Sie sind auf Seite 1von 57

1

O AFERIMENTO DO EQUILÍBRIO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA DIANTE DA


FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
(FAZER SUMÁRIO)

CAPÍTULO I

1. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO CONSTITUCIONAL

1 INTRODUÇÃO.

Com a evolução, o homem enfrentou novas necessidades, superando as


necessidades cotidianas. Essa evolução deu-se mediante um ritmo histórico. Os
costumes, principalmente nas pequenas comunidades, que viviam quase sempre
isoladas, mantinham fortes tradições da sua cultura. Com isso a evolução era lenta,
envolvendo gerações e gerações. Esse processo inovador, lento, avançava, em alguns
períodos, mediante contatos com outras sociedades. Assim, o intercâmbio com outras
comunidades diferentes resultava num aumento de novas necessidades, diversificando
os meios para solucioná-las. Acolhidas as mudanças, estas se prolongava no tempo,
permanecendo até que novo fato social viesse a modificá-las. Desta forma constinuava o
avanço cultural, regulado apenas quanto a velocidade e intensidade das realizações.
As necessidades do homem do nosso tempo se contrapõe a existência dos
recursos para satisfazê-las, sendo que a limitação dos recursos naturais já é conhecido,
quase insuperável, mesmo com a constante inovação gerada pela ciência tecnológica. A
tecnologia tenta de todas as formas substituir ou alongar o esgotamento dos recursos
naturais imprescindíveis às necessidades humanas, mas atualmente mostra-se quase
impotente. Com isso resta somente administrar o poucos recursos existentes, visando
superar a previsível fatalidade com que desponta o futuro da humanidade diante da falta
de recursos indispensáveis à sua sobrevivência. Tem-se pela frente o surgimento do
temor de total paralisação do processo econômico. Com isso nasce o conceito de
Economia, conjugando a vivência cotidiana de cada um, com suas necessidades e
grande número, expandindo-se indefinidamente, com a limitação dos recursos para o
seu atendimento.
A satisfação das necessidades humanas resulta na em atividade econômica, que
aplica métodos para a escolha dos bens para atender essas mesmas necessidades. Ao
2

longo do tempo, o homem se preocupa com a limitação dos recursos essenciais à sua
sobrevivência.
Com a evolução lenta, o homem criou instrumentos que facilitaram suas
necessidades, como a colheita, a caça e as pesca.
As mudanças nos alicerces da sociedade, com o tempo, veio com a invenção de
instrumentos para o trabalho que utilizavam metais, tendo o ferro, cobre e bronze como
os principais.
Com o advento da revolução industrial, surgida na Grã-Bretanha no século
XVIII, importantes inovações modificaram s estruturas econômicas nas nações do
mundo, e o trabalho voltado para a produção de alimentos passou a ser distribuído em
outras atividades econômicas.
O desenvolvimento dos direitos econômicos, sociais e culturais está ligado com
o crescimento dos movimentos sociais. Os trabalhadores tiveram pela frente o
surgimento do capitalismo, cuja força de expansão era fortalecida pelo Estado, que por
sua vez não intervinha nas relações de trabalho que congregava os operários.
Assim, esses movimentos sociais perceberam a necessidade de se organizar para
buscar força e, deste modo, enfrentar os avanços do capitalismo que julgavam ser
exploradores. Passaram, então, a exigir do Estado uma intervenção nas relações entre
capital e trabalho que mitigasse a desigualdade existente; assim, a classe trabalhadora
procurou se unir, cuja estratégia foi a responsável pela garantia dos direitos que vieram
a proporcionar-lhes melhores condições sociais.

[...], os movimentos sociais do século XIX buscavam aprofundar essa


transformação em termos de proporcionar uma vida melhor para
as pessoas. As tensões sociais – identificadas com as necessidades
relacionadas a condições de trabalho, educação, saúde, moradia,
etc.-, trazidas ao campo político, marcaram o século XIX, que
instituiu e consolidou o sistema capitalista de produção. A
realidade européia do século XIX foi marcada, portanto, pelo
desenvolvimento do Capitalismo, em contraponto com o aumento
das insatisfações de grandes parcelas da sociedade baseada no
crescimento econômico conseguido através da iniciativa privada –
um mundo de contínuo progresso material e moral -, o que se
presenciava, na realidade, eram condições de vida muito difíceis
3

para as maiorias trabalhadoras, embora fossem grandes os


contingentes populacionais beneficiados com a expansão
capitalista de meados daquele século.1

Desta forma, inverso à teoria liberal dos direitos fundamentais, que assegura a
autonomia individual do cidadão pela intervenção do Estado, desenvolveu-se a nova
teoria social dos direitos fundamentais, que

Seriam todos os direitos de liberdade acrescidos dos direitos de intervenção do


Estado, capazes de assegurar materialmente o respeito à
dignidade da pessoa humana,2 porque sem o acesso à saúde,
habitação, emprego, e outros dados sociais, a aspiração à
autonomia individual se transforma em exercício de retórica.3

Esse pensamento teórico trouxe uma mudança política e o Estado Liberal


transforma-se, vagarosamente, em Estado do Bem-Estar Social no século XX.
Historicamente, a primeira constituição a dispor de uma declaração sobre dos
direitos econômicos, sociais e culturais foi a Constituição Mexicana, de 1917, resultado
de processo revolucionário, que teve como objetivo instituir nova sociedade, tendo com
base o direito ao trabalho.

1.2 O CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE CONSTITUIÇÃO.

O Direito Constitucional Econômico afere-se pelo entendimento do atual


conceito de Constituição, com dois pontos em destaques:
a) Em primeiro lugar, o Conceito de Constituição, vista esta enquanto
documento solene, jurídico e portador dos valores sociais maiores consagrados pela
sociedade, devem ser considerado em seus dois sentidos – o material e o formal;
b) Em segundo lugar, as transformações pelas quais passou o
constitucionalismo contemporâneo em seu aspecto material, e que tivera profunda
influência na denominada Teoria da Constituição, ciência-política que se vem
1
Cf. LIMA JR., Jaime Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais, p 15-16
2
Cf. RAMOS, André de Carvalho. Direitos humanos em juízo, p. 31
3
Ibid., mesma página.
4

desenvolvendo ao lado da Ciência Política, da Teoria do Estado e do próprio Direito


Constitucional, cujo objeto compreende exatamente, a análise do conceito, sua
elaboração, processos de mudanças formais e informais, conteúdo e classificação dos
textos constitucionais4.

Desta forma, a consequência reflexiva é a transformação das denominadas


Constituições Sintéticas (típicas do século XIX) para Constituições Analíticas, assim
entendidas estas últimas por serem formadas de um grande número de Títulos,
Capítulos, Artigos, Incisos e Parágrafos, impedindo que o texto seja reduzido, conciso,
sintético.
Esta modificação no conteúdo das Constituições resulta da elevação de novos
assuntos ao grau de valor constitucional, produzindo dois efeitos, a saber:
a) A questão econômica passa a ser protegida pela supralegalidade e pela
imutabilidade relativa, ou seja, sua alteração está sujeita ao processo legislativo previsto
pelos parâmetros delineados no denominado Poder de Reforma (CF, art. 60);
b) As normas infraconstitucionais de natureza econômica estão sujeitas ao
controle de constitucionalidade frente à Constituição e aos Princípios informadores da
Ordem Econômica previstos nessa mesma Constituição Federal (CF, arts. 170 a 192).
O atual sistema constitucional brasileiro promulgado a 05/10/88, segue o modelo
de constitucionalismo sócio-econômico iniciado com a nossa Constituição de 1934 e
que esteve previsto nas constituições subseqüentes.
Mesmo diante dos diversos conceitos apresentados pela Doutrina ( ex: HANS
KELSEN, GARCÍA PELAYO, CARL SCHIMITT, HERMANN HELLER, PINTO
FERREIRA e outros), temos que a análise da Constituição atinge seu objetivo pelo
prisma dos conceitos material e formal, pois que, o material traz-nos os conteúdos
ideológicos e sociológicos e, em conseqüência, filosóficos e históricos do documento.
RUDOLF SMEND no livro Constitución y Derecho Constitucional5 escreve
que “para la doctrina dominante la Constitución es, ante todo, una ordenación de la
formación de la voluntad de un grupo social y de la situación jurídica de sus miembros;
la Constitución de un Estado comprende, pues, las normas jurídicas que regulan los
órganos supremos del Estado, su formación, competência y relaciones mutuas, asi
como el status básico en el que se encuentra el individuo frente al Estado. La
4
Graças a estas transformações pode-se falar em uma Constituição Econômica, a partir da qual surgem os
estudos de Direito Constitucional Econômico.
5
Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1985, PP 129-130.
5

Constitución dota el Estado de órganos que le facultan para querer y para actuar,
dándole a través de ellos una personalidad jurídica.
A esta concepción, característica Del positivismo y Del formalismo jurídico, se
opone otra concepción que considera a la Constitución como la ‘ley’ (no
necesariamente jurídica) que regula y ordena la vida política de un Estado. La
definición más radical en este sentido es la de Lasalle, para quien la verdadera
Constitución de un país no son más que las relaciones fácticas de poder reinante en él y
no el ‘pedazo de papel’ que representa la Constitución escrita”.

JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional6) sobre a


Constituição Material diz que “a fim de se tornar inteligível o conceito, convém partir
das seguintes distinções:
a) Constituição real (material), entendida como um conjunto de forças políticas,
ideológicas e econômicas, operantes na comunidade e decisivamente condicionadoras
de todo o ordenamento jurídico.
b) Constituição formal: refere-se à constituição como acto escrito e solene que,
como fonte de direito, cria normas jurídicas hierarquicamente superiores (combinam-se
aqui os elementos atrás diferenciados de constituição normativa, de constituição formal
e constituição instrumental).
c) Constituição material (normativo-material) é o conjunto de normas que regulam
as estruturas do Estado e da sociedade nos seus aspectos fundamentais,
independentemente das fontes formais donde estas normas são oriundas”.

J. P. GALVÃO DE SOUZA no artigo intitulado Tensão entre a Norma e a


Realidade no Direito Constitucional7 afirma: “Se as leis pouco valem sine moribus,
sem estarem assentadas na realidade e no direito histórico, isto também é verdade em se
tratando da lei fundamental do Estado, mesmo na hipótese de um novo regime político a
estruturar quando importa ajustar instituições a um determinado meio, levando em conta
os hábitos sociais, as tradições locais e regionais, o caráter do povo, enfim todo um
background (conhecimento/experiência) psico-sociológico, político e econômico. Nesta
subestrutura se acha o que há de mais fundamental ou constitucional numa nação, a sua
constituição social, o suporte da constituição política. Essa última não deve ser um

6
Livraria Almedina, Coimbra, 1987, 4º ed., p. 64.
7
Publicado no livro “A Historicidade do Direito e a Elaboração Legislativa”, São Paulo, 1970, p. 91.
6

produto concebido aprioristicamente ou fabricada como um artefato, pois não é obra de


engenho mecânico, mas de prudência legislativa, se o legislador prudente sabe auscultar
os condicionamentos sociais”.
O visão formal da Constituição não se volta pelo que contém o documento em
si, e sim pelo processo de sua elaboração e pelas características que deverão nortear-lhe
frente às demais formas de manifestação da norma jurídica, cuja doutrina entende ser a
expressão tecnicamente mais correta do que a tradicionalmente consagrada fontes do
direito.
Os defensores da Teoria da Constituição ou Direito Constitucional Geral,
fixam-se apenas ao conceito formal de Constituição, o que leva a ter um olhar somente
jurídico, acentuando-se entre tais doutrinadores, um entendimento incompleto sobre o
tema.
Enquanto a ordem econômica é, a constituição econômica dever ser,
representando, sob o ponto de vista jurídica-positivo, os valores sociais ou a ideologia
predominante.
A Constituição Econômica, como afirmado por RAUL MACHADO HORTA,
não existe de forma independente da Constituição Jurídica do Estado, mas, pelo
contrário, nesta poderá, ou não, existir, sem que sua inexistência comprometa (salvo sob
os ângulos sociológico e ideológico) a caracterização daquela. Em outras palavras, a
Constituição Econômica deve ser vista apenas como um subsistema da Constituição
Total do Estado, esta sim, o próprio sistema.
Este modo de compreender também nos permite falar em conceitos material e
formal da Constituição Econômica, ao passo que fundamentarmos o conteúdo de
algumas questões básicas:

a) Que tipos de relações econômicas os documentos constitucionais


regulamentam?
b) Qual a extensão da matéria econômica hoje incorporada às Constituições
(conceito material), bem como (conceito formal) que tipo ou natureza de normas
materialmente econômicas os textos constitucionais consagram?
c) São elas auto-aplicáveis ou dependerão de regulamentação através de Lei
Complementar ou Ordinárias (as duas expressões existentes na legislação brasileira)?
d) Em consequência, sua eficácia é mediata ou contida?
7

É claro que as respostas serão de acordo com o texto constitucional analisado.

1.3 A ATIVIDADE ECONÔMICA

A vida social implica, necessariamente, conforme leciona RAYMOND BARRE,


em atividade economica8que, “ em sua essência, é dirigida para uma sujeição
progressiva das forças da Natureza e um domínio progressivo dos meios adequados à
luta contra a escassez: é orientada para o crescimento e o progresso”, encontrando “seu
impulso e estímulo nas reações humanas ao desafio da escassez e nas oportunidades
matérias pelo meio econômico”.
Em livro intitulado Lei de Proteção da Concorrência – Comentários à Lei
Antitruste9, JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA escreve que “ o exercício
da atividade econômica é o instrumento através do qual o homem, dentro do contexto
social, procura para si os meios de satisfazer as próprias necessidades, produzindo bens
de uso, e satisfazer as do grupo social, produzindo bens de troca.

[...] O mercado é o lugar em que atuam os agentes da atividade econômica, e em


que se encontram a oferta e a demanda de bens e onde,
consequentemente, se determinam o preço e as
quantidades; para que essa atuação possa realizar-se de
maneira diferente, de tal forma a permitir a todos a plena
expansão de sua atividade, é necessário asegurarar-lhes
uma adequada possibilidade de exercerem sua atividade.
Para que tal aconteça, será imprescindível que todos
tenham garantida a possibilidade de entrar no mercado,
nele permanecer e desair a seu exclusivo critério”.

Quando do Liberalismo Econômico, o econômico não constava como prioridade


do Estado. Atualmente este veio a ter compromisso, inclusive com disposições

8
BARRE, RAYMOND. Manual de Economia Política. Ed. Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1968, vol
1, p.107.
9
FONSECA, JOÃO BOSCO LEOPOLDINO. Lei de Proteção da Concorrência. Ed. Forense, São Paulo,
1995, p. 1
8

específicas, por meio da denominada Constituição Econômica10, expressão encontrada


com freqüência na Doutrina.

