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Marcos BALTAR
Maria Eugênia T. GASTALDELLO
Marina A. CAMELO
(Universidade de Caxias Sul)
ABSTRACT: Esse trabalho relata e analisa o trabalho de implementação de uma Rádio Escolar numa escola de
Ensino Fundamenta na cidade de Caxias do Sul. O estudo visa contribuir para incrementar a dinâmica de
ensinagem de Língua Portuguesa na escola, bem como desenvolver múltiplas competências nos sujeitos
envolvidos no projeto. Os preceitos teóricos advêm do Interacionismo sociodiscursivo e o arcabouço
metodológico sustenta-se nos preceitos da pesquisa-ação. Os resultados até então percebidos sugerem a
potencialidade da RE na formação de estudantes protagonistas sociais desde a escola.
KEYWORDS: Projetos de trabalho, Rádio Escolar, Ensinagem de gêneros textuais orais e escritos,
Competência discursiva, Protagonismo social.
1. Introdução
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2. O trabalho com rádio na escola
Admitindo que o trabalho com rádio na escola não é tão freqüente quanto o trabalho
com jornal, revista, etc. convém comentar essas experiências realizadas com a mídia na escola
para ressaltar algumas características específicas do trabalho que estamos empreendendo.
É usual a utilização de jornal, revista, filme, por exemplo, como portadores de textos
do ambiente discursivo midiático1, para estimular atividades de leitura e/ou de produção de
textos escolares. Consideramos importante a realização de atividades como estas, que
aproximam os textos/gêneros textuais da mídia ao ambiente discursivo escolar, visto que
ampliam a visão de mundo dos estudantes, acostumados a associar o ato de ler apenas à
leitura de textos do ambiente discursivo literário.
Entretanto, esse trabalho deve ser elaborado de modo que possa formar sujeitos
críticos para compreender as esferas sociais em que atuam ou desejam atuar com autonomia.
Em outras palavras, deve-se considerar o fato de que alguns professores levam para escola
textos de jornais e revistas, ou mesmo filmes, já entronizados pela mídia convencional, que
funcionam mais no sentido de acentuar o pensamento de senso comum por ela difundido do
que no sentido de provocar reflexão crítica sobre os temas de interesse da comunidade
escolar.
Diferentemente disso, a proposta de RE que defendemos busca a substituição da mera
utilização de textos da mídia convencional pela efetiva construção de uma mídia própria e
adequada à comunidade escolar. Uma mídia que se configure como decorrência de atividades
significativas de linguagem, em que os sujeitos envolvidos em sua construção (estudantes,
professores, pais e funcionários) possam agir como atores capazes e responsáveis, decidindo
como e, sobretudo, o que querem comunicar: a pauta, o formato dos programas, os gêneros de
texto etc. Um trabalho como esse estimula a discussão sobre a representação que eles têm de
uma rádio.
A comunidade escolar, notadamente professores e estudantes, ao entender os vários
modelos de rádio que existem na sociedade, pode construir seu modelo genuíno de RE.
Indubitavelmente esta ferramenta pode configurar-se como uma chance a mais para o
exercício pleno da cidadania, ao instituir um permanente viés crítico que permite analisar os
diferentes recursos midiáticos que circulam, tanto na escola quanto na sociedade. Portanto, a
RE não deve ser concebida como mero recurso de apoio a um fazer pedagógico estabelecido,
visto que este dispositivo permite inserir não só professores e alunos, mas toda a comunidade
escolar num debate permanente sobre o discurso dos meios de comunicação na sociedade,
com o intuito de ajudar a escola a cumprir o insistente propósito de uma educação
verdadeiramente universal e democrática.
Considerando as contribuições de Ferraretto (2001) e Almeida (2004), segue uma
breve caracterização de alguns tipos de rádio existentes: comercial, comunitária e educativa,
para posteriormente apresentar as características da RE, objeto desse estudo.
3. Tipos de Rádio
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subliminarmente em sua programação. O foco primordial é a informação e o entretenimento.
