais estão
orientados esses modos de vida” (ABBAGNANO, 2000, p. 229). Tal definição aplica-se tanto a
sociedades complexas, tecnológicas, como a sociedades simples e rústicas.
Todavia, na sociedade ocidental contemporânea, em especial nas últimas décadas, um conceito
que destaque o caráter semiótico da cultura parece ser mais apropriado - qual seja, considerar a cultura
como uma dinâmica de produção e circulação de signos e sentidos. Para essa direção se volta o conhecido
trabalho de Geertz (1989), cuja importância foi destacada por Thompson (1995), por ter reorientado a
análise da cultura para o estudo do significado e do simbolismo, adotando uma concepção simbólica de
cultura, que Thompson (1995, p. 176) caracteriza como: “padrões de significados incorporados nas
formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em
virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e
crenças” .
Levando adiante tal entendimento, Thompson (1995, p.1981), propõe uma concepção estrutural
da cultura, que “dá ênfase tanto ao caráter simbólico dos fenômenos culturais como ao fato de tais
fenômenos estarem sempre inseridos em contextos sociais estruturados”, e a por “análise cultural”
entende o “estudo das formas simbólicas”, que dizer “ações, objetos e expressões significativas de vários
tipos - em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro do
quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas”.
Destaca-se, nessa concepção, a dimensão semiótica e comunicativa da cultura (cultura e
comunicação são como duas faces da mesma moeda), e por outro lado, a crescente midiatização da
cultura contemporânea, já que as mídias são atualmente as principais fontes de produção e transmissão de
formas simbólicas e construção de sentidos no mundo de hoje. Santaella (1996) refere-se mesmo ao
surgimento de uma nova cultura, que redefine a cultura de massa e a cultura erudita: é a cultura das
mídias, que cria sua própria linguagem.
Então, quando a matéria televisiva fala em “esporte” na Mongólia, refere-se a uma forma
simbólica que possui significados diferentes para os mongóis e para nós, e que se situa em um contexto
histórico e social específico.
Somos seres cuja relação original com o mundo e com os outros é corporal-motora (MERLEAU-
PONTY, 1999). Possuímos uma infinita capacidade de “movimento para...”, quer dizer, nossa
motricidade é regida por intencionalidades. Santin (1987) destaca que os elementos fundantes da
Educação Física são: o ser humano (uma totalidade indivisível) e o movimento, o qual possui
componentes/elementos intencionais internos e externos. Dentre outros, são componentes intencionais
internos do movimento humano: o prazer intrínseco à execução dos próprios movimentos, a superação de
si próprio e a fruição estética; elementos externos seriam aqueles que provém de fora do campo do
próprio movimento, como troféus, recompensas financeiras, bem como a busca de valores extrínsecos ao
movimento em si, como a saúde. E tais componentes intencionais internos e externos podem ser
articulados de diferentes modos, a partir de diferentes valores - entendendo valor como uma possibilidade
de escolha (ABBAGNANO, 2000). Por exemplo, a saúde pode ser promovida ou prejudicada,
dependendo da articulação que se faz entre os componentes intencionais do movimento, já que ela não é,
em si, um componente intencional interno do movimento humano.
É a exercitação intencionada, e em geral sistemática, da motricidade humana (que dizer, nossa
capacidade de movimento para...) que foi construindo, ao longo da história, as formas culturalmente
codificadas que hoje conhecemos como esporte, ginásticas, dança etc., as quais constituem os meios e
conteúdos que a Educação Física (que não surgiu previamente a estas formas) articula a partir de
diferentes intencionalidades pedagógicas. É a este processo e produto que denominamos “cultura corporal
de movimento” (BETTI, 2003a), já que não existe movimento sem um corpo que se movimente
(DARTIGUES, 1973). São estas também as formas culturais que interessam às mídias, aos empresários,
aos políticos, cada qual buscando extrair delas diferentes valores, de acordo com suas intencionalidades.
Contudo, é importante explicar que o termo “intencionalidade” não é usado aqui apenas com um
conotação utilitarista no sentido de obter, de modo consciente e previamente planejado, alguma vantagem
de ordem “prática” com alguma ação.