1.4 A ORDEM ECONÔMICA

Encontramos na doutrina três dimensões da ordem econômica, a saber: a


ontológica (o que é), a axiológica ( que valores adota ) e a teleológica (que resultados
persegue).
A dimensão ontológica compreende seus fundamentos fáticos: o trabalho , os
meios de produção e a iniciativa econômica.
A dimensão axiológica envolve os princípios que atuam como norte da atividade
interventiva do Estado e são: a soberania, a função social da propriedade e a livre
concorrência.
E a dimensão teleológica acolhe as finalidades a que visa o Estado ao intervir na
ordem econômica, ou seja o resultado a ser idealmente alcançado com a sua
intervenção: a existência digna da pessoa humana, a sua defesa enquanto consumidor, a
defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do
pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”

1.5 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

1.5.1 Conceito de Intervenção

GUILHERMO ALFREDO POSE ao tratar do tema, adverte com muita


propriedade, que “ las relaciones entre el Estado y la economia es uno de los graves
problemas que preocupan tanto a los estadistas como a todos los pueblos del mundo. La
acción del Estado em el mundo econômico no constituye um menester nuevo, bastando
recordar que desde la remota antiguedad se há verificado su intervención em esse
campo11”

10
ATHIAS, JORGE ALEX. A Ordem Econômica e a Constituição de 1988. Ed. Cejup, Rio de Janeiro,
1997.
11
POSE,GUILHERMO ALFREDO. La Intervención del Estado em Empresas Privadas. Depalma,
B.Aires, 1985, p. 1
9

A ideologia constitucionalmente adotada faz com que tenhamos diversos


modelos constitucionais e que em cada época o Estado tenha seus próprios padrões,
inexistindo um critério científico que mostre qual o modelo apropriado, seja no âmbito
do próprio texto constitucional ou mesmo infraconstitucional.
Assim, sob o ponto de vista formal é possível que determinada característica
faça parte do conceito de Constituição, válido para diferentes épocas e sistemas, sendo
que do ponto de vista material isso não se mostra possível, pois que o conteúdo
constitucional varia conforme a vontade do legislador.
Surgiu, portanto, o modelo liberal, passando pelo modelo social e, atualmente,
temos o denominado modelo neoliberal, tendo em cada um a intensidade com que o
Estado interfere na economia, através do denominado instituto da Intervenção, sobre
a qual, HELY LOPES MEIRELLES, em seu Curso de Direito Administrativo12,
escreve: “ Para o uso e gozo dos bens e riquezas particulares, o Poder Público impõe
normas e limites e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade
privada e na ordem econômica, através de ato de império tendentes a satisfazer as
exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular. Nessa
intervenção estatal, o Poder Público chega a retirar a propriedade privada para dar-lhe
uma destinação pública ou de interesse social através de desapropriação; ou para acudir
uma situação de iminente perigo público, mediante requisição; em outros casos,
contenta-se em ordenar socialmente o seu uso, por meio de limitações e servidões
administrativas; ou em utilizar transitoriamente o bem particular, numa ocupação
temporária. Na ordem econômica o Estado atua para coibir os excessos da iniciativa
privada e evitar que desatenda às suas finalidades, ou para realizar o desenvolvimento
nacional e a justiça social, fazendo-o por meio da repressão ao abuso econômico, do
controle dos mercados e do tabelamento de preços”.
O vocábulo Intervenção, de uso bastante intenso tanto no Direito Constitucional,
quanto no Direito Administrativo e no Direito Econômico, é daqueles que são possíveis
vários conceitos, a ponto de WASHINGTON PELUSO ALBINO DE SOUZA, em seu
Direito Econômico13, estudando o fenômeno, apontar-lhe três sentidos, a saber:
a) Etimologicamente, a intervenção provém do latim interventus us, significando
ação ou efeito de intervir, que, por sua vez, significa meter-se de permeio, sobrevir, etc.

12
MEIRELLES, HELY LOPES. Curso de Direito Administrativo. Ed. Brasileiros, 1998, 23º edição, PP
481-482.
13
SOUZA, WASHINGTON PELUSO ALBINO. Direito Econômico. São Paulo. Saraiva, 1980, p. 398
10

b) Politicamente, traduz de certo modo uma ação excepcional, isto é, tomada


quando se faça necessária a presença da autoridade para restabelecer a ordem estatuída,
tal como se dá no Federalismo, quando o governo central se vê levado a intervir, no
Estado-Membro, ou, de modo geral, quando o governo age no sentido de restabelecer a
harmonia em qualquer entidade;
c) Juridicamente, a intervenção é considerada em face dos instrumentos legais que
autorizem; das doutrinas que a consagrem; identificando princípios de direito sob os
quais se firma e dos quais se retira a sua legitimidade. Estes instrumentos podem ser
catalogados em qualquer ramo do conhecimento jurídico, sem que tal fato implique a
exclusividade de tratamento da intervenção por algum deles.

O principal de seu emprego para o Direito é o da invervenção do Estado no


domínio econômico”.

1.6 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Por volta do século XVIIII o proprietário possuía direito absoluto sobre a sua
propriedade podendo dela dispor e gozar do modo que lhe parecesse mais conveniente.
Esse direito nasceu do Liberalismo, no Código Civil de Napoleão, sendo que serviu de
modelo em diversos códigos civis do mundo, sendo previsto no nosso Código Civil
Brasileiro de 1916.
Essa disposição perdeu sua vigência pela chegada do Novo Código Civil
Brasileiro, em 2003.
Considerando a propriedade, seja urbana ou rural, como direito de propriedade
absoluta, sem se importar com a provocação do desequilíbrio fundiário, diversas
propriedades rurais foram parar nas mãos de poucos.
Esse acumulo não levava em conta o fator social da terra.
Nasceu, assim, as idéias marxistas, que procurava distribuir a propriedade
visando mitigar injustiças sociais.
No plano jurídico Leon Duguit afirmava que a propriedade é uma função social,
com base na seguinte argumentação:
11

“ Segundo, todo o indivíduo tem obrigação de cumprir na sociedade uma certa


função social, que decorre do lugar que ocupa. O proprietário, de fato de possuir a
propriedade, tem de cumprir a finalidade social que lhe é implícita e somente assim
estará socialmente protegido, porque a propriedade não é direito subjetivo do
proprietário, mas função social de quem a possui. Logo, se o homem não a utiliza ou
utiliza mal, contraria o interesse do correto aproveitamento pelo que o direito objetivo
do proprietário deve desaparecer.”

Esta teoria defendida por Leon Duguit recebeu criticas, sendo que a Igreja
Católica passou a defendê-la paralelamente, afirmando que: “A propriedade não é uma
função social, mas tem uma função social”.14

1.7 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO


VIGENTE.

A função social da propriedade está prevista no artigo 5º, inciso XXIII da


Constituição Federal de 1988. Isto posto tem que a propriedade deve estar cumprindo a
sua função social. Dentro do normativo constitucional elencados como princípios da
ordem econômica observa-se a propriedade privada e a correspondente função social
(art. 170, incisos II e III). Claro fica que tanto a propriedade urbana e a rural deve
atender sua função social.

1.8 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

Entende alguns que a distribuição desigual de bens sociais como a riqueza, o


poder seria resultado do complexo desenvolvimento da própria sociedade.
Isso seria entendido como um aspecto complexo da vida econômica.
Entretanto as desigualdades, principalmente as mais graves, é um perverso efeito
desse sistema econômico estabelecido. Seria necessário uma revolução que alterasse o
padrão adotado e os malefícios deles resultantes.

14
PEREIRA, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues. Reforma Agrária: um estudo jurídico.
Belém.Cejup,1993, p.54.
12

A repartição da renda pessoal, adotado de forma geral pelas nações, provoca


desigualdade econômica diante do modelo de estrutura adotado, verificando-se em
épocas passadas e presentes das sociedades, variando a sua acentuação.
Não há registro de alguma economia que possua padrões de distribuição de
renda e riqueza que possam ser considerados de igualdade absoluta.
É comum nas nações o mecanismo de repartição de bens e valores fundados
numa escala que provocam grandes desigualdades. Há ricos e pobres em todas as
economias, independente do grau de desenvolvimento verificado na respectiva nação.
É notório que a população da base possue uma situação socioeconômica,
conforme a renda recebida, que indicam acentuada pobreza, chegando esta a ser
absoluta.

1.9 DESECONOMIA.

A atividade econômica está inserida num contexto social em diante disso acaba
por gerar custos para o empresário que a explora e também para a sociedade. A
movimentação de indústrias, que utiliza matéria-prima, causa poluição do ar,
necessidades de investimentos públicos em infra-estrutura, dentre outros, acaba por
gerar custos sociais. Esses custos sociais podem não alcançar os benefícios que a
atividade econômica traz para sociedade, como os empregos, satisfação dos
consumidores e suas necessidades, etc. Esse resultado entre custo e beneficio não tem
equilíbrio garantido sendo que os agentes econômicos podem ter mais benefícios do que
custos, ocorrendo risco de suportar mais os custos.
Se os custos forem maior que os benefícios estaremos diante do que
tecnicamente denominamos ‘externalidade’ ou ‘deseconomia externa’.
Entende-se por agentes econômicos aqueles que organizam e dirigem atividades
econômicas de produção ou circulação de bens e serviços, de modo amplo, atingindo
todas as pessoas envolvidas na economia.
Externalidade é conceituada como o efeito produzido por um agente econômico
que causa resultado positivo ou negativo sobre a atividade econômica sem a
correspondente compensação.
Em exemplo citado por Nelson Nery Junior, temos que ‘nenhum pedestre
morador de uma metrópole, por exemplo, é compensado por respirar o ar contaminado
pelos poluentes produzidos por veículos das empresas de transporte coletivo, mas
13

também não é obrigado a remunerar ao aumento de espaço livre nas calçadas propiciado
pelo serviço dessas mesmas empresas. Tanto a poluição do ar como os aumentos do
espaço livre nas calçadas são, para o pedestre, externalidades da prestação do serviço de
transporte coletivo de parte a parte’.
Continua o autor dizendo “que há dois desdobramentos jurídicos da noção de
externalidade: a forma de se distinguirem as relevantes das irrelevantes e a eleição de
mecanismos para a compensação das externalidades relevantes”.
Nelson Nery Junior, citando Mercado Pacheco entende que o primeiro aspecto
do aproveitamento desse conceito econômico no campo do direito – a separação entre
externalidades relevantes e irrelevantes – estaria ligado à determinação da ilicitude ou
licitude da atividade (1994:136). Entretanto, a importância da externalidade é relativo
perante o comportamento social não havendo necessidade de estar presente em normas
que regulam na atividade econômica. É o caso do meio ambiente ter sofrido os efeitos
da indústria cuja preocupação tomou o sentido de relevante somente recentemente, e
mesmo assim com pouco ou frágil controle da produção de poluentes. A compensação
de externalidades pode gerar novas externalidades, como por exemplo, o estado ao
exigir proteção ambiental perante a atividade econômica (indústria) causa uma
externalidade para o empresário.
Desta forma a exploração de atividade econômica traz em si uma gama de
efeitos negativos ou positivos que não passível de compensação. Nesse ponto, torna-se
de menor valor os interesses atingidos passando a ser ignorado pelo direito.
Uma vez que externalidade é relevante, és que produzida por uma atividade
econômica (a indústria polui e gera emprego) deve verificar a necessidade de
compensação, apreciando o efeito negativo e os positivos. Nessa linha entende-se que
uma externalidade, em sendo compensada, deixa de ser externalidade operando-se a
internalização.
Segundo Nelson Nery Junior ‘Não há como eliminar, na exploração de
atividades econômicas, uma determinada margem de produção de efeitos negativos ou
positivos não compensáveis. Nessa margem, correspondente às externalidades
irrelevantes, os efeitos gerados pela empresa não merecem sequer a atenção do direito.
Correspondem a fatos não jurídicos, istoé, ignorados pela ordem jurídica, tendo em vista
a irrelevância dos interesses atingidos, segundo ponderações de valor variáveis
historicamente.
14

O segundo desdobramento do conceito de externalidade na matéria jurídica


volta-se à definição dos mecanismos de compensação entre os agentes econômicos
expostos a tais efeitos (empresa e comunidade, empresários e vizinhos, fornecedor e
consumidor etc.) Ou, como prefere a economia, este desdobramento diz respeito ao
processo de internalização das externalidades. Quer dizer, uma vez conferida
relevância a certos efeitos produzidos por um empreendimento econômico – a indústria
polui e gera empregos - , cabe discutir como se prócer à sua compensação, por meio de
imputação de obrigações ao empresário pelos efeitos considerados negativos, e do
reconhecimento de direitos em relação aos reputados positivos. Por definição, quando
uma externalidade é compensada ela deixa de ser externalidade. É, por assim dizer,
internalizada. Internalizar as externalidades para equalizar a relação custos-benefícios
sociais e, em termos jurídicos, impor deveres e garantir direitos para fazer justiça.

“Quando o direito considera relevante uma certa externalidade e determina a sua


compensação, opera-se a ‘internalização’. Isto é, a
externalidade, que se define como efeito não compensável,
deixa de ser externalidade”

Na questão da internalização de externalidades existem duas formas de se


compreender o papel do estado e do direito na organização econômica: de um lado, a da
economia do be-estar, e de outro, a da análise econômica do direito.
A economia do bem estar é defendia por Arthur Pigou, que na década de 1921,
criticou as concepções clássicas do livre mercado para equilibrar os custos e benefícios
sociais. Segundo ele, as externalidades provêm de falhas no mercado, sendo de
responsabilidade do estado corrigi-las através do sistema tributário.
Para os economistas dessa corrente se criaria um cálculo dos custos socais
comparando-os aos custos individuais diante de cada atividade econômica. Havendo
diferença ocorreria uma externalidade e o estado internalizaria da seguinte forma: se a
sociedade fosse prejudicada (custos sociais maiores que os individuais), o Estado seria
credor, e o empresário pagaria um tributo; ao contrario o estado seria devedor e o
empresário teria direito a isenções ou incentivos.
Ronald Coase, da Escola de Chicago, analisando o entendimento de Pigou sobre
os custos sociais (1960) pretende criar um modelo capaz de conciliar a aplicação de
normas jurídicas a padrões de eficiência econômica.
15

Tendendo a ideologia liberalista, a análise econômica do direito entende que as


externalidades não são reflexos de falhas do mercado, mas circunstâncias de conflito
cuja solução deve ser dada pelos próprios interessados. Nega que a atividade econômica
surta efeito, em si mesma, de natureza positiva ou negativa. Diz Coase que o que é
favorável a um empresário é consequentemente desfavorável ao outro, sendo que cada
um procurara alternativa para alcançar o seu lucro.
Segundo Coase, citado por Nelson Nery Junior, a externalidade somente gera
ineficiência quando os custos são altos, isto é, quando a diferença entre o agente
econômico que cria e o que suporta tem uma elevada diferença.
Assim na visão da economia do bem-estar, estado é o agente do mecanismo de
internalização das externalidades, cuja responsabilidade é definir e dimensionar
eventuais custos sociais, fixando a necessidade de compensação. De outro lado, a visão
econômica do direito tem que o Estado, quando da internalização das externalidades,
deve se limitar a redução dos custos do negócio entre os particulares.
Percebe-se que as duas corrente são reflexos das circunstâncias da reorganização
ocorrida no século XX, relativo ao sistema capitalista, procurando impor limites na
intervenção do Estado na economia.
Entretanto, a economia do bem-estar e a análise econômica do direito, defendida
por Pingou e Coase, não encontraram, de fato modelos ideais de reorganização da
economia que pudessem delimitar o campo de intervenção e não intervenção do Estado
na atividade econômica. A dinâmica da evolução social obriga o Estado a manter-se
também em posição dinâmica, cuja internalização das externalidades seguem diferentes
momentos do capitalismo. A intenção da economia do bem-estar (utilização do sistema
tributário para internalizar externalidades) e o da análise econômica do direito (a
eficiência econômica como fator das decisões judiciais), são concepções abstrata e
irreal, pois que fundamenta o Estado capitalista com natureza, função e dimensão imune
aos conflitos entre as classes sociais.