Essas emissoras possuem dois tipos de clientes: os ouvintes que são compradores em
potencial e os anunciantes que patrocinam os programas em troca de publicidade.
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A escola José Protázio é uma escola ciclada, que organiza seu trabalho didático-pedagógico de forma
trimestral, seguindo a pedagogia dialógica freireana. Situa-se em um bairro da periferia da cidade de Caxias do
Sul.
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definiu seu trabalho. O controle da atividade era partilhado entre professora e estudantes. A
pauta e os quadros dos programas eram flexíveis, mudando de acordo com o grupo de
estudantes envolvidos. Segundo o depoimento da professora, de certo modo, isso contribuía
para o desenvolvimento da autonomia dos estudantes, dando mais sentido à sua prática
docente. Mas, como o trabalho era construído de forma assistemática, com condições técnicas
adversas, levando em consideração mais o produto do que o processo, freqüentemente o
resultado final causava frustração. Assim, alguns estudantes, temendo que as falhas gerassem
críticas depreciativas dos colegas, insistiram para que a professora revisse a dinâmica da
preparação dos programas. Embora não pensassem em desistir de participarem da REJ, no
intuito de se preservarem, eles próprios propunham à professora “mais ensaios de leitura”
para prosseguir com a proposta.
O diálogo entre o grupo de pesquisa UCS-Produtore e a escola, ocorreu por meio de
reuniões, entrevistas semi-estruturadas, questionários endereçados à professora, e fichas de
avaliação submetidas aos estudantes que já haviam participado da rádio. Concomitantemente,
nas reuniões do grupo de pesquisa, procedeu-se à análise de três programas (dois gravados na
escola e um gravado no estúdio de rádio da UCS), visando subsidiar a professora para
qualificar os programas subseqüentes. As informações gradativamente coletadas ensejaram
um novo ciclo de discussões entre pesquisadores e professora, em que ficou consensualizado
a observação direta das aulas voltadas especificamente para a produção dos programas da
rádio, em duas diferentes turmas: uma que já havia produzido alguns programas e outra que
não havia trabalhado com a rádio.
A análise das fichas de avaliação aplicadas na turma que já havia trabalhado com a
rádio revelou o desejo de inclusão de mais músicas nos programas, possivelmente devido à
representação que alguns estudantes possuíam do veículo rádio como sendo somente
veiculação de músicas e peças publicitárias. Subjacente a proposta de inclusão de mais
músicas (extrapolando a função das trilhas) é possível inferir um esboço de desejo de
interação com a linguagem musical, manifestado pelos estudantes. A solicitação dos
estudantes foi acatada, entretanto negociou-se com eles um trabalho de pesquisa de conteúdo,
de seleção de músicas das suas bandas ou cantores preferidos para que, a partir disso, os
programas adquirissem uma conotação educativo-cultural e se caracterizassem como
programas de uma RE.
É relevante observar as representações sociocognitivas dos estudantes sobre a
configuração de uma RE. Não se pode deixar de considerar a forte atração exercida pela rádio
comercial sobre eles. Tal preferência provavelmente ocorra não apenas pela potência e o
alcance das emissoras, mas possivelmente pelos discursos que esse tipo de rádio leva ao ar, o
que o configura como veículo específico de massa.
A partir disso discutiu-se a diferença entre rádio escolar e rádio comercial,
principalmente emissoras de FM, que segundo eles, serviam como um possível protótipo de
entretenimento, o que também poderia explicar sua insistência por mais músicas.
Dando seqüência ao trabalho e no intuito de ampliar a representação sociocognitiva
dos estudantes acerca da RE, o grupo de pesquisa, apoiado pela direção da escola,
proporcionou-lhes uma visita ao estúdio da rádio da Universidade para conhecê-lo e gravar os
programas da RE. Isso lhes possibilitou a vivência de uma produção mais qualificada de um
programa de rádio e o contato com universitários, estudantes de comunicação, além de
profissionais de rádio, que cotidianamente mobilizam recursos tecnológicos próprios desse
contexto de produção. A chance de gravar seus programas na rádio da UCS serviu como
incentivo e deu mais sentido ao trabalho com a RE na escola, visto que proporcionou uma
experiência de aprendizagem significativa, praticada no imbricamento desses três ambientes
discursivos: universidade, mídia radiofônica e escola.