Vamos a um exemplo. Didi, um dos maiores jogadores de futebol que o Brasil já conheceu,
atuante até início da década de 1960, descreveu, em entrevista à televisão, a que eu tive a oportunidade de
assistir, como inventou a “folha seca”, um chute de longa distância no qual a bola se elevava muito e, já
próxima à meta adversária, descia rapidamente, enganando o goleiro. Pois bem, tal modo de chutar a bola
não foi fruto de um processo de “treino”, de experimentação controlada com o propósito de criar um novo
tipo de chute mais eficiente para atingir o objetivo do futebol (“fazer gols”), mas decorreu do fato de estar
com o calcanhar machucado, o que o obrigou a chutar apoiado na ponta dos pés, criando
involuntariamente uma nova mecânica do chute. Quer dizer, ele não “pensou”, não refletiu
antecipadamente sobre como chutar a bola nessa nova situação corporal que a contusão lhe impôs, mas o
corpo organizou a ação motora espontaneamente, intuitivamente – isto é exatamente o que se chama
intencionalidade operante (MERLEAU-PONTY, 1999), conceito que também Sérgio (2003) emprestou à
fenomenologia merleau-pontyana, para definir a motricidade humana como “intencionalidade operante”.
É claro que a biomecânica poderá explicar a “folha seca” nos termos da Física, assim como professores
de Educação Física e treinadores esportivos poderão apropriar-se desse movimento e inseri-lo em uma
pedagogia de ensino/treinamento do futebol – estaríamos aí, então, no âmbito da cultura. Mas tais
procedimentos são posteriores, assim como, a posteriori, o próprio Didi pode compreender racionalmente
o que fez, e pode explicá-lo em palavras.
O depoimento de Didi, então, além de nos servir para exemplificar o conceito de
“intencionalidade operante”, também serve para nos mostrar de onde vem o novo, onde está a fonte na
qual a cultura corporal de movimento “bebe” a matéria prima do seu dinamismo, pois, afinal, a cultura
não é estática, ela não apenas reproduz os jogos, os esportes, as danças, mas os produz, os transforma, os
cria e re-cria. Observemos as crianças em suas brincadeiras; os jovens pobres nas periferias e favelas
improvisando jogos e danças; famílias nos parques públicos rebatendo uma bola por sobre uma corda
amarrada entre duas árvores; nas praias, meninos e meninas fazendo malabarismos com uma bola nos pés,
ou deslizando por dunas de areia com pedaços de tábua encerada. Aí encontraremos a exercitação mais
original da motricidade humana, e original em dois sentidos: como origem das formas que adquirirão
posteriormente codificação cultural, e original porque inovadoras, não-codificadas, transgressoras em
certa medida. “Brincar” de rebater uma bola de plástico por sobre uma corda amarrada entre duas árvores
é, nesse sentido, mais original que o volibol regulamentado como esporte formal-federativo.
Nessa mesma direção, Baitello Júnior (1999) evidenciou como, para os teóricos da semiótica da
cultura, o jogo/brinquedo, na qualidade de atividade não direcionada a um fim utilitário, é um dos
nascedouros da cultura humana.

A TELEVISÃO, AS MÍDIAS E A CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO

Mas nas últimas três décadas surgiu um novo elemento dinamizador da cultura corporal de
movimento: a televisão. Dotada de enorme capacidade técnica para produzir discursos audiovisuais, cuja
principal característica é a espetacularização das imagens, a televisão, aliada a interesses comerciais,
encontrou no esporte a matéria-prima ideal, criando o esporte telespetáculo, o qual pode ser definido,
conforme Betti (1998) como uma realidade textual relativamente autônoma (face à prática “real” do
esporte) que é construída pela codificação e mediação dos eventos esportivos efetuadas pelo
enquadramento das câmaras televisivas, edição das imagens e comentários, sons e efeitos gráfico-
computacionais que se acrescentam a elas. É regido pela lógica da espetacularização, por sua vez ligada
aos interesses econômicos das grandes empresas midiáticas e às possibilidades tecnológicas de produção
e emissão de imagens.