CAPÍTULO II

2 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL


16

2.1 ORIGEM DO DIREITO COMERCIAL

Alguns autores identificam na Roma antiga a origem do direito comercial. No


entanto, deve se esclarecer que os romanos não conheceram regras específicas para as
relações comerciais, pois o ius civile acabava por comtemplar normas que regiam
eficientemente todas as relações jurídicas de cunho privado, independentemente de se
tratar de conteúdo civil ou mercantil. Todavia, o direito romano, ao contrário do que
possa parecer, exerce influência direita no surgimento do direito comercial. Nele se
verifica a origem do instituto da falência, as normas básicas sobre os contatos mercantis,
a ação pauliana como forma de reprimir a fraude contra credores, a responsabilidade
civil dos banqueiros e o comércio do transporte marítimo, entre outros.
O direito comercial surge, no entanto, como autônomo do direito depois da
queda do Império Romano, na Idade Média, com o objetivo de dar maior segurança à
atividade mercantil. Naquela época o mundo assistia à desagregação social e política
advinda da pulverização do Estado, razão pela qual os próprios cmerciantes criaram
suas corporações, que tinham como função ditar normas aplicáveis ao comércio e julgar
os possíveis conflitos decorrentes dessa aplicação, dando origem a um direito singular:
o ius mercatorum, emanado de uma classe social, em vez de se originar no Estado. O
direito comercial, em sua origem, assumiu um caráter consuetudinário (baseado nos
costumes dos mercadores) e corporativo (surgido no seio das corporações de
mercadores, como organizações profissionais, e aplicado por estas a seus membros).
Com o passar do tempo estas regras ganharam tamanha credibilidade e
importância que acabaram sendo adotadas pelos governos da época, tendo sua aplicação
disseminada por toda a Europa, adquirindo, assim, caráter internacional. As mais
conhecidas instituições do direito comercial remontam a este período, tais como a
matrícula dos comerciantes, o regime dos livros comerciais, o regime das instituições
financeiras, a letra de câmbio etc.
Com o término da Idade Média, o comércio, que até então tinha sua pujança
estabelecida no Mediterrâneo, especialmente nas cidades italianas de Gênova, Pisa,
Amalfi, Veneja, Milão, Bolonha, Siena e Lucca, transporta-se para o Atlântico, tendo
como personagens Portugal e Espanha, seguidos da Inglaterra, Holanda e França, agora
com o objetivo de exploração do Novo Mundo. Muito embora a Itália não mais se
encontrasse no centro das atenções no que diz respeito ao comércio, foi ela o seio dos
17

primeiros estudos da ciência do direito comercial, dando origem à chamada Escola


Italiana, que se ocupou em sistematizar cientificamente o direito comercial.
Mais tarde, com o surgimento dos Estados nacionais, aquele direito comercial
consuetudinário, nascido da prática mercantil e apartado de um Estado soberano, acabou
ganhando do próprio Estado sua legitimidade, que verificou a importância de se dar
maior segurança jurídica possível às relações mercantis como forma de propiciar o
desenvolvimento econômico e preservar os interesses sociais.

2.1.1 O direito comercial no Brasil

Não há falar em direito comercial brasileiro no período do Brasil-colônia.


Àquela época as normas jurídicas que regulavam a atividade mercantil seriam
justamente as ditadas por Portugal, advindas, portanto, do direito português. Somente se
detecta um direito comercial brasileiro propriamente dito com a Independência do
Brasil, em 1822, marco inicial para a construção do ordenamento jurídico nacional.
Entretanto, com a dificuldade da criação de uma legislação mercantil brasileira logo
após a Independência, continuaram vigorando temporariamente no Brasil leis
portuguesas então vigentes, sendo que, em matéria de direito comercial, destacavam-se
leis e alvarás dos séculos XVII e XVIII, dentre eles a chamada Lei da Boa Razão, que
determinava a aplicação subsidiária, entre nós, das leis comerciais vigentes nas “nações
cristãs, iluminadas e polidas, que com elas estavam resplandecendo na boa, depurada e
sã jurisprudência”, fazendo com que aqui fossem aplicadas a legislação comercial
francesa e a espanhola.
Fortemente influenciado pelos Códigos francês, espanhol e português, surgiu
entre nós o Código Comercial do Império do Brasil, promulgado pela Lei 556, de
25.06.1850, que, ao contrário do que se possa imaginar, não adotou a teoria dos atos de
comércio como forma de identificação de sua abrangência e aplicação. Em seu art. 4º, o
Código estabelecia que “ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da
proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha
matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia
profissão habitual (art. 9º)”.
A grande dificuldade, no entanto, foi justamente conceituar o que era mercancia.
Este problema se revestia de grande conseqüência prática, na media em que, naquela
época, existiam duas jurisdições: a civil e a comercial. Ou seja, um determinado juiz ou
18

tribunal, para julgar uma lide, deveria antes de mais nada verificar sua competência.
Assim, se se tratasse de um tribunal do comércio, deveria ele examinar se a matéria
discutida era efetivamente matéria comercial ou não. Para solucionar esta dificuldade,
também 1850, foi editado o Regulamento 737, norma de cunho processual que acabou
por enumerar quais eram aqueles atos que objetivamente identificavam a mercancia,
adotando-se, desta forma, a teoria objetiva dos atos do comércio.
Esta disposição legal vigorou até a extinção dos Tribunais do Comércio em 1875
e a unificação da jurisdição civil e comercial em uma só, ocasição em que a distinção
entre a condição jurídica do comerciante e a do não comerciante perdeu muito de sua
importância. A partir daí, o elenco do art. 19 do Regulamento 737 acabou por tornar-se
mero indicativo para a definição da atividade mercantil, perdendo sua força legal
imperativa. Comerciante deixa de ser aquele que pratica determinados atos delimitados
pela lei, e passa a ser aquela pessoa que, profissionalmente, pratica a mercancia
considerada como atividade de intermediação entre o produtor e o consumidor, exercida
com fim lucrativo.

2.2 A CAPACIDADE EMPRESARIAL

A capacidade empresarial, ou empresariedade, é um dos fatores de produção de


que as economias nacionais dispõem. A descoberta e a exploração de recursos naturais,
a mobilização da população em idade de produzir, a escolha dos bens de capital, a
definição dos padrões tecnológicos que serão empregados – enfim, a mobilização, a
aglutinação e combinação dos demais fatores de produção pressupõem a existência de
determinada capacidade de empreendimento. É através dela que os recursos disponíveis
são reunidos, organizados e acionados para o exercício de atividades produtivas.
Na realidade, a existência de recursos humanos aptos para o exercício de
atividades produtivas, a disponibilidade de capital, a dotação de reservas naturais e a
capacidade tecnológica acumulada só geram fluxo de produção quando mobilizados e
combinados.
E todo esse esforço de mobilização e coordenação é atribuível a capacidade
empresarial.
Há autores que destacam a capacidade empresarial como o mais do importante
dos fatores de produção; sua persistente busca pelo lucro e por outros elementos
motivadores inerentes à produção e distribuição de bens e serviços é a principal força
19

propulsora do processo econômico. A empresariedade seria, assim, a energia


mobilizadora da economia. A carência de espírito empresarial retarda movimentos
inovadores e inibe o processo de crescimento econômico. Em contrapartida, nações
dotadas energia empreendedora mobilizam as potencialidades existentes, desenvolvem
esforços de complementação de suas deficiências naturais e emergem em pouco como
potencias competitivas.
Fatores culturais adversos, associados à baixa mobilidade social, podem
dificultar a emergência e o desenvolvimento do espírito empreendedor. Contrariamente,
quando se criam motivações sociais suficientemente fortes para impulsionar agentes
dotados de capacidade empreendedora, remove-se uma das barreiras institucionais que
mais dificultam a ocorrência e a atuação desse fator. A capacidade empresarial é
condicionada por bases institucionais que não reprimem nem condenam a ascensão
social do êxito em negócios. A ambição que move empreendedores justifica-se
socialmente à medida que contribui para gerar empregos e dotar a economia de uma das
precondições relevantes para o bem-estar social – a expansão da produção.

2.3 EMPRESA

O direito brasileiro filia-se ao sistema subjetivo italiano – teoria da empresa -,


voltando a doutrina suas preocupações para a conceituação jurídica da empresa como
atividade econômica a gerar direitos e obrigações, na medida em que este conceitos é
que determina e delimita o conteúdo do direito comercial moderno. Reconhecida a
importância de se construir um conceito preciso de empresa, é de se constatar que nosso
ordenamento jurídico, com a edição do Código Civil, passa a contar com um conceito
legal do que seja empresário; aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. 15 Do referido
conceito, por via transversa, chega-se ao entendimento do que vem a ser empresa.
Com isso, pode-se afirmar que é o aspecto econômico da empresa que acaba por
influenciar diretamente a sua conceituação jurídica. Carvalho de Mendonça16 chegou a
afirmar, inclusive, que não há que se distinguir os conceitos econômico e jurídico de
empresa, uma vez que são a mesma coisa. Para aquele autor empresa é “ a organização
técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos

15
Art. 966 – Código Civil Brasileiro.
16
MENDONÇA, Carvalho. Tratado de direito comercial brasileiro, v. 1 5. Ed. P. 492
20

elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca 9venda),


com a esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é,
daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade”.
Cada vez mais se sedimenta o entendimento de que a empresa nada mais é senão
a atividade desenvolvida pelo empresário, sujeito de direito. É a materialização da
iniciativa criadora do empresário, da projeção patrimonial de seu trabalho de
organização dos distintos fatores produtivos. Repita-se, empresa é a atividade
desenvolvida pelo empresário.

As empresas são os agentes econômicos para os quais convergem os recursos de


produção disponíveis. São as unidades que os empregam e combinam, para a geração
dos bens e serviços que atenderão às necessidades de consumo e de acumulação da
sociedade. Neste sentido, empresas e unidades de produção são expressões sinônimas,
do ponto de vista da teoria econômica.
O conjunto das empresas que compõem o aparelho de produção é heterogêneo
sob diversos aspectos: tamanhos, estatutos jurídicos, origens e controle, formas de
gestão e natureza dos produtos.
O universo das empresas é constituído por unidades que vão desde as
microorganizações individuais até as grandes corporações. Convencionalmente,
consideram-se no Brasil como microempresas as que empregam até 20 pessoas. De 20 a
100 pessoas empregadas recebem o tratamento de pequenas empresas. Daí em diante
são de tamanho médio ou grande. Nesse universo a maior parte é de microorganizações
produtivas. O último censo econômico realizado no Brasil revelou a existência de
1.007.833 microempresas. O número médio de pessoas empregadas por este conjunto
era de 2,7 pessoas. O número das que empregavam mais de 10 pessoas limitava-se a
1,2% do conjunto, Quando agrupadas segundo seus tamanhos, medidos por diferentes
indicadores ( volume de produção, número de pessoas empregadas, vendas efetivadas),
as empresas distribuem-se sempre da mesma forma. As menores são sempre em maior
número.
Quanto a natureza dos produtos a heterogeneidade decorre das diferenças que se
observam entre os produtos gerados pelas atividades produtivas primárias, secundárias e
terciárias. Das duas primeiras resultam bens; da última, serviços. E cada uma se destina
a um tipo diferenciado de necessidade: individual ou coletiva; dos mais variados graus
de essencialidade; permanente, sazonal ou esporádica; renovável ou não; de vital a
21

dispensável. Mais: há empresas que não chegam com seus produtos ao mercado final de
consumo. Sua produção se destina a suprir necessidades de outras empresas. São as
produtoras de bens e serviços intermediários. Movimentam negócios que atendem às
necessidades de outros negócios.
Embora heterogêneas quanto a estes e a outros atributos ( como amplitude
geográfica de atuação, objetivos societários e grau de integração vertical ), as empresas
reúnem pelo menos três características comuns, a partir das quais se identificam como
agentes econômicos. A primeira resulta do fato de que é nelas que se empregam se
reúnem, se organizam e se remuneram os fatores de produção – sob esse aspecto, são
pólos de atração dos recursos de que dispõem os sistemas econômicos. A segunda
resulta de sua interatividade. Como unidades de produção elas não subsistem
isoladamente. Sejam as do subsetor de lavouras ou da indústria extrativa mineral, sejam
as da indústria de transformação ou de construção, sejam ainda a dos subsetores de
transportes, de comunicações ou de intermediação financeira, todas de dependem de
fornecimento regulares procedentes das demais. As operações descrevem-se a partir de
fluxos permanentes de entrada- e- saídas. No processamento de sua própria produção de
bens ou serviços, cada empresa depende de fornecimentos procedentes de outras
empresas, direta ou indiretamente. E a terceira característica diz respeito a sua
perpetuidade: esta depende de, para todas as empresas, da sanção dos agentes
econômicos para os quais sua produção é destinada.

2.4 CONCEITO JURÍDICO DE EMPRESA

Conquanto se refira a “Direito de Empresa”, o Código Civil não definiu


expressamente o que é empresa. O conceito mais recomendável é o encontrado no art.
2.082 do Código Civil italiano: “É empresa que exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção e venda de mercadorias ou de serviços”.
Para a doutrina, entretanto, empresa é a organização destinada a atividades de
produção e circulação de mercadorias, bens e serviços, chefiadas ou dirigidas por uma
pessoa física ou jurídica, denominada empresário. Empresa significa uma atividade
exercida pelo empresário. Para o direito positivo, empresa é “toda organização de
natureza civil ou mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de
qualquer atividade com fins lucrativos”.
22

Explica-nos o Prof. Miguel Reale que foi “ empregada a palavra “empresa” no


sentido de atividade desenvolvida pelos indivíduos ou pelas sociedades a fim de
promover a produção e a circulação das riquezas. É esse objetivo fundamental que rege
os diversos tipos de sociedades empresariais, não sendo demais realçar que, consoante
terminologia adotada pelo projeto, as sociedades são sempre de natureza empresarial,
enquanto que as associações são sempre de natureza civil. Parece uma distinção de
somenos, mas de grande consequências práticas, porquanto cada uma delas é governada
por princípios distintos. Uma exigência básica de operabilidade norteia, portanto, toda a
matéria de Direito da Empresa, adequando-o aos imperativos da técnica contemporânea
no campo econômico-financeiro, sendo estabelecidos preceitos que atendem tanto à
livre iniciativa como aos interesses do consumidor”17

2.5 O CUSTO DO DIREITO PARA A ATIVIDADE EMPRESARIAL

Da crítica que a análise econômica do direito faz à economia do bem-estar, no


tocante ao mecanismo da internalização de externalidades, como apresentado
sinteticamente acima, resulta um dados de extrema importância, que a tecnologia do
direito não pode ignorar, isto é, a afirmação de que algumas normas jurídicas
repercutem diretamente no custo da atividade econômica. A grande contribuição para o
conhecimento jurídico, do debate entre essas correntes econômicas, não se encontra nas
propostas finais de cada concepção – abstratas e irrealizáveis -, mas na consideração dos
marcos institucionais no universo da microeconomia. Em outros termos, a transposição
da noção de “ internalização de externalidades” do campo do conhecimento econômico
para o contexto da reflexão jurídica tem o grande mérito de alertar para o fato de que as
obrigações jurídicas impostas ao empresário têm a natureza de elemento de custo.
Para definir o preço dos produtos e serviços que fornece ao mercado, o
empresário realiza um cálculo cada vez mais complexo, que compreende o preço dos
seus insumos, a mão-de-obra, os tributos, a margem de lucro esperada e também as
contingências. Parte dessas custos pode ser objeto de um cálculo matemático, sujeito a
variáveis controladas quantitativamente. Outra parte, contudo, exige um cálculo menos
preciso, mas ainda assim indispensável à preservação da margem de lucros. Nessa
17
REALE, Miguel. Artigo. Visão geral do projeto de Código Civil.
23

última categoria encontram-se as contingências, como greve prolongadas, quebra de


safra, instabilizações políticas, acidentes, etc. Estes fatos podem interferir de forma
acentuada nas contas do empresário, reduzindo ou comprometende sua lucratividade ou
até mesmo levando-o à falência. Proponho chamar-se essa segunda modalidade de
cálculo pelo nome “qualitativo”, em referência às inúmeras variáveis não inteiramente
controladas por quantidades.
Nesse sentido, nota-se que algumas normas jurídicas representam, para o
empresário, um importante elemento de custo. São desta natureza, por exemplo, grande
parte das normas de direito do trabalho (excetuam-se as disciplinadoras de regimes
especiais, como a do empregado doméstico), de direito tributário (quando relacionadas a
tributos do interesse da empresa), de direito previdenciário (as referentes às
contribuições do empregador e, também, às do empregado), ambiental, urbanísticos e
outros. Por evidente, também o direito comercial integra esse grupo de ramos jurídicos,
cujas normas podem influir nos custos da empresa. Para facilitar o desenvolvimento da
matéria, vou me referir a tais normas pela expressão “direito-custo”. Qualquer alteração
no direito-custo interfere, em diferentes medidas, com as contas dos empresários e, em
decorrência, com o preço dos produtos e serviços oferecidos no mercado. Isto é, cada
nova obrigação que se impõe ao empresário, de cunho fiscal, trabalhista, previdenciário,
ambiental, urbanístico, contratual, etc. representa aumento de custos para a atividade
empresarial e aumento do preço dos produtos e serviços para os seus adquirentes e
consumidores.