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Um dos frutos colhidos da visita à rádio da Universidade, além do esclarecimento
sobre rádio educativa, foi a compreensão dos estudantes quanto à importância da definição de
papéis dentro do grupo responsável pela elaboração dos programas: produtor(es), roteirista(s),
âncora, locutor(es), repórter(es), operador de áudio etc. Isso contribuiu para a divisão das
responsabilidades e o aumento do comprometimento coletivo na viabilização do projeto da
rádio.
Durante o acompanhamento das primeiras aulas, para a construção dos especiais de
música, o grupo de pesquisa detectou a necessidade de mais sistematização e focalização das
atividades de ensinagem por parte da professora, com o intuito de obter crescente qualidade
na produção dos programas. Com esse propósito foram sugeridos três modelos diferentes de
lauda, os quais foram criados pelo grupo UCS-Produtore a partir de pesquisa na literatura
radiofônica e do diálogo com a professora e os estudantes. A apresentação de três propostas
diferentes, abertas para eventuais modificações, possibilitou aos estudantes escolherem a que
mais se articulava com seus objetivos, adaptando-a as suas necessidades. Essa atividade
também contribuiu para oportunizar aos estudantes o contato com um gênero textual típico do
ambiente discursivo de mídia radiofônica: a lauda, trabalhada em uma aula específica em que
foi mostrada uma unidade composicional prototípica para servir de base à organização dos
programas.
Com a outra turma, que estava trabalhando com a rádio pela primeira vez, a professora
em conjunto com os pesquisadores optou por fazer programas de variedades. Assim, os
estudantes poderiam conhecer o funcionamento da dinâmica de produção de um programa de
rádio, tendo acesso a diferentes quadros/gêneros de programas. Essa escolha de formato foi
ensejada pelo fato da professora demonstrar conhecimento prévio das atividades relacionadas
a essa modalidade de programa e porque esse tipo de programa, bem como por oportunizar
aos estudantes o trabalho com temáticas que abordam questões, em princípio, associadas à
realidade e às falas da comunidade que vinham sendo trabalhadas pela escola, oportunizando
um trabalho interdisciplinar.
Para o formato variedades também foi utilizada uma lauda própria, elaborada pelo
grupo de pesquisa UCS-Produtore a partir de consulta à literatura de referência e da análise
dos quadros/gêneros já utilizados nos programas. Visando a apropriação do gênero lauda
iniciou-se um trabalho de seqüência didática apresentando a situação de produção desse
gênero, associando o contexto de produção de uma rádio escolar ao contexto de produção
radiofônica convencional.
As intervenções feitas pelo grupo de pesquisa objetivavam potencializar o trabalho
com a rádio na escola. Do diálogo entre pesquisadores, estudantes e professora chegou-se
algumas decisões para sistematização da dinâmica de produção: criação de cronogramas,
incluindo a especificação de atividades vinculadas a rádio; definição dos tipos de programas e
dos seus respectivos quadros; discussão de pauta dos programas, deliberação das funções dos
integrantes de cada grupo (coordenador do grupo, produtor, roteirista, âncora, locutores,
repórteres, operador de áudio); escrita e reescrita da lauda; exercícios de técnicas de locução
(ensaio, gravação e regravação); análise contrastiva de programa ao vivo e editado e de tipos
de rádio: comercial, comunitária, educativa e escolar.
A implementação do cronograma de trabalho proporcionou a RE um avanço no
sentido de sistematizar e potencializar a realização de cada uma das atividades referentes à
produção de um programa. Observou-se na professora e nos estudantes uma maior
organização e dinamização das atividades a partir da visão global da produção. Assim, os
sujeitos envolvidos perceberam a importância da articulação das atividades programadas,
compreendendo melhor o processo pelo qual se deve passar até finalizar um programa.