É tal “texto” audiovisual (predominantemente imagético) que se tornou produto vendido pela
televisão e por outras mídias (jornais, revistas, sites da internet etc.) – o espetáculo esportivo em si e a
“falação” (ECO, 1984) sobre ele. Além disso, a possibilidade da associação do esporte a uma infinidade
de produtos, do açúcar (“energia”) aos serviços bancários (“velocidade”), passando pelos materiais
esportivos propriamente ditos (bolas, vestimentas etc.) é amplamente explorada pela publicidade.
Contudo, tal lógica da espetacularização - ao transformar o esporte em texto predominantemente
imagético e relativamente autônomo face à prática “real” do esporte - traz uma importante conseqüência:
a fragmentação/descontextualização do fenômeno esportivo. As mídias fragmentam e descontextualizam
a experiência global de praticar esporte. Os eventos e fatos são retirados do seu contexto histórico,
sociológico, antropológico; a experiência global do ser-atleta é fragmentada. Como tal
descontextualização é sutil e compensada com informações suplementares (closes, câmaras dispostas em
diversos ângulos, microfones captando sons no campo e na torcida etc.), o telespectador tem a falsa
sensação de estar olhando por uma “janela de vidro”, quando na verdade aprecia uma interpretação da
realidade, mediada pelas câmaras televisivas (BETTI, 1998). De fato, há diferenças profundas na
experiência de assistir ao esporte como testemunha corporalmente presente nos estádios e ginásios e na
sala de estar, pela televisão. Por outro lado valorizam os aspectos parciais que mais lhes interessam para
efeito de espetacularização, e acabam por veicular uma concepção hegemônica do que é esporte: vitória a
qualquer custo, esforço máximo, disciplina, recompensa financeira etc. Aspectos como o prazer, a
sociabilidade e o conhecimento de si no confronto com outrem, por exemplo, são neglicenciados.
É então importante compreender que o interesse das mídias no esporte não se fundamenta no
interesse de estimular a prática esportiva, mas de vender a si próprias, e, por sua vez, o esporte
profissional torna-se cada vez mais dependente das mídias, em especial da televisão. Atualmente, nenhum
grande evento esportivo é possível sem o envolvimento das empresas televisivas, que divulgam os
produtos e as marcas dos patrocinadores, por intermédio da publicidade.
O esporte telespetáculo ensaiou seus primeiros passos na Copa do Mundo de 1996 – o primeiro
evento esportivo internacional integralmente explorado pela televisão – e firmou-se nos Jogos Olímpicos
de 1984, em Los Angeles, também os primeiros Jogos Olímpicos que auferiram lucros financeiros. O
esporte nunca mais seria o mesmo após o surgimento da televisão ao vivo, o video tape, o close, os
sistemas de satélite que fazem as imagens e sons do espetáculo esportivo trafegar por todo o planeta.
Nos últimos anos, pode-se constatar que as mídias passaram a investir também em outras
manifestações da cultura corporal de movimento, em especial as ginásticas (aeróbica, localizada, com
pesos etc.), associando-as a um modelo de beleza corporal de magreza, para cujo alcance concorrem
também as dietas alimentares e intervenções cirúrgicas (prótese, lipoaspiração etc.). Dessa associação
resulta a possibilidade de vender inúmeros produtos: esteiras-rolantes, equipamentos domésticos de
ginástica, remédios “emagrecedores”, além, é claro, de um sem número de publicações (em especial
revistas de “banca”) dirigidas prioritariamente ao público feminino, em cujas capas, observem, sempre
aparecem “chamadas” para programas de exercício e ginástica que visam emagrecimento e/ou obtenção
de fortalecimento muscular em determinadas regiões do corpo (por exemplo, “levantar o bumbum”). É
oportuno lembrar que as academias, destacado espaço de atuação dos profissionais da Educação Física,
toma parte nesse mercado do corpo que, se não é novo, foi expandido e tomou novos rumos sob o
patrocínio das mídias.