2.6 O EMPRESÁRIO

Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade


econômica de produção ou circulação de bens e serviços. Essa pessoa pode ser tanto a
física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica,
nascida da união de esforços de seus integrantes. O direito positivo brasileiro, em
diversas passagens, ainda organiza a disciplina normativa da atividade empresarial, a
partir da figura da pessoa física. O Código Civil de 2002 e lei de falências são
exemplos. O certo, no entanto, é que as atividades econômicas de alguma relevância –
mesmo as de pequeno porte – são desenvolvidas em sua maioria por pessoas jurídicas,
por sociedades empresárias. O mais adequado, por evidente, seria o ajuste entre o texto
legal e a realidade que se pretende regular, de modo que a disciplina geral da empresa
24

( isto é, do exercício da atividade empresarial ) fosse a relativa ao empresário pessoa


jurídica, reservando-se algumas poucas disposições especiais ao empresário pessoa
física. Nem sempre, contudo, os elaboradores de textos de normas jurídicas possuem
essa preocupação.
Por outro lado, em razão dessa opção – considerar ainda a pessoa física o núcleo
conceitual das normas que edita sobre a atividades empresarial - , a lei acaba dando
ensejo a confusões entre o empresário pessoa jurídica e os sócios desta. A confusão
aumenta, inclusive, pela distância existente entre os conceitos técnicos do direito e a
linguagem natural. A pessoa jurídica empresária é cotidianamente denominada
“empresa”, e os seus sócios são chamados “empresário”. Em termos técnicos, contudo,
empresa é atividades, e não a pessoa que a explora; e empresário não é o sócio da
sociedade empresarial, mas a própria sociedade. É necessário, assim, acentuar, de modo
enfático que o integrante de uma sociedade emnpresária ( o sócio) não é empresário;
não está, por conseguinte, sujeito às normas que definem os direitos e deveres do
empresário. Claro que o direito também disciplina a situação do sócio, garantido-lhe
direitos e imputando-lhe responsabilidades em razão da exploração da atividade
empresarial pela sociedade de que faz parte. Mas não são direitos e as responsabilidades
do empresário que cabem à pessoa jurídica; são outros, reservados pela lei para os que
se encontram na condição de sócio.

“ A empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou


jurídica. No primeiro caso, o exercente da atividade
econômica se chama empresário individual; no segundo,
sociedade empresária. Como é a pessoa jurídica que
explora a atividade empresarial, não é correto chamar de
“empresário” o sócio da sociedade empresária.”

2.7 DIREITO DE EMPRESA

O Direito Empresarial ou Direito de Empresa é um ramo do direito privado,


anteriormente fazendo parte do Direito Comercial como um Direito Mercantil e
atualmente faz parte da codificação do novo Código Civil Brasileiro.
25

Trata-se de Direito Empresarial ou Direito de Empresa de um conjuntos de


princípios e normas concernentes à estrutura e atividades das empresas. Pela primeira
vez numa codificação civil brasileira, passa-se a disciplinar as regras básicas da
atividade negocial, do conceito de empresário ao de sociedade. Observa o Prof.
Benjamim Garcia de Matos, do curso de Direito da Unimep, que “ a revogação da
primeira parte do Código Comercial de 1º de junho de 1850, com a introdução do Direto
de Empresa no novo Código Civil, é um avanço, que merece destaque especial, até
porque torna o comerciante um empresário voltado para a atividade econômica que é a
nova leitura que se fazer nos tempos moderno”.
O novo Código Civil brasileiro (Lei 10.406/02) que entrou em vigor em janeiro
de 2003, possui uma parte especial intitulada como Livro II Do Direito da Empresa.
Devemos expor que o objetivo do legislador era a unificação dos temas do ramo do
direito privado envolvendo o Código Comercial Brasileiro no campo da sociedade
comercial e do direito empresarial e algumas leis comerciais especiais como o Decreto
3.708/19, Decreto 916/1890, Decreto 486/69 para uma nova e moderna visão no novo
Código Civil Brasileiro.
Os artigos referentes ao Libro II que tratam do direito de empresa que disciplina
sobre a vida do empresário e das empresas, com nova estrutura aos diversos tipos de
sociedade empresariais contidas no novo Código Civil, possui como paradigma o
Código Civil italiano. Traz profundas modificações no direito pátrio como por
exemplo, o fim da bipartição das obrigações civis e comerciais. No livro I referente ao
direito das obrigações se desdobra a disciplina do direito de empresa, regendo o
primeiro os negócios jurídicos e no segundo a atividade enquanto estrutura para
exercício habitual de negócios, representada pela empresa.
Devemos destacar as principais inovações com o novo Direito Empresa.
Substituiu-se a expressão Direito Comercial por Direito Empresarial. E a de
comerciante por empresário; adota-se a moderna Teoria da Empresa, prevista no Código
Civil italiano de 1942.
1) Unificaram-ser as obrigações civis e mercantis, acabando-se com a distinção
entre sociedades civis e comerciais, criando-se em substituição entre sociedades
empresariais, que têm natureza econômica.
2) Substituíram-se as “sociedades simples” pelas “sociedades empresárias”.
26

3) Estabeleceram-se normas gerais dos “Títulos de Crédito”, mantendo-se a


legislação especial das diversas figuras já existentes, como a lei das letras de
câmbio e notas promissórias, duplicata, cheque, etc.
4) Criou-se o Livro II intitulado “ Do Direito de Empresa”.

Este novo livro (Do Direito de Empresa) trata da fusão sem artifícios do Direito
Civil com o Direito Comercial. É dividido em quatro títulos referentes aos arts. 966 a
1.195, disciplinando-se tudo que diga respeito ao “empresário”, “empresa”, “ o
estabelecimento”, e os “institutos complementares” que regulamentam e disciplinam a
atividades empresarial, como:
1) Registro das sociedades empresariais, o seu nome;
2) Dos prepostos, gerentes, da escrituração mercantil, que pode adotar os
instrumentos modernos da tecnologia da informática;
3) Da contabilidade, balanço.

No campo do Direito Societário procederam-se grandes atualizações com a criação


das “Sociedades Simples” e a atualização das “Sociedades de Responsabilidade
Limitada”, que passou a ter uma importância mais acentuada para todos os tipos de
sociedade, desde a micro até a macroempresa. A sociedade de fato ou irregular passa a
ser denominada “sociedade comum”, não personificada.
Deu-se um tratamento diferenciado e privilegiado às microempresas e empresas
agrícolas, conforme já previsto em legislação específica cuidando da matéria, como o
Estatuto da Micro e Pequena Empresa, Lei do Simples e a Constituição Federal de
1988, artigo 170.
Reintroduziu-se a distinção entre empresa nacional e estrangeira. A
personalidade jurídica é expressamente reconhecida. Segundo o Prof. Miguel Reale,
supervisor do novo Código, Código não realiza, propriamente, a unificação do Direito
Privado, mas tão-somente do Direito das Obrigações, acabando-se com a dicotomia
entre obrigações civis e comerciais, e introduziu-se o novo livro do “Do Direito de
Empresa”.
O novo Código, neste novo livro, em linhas gerais, traz grandes inovações no
que diz respeito ao Direito Comercial, substitui a figura do comerciante pela do
empresário, seguindo a linha do Código Civil italiano de 1942, adota a moderna teoria
da empresa, como modelo de disciplina de atividade econômica. Inova sensivelmente na
27

parte relacionada às sociedades, agora denominadas de empresárias. Regulamenta de


forma mais explícita e completa o instituto do estabelecimento. Deu tratamento mais
claro e moderno a alguns institutos como: o registro das sociedades empresárias, o seu
nome, dos prepostos da empresa, da escrituração mercantil que agora pode adotar os
instrumentos modernos da tecnologia da informática.
O Código inova e consagra práticas já consagradas na doutrina e jurisprudência.
Ajusta normas de uso comum e normas concebidas para os agentes de atividade
empresarial.
Reintroduziu a distinção entre empresa nacional e estrangeira, além de outras
importantes mudanças acolhidas em função da doutrina e da jurisprudência, que na
prática forense já era utilizada, dado o arcaísmo da nossa legislação comercial e
societária.
O Código, nesta parte, não pode ser considerado um estatuto classista, tendo em
vista que determina normas para o exercício da atividade empresária, para a atividade
econômica organizada de produção e circulação de bens e serviço para o mercado, não
estando submetido a nenhum estatuto profissional.
Eliminou o rol enumerativo referente à atividade do empresário comercial,
trazendo para o intérprete a liberdade para identificar as atividades a serem consideradas
empresariais, baseando-se no fato de elas serem econômicas, organizadas e
profissionais. O exercício da atividade caracterizará o tipo previsto na lei, dependendo
da forma do exercício, do conteúdo da atividade, ou de sua dimensão, haverá ou não
alcance da norma. O fato apenas de uma atividade econômica ter finalidade lucrativa,
mas não empresarial, não significa que estará vinculada às normas relativas à empresa.
Para ser considerada empresarial, a atividade deve ser constituída de três
requisitos: a habitualidade no exercício visando à produção ou circulação de bens ou
serviço; o objetivo de lucro e a organização.
A atividade está disseminada em várias partes do Livro II – “Do Direito de
Empresa”, infiltrando-se no tratamento dado ao empresário, ao estabelecimento e aos
demais institutos a eles relacionados. Passou a produzir efeitos por si mesma, não
dependendo mais dos diferentes atos que a integram.
Em várias partes, o Código faz menção à atividade sem, contudo, ligá-la à noça
de empresa, talvez porque muitas vezes ela não se referira à atividade empresarial.
Enfim, a atividade passa a ter grande significado na moderna teoria da empresa, que
28

permeou toda a concepção do novo Código, tendo em vista que ela é o mais importante
qualificador do conceito de empresário e do estabelecimento.

2.8 CONCEITO JURÍDICO DO DIREITO DE EMPRESA

Devemos conceituar Direito de Empresa ou Empresarial, partindo da teoria da


empresa onde “ é o direito da atividade produtiva para a satisfação das necessidades do
mercado”. Entende Sebastião José Roque que “ é possível caracterizar bem, no
universo das relações jurídicas patrimoniais, uma categoria de relações com caracteres
próprios e constantes, que se diversificam de outras relações jurídicas, formando uma
categoria unitária e facilmente identificável: são as relações jurídicas decorrentes da
produção e venda, pela predisposição de bens ou serviços para o mercado. Esta
categoria de relações jurídicas são as relações empresariais e, em conseqüência, o
Direito Empresarial constitui o complexo das normas jurídicas que as regula”.18
E continua o renomado professor que “ As relações jurídicas empresariais e,
portanto, o âmbito do Direito Empresarial são mais amplos do que se possa deduzir:
relações empresariais não são apenas as concernentes à empresa no seu sentido
econômico e jurídico, mas são todas as relações que, sendo inerentes à satisfação das
exigências do mercado, exercem uma função de intermediação entre a produção e o
consumo. Assim, o Direito Empresarial vem a ser, pois, o direito dessa atividade; da
atividade de intermediação das mercadorias para o consumo”.19

2.9 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NO NOVO CÓDIGO CIVIL

O novo Código Civil brasileiro é um texto que se preocupa fundamentalmente


com a pessoa humana e o caráter social. Devemos expor que o Professor Geraldo José
Guimarães da Silva, sendo ardoroso defensor da função social da empresa, onde foi
dado pelo NCCB uma maior ênfase à sua própria sobrevivência, mas não se esquecerá
do lucro, porque uma posição não exclui a outra.
O lucro é importante, mas a sobrevivência ou o social de empresa é mais
importante, no sentido de vir antes, visando à expansão da própria empresa e de sua
sobrevida. A função social da empresa reside justamente nas reservas, que serão

18
ROQUE, Sebastião José. Moderno Curso de Direito Comercial. Ed. Cone
19
idem
29

prioritárias em relação aos dividendos. A função social da empresa é tema de suma


importância e nosso textos legais com a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 6.404/76
(Lei da S/A), a Lei nº 10.257/2001 ( Estatuto da Cidade), Lei nº 8.078/90 ( Código de
Defesa do Consumidor) e o novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) tratam do assunto
de forma explícita ou por analogia. Para Wilson de Souza Campos
Batalha:20Significativa é a alusão à ‘função social’ da empresa, num indisfarçável
apagamento dos conceitos meramente contratualistas, abrindo os caminhos para o
conceito institucional da empresa organizada sob a forma de sociedade anônima.
No mesmo sentido, Fábio Konder Comparato,21sobre tais artigos da Lei nº
6.404/76: Como se vê, a lei reconhece que, no exercício da atividade empresarial, há
interesses internos e externos que devem ser respeitados: não só os das pessoas que
contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como os capitalistas e
trabalhadores, mas também os interesses da “comunidade” em que ela atua.
O ilustre Modesto Carvalhosa22ensina que: Tem a empresa uma óbvia função
social, nela sendo interessados e empregados, os fornecedores, a comunidade em que
atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e para fiscais.
Considerando-se principalmente três as modernas funções sociais da empresa. A
primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados. A
segunda volta-se ao interesse dos consumidores... a terceira volta-se ao interesse dos
concorrentes. E ainda mais atual é a preocupação com os interesses de preservação
ecológica urbano e ambiental da comunidade em que a empresa atua. Temos sentido, a
cada dia, uma preocupação maior com a função social da empresa. Assim, se a Lei
6.404/76 se mostrava pioneira na preocupação com a função social da empresa, outras
que se seguiram, também têm acentuada tendência para tal objetivo, como, por
exemplo, a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) que veio juntar-se ao
regime civilista e ao comercialista, numa terceira modalidade de trato nas relações
privadas. Assim, nos artigos 970, 971 quando dá atenção especial ao empresário rural e
ao pequeno empresário ou em relação aos lucros e perdas proporcionais do art. 1.007, e,
ainda o chamado “patrimônio de afetação” do art. 974, § 2º na proteção dos bens do
incapaz.