Uma das etapas da dinâmica de produção e execução dos programas que contribuiu
para a apropriação dos gêneros textuais que circulariam na RE foi a de revisões: uma da
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produção escrita e outra de leitura. A primeira revisão teve como um de seus propósitos
resolver problemas focais de legibilidade, ortografia, acentuação, organização sintática do
texto, visando dar segurança aos locutores na visualização dos textos no momento da
gravação dos programas. Procedia-se a uma produção inicial e sucessivas reescritas dos textos
da lauda para assegurar uma leitura sem tropeços. Na revisão da leitura foram analisadas
questões técnicas de locução tais como: uso do microfone, postura corporal, bem como
questões fonéticas que envolvem a locução como a clareza da pronúncia das palavras,
acentuação silábica, ligação entre os vocábulos; entonação; intensidade da voz e as pausas
necessárias para a leitura no rádio. Percebeu-se por meio das atividades de revisão uma
sensível melhora na leitura e uma gradativa diminuição das dificuldades técnicas envolvidas
no processo de gravação final.
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Uma questão importante percebida no projeto da RE na José Protázio foi o caráter de
construção participativa dos programas, envolvendo não só estudantes, mas também outros
membros da comunidade escolar (equipe diretiva, coordenadora pedagógica, professores,
funcionários e pais) no processo de criação da RE. Desde as primeiras atividades, envolvendo
a pauta e o formato dos programas, até a sua transmissão final. A rádio escolar por ser
protagonizada pelos próprios estudantes e destinar-se à comunidade escolar pôde atender às
necessidades e anseios da escola como um todo, funcionando como um catalizador das vozes
da comunidade. Desse modo, ao estimular a polifonia, incrementou a socialização, estimulou
a cooperação, contribuindo para a evolução de mentalidades.
Uma questão que deverá ser apreciada é em relação à contínua revisão da formatação
dos programas, quadros e gêneros de texto. No caso dessa investigação está havendo uma
tendência da professora em replicar a experiência feita em uma turma na turma subseqüente, o
que acaba limitando a possibilidade de exploração de outros programas, quadros e gêneros de
textos. A escolha dos quadros do tipo de programa proporciona o contato com os produtores
da RE com ambientes discursivos variados. No caso dos programas analisados aqui,
Variedades e Especial de música abriu-se um mundo discursivo suigeneris aos estudantes,
que pode ser diferenciado a cada nova produção. O programa do tipo variedades proporciona
uma formatação com quadros mais fixos tais como: O que está rolando na escola: com os
gêneros notícia e reportagem; dicas culturais, etc., mas pode ser incrementado com muitos
outros, de acordo com a escolha e intenção dos estudantes. Quadros como Meio Ambiente,
Cidadania, Esportes, Alimentação e Saúde, Ciências, Tecnologia, etc. podem ser
implementados nos programas de modo que outras disciplinas do currículo escolar possam ser
contempladas, estimulando outros professores a participar do projeto. Em síntese cada grupo
de sujeitos envolvidos na produção da RE pode criar os programas que mais lhe convier.
Assim, a RE além de encorajar a aprendizagem participativa pode abrir espaços para a
prática inter e transdisciplinares, buscando crescente aproximação dos mapas curriculares
como sustentação de práticas pedagógicas inovadoras capazes de afastar da escola cenários
sombrios e pouco encorajadores às aprendizagens significativas.
Enfim, essa investigação vem demonstrando que a implementação de REs na escola
pode se constituir em uma ação deflagradora de processos de ensinagem criativos na educação
básica do nosso país, extrapolando a sala de aula, envolvendo toda comunidade escolar. Além
do trabalho sistemático de ensinagem de gêneros textuais orais e escritos, próprio da
disciplina de Língua Portuguesa, via seqüências didáticas, utilizando-se do procedimento de
escrita e reescrita, há no trabalho com a RE a possibilidade de desenvolver uma série de
habilidades de várias ordens, que proporcionam aos sujeitos envolvidos uma dinâmica de
formação escolar mais estimulante, corroborando para o desenvolvimento de múltiplas
competências desde a escola, visando em suma formar sujeitos que tenham condições de
interagir na sociedade como protagonistas.
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