Já havíamos apontado (Betti, 2001, 2004) a decisiva influência das mídias (em especial a
televisão), no direcionamento de tendências da cultura corporal de movimento, com importantes
repercussões para a Educação Física, entendida esta tanto como área de conhecimento como de
intervenção profissional. São essas tendências:
(i) Novas esportivizações. Fenômeno que tende a assimilar diversas formas da cultura corporal de
movimento ao modelo do esporte espetáculo;
(ii) Progressivo distanciamento do esporte telespetáculo das demais formas da cultura esportiva,
afastamento este provocado pelas mídias e pelas grandes corporações econômicas, as quais, cada vez
mais, assumem o gerenciamento do esporte como espetáculo televisivo; essa tendência distancia, na sua
forma (embora não no seu simbolismo) o esporte telespetáculo do esporte praticado em contextos de
lazer, educação e saúde;
(iii) “Confundimento” ou “entrelaçamento” entre os modelos de estética corporal e o modelo do fitness
(saúde/aptidão física); a vinculação valorativa do exercício físico à saúde, que a tradição Educação Física
conhece tão bem, foi deslocada para o valor da beleza, segundo um padrão imposto pelas mídias; em
conseqüencia, o exercício físico de modo geral, e em especial as ginásticas, passa a revestir-se de certos
sentidos: emagrecimento, definição e hipertrofia muscular, sensualidade etc. Na primeira tendência
assistimos transformar-se em esporte o que surgiu como jogo (por exemplo, o skate e o vôlei de praia),
ginástica (ginástica aeróbica) ou atividade na natureza (por exemplo, o surfe); na segunda, temos o
exemplo do esporte infantil, no qual as crianças não são vistas em sua presentidade, mas em seu devir,
como o que serão: futuros Ronaldinhos; na terceira a motivação aparente (infelizmente, a única que os
profissionais da Educação Física levam em conta) de quem procura as ruas e parques para caminhar ou
correr, ou as academias para “malhar”, é o emagrecimento e a construção do corpo “imaginado” (quer
dizer, fixado em imagens) pelas mídias.

MAS NEM TUDO É TÃO RUIM: A ATUALIZAÇÃO CULTURAL DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Se as mídias exercem papel cada vez mais importante na construção de novos significados e
modalidades de entretenimento e consumo no âmbito da cultura corporal, também constituem hoje a mais
importante fonte de informações sobre a cultura corporal de movimento para o grande público não
especializado. Jornais, revistas, sites da internet, vídeo games, rádio e televisão difundem idéias sobre a
cultura corporal de movimento. Há muitas produções dirigidas ao público adolescente e infantil. Pela
televisão, as crianças tomam contato precocemente com as manifestações corporais e esportivas do
mundo adulto. Hoje, somos todos consumidores potenciais do esporte-espetáculo, senão como torcedores
nos estádios e quadras, ao menos como espectadores pela televisão. Há aulas de ginástica aeróbica pela
TV; médicos e profissionais da Educação Física concedem entrevistas expondo os benefícios e riscos do
exercício físico, comentaristas nos informam sobre táticas e regras nas partidas de futebol, volibol ou
basquete, revistas femininas e para adolescentes sugerem exercícios para emagrecer. Informações nem
sempre corretas, nem sempre confiáveis, mas que se sobrepõem pela baixa capacidade crítica da maioria
dos telespectadores e leitores. Tudo isso elevou o nível de informação publicamente partilhada na área de
Educação Física a um patamar nunca antes atingido na História. Com isso, corremos o risco de, em algum
momento, nos depararmos, nas escolas ou nas academias, com alunos ou clientes que detém mais
informações sobre um dado aspecto da cultura corporal de movimento do que seus
professores/profissionais de Educação Física.
Contudo, isso não é ruim, o que devemos fazer é examinar as possibilidades de usar as mídias a
nosso favor, pela sua capacidade de sintetizar informações, de atrair a atenção, de seduzir pelas imagens,
e, ao mesmo tempo, investir na formação do leitor/telespectador crítico, que compreenda os mecanismos
de funcionamento e a linguagem das mídias, dotando-o de ferramentas para a interpretação mais
aprofundada e contextualizada do que vê, ouve e lê nas mídias. Na Educação Física escolar, por exemplo,
já há suficiente fundamentação teórica e experiências concretas de uso de matérias televisivas como
ferramenta metodológica no contexto de programas de Educação Física (BETTI, 2003b, BETTI,
BATISTA, 2005; FERES NETO, 2003)
Inspirando-nos nas metáforas de Babin e Kouloumdjian (1989) já propusemos (BETTI, 1998) um
trabalho com “mixagem”, num primeiro momento, e depois, em “estéreo”. Trabalhar com mixagem é
associar as produções da mídia às aulas “tradicionais”, fazendo referências às imagens e eventos
esportivos transmitidos pela TV, utilizando programas e trechos previamente gravados na TV
convencional, vídeos produzidos para finalidades educacionais, matérias sobre a cultura corporal de
movimento publicadas em jornais e revistas. Trata-se aí do que Ferrés (1996) denomina educação com o
meio. Conteúdos ligados a técnicas, táticas, história, dimensões políticas e econômicas do esporte, bem
como relacionados a aspectos fisiológicos, psicológicos e sociológicos das atividades corporais em geral
seriam enriquecidos com o audiovisual, associados a textos jornalísticos, facilitando o desenvolvimento
de conteúdos conceituais na Educação Física.