20
BATALHA, Wilson Souza Campos. Comentários à lei das S/A. Rio de Janeiro. Forense, 1977, p. 563
21
Op. Cit., p.44. nota 5
22
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1977. Vol.
3., p. 237.
30

CAPÍTULO III

3 RESPONSABILIDADE CIVIL.

3.1 INTRODUÇÃO

Um instituto que muito se desenvolveu e que ainda há necessidade de prosperar


é o da responsabilidade civil. Em tempos primórdios, a responsabilização pelos atos
praticados firmou-se com a Lei de Talião, prevendo penas para a atos danosos a
terceiros e estabelecendo uma adequação entre o dano sofrido e a vingança. A partir daí,
o instituto veio evoluindo lentamente sendo que somente em época recente direcionou a
incidência da responsabilidade do causador do dano ao seu patrimônio unicamente, e
não mais em sua pessoa.
No Brasil, somente com o advento da Constituição da República Federativa de
05.10.1988 ficou patente o direito à indenização por dano moral. Mesmo assim, foi alvo
de infindáveis discussões a existência autônoma do dano moral e a possibilidade de sua
reparação sem a cumulação com o dano material. A lei 10.406, de 10.01.2002 ( Código
Civil), veio espancar as dúvidas sobre a independência do dano moral em face do dano
material, afirmando que é passível de indenização daquele dano exclusivamente.
Porém, a evolução do instituto estacionou num ponto perigoso em que se
observam vários pontos inconsistentes e várias questões mal debatidas. Admitem, por
exemplo, em certos casos a pena civil e outros não, sem fundamentação sobre a causa
da diferenciação. O que se tem de concreto e pacífico na matéria é que se existe o dano,
este dever ser indenizado. No entanto, há necessidade da precisa delimitação da
responsabilidade civil, porque é vital de importância para qualquer sociedade, pois
nunca deixaram de acontecer atos lesivos a outrem.
O tema a ser abordado é a indenização punitiva, seu cabimento, legalidade e
relação com o ordenamento jurídico. Numa análise perfunctória conclui-se que a
expressão “ indenização punitiva” é desconexa, pois se indenização etimologicamente é
deixar sem dano, não se coadunaria com punição, já que esta teria a primeira vista um
caráter de castigo. São palavras com acepções jurídicas distintas. Na verdade, o direito
pátrio não previa tal instituto, havendo uma importação do similar norte-americano
(punitive damages), por isso da imprecisão terminológica.
31

A indenização punitiva difere da convencional quanto ao seu objetivo e em


conseqüência, o quantum debeatur. Essa acepção do instituto proporciona ao julgador
uma possível aplicação de pena ao causador do dano, punição esta que é mensurada
diante dos fatos expostos no pedido reparatório. Essa pena terá caráter inibitório e
pedagógico; ela será um plus ao montante indenizatório. Os punitive damages são de
grande importância pois funciona como coerção às pessoas que desafiam a lei, e
zombam da ordem legal por possuírem recursos para sempre arcar com uma simples
reparação civil de danos. A indenização punitiva atinge também àqueles entes que
lucram com a repetição de atos abusivos e ilícitos.
Atualmente, o empecilho para aplicação da indenização punitiva reside no temor
da doutrina e jurisprudência adotarem abertamente os punitive damages. Como meio de
mitigarem a aplicação da sanção no seio indenizatório, a doutrina quase unânime admite
a punição quando houver dano moral. Ou seja, a doutrina e a jurisprudência concordam
em grande parte que deve haver uma indenização punitiva para certos casos, porém para
não o adotarem inteiramente, receosos quanto ao seus efeitos, limitaram-no ao dano
moral. A jurisprudência aproveitando-se da imensurabilidade deste tipo de lesão embute
na indenização uma punição.
Assim, verifica-se a possibilidade de aplicação plena e global da indenização
punitiva, ou seja, aplicação quanto aos danos material e moral, mesmo isoladamente. É
de haver, em conseqüência, uma coerência na interpretação do instituto,
fundamentando-o jurídica e socialmente. É de se expor a grande valia deste
instrumento indenizatório, como meio de corrigir pequenas distorções do sistema
capitalista que se insere a cada dia na sociedade. Afirma-se, desde logo, que não é
proposto um novo sistema de reparação de danos, mas uma sistematização em sua
aplicação.

3.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL

3.2.1 – Responsabilidade civil e obrigação

A reparação civil está intimamente ligada à obrigação, podendo se dizer que


aquela é espécie desta. Porém, deve se analisar alguns aspectos desta modalidade
obrigacional.
32

Depreende-se que a reparação civil é uma obrigação pela própria definição desta
no Direito Romano. Assim era conceituada a obligatio: “ Obligatio est iuris uinculum,
quo necessitate astrigimur alicuius soluendae rei secundum nostrae ciuitatis iura (A
obrigação é um vinculo jurídico pelo qual estamos obrigados a pagar alguma coisa
segundo o direito de nossa cidade)”.23
Em outro fragmento que é atribuído a Paulo que se encontra no Digesto XLIV a
obligatio é analisada tendo em vista seu objeto: “ A essência da obrigação não consiste
em nos tornar proprietários ou nos fazer adquirir uma servidão, mas obrigar alguém a
nos dar, fazer ou prestar alguma coisa.”24
Na primeira definição, atribuída ao jurisconsulto Florentino, percebe-se
claramente que se elege o vínculo o elemento essencial da obligatio. A própria palavra
obrigação em sua origem etimológica envolve a idéia de laço, liame, nexo. É uma idéia
de ligação, enlaçamento. José Cretella combina as duas definições romanas e conceitua:
“ Obrigação é o vínculo que liga duas pessoas de tal maneira que uma deve dar, fazer ou
prestar algo à outra segundo o direito do País, em que ambos vivem.” 25 É de se notar
que esta noção da obligatio já está imbuída de seu aspecto jurídico, sendo então uma
obrigação jurídica.
A importância de delimitar-se o campo obrigacional é para visualizar a
responsabilidade. A obrigação é um dever jurídico originário, nasce com a criação do
vínculo; a responsabilidade, por sua vez, é um dever jurídico sucessivo que se emerge
na violação da obrigação. Em conseqüência do não cumprimento da obrigação jurídica é
que se efetiva a responsabilização. Inserindo a idéia da diferenciação para a seara
indenizadora, tem-se que a conduta oposta a direito vigente, ou a violação de um dever
jurídico configurando ato ilícito e considerando que tal conduta foi causadora de dano,
faz nascer novo dever jurídico que é o de reparar o dano. Ou seja, haveria um dever
jurídico originário surgido no momento em que foi criada a obrigação, e outro dever
conseqüente da violação do primeiro. Não é imprescindível que seja uma obrigação
contraída pelas partes, mas uma obrigação imposta pelo ordenamento jurídico. É
elucidativo o exemplo do dever jurídico que todos possuem de respeitar a honra de
outrem; seria, no caso, dever primário. Quando tal dever é inobservado, gera um dever
secundário que é a indenização.26
23
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 13. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. V.2, p. 3.
24
Op cit
25
CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Romano. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 237.
26
DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao Novo Código Civil:
da Responsabilidade Civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 49.
33

3.2.2 Responsabilidade civil e indenização

A palavra responsabilidade tem sua origem no verbo latino respondere,


significando a obrigação que alguém assume em virtude de efeitos de sua conduta. É um
dever jurídico sucesso, associado a uma obrigação derivada.27 Destarte, como firmado
anteriormente, a responsabilidade será vinculada a um fato que lhe deu origem, sendo
sempre conseqüência e não causa. Como bem aponta JOSÉ DE AGUIAR DIAS, não se
pode simplesmente dizer que “ responsabilidade é a obrigação cabente ao responsável”,
pois, além de não ser esclarecedor é redundante. Por isso invoca a solução data por
Marton apontando a responsabilidade como “ a situação de quem, tendo violado uma
norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa
violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação
do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar previstas”.28
A indenização que, etimologicamente significa reparar ou sanar o dano, está
intrinsecamente ligada à responsabilidade civil, de modo que para se configurar a
indenização deve primeiro passar pelo plano da responsabilidade do agente.
A responsabilidade civil como espécie obrigacional secundária deriva da
imputabilidade mais capacidade, e, segundo parte da doutrina, só se funda na culpa do
agente. O dever de reparar o dano seria as obrigações de indenizar e adviria das
condutas não somente fundadas na culpa. Segundo JOSÉ DE AGUIAR DIAS, a
diferenciação nada explica e o mais racional seria aceitar a responsabilidade civil a
abarcar todo o tema da reparação civil.29 Por isso alguns juristas usam a
responsabilidade como sinônimo de reparação, como bem se observa da definição de
GALVÃO TELLES: “ A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar os
danos sofridos por alguém. Trata-se de indenizar os prejuízos ou danos, reconstituindo a
situação que existiria se não tivesse verificado o evento causado destes.”30

3.2.3 Histórico do Instituto

27
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil:
Responsabilidade Civil. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. V. 3, p. 2.
28
G. MARTON, apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 1994. v. 1, p. 3.
29
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil...cit. p.2
30
Galvão Telles apud DIREITO, Carlos Alberto Meneses et. alii. Comentários ao Novo Código Civil...
cit. p. 47.
34

Uma análise da evolução do instituto tendo em vista que o fim visado é o


restabelecimento do equilíbrio desfeito pela ocasião do fato danoso. As correntes
mudanças verificadas na matéria atribuem-se ao dinamismo das relações humanas.
Infere-se também que o legalismo exacerbado neste e outros ramos do direito traria
grandes injustiças, por isso dotou a reparação civil de grande flexibilidade.
Antes da análise histórica da responsabilidade, convém registrar a construção de
Hironoka sobre um dos aspectos que impulsionaram a evolução do instituto da
reparação civil: “ O direito de se ressarcir do prejuízo que lhe foi causado é,
efetivamente, um dos direitos imanentes ao homem e não há como negá-los, por mais
vigorosos que sejam os freios tendentes a afastar concepções jusnaturalistas a respeito
do fenômeno jurídico. Assim, já nascemos com a idéia de propriedade, e uma das
primeiras balbuciamos é o pronome meu, sempre dito com uma conotação enfática,
demonstrando desgosto ou animosidade quando surge a situação de perda ou prejuízo.
Esta necessidade proteger ou de recuperar aquilo que se encontra na nossa esfera
patrimonial, ou ao menos de compensar o reflexo desta perda ou desgaste na
circunstância jurídica de cada um de nós, tudo isto é absolutamente jungido à condição
humana, pois o homem atavicamente não admite ser lesado, espoliado, agredido,
ofendido. Essencialmente, mais do que naturalmente até, este sentimento de rejeição ao
desconforto, ao prejuízo, à perda, à ofensa, está vinculada à condição humana. Com
isto, o homem não se conformou jamais, nem mesmo as regras atenuadoras do
cristianismo puderam expurgar de vez, tal revolta. Quantas vezes nós esquecemos de
oferecer a outra face”.31

3.2.4 Idade Antiga

Primitivamente a reparação civil se dava na ordem privada sem interferência


supra-individual. Eram as vinganças tribais ou de grupos. Segundo famosa teoria de
LOCKE, foi a consolidação da propriedade a causadora dos conflitos sociais, fazendo
com que os homens exercessem justiça com as próprias mãos, configurando a vingança
privada. Nesta época reparava-se o mal pelo mal e quem imputava a responsabilidade ao
outro era a própria vítima. Em conseqüência imperava a lei do mais forte.

31
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito Civil: Estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000,
p. 281.
35

Com a Lei de Talião, regulamentou-se a vingança privado, e apesar de parecer


bárbara numa análise sumária, resultou num grande avanço para o direito antigo, pois se
introduziu a proporcionalidade do castigo imposto ao autor do delito. Com o passar do
tempo, a regra do olho por olho de Talião foi se demonstrando inconveniente, pois ao
invés de um lesado, seriam dois, ou seja, havia a duplicação do dano e quem perdia era
a sociedade. Por isso avançou para a composição voluntária e posteriormente para a
compulsória, configurando assim, a fase do ouro, substituindo o sangue. Assim, em vez
de irrogar ao autor de um dano a um membro do corpo sofra a mesma quebra, por força
de uma solução transacional, a vítima receberia, a seu critério e a título de poena uma
importância em dinheiro ou outros bens. 32
Foi o fortalecimento do Estado Romano que trouxe a obrigatoriedade da
composição e por causa dele o Poder Público avocou para si a faculdade de reprimir os
conflitos e a ele cabia fixar os valores indenizatórios. 33Também nesta fase que se iniciou
a distinção entre delitos públicos e privados; para tanto os jurisconsultos romanos
delimitaram os delitos privados como “ a ofensa feita à pessoa (assim, as lesões
corporais) ou aos bens do indivíduo. Quando isso ocorre, o Estado não toma a iniciativa
de punir o ofensor, mas assegura à vítima o direito de intentar contra este uma actio
para obter a sua condenação de determinada quantia como pena (poena priuata ). No
direito clássico, essa puena priuata tem o mesmo caráter punitiva que a pena pública.”34
Apesar da diferença do sistema moderno, foi neste momento que se deu o germe
para a dicotomia público privado no sistema romano germânico. A partir desse
momento é que se começou a se diferenciar os atos ilícitos civis dos criminais. É cediço
que no sistema romano, notadamente, a partir de Justiniano, as fontes de obrigações
foram distinguidas, adotando-se uma classificação quaternária, decorrendo as
obrigações dos contratos, quase-contratos, delitos, quase-delitos,35 sendo que somente as
obrigações delituais são objeto do estudo em voga.
Com a Lei Aquília, se introduziu no direito a responsabilização em moldes mais
racionais; ela serviu como um princípio geral regulador da reparação do dano. Tratava
nos seus três capítulos, de basicamente: morte de escravos e animais; quitação por parte
do credor acessório (mandatário) com prejuízo do credor estipulante (mandante) e;
damum injuria dantum, que comprendia as lesões a escravos e destruição ou

32
GAGLIANO, Pablo Stolze. et alii. Novo Curso de Direito Civil...cit., p. 11.
33
CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Romano...cit., p. 239.
34
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano...cit., p. 223.
35
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano...cit., p. 224.
36

deteriorização de coisas corpóreas. José de Aguiar Dias salienta que coube a


jurisprudência da época ampliar as hipóteses de indenização afim de incluísse também o
homem livre. Também foi o exercício jurisprudencial que abrandou as condições para a
tutela jurisdicional favorecendo o prejudicado. A maior inovação da Lex Aquilia de
damno foi o damnum injuria datum, pois o evento danoso não regulamentado era o
prejuízo causado a coisa alheia que empobrecia a vítima sem enriquecer o autor. Foi
neste momento que se estabeleceram bases sólidas para a apuração da responsabilidade
extracontratual.36

3.2.5 Idade Média e Moderna

Após o período romano coube aos doutrinadores medievais a dicotomização


entre a responsabilidade civil e a penal e aos glosadores o avanço na teoria da culpa,
quando previram a graduação da culpa na responsabilização. Mas, mesmo após a
evolução ocorrida com o direito romano, a vingança privada e a responsabilidade
coletiva ( e não individual pelos danos) continuavam a ser dominante, permanecendo
fortemente até os séculos XII e XIII, desaparecendo, então lentamente. Somente por
volta do século XIII, sob influência de idéias de liberdade individual, é que houve uma
melhor definição da responsabilidade puramente civil desvinculada do domínio penal.
Nesta época se desenvolveu a responsabilidade desarraigada de crimes ou delitos.37
Com o advento com a Idade Moderna, houve uma tendência de situar os danos
de modo que todos pudessem ser indenizados. Extrapolou a idéia que era necessária a
culpa para que fosse possível a indenização. No direito francês evoluído, a reparação
independia da gravidade da culpa do responsável. Mudou-se o foco da culpa para o
dano: este era o elemento essencial para que houvesse a reparação, abrindo margem
então, para uma objetivação da responsabilidade.
A Revolução Industrial com seus freqüentes acidentes de trabalho provou que a
culpa no sentido anteriormente empregado, era ostensivamente prejudicial à sociedade e
não cobria todos os casos de responsabilidade, fato que gerava uma situação flagrante
de injustiça. Foram se desenvolvendo teorias que preenchiam lacunas deixadas pela
teoria da culpa, que por excelência é uma concepção subjetiva da responsabilidade, em
muitos sistemas deu-se no sentido de objetivá-la, pois segundo Alvindo Lima “ dentro
36
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil... cit., p. 19.
37
GILISSEM, John. Introdução histórica ao direito. Trad. Antonio Manuel Hespanha e Manuel Luís
Mascarenhas Malheiros. 4 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p.751.
37

do critério da responsabilidade fundada na culpa não era possível resolver um sem


número de casos que a civilização moderna criava ou agravava; imprescindível se
tornava para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do
elemento moral, da pesquisa psicológica do ânimo do agente, ou da possibilidade da
previsão ou diligência, para colocar a questão sob um ângulo até então não encarado
devidamente, isto é sobre o ponto de vista exclusivo da reparação, e não interior,
subjetivo, como na imposição da pena. Os problemas da responsabilidade são tão
somente os reparação de perdas”.38
Não obstante a tendência da objetivação ser uma constante no direito moderno e
possuir grandes defensores, haveria casos que levaria a situações absurdas, pois como o
parâmetro na responsabilidade é a extensão do dano, chegaria a situações que uma culpa
levíssima fosse capaz gerar um dano elevado. Tendo em vista essas questões, o Código
Civil Brasileiro, de 2002, preferiu critérios de justiça, ponderando o dano e a culpa.
Dispôs o parágrafo único do art. 944 do CC: “ Se houver excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano, poderá o Juiz reduzir equitativamente a indenização.”

3.2.6 Funções da Responsabilidade Civil

Em interessante trabalho, o autor argentino Edgardo López Herrera, elenca as


funções que teria a responsabilidade civil dentro de um contexto jurídico-social. Em
primeiro lugar, teria a função demarcatória, servindo de parâmetro para as condutas de
acordo e as dissonantes com o ordenamento, pois a responsabilização nunca estará
inteiramente tipificada, restando sempre situações duvidosas. Há a função
compensatória, que estaria situada no plano individual, que se entende ser o mais
importante atributo da responsabilização, tendo a finalidade de repor as coisas ao estado
anterior. Elenca ainda a função distributiva que ocorreria em momento anterior ao dano.
Seria nos casos em que os entes que respondem pelos danos, fizerem seguros para
responderem eventuais pleitos indenizatórios. A indenização ficaria, dessa maneira,
distribuída para a sociedade.39

38
Alvino Lima apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil...cit., p.50.
39
HERRERA, Edgardo López. Introducción a la responsabilidad civil. Revista Jurídica, n. 34.
Universidad Nacional de Tucumán, Faculdad de Derecho e Ciencias Sociales, out. 2004, p. 22.
Disponível em http://www.derecho.unt.edu.ar/publicaciones/Introdresponsabilidadcivil.pdf.Acesso
em:23.01.2007.
38

Existe a função preventiva que se perfaz na inibição da ocorrência de novos


danos. Atua antes da consumação do dano. Seria um sentimento coletivo para a
prevenção. Assemelhada a esta função, seria a de admoestação que consistiria em
repreensão da conduta do ofensor. E, completando o rol de funções, o autor invoca
ainda o emprego sancionatório da indenização, que além de prevenir o dano, serviria a
indenização para sancionar o ofensor.40
Deduz-se da classificação do autor que as funções podem ser dadas
cumulativamente, mas dificilmente irá conseguir que na responsabilização se somem
todas as funções acima elencadas. No que tange ao caráter distributivo dado à
indenização, consideramos não ser esta uma função, mais ser uma tendência moderna
no mercado da responsabilidade civil, em que o dano ( pelo menos em tese ) pode ser
eficientemente reparado. No Brasil, essa função nos casos, por exemplo, do auxílio-
acidente pago para o empregado acidentado que é custeado pela sociedade.
Quanto às outras funções, poder-se-ia admitir todas, com exceção do emprego
sancionatório, em que se assemelha com o direito penal, e com ressalvas ao conteúdo de
admoestação, pois da mesma forma da função sancionatória, não poderia a
responsabilização civil ter natureza penal. As demais seria até saudável que os
julgadores observassem.

CAPÍTULO IV

4 OS PUNITIVE DAMAGES

4.1 HISTÓRICO

Os punitive damages são um instituto de origem britânica e teria a sua origem


com a introdução nesse ordenamento da indenização por meio de múltiplos do dano. O
autor do dano era castigado pela imposição da reparação em um múltiplo do valor do
dano sofrido pela vítima. A primeira previsão no direito anglo-saxão foi o Statute of
Councester, na Inglaterra, em 1278. O instituto se aperfeiçoou no século XIII quando se
criou a doutrina do exemplary damages, e era aplicado em casos de danos
extrapatrimoniais. Em 1763, a justiça inglesa fazia uso dos punitive damages nos termos
40
Op. cit
39

atuais. O caso era de um ilícito de invasão de terras e danos à propriedade promovidos


intencionalmente.41 Em razão dos danos ocasionados e o dolo que se dirigia em
prejudicar terceiros resolveu-se então em punir mais severamente os autores desses
danos.
O instituto punitivo foi trazido para a colônia americana, onde difundiu com
rapidez. Por volta de 1960 quase todos os estados norte-americanos já aceitavam os
punitive damages, utilizados principalmente contra grandes fabricantes e indústrias.
Configurava-se desse modo a responsabilidade pelo produto.
Hodiernamente os punitive damages são aceitos pela jurisprudência
estadunidense, mas existem movimentos de associações especialmente para reformular
o instituto (Atra-American Tort Reform Association)42 que defendem a reforma do
instituto para que se evitem decisões absurdas. Algumas reivindicações são comuns e
bastante coerentes como a limitação de uma só condenação punitiva por fato; já que o
instituto muito se assemelha com uma sanção criminal, não haveria motivo de admitir o
bis in idem. Outro ponto que defendem é somente a punição de condutas altamente
reprováveis ou com manifesto dano intencional.
Segundo Edgardo López Herrera, os punitive damages têm aceitação pacífica no
“ Quebec, Austrália, Nova Zelândia, Irlanda del Norte, Escócia y Estados Unidos”.43

4.2 CONCEITO

O instituto é de fácil conceituação, pois muito se aproxima da indenização


brasileira, diferenciando desta no que percute ao seu objetivo inibitório-pedagógico.
Em todas as definições há uma similitude: a existência do escopo preventivo,
tendo em vista a dissuasão de novas práticas delituosas.
A doutrina brasileira, da mesma forma definiu o instituto anglo-saxão que é
aplicado timidamente no Brasil dizendo que “ consistem na soma em dinheiro conferida
ao autor de uma ação indenizatória em valor expressivamente superior ao necessário à
composição do dano, tendo em vista a dupla finalidade de punição (punishment) e
prevenção pela exemplaridade da punição ( deterrence) opondo-se – nesse aspecto
funcional – aos compensatory damages, que consistem no montante da indenização

41
MARTINS-COSTA, Judith; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva
(punitive damages) e o direito brasileiro. Revista CEJ, v. 28. Brasília, jan.-mar. 2005, p. 15-35, esp. p. 18.
42
Disponível em : <http//w.w.w.atra.org./show/7343>. Acesso em: 25.01.2007.
43
HERRERA, Edgardo López. Introducción a la responsabilidad civil... cit., p.36.
40

compatível ou equivalente ao dano causado, atribuído com o objetivo de ressarcir o


dano causado”.44

4.3 NATUREZA JURÍDICA.

O instituto dos punitive damages possui natureza jurídica incerta, sendo que
a doutrina brasileira tende a considerá-lo como pena. A indenização punitiva seria
um plus ao montante ìndenizatório, não tendo natureza indenizatória, mas algo
diverso. A jurisprudência estadunidense considera os danos punitivos como sendo
incidental, de natureza acessória. Em vista dessa acessoriedade, os punitive damages
só existiriam se houvesse algum dano real.45

Mais coerente é a posição esposada pelo citado jurista argentino admitindo a


indenização punitiva como pena privada. Segue Suzanne Carval, Paolo Gallo, Milan
Giuffrè, Francesco Busnelli, Salvatore Patti, Turin Giappichellí, Miquel Martin
Casals, que consideram que "los danos punitivos participan de la naturaleza de una
pena privada accesoria y excepcional que se impone al demandado a título
preventivo y como sanción o satisfacción al ofendido en virtud de haber incurrido en
conductas consideradas sumamente desvalíosas".46

4.4 DESENVOLVIMENTO NORTE-AMERICANO

A grande vicissitude do instituto é a alteração no foco para direcionar a


indenização. Há um desvio na análise para se apurar o quantum debeatur, pois
enquanto se observa normalmente o dano e suas consequências, a indenização
punitiva erige como um dos pontos fundamentais a conduta do causador do dano.

A indenização sancionatória não constitui regra geral, mas exceção,


devendo sempre ser analisada as circunstâncias fáticas. Nos Estados Unidos,
trava-se a discussão se o lesado teria direito subjetivo de receber os danos
punitivos, que geralmente ficam ao alvedrio do júri, quando a lei não dispõe em
contrário. Em alguns Estados, entretanto, se houver alegações e provas suficientes os
punitive damages são considerados direitos subjetivos sendo dever do júri concedê-

44
MARTINS-COSTA, Judith et alli. Usos e abusos da função punitiva...cit. p, 16.
45
HERRERA, Edgardo López. Introducción a la responsabilidad civil...cit., p.37.
46
Idem, ibidem.
41

los.47. Tais interpretações prejudicam a aplicabilidade do instituto e o desviam de sua


atividade primordial.
Outro ponto interessanto dos punitive damages no direito norte-americano
reside na impossibilidade da aplicação em danos oriundos de inexecução contratual
independente do motivo, admitindo-se somente em responsabilidade extracontratual
(law of torts), ou responsabilidade aquiliana. Judith Martins-Costa sintetiza essas
peculiaridades afirmando que "os punitive dumages só podem ser concedidos na relação
extracontratual quando provadas circunstâncias subjetivas que se asemelham a categoria
continental do dolo quais sejam: malice, wantonness, willfulness, oppression, fraud,
entre outras. A mera negligencia, na ausência das circunstâncias agravantes, não é razão
suficiente para a condenaçãode punitives damages, porém, a gross negligence
(negligência grave), em alguns Estados, os enseja”.48
Não obstante alguns autores considerarem como expressões sinônimas,é oportuno
ressaltar que a Suprema Corte dos Estados Unidos diferencia os punitiva damages do
compensatory damages, entendendo que o último é uma compensação concreta pela
perda do ofendido “ (compensatory damages are intented to redress a plaintiff’s
concrete loss), enquanto os punitive damages seriam uma forma de desencorajamento
( deterrence) ou mesmo uma retribuição pela conduta do ofensor.49 Teriam, portanto,
finalidades diversas, sendo que o último possui objetivos mais extenso e voltado para
coletividade.

4.4.1 Aplicação atual nos Estados Unidos

O emprego dos p u n i t i v a d a m a g e s no direito estadunidense é


amplamente difundido. Pacificaram o entendimento que não há instrumento análogo
com tamanha eficácia como a indenização punitiva, arma que deve ser usada visando à
finalidade pública. A própria Corte Suprema já se manifestou sobre o tema dizendo
serem os punitives damages uma arma poderosa, porém, deve ser usado restritamente,
respaldado em interesses legítimos, e reconheceu que o instituto tem sido abusivamente,
desvirtudado de seus objetivos.50

47
MARTINS-COSTA, Judith et alii. Usos e abusos da função punitiva...cit., p.19.
48
Op.cit
49
United States of America. Supreme Court. State Farm Mutual Automobile Insurance Company v.
Campbell et alii, n. 01-1289, 07.04.2003. Disponível em: www.supremecourtus.gov/opinions/02pdf/01-
1289.pdf. Acesso em: 26.01.2007, p. 2.
42

Nos Estados Unidos, o júri é o encarregado da fixação de valor da indenização punitiva.


Essa corte tradicionalmente possui grande respaldo social, sendo responsável para
decidir questões de alta importância. Mas acusados de comercialização e ideologização
de suas decisões, e com o fito de atenuar o que foi alcunhado de indústria de
indenizações milionárias, a Suprema Corte Americana procurou mitigar um pouco da
liberdade do júri, fixando parâmetros para as decisões envolvendo punitive damages.
Os punitive damages no ornamento jurídico norte-americano, são aplicados tanto
em danos patrimoniais como extrapatrimoniais. Ao contrário da doutrina brasileira, que
é relutante em expandir a indenização punitiva para danos essencialmente materiais, a
doutrina norte-americana, com acerto, aplica para qualquer tipo de dano, pois o
exemplary damages tem como escopo primordial inibir condutas análogas, e não
ressarcir o lesado.
Como o que se tem em vista é a repreensão da conduta e seus efeitos, sua
reprovabilidade no meio social, a Suprema Corte faz uma distinção do dano que causa
prejuízos puramente econômicos e do que traz outras repercussões, por exemplo, que
colocam em risco vida humanas.51 Consideram que condutas que lesem não
simplesmente o patrimônio, mas diretamente o ser humano, são mais reprováveis.