Trabalhar em estéreo consiste em compreender a linguagem específica da televisão, aprender a
interpretar criticamente o discurso da televisão sobre a cultura corporal em busca de sentidos. Implica
também em aprender a identificar os diversos modelos de práticas corporais e esportivas a partir do
próprio discurso televisivo. É o que Ferrés (1996) denomina educação no meio.
Se a televisão faz crianças tomarem contato precoce com as formas codificadas do esporte, se
para uma garota jogar voleibol é sacar “viagem” e “cortar” contra um bloqueio triplo, e se no imaginário
de um garoto ele é o Ronaldinho quando chuta uma bola, mesmo que velha e esgarçada num chão de
terra, o professor/profissional de Educação Física que os recebe deve considerar isso, e trabalhar a partir
disso. Mas não pode confundir este ponto de partida com o ponto de chegada, assim como deve saber que
este simbolismo presente na atividade esportiva de uma criança, para cuja constituição as mídias são
decisivas, não pode confundir-se com a forma desta atividade; quer dizer, o professor/profissional deve
adaptar a forma de jogar futebol e volibol para que não haja discrepância entre o que a criança/aluno
espera e o que lhes é oferecido.
Como? Por exemplo, resgatando o que é originalmente o volibol: um jogo de rebater a bola por
sobre um obstáculo (que pode ser uma rede oficial ou uma corda), cuja dinâmica deve ser preservada.
Ora, se não é possível a uma criança realizar o saque “por cima” com uma bola e altura da rede oficiais,
talvez ela poderá fazê-lo com a rede mais baixa, com uma bola maior e mais leve. Nada há de errado em
que um garoto vista a camisa 9 da seleção brasileira e “sinta-se” o Ronaldinho (de fato, ele o “é” nesse
momento), o que importa é que lhe seja dada a oportunidade de participar plena e ativamente do jogo de
futebol, chutando, passando e fazendo gols, e não apenas fique correndo de um lado para outro, sem
receber a bola, monopolizada pelos mais hábeis, como sempre se vê nas “escolinhas” de futebol por aí.
Para isso, é necessário à Educação Física investir em uma pedagogia do esporte na qual o esporte não
seja um fim em si mesmo, e que, sem ignorar suas influências, não se submeta contudo aos interesses das
mídias e das grandes corporações econômicas.
Da mesma forma, o profissional da Educação Física que atua nas academias deve considerar a
busca pela beleza corporal como uma motivação aparente, por trás da qual se escondem desejos mais
profundos desse ser (humano) tão complexo e contraditório. Mas deve, sem dúvida, partir desta
motivação aparente (afinal, não há nada de errado com ela, pois não se trata de fazer um juízo de valor)
para revelar ao cliente/aluno como o exercício físico (assim como o jogo, o esporte, a dança...) pelas suas
propriedades intrínsecas, pode propiciar uma experiência gratificante do ponto de vista psico-social,
porque não há como exercitar apenas o físico. Lembremo-nos aqui de Santin (1987): os componentes
intencionais externos do movimento (no caso, obter emagrecimento, definição muscular etc.) não podem
ser desarticulados dos componentes intencionais internos (por exemplo, o prazer inerente ao próprio fato
de movimentar-se).
Só assim a Educação Física poderá atualizar sua tarefa educativa. Só assim a Educação Física
tornar-se-á elemento dinâmico da cultura (CARMO JÚNIOR, 1998) e não mera técnica de intervenção
sobre o físico. Só assim ela será tanto educação como física.

REFERÊNCIAS

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