4.5 O CARÁTER PUNITIVO DO DANO MORAL NO DIREITO


BRASILEIRO

A doutrina e a jurisprudência majoritária brasileira atualmente reconhece o


caráter punitivo das indenizações que envolvem o dano moral. Como será expendido
posteriormente, não há qualquer fundamentação plausível para a adoção dos punitive
damages no dano extrapatrimonial e sua restrição no dano material. Não há diferença
ontológica entre dano material e moral que justifique essa distinção. E ainda, há que se
ressaltar que o foco não primordialmente o dano, e sim a conduta do agente, não
importando a qualidade lesão.
O saudoso mestre Caio Mário aponta a peculiaridade do dano moral não ser
restituível da mesma maneira que o dano material, por ser impossível a sua avaliação
pecuniária. Postula que “ a idéia de reparação, no plano patrimonial, tem valor de um

50
United States of America. Supreme Court. State Farm Mutual Automobile Insurance Company v.
Campbell et alii, n. 01-1289, 07.04.2003. Disponível em: www.supremecourtus.gov/opinions/02pdf/01-
1289.pdf. Acesso em: 26.01.2007, p. 2.
51
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana... cit., p. 241.
43

correspectivo, e liga-se a própria noção de patrimônio. Verificando que a conduta


antijurídica do agente provocou-lhe uma diminuição, a indenização traz o sentido de
restaurar, de restabelecer o equilíbrio, e de reintregar-lhe a cota corresponde ao
prejuízo. Para a fixação da reparação do dano moral, não será esta idéia-força. Não é
assente na noção de contrapartida, pois o prejuízo moral não é sucetível de avalição em
sentido estrito”.52
O Prof. Wilson Mello da Silva concluiu, com acentuada sabedoria que reparar o
dano moral não é necessariamente conceder à vítima uma indenização pecuniária, mas
buscar um meio de contrabalancear, de qualquer maneira, “que não pela via direta do
dinheiro, a sensação dolorosa infligida à vítima, ensejando-lhe uma sensação outra de
contentamento e euforia, neutralizadora da dor, da angústia e do trauma moral”.53 É um
raciocínio interessante e vai de encontro com o pensamento de Carnelutti, pois este
entende que o dano moral pode ser, de alguma maneira compensado, entretanto é
impossível ressarci-lo.
Caio Mário por sua vez, que defende a adoção do caráter punitivo à indenização
por dano moral,54 não se olvidando do viés compensatório para a reparação do dano
imaterial e oferta os critérios em que o julgador deve-se pautar para a fixação do
quantum debeatur. Aduz que “ há de preponderar um jogo duplo de noções: a) De um
lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica
alheia; não se de imiscuir na reparação uma expressão meramente simbólica, e, por esta
razão a sua condenação não pode deixar de considerar as condições econômicas e
sociais dele, bem como a gravidade da falta cometida, segundo um critério de aferição
subjetivo (...) b) De outro lado proporcionar a vítima a compensação pelo dano
suportado, pondo-lhe ofensor nas mãos uma soma que não é pretium doloris, porém
uma ensancha de reparação da afronta; mas reparar pode traduzir, num sentido mais
amplo, a substituição por um equivalente, e este, que a quantia em dinheiro proporciona,
representa pela possibilidade de obtenção de satisfações de toda a espécie”.55
Numa posição interessante, podemos colocar um dos autores ele maior renome
em matéria de responsabilidade civil, José de Aguiar Dias. Não obstante o brilhantisrno
ao expor sobre a possibilidade da existência de caráter punitivo em indeniza que é

52
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 20. ed. rev. e atual.. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. v. 2, p. 342.
53
Wilson Melo da Silva apud CHAVES, Antonio. Responsabilidade Civil – atualização em matéria de
responsabilidade por danos morais. Revista Jurídica, n. 231. Porto Alegre: Síntese, jan. 1997, p.11.
54
Parte da doutrina entende que Caio Mário não adota os punitive damages...
55
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil...cit., p. 343.
44

defendida por Starck Hugneney, adota uma pústura, ousamos dizer, politicamente
correta. Quiçá pelo patarnar elevado atingido pelo notável mestre, sinta-se seguro em
defender tal ponto de vista. Diverge da opinião de Caio Mário, mas não deixa de ser
consistente a sua argumentação quando afirma que “ para o sistema de responsabilidade
civil que esposamos, a prevenção e repressão do ato ilícito resulta da indenização em si,
sendo-lhe indiferente a gradação do montante da indenização. Mesmos os ricos sofrem
um corretivo moral enérgico, que conduz a prevenção e repressão do ato ilícito
praticado, quando lhe é imposta a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem”.56
Parte da doutrina colide com o postulado pela jurisprudência e doutrina
dominante. Não obstante a construção doutrinária ser lógica e bem fundamentada, é
fato, que defendem um ponto de vista que não atendem aos anseios da sociedade.
Recusam a associação de caráter punitivo a indenização e aduzem a argumentaçào de
que a fixação de pena é matéria sujeita ao direito criminal. A imposição de sanção sem
lei prevendo-a feriria o princípio da legalidade conforme sustenta Wilson Mello da
Silva. Defende o autor que “ para que haja pena, mister se torna em cada caso, um texto
legal expresso que a comine e um delito quc a justifique, ou seja, nulla poena sine lege.
Para que haja dano basta a simples infringência da ampla regra do neminem, laedere. O
delito, no ano, é apenas o fato gerador, a circunstância determinante dele. E o que no
Juízo Civil se busca ressarcir é apenas a consequência do delito, ou seja, o dano [...]
Mira-se, na responsabilidade civil a pessoa do ofendido e não do ofensor; a extensão do
prejuízo, para a graduação do quantum reparador, e não a culpa do autor”.57

4.5.1 Os problemas dos posicionamento doutrinários.

Como se pôde observar, a defesa e outra tese tem consistência no Direito.


Entretanto divergimos da última corrente apresentada no que tange à dicotomia pública-
privado, ou penal-civil eregida como ponto central da fundamentação para ilidir o
caráter sancionátoria da indenização. Como será visto a separação do que seja
responsabilidade civil do que seja responsabilidade penal não encontra embasamento
sólido no direito, de modo a afastar a punição do seio indenizatório. E, ainda é
importante salientar que proibir a sanção no instituto da responsabilidade civil é tirar do
direito um meio eficaz de inibir prática atentatórias contra a ordem social.
56
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9.ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v.2.,
p.735.
57
Wilson Mello da Silva apud MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana...cit., p.260.
45

Contra a corrente esposada por Caio Mário e parte majoritária da Doutrina e


Jurisprudência pesa o fato de sua incoerência. Falta coerência a tese quando admite
somente haver possibilidade de aplicar indenização com caráter punitivo em caso de
danos extrapatrimoniais. Conforme será exposto, o liame existente entre as espécies de
dano ( material e imaterial) é estreito, e não justifica, portanto, haver restrição quanto a
punição em danos patrimonias. Outro ponto essencial corrobora a posição deste trabalho
é o fato de que quando se aplica os punitive damages ou exemplary damages o que se
tem em foco primordialmente é a conduta do autor, sua reprovabilidade pela sociedade.
O dano passa a ser analisado no plano secundário para a fixação do quantum
indenizatório e as atenções se voltam para o autor do dano. É tanto verdade que
consideram até as condições econômicas e sociais do autor e a gravidade da falta
cometida segundo um critério subjetivo.
Ainda restringem os punitives damages somente aos danos extrapatrimoniais,
por ser esta evolução do instituto da responsabilidade civil ainda recente no direito
brasileiro. Verifica-se uma timidez da doutrina e jurisprudência na adoção sistemática
do exemplary damages. Por isso escolhem o caminho mais fácil, pois como somente o
dano extrapatrimonial é imensural, torna-se extremamente viável a aplicação de sanção
de natureza civil.

4.6 O DANO MORAL E O DANO MATERIAL

Um dos pontos que merece destaque neste trabalhro é o liame estreito exis-
tente (se é que verdadeiramente existe) entre o dano patrimonial e o extrapa-
trìmonial. No plano teórico, é possível distinguir onde se inicia o dano material e
finda o dano mural, mas quando se analisam casos concretos a tarefa é árdua. Muita
vezes, senão todas, ocorrerá reflexo entre um e outro dano.
Alguns juristas vislumbrando o problema do dano moral e a sua existência em
larga escala, preferem excluí-lo, a fim de evitar complicações, como ressalta Araken
de Assis: "Recentemente, a 6a. Câmara Cível do TJRS, pela palavra do eminente
Desembargador Décio António Erpen, assentou o seguinte: ‘ o direito existe para
viabilizar a vida, e a vingar a tese generosa do dano moral sempre que houver um
contratempo, vai culminar em trucá-la, mercê de urna criação artificiosa. Num
acidente de trânsito, haverá dano material, sempre seguido de moral. No atraso do
vôo, haverá a tarifa, mas o dano moral será maior. Nessa nave do dano moral em
46

praticamente todas as relações humanas não pretendo embarcar. Varnos atingir os


namoros desfeitos, as separações, os atrasos no pagamento. Ou seja, a vida a serviço
dos profissionais do direito’.”58
A conceituação e a delimitação do que seja o dano moral goza de alta
abstratividade e varia quanto à intensidade de autor para autor. Há pontos, porém,
invariáveìs na doutrina moderna, como a ìndenizabilidade do dano e que este seja
um prejuízo que afeta o âlimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sílvio de
Salvo Venosa reconhece a dificuldade e tenta estabelecer critérios, sabendo que o
prejuízo suportado é imensurável e por este motivo as dificuldades se multiplicam
para o estabelecimento de uma justa recompensa pelo dano. E afìrrna que " não é
qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui,
também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater
familias”.59
Defensor da mesma postura é Sergio Cavalieri que diz que para a qualificação do dano
moral "curnpre ao juiz seguir a linha da lógica razoável, em busca da concepção ético-
jurídica dominante na sociedade".60 Entretanto, parte da doutrina vai em caminho
inverso da posição exposta supra, defendendo para quantificação dos danos morais a
investigação dentro de um aspecto subjetivo e não objetivo. Seria desconsiderar a
individualidade do ser humano se sustentássemos postura diversa. Mostra-se pertinente
Yussef Cahali entendendo que “ na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo
que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores
fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está
integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-
los exaustivamrnte, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela
ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, na
descrédito à reputação, na humilhão pública, no devassamento da privacidade; no
desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatimos emocionais, na depressão ou no
desgaste psicológico, nas situações de contrangimento moral”.61
É importante que se aduza sobre o estreito relacionamento entre dano moral e
material, que muitas das vezes, são indissociáveis, não se estabelecendo critério seguro

58
Décio Antonio Erpen apud ASSIS, Araken de. Indenização do dano moral. Revista jurídica, n. 236.
Porto Alegre: Síntese, jun. 1997, p. 5.
59
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3 ed. atual.. São Paulo: Atlas, 2003.
v.4, p. 33.
60
DIREITO, Carlos Alberto Menezes et alii. Comentários ao novo Código Civil ... cit., p. 102.
61
CAHALI, Yossef Said. Dano moral…cit., p. 20.
47

em relação a qual bem foi lesado: se a própria pessoa ou seu patrimônio. A dificuldade
foi revelado com a edição da Súmula 37 pelo Superior Tribunal deJustiça que prescreve:
“ São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo
fato”. É criticável, portanto, a prática da jurisprudência, escudada em farta doutrina, de
conceder indenizações com caráter punitivo somente em ações que se pleiteiam danos
morais. É feito um corte, uma dicotomia entre os dois tipos de danos de maneira
açodada, sendo que certamente onde entendem que há somente dano moral pode haver
em maior grau, dano material.
Somente com o fito de clarificar o que afirmado supra, lançaremos um
exemplo: imaginemos um caso de acidente automobilístico, no qual o lesado tem seu
carro amassado e no mesmo acidente bate a cabeça no vidro lateral, cortando-a. É fácil
concluir que houve dano material e imaterial, mas adentremos nos meandros da situação
exposta. A vítima ficou sem carro para poder trabalhar durante a semana, causando
transtornos; usou de transporte coletivo ( dano moral ou material ? ). Por causa da
pancada o lesado, que era profissional liberal, ficou sentindo dores durante toda a
semana e com isso caiu seu rendimento no trabalho causando prejuízos financeiros. O
causador da batida não recompõe os prejuízos espontaneamente, fazendo com que a
vítima intente ação na justiça; com isso já vão mais gastos (com advogado e custas
judiciais, por exemplo) e mais transtornos como comparecimento a audiências etc. .
Pode se verificar que no dano extrapatrimonial poderá ocorrer facilmente reflexos
patrimoniais e vice-versa.

4.6.1 A dificuldade da distinção

Saber qual o bem jurídico foi efetivamente atingido é o cerne da questão.


Entretanto, o problema maior surge quando se enfrenta a questão dentro de um
processo, como discutir qual o bem ainda será lesado durante a marcha procesaual,
ou depois dela, pois os efeitos de uma conduta podem se protrair no tempo. E a
rnedida que vai passando o tempo, podem se imiscuir ainda mais os danos materiais
e imateriais. Jose de Aguiar Dias, aduzindo observação Fìscher, já enxergava o
problema de quem intenta investigar o dano: ou se aguarda o fim do ciclo de
consequências provocadas pelo dano, ou procede desde logo a sua delimitação.53
Mais importante é a conclusão feita por Minozzi que diz “ que a distinção entre dano
48

patrimonial e dano moral só diz respeito aos efeitos, não à origem do dano. Neste
aspecto, o dano é único e indivisível'.62
Seguindo a linha que o dano moral é todo dano que afete o elemento
psíquico da vítima, poderia dizer sem medo de errar que todo dano injusto suportado
pela vítima contém dano moral. Haverá sempre um dano moral por mínimo que seja.
Ora que ser humano quando lesado não tem seu estado anímico alterado ? Por isso,
alguns autores tendem a restringir a gama de incidência da extrapatrimonialidade do
dano como faz Sergio Cavalieri. Defende o autor que somente reputa-se corno dano
imaterial " a dor, vexame, sofrimento ou humiIhação que, fugindo a normalidade,
interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe
aflições, angústia e desequilíbrio em seu bern-estar".63 Mas essa anormalidade do
dano moral deve ser vista com cautela, pois a medida que se exige fuga da
normalidade, certamente ficarão inúmeras condutas danosas injustas ressalvadas de
indenizar o dano causado.
Devido à fraca consistência na quantificação do dano moral e sua separação
do dano material, é lançada uma indagação: Por que a jurisprudência e a doutrina só
admitem o caráter sancionatório no dano extrapatrimonial? Para a pergunta
infelizmente não é ofertada resposta, mas certamente a jurisprudência se aproveita
da falta de sistematização do dano moral para embutir aí uma punição ao causado do
dano, utilizando-o como se fosse uma válvula de escape. Os julgadores exergam
onde o dano moral é mais patente e penalizam o autor do dano. Não é analisada a
extensão do dano como preceitua o Código Civil, mas a conduta do autor.

A verdade é que a doutrina alberga os dois tipos de dano da mesma forma.


E sabe que na maioria dos casos, tanto o dano material como o imaterial serão
fatidicamente reduzidos a uma expressão monetária, não obstante terem natureza
diversas. A indenização de um e de outro terão a mesma finalidade; Se o que se pune
a conduta do ofensor não importa se o dano foi patrimonial ou extrapatrimonial. “ Se
materialmente a dor não se cobre, a par de leni-la, a soma despendida pelo
responsável, direto ou indireto da sua causa, serve de sanção à ilicitude do ato de
conduta do ofensor. Como proclama o Ministro José de Jesus Filho, no cenário Corte
Federal: ‘ se a dor não tem preço, a sua atenuação o tem ’ (RSTJ 45/194), sendo

62
Minozzi apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil ...cit., v.2, p.716.
63
Sérgio Cavalieri apud SAMPAIO, Rogério Marroni de Castro. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3.
ed. São Paulo: Atlas, 2003. p 102.
49

certo que, por destinação autônoma, o prectium doloris não se confunde com o dano
material, conquanto, ambos são como almas gêmeas no acalentar o neminen
laedere”.64

4.7 TEORIA DO VALOR DO DESESTÍMULO

O alicerce que sustenta a aplicação dos punitive damages, no ordenamento


jurídico, não só o brasileiro, mas de todo o mundo é a chamada teoria do valor do
desestímulo. Consiste basicamente na sanção que é infligida ao autor do dano, de
modo que o desestimule a praticar condutas análogas. O valor do desestímulo é
essa inibição a novas práticas lesivas, é o chamado deterrence (impedimento,
desencorajamento) nos Estados Unidos.
A aplicação da teoria do valor do desestímulo é importante para que se
abstenha o lesante de novas práticas do gênero, servindo a condenação como aviso
à sociedade; com isso, ao mesmo tempo em que se sancionam os autores das
lesões, oferecem-se exemplos à sociedade, a mostrar-lhe que certos compor-
tamentos, porque contrários a ditames morais, recebem a repulsa do direito.
Destarte, é curial salientar que o valor do desestímulo pode ser o mesmo que a
reparação pura, ou seja, o simples ressarcimento ou compensação pelo dano traz
ínsito o valor do desestímulo a novas práticas lesivas.
A teoria do valor do desestímulo ganhou adeptos rapidamente, por sua grande
relevância social, pois é preventiva de litígios. Ela não se direciona a uma conduta
que só pode ser praticada uma única vez, mas que pode ser objeto de reiteração
pelo agente. Para a aplicação da teoria, a conduta não deve ser analisado em si
mesma, mas dentro de um contexto, não se perquirindo se a ação lesiva teve uma
culpa acentuada ou a intenção única de prejudicar outrem. Direciona-se o foco para
o fato de que certos atores sociais possam se sentir estimulados a lesionar direitos
alheios em benefício próprio. Por isso Rui Stocco ressalta que a teoria do valor do
desestímulo “não se identifica à perfeição com os padrões americanos dos punitive
damages”. 65

64
CARDOSO, Hélio Apoliano. Quanto vale o dano moral. Juris Síntese, n.36. Porto Alegre: Síntese, jul-
ago.2002.
65
STOCCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. ver. atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 761.
50

Com base do expendido acima, alguns juristas defendem que os punitive


damages não devem ser aplicados quando o que se tem em vista é punir a conduta
do autor sem o caráter primordial de inibir novas condutas, como se observa da
doutrina extraída do direito argentino: “ somos de la opinón de que la culpa –aun
agravada en relación com las circunstancias personales del dañador- no es factor
subjetivo bastante para dar cabida a la multa civil, debiendo limitarse en tal
supuesto la sanción (resarcitoria) a la reparación del daño causado”.66

4.7.1 Tendências do direito brasileiro.

A doutrina brasileira que admite a indenização punitiva não é uníssona quanto às


hipótese em que se pode se aplica a sanção. Existe uma proposta de alteração, exposta
na Jornada de Direito Civil de 2002, no parágrafo único do art. 944, modificando-o para
o seguinte: “ se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,
67
poderá o juiz reduzir ou majorar, equitativamente a indenização.” Infere-se da
redação prosposta que poderia o julgador aplicar uma pena afim de punir o agente. Essa
posição vai além da teoria do valor do desestímulo, não tendo por fim imediato inibir
condutas, mas sancionar o autor do ato lesivo tendo em vista a reprovabilidade da
conduta.
Outra corrente apóia o valor do desestímulo no montante indenizatório,
excluindo a sanção que não possui efeitos inibitórios. E uma postura mais cautelosa que
a anterior e condizente com o sistema romano-germânico. Por isso também é mais
aceita pelos juristas, sendo albergado pelo PL 6.960, de 12.06.2002, que entre outras
alterações ao Novo Código Civil prevê um § 2º ao supra citado art. 944 do NCC, nos
seguintes termos: “ § 2º. A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação
ao lesado e adequado desestímulo lesante”. A redação proposta faria o instituto da
indenização possuir além da função compensatória, também a preventiva.
Rui Stocco se posiciona na defesa da última tese e leciona que” a tendência
moderna é aplicação binômio punição e compensção, ou seja, a incidência a teoria do
valor do desestímulo (caráter punitivo da sanção pecuniária) juntamente com a teoria da

66
SAUX, Edgardo Ignácio. La tutela inhibitoria y la multa civil...cit
67
AGUIA JUNIOR, Ruy Rosado de (Org.). Jornada de direito civl. Brasília: Conselho da Justiça Federal,
2003, p. 273.
51

compensação visando destinar à vítima uma soma que compense o dano moral sofrido.
[...] não se há de repudiar a teoria do valor do desestímulo enquanto critério, pois o
propósito de desestimular ou alertar o agente causador do mal com a objetiva imposição
de uma sanção pecuniária não significa a exigência de que componha um valor absurdo,
despropositado e superior às forças de quem paga; nem deve ultrapassar a própria
capacidade de ganhar da vítima e, principalmente, a sua necessidade ou carência
material, até porque, se nenhum prejuízo dessa ordem sofreu, o valor apenas irá
compensar a dor, o sofrimento, a angústia, etc. e não reparar a perda paupável, o
ressarcimento dito material.”68
Neste diapasão segue Carlos Alberto Bittar, defendendo que a indenização com
o valor do desestímulo deve ser aplicada balisando-se em dois critérios: a intensidade do
dano suportado pelo dano e o dolo e a situação econômica do agente, para isto “
recomenda-se, também, em atos ofensivos a aspectos morais, que a fixação do quantum
obedeça de critério de sancionamento rigoroso, como meio de desestímulo a novas
investidas como, por exemplo no âmbito de violações a aspectos da personalidade
humana em que o valor da indenização deve ser fixado em níveis que desestimulem a
repetição da prática.
Encontram-se julgados no Superior Tribunal de Justiça, ainda em decisões
monocráticas, em que a indenização se encabeça na teoria do desestímulo.

4.8 O DIREITO A SERVIÇO DA JUSTIÇA

4.8.1 Introdução

O direito não pode ser visto como uma ciência jurídica inerte, ou simplesmente
como um fim em si mesmo sob pena de perder sua eficácia pacificadora na sociedade.
Deve ter a mesma marcha evolutiva da sociedade; estagnar-se quando esta se
movimenta e abrir brechas para a injustiça.
Para uma acepção evolutiva do direito deve em primeiro lugar se desprender do
positivismo jurídico tradicional e adotar uma postura direcionada ao direito de um
sistema axiológico e como um meio de justiça. Destarte, é curial trazermos o raciocínio
de Miguel Reale que afirma que a “ lei somente é fonte se obedece ao devido processo

68
STOCO, Rui. Responsabilidade civil... cit. p. 761.
52

de sua elaboração e se , além disso, o seu conteúdo tiver correspondência com a


conjuntura histórica, sua natureza e finalidade”. 69
O Novo Código Civil brasileiro, com forte influência da filosofia Realeana,
procurou livrar-se de normatizar modelos jurídicos e pautou-se, sempre que possível em
cláusulas abertas, opção feita de maneira escorreita, pois a criação de modelos jurídicos
prende o direito no passado e o distancia da realidade social. Miguel Reale sublinhava a
necessidade da condição “ apresentar-se metodologicamente, mediante modelos abertos,
expressos mediante uma estrutura normativa concreta”.70 Ressalva ainda a liberdade do
julgador para decisão de acordo com o primado da justiça, “ com freqüente apelo a
conceitos integradores da compreensão ética, tais como boa-fé, equidade, probidade,
finalidade social do direito, equivalência das prestações etc. ”.71
Parte da doutrina segue a mesma esteira no que percute o elemento axiológico
como substância indissociável para a formação do direito. Ademais, entendem que a
interpretação axiológica da norma representa uma superação histórica e cultural da
interpretação literal. Uma norma não pode ser encarada como uma unidade lógica
empiricamente, afirmação que corroborada por Bobbio quando defende inexistir norma
jurídica isolada, e Vilanova quando acrescenta também não existe “ fonte normativa
sem vinculação interna: tudo está dentro do ordenamento, e só é explicável em função
do todo que é o ordenamento jurídico”.72

4.9 A ADOÇÃO DOS PUNITIVE DAMAGES PELO DIREITO


BRASILEIRO.

4.9.1 Adequação.

Há de se adotar a corrente que defende a aplicação dos exemplary


damages no direito brasileiro. Salienta-se que a indenização punitiva deve ter
sempre em vista a teoria do valor do desestímulo, defendendo-se, portanto, que tal
teoria é condição sine qua non para a aplicação punitiva, relegando, assim, a
corrente que perquire o grau de reprovabilidade da culpa do autor como fixação do

69
Miguel Reale apud BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do
Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 33.
70
Idem, ibidem, p. 36.
71
Idem, ibidem, p. 37.
72
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo.São Paulo: Max Limonad,
1997. p. 63.
53

montante ressarcitório, sendo o fim primordial da indenização nos casos em que se


aplica o instituto, o desestímulo a condutas análogas, além de reparar o dano, e não
a simples punição do agente.

4.9.2 Aplicações

Para evidenciar a relevantíssima importância dos punitive damages, traremos


alguns casos em que se revela como grande arma em favor da sociedade e como dizem
alguns, um modo da vítima ganhar dinheiro fácil.
O exemplo mais cristalino e elucidativo que se pode ofertar é extraído da saga
elaborado por John Grisham, titulada de O homem que fazia chover. É um caso fictício
narrado pelo autor, o processo Blach vs. Great Benefit. O caso é de uma seguradora de
nome Great Benefit que trabalha no ramo de seguro saúde ( planos de saúde ), que
depois de acionada pelo segurado Donny Ray Black, que padece de leucemia, nega-lhe
seu benefício. Como o segurado não possui para se tratar sem o plano de saúde, vem a
falecer. Quando o advogado pelo família Black investiga o caso, emerge uma verdade
sombria capaz de surpreender até os defensores mais ferozes do capitalismo. Donny
Ray teria a direito ao tratamento custeado pela Great Benefit, mas esta o negou movido
por interesses econômicos. A companhia tinha um estudo que constatava o seguinte: do
montante de pedidos dos segurados que chegava à empresa, devia-se negar um
determinado número, mesmo que os beneficiários fizessem jus ao benefício, pois
pequena parte dos segurados destes pedidos, que eram indevidamente negados, se
aventuravam a demandar uma ação judicial. A empresa fazia uma operação aritmética
simples e nefasta, calculava o montante que obteve negando o bnefício, ou seja, o valor
que arrecadava lesando o direito e deduzia o valor gasto nas ações que perdia na justiça.
Resultando assim, um saldo sempre amplamente positivo, o que gerava alta taxas de
lucros. Mas, para a satisfação do leitor do livro, a empresa é Great Benefit é condenada
a uma indenização milionária a ser paga para a família Black.73
O caso fictício relatado acima não é muito distante da realidade, que com uma
investigação apurada encontra-se semelhantes. Mais suscetível são áreas voltadas para a
relação de massa, como ocorre no direito do consumidor, as quais ficam mais abertas a
procedimentos maliciosos de certas empresas porque o dano é distribuído entre os
lesados e o dano individualmente é de pequena monta. A prática, então, se solidifica,
73
GRISHAM, John. O homem que fazia chover. Trad. Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco,
1996.
54

pois o cidadão em poucos reais não vai intentar uma ação judicial, e a empresa, sabendo
que lucra lesando direito alheio sem maiores problemas difunde esses atos lesivos. Não
olvidando estes problemas, parte da doutrina se preocupa com tais questões pautando os
punitive damages ou multa civil na necessidade de prevenir lesões à sociedade.
Ex positis, é essencial que haja uma indenização com o valor do desestímulo,
pois se a tutela inibitória não entra em cena, encoraja a reiteração de condutas que lesam
direitos alheios. Essa indenização deve retirar a aspiração de lucrar ilicitamente,
independentemente de o dano ser moral ou exclusivamente patrimonial.
A 1º Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu inexistir a figura de dano
moral coletivo ou difuso. É que o dano moral envolve, necessariamente dor, sentimento,
lesão psíquica, afetando ‘ a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas’.74

4.9.3 A aplicação dos punitive damages.

A aplicação da indenização punitiva no Brasil ocorre atualmente de uma maneira


tão cheia de regras desconexas que é rebarbativo. A jurisprudência teve a cautela de
fazer uma massa amálgama composta de normas de institutos diversos que resulta numa
construção teratológica. Entende que o juiz, na fixação do quantum indenizatório,
observar-se-á o seguinte: deve fixar a indenização como fito de compensar o dano
suportado pela vítima, mas concomitantemente deve punir exemplarmente o ofensor de
modo que o iniba de praticar condutas análogas, e ainda por cima, o valor do montante
não pode fazer a vítima enriquecer. Uma elucubração cerebrina fantasmagórica, pois na
mesma equação deve conciliar o inconciliável. Resulta que uma regra anula a outra, até
que se chega ao nada.
Se a teoria é ruim, pior ainda é a aplicação em casos concretos. No caso em que
o autor da conduta tiver grande poder econômico e a vítima for pobre, a aplicação da
regra é impossível, pois qualquer ínfimo valor que o juiz arbitrar a título de punição,
estará arriscando de enriquecer a vítima. Aplicar-se-ia então a regra somente nos casos
em que a vítima for abastada, pois nesses casos poderia ser dada uma indenização com
caráter inibitório-pedagógico sem que enriquecesse a vítima. Data venia aos
elaboradores, mas tal sistemática é risível, pois em que lugar do mundo a elite é lesada

74
STJ, 1º T., REsp 598.281-MG, DJ 01.06.2006.
55

corriqueiramente. A regra devia ter sido feita para atender às necessidades do povo, e
que caso ainda não saibam, este em sua maioria é pobre.
Os tribunais brasileiros afirmam em muito de seus julgados que acolhem a teoria
do valor do desestímulo, mas na verdade a aplicam de maneira artificiosa, pois reduzem
o montante indenizatório em vista da situação econômica da vítima. Retira, dessa
maneira, a eficácia do instituto, pois dificilmente haverá desencorajamento de condutas
análogas. Em decisão monocrática da Ministra Nancy Andrighi, se percebe o
entendimento dos tribunais estaduais inferiores que é corroborado pelo Superior
Tribunal de Justiça: “Instituição bancária que promove, indevidamente, o protesto de
dívidas já paga, deve responder pelo dano moral que seu ato causar levando-se em
consideração os critérios previstos pela teoria do valor do desestímulo, onde o que se
busca é que a indenização esteja informada de princípios que permitam estabelecer
perfeito equilíbrio para o encontro de um valor justo que sirva, a um só tempo, de
desestímulo ao ofensor, e de compensação ao ofendido, que não seja ínfima para quem
dá, nem excessiva para quem recebe; que não leve o primeiro à ruína, nem enriqueça
ilicitamente o segundo. ”75 Essa decisão é o retrato de como se tem tratado os punitive
damages fundados na teoria do valor do desestímulo no direito brasileiro. O valor
aplicado ao caso a título de sanção foi de R$ 10.000,00 (dez mil reais) contra um banco,
a quantia que certamente não inibirá uma instituição financeira de lesar consumidores.
Não é mister grandes dotes de inteligência para inferir que o sistema foi
construído de modo que permaneça o continuísmo. Foi elaborada tal regra tendo em
vista primordialmente os interesses da elite dominante de nosso país, que lesam
cotidianamente a população. Esse foi o marco decisivo para a diferença no sistema
indenizatório entre este país subdesenvolvido para o sistema norte-americano. Os
Estados Unidos, não obstante ingerência da elite capitalista nas ações do governo,
conseguiram desenvolver os punitive damages por mérito do patamar democrático em
que se encontram, onde os cidadãos tem seus direitos protegidos, e a lesão aos seus
direitos são prontamente refugados pelo direito.

4.10 CONCLUSÃO

75
STJ, AgIn 565.258-PB, DJ 31.03.2004.
56

Devido ao expedido durante o trabalho, não há melhor alternativa senão


defender a admissibilidade da indenização com caráter punitivo em danos patrimoniais
e extrapatrimoniais. Não obstante a existência de farta jurisprudência no sentido de
aceitar a tese dos punitive damages, cuidamos em defender um modo sistemático e
coerente em sua aplicação, tendo sempre em vista a teoria do valor do desestímulo, pois
punir o autor do dano simplesmente baseado na reprovabilidade de sua conduta seria
perder o caráter inibitório ou preventivo, sendo este o fator primordial, norteando a
aplicação da sanção. A sanção, como visto, deve ser analisada dentro da ótica utilitária
(preventiva), sob pena de se transformar em sanção penal.
A distinção entre o dano moral e o dano material trazida pela doutrina mostra-se
ineficaz para excluir a indenização punitiva do âmbito do dano patrimonial. Aliás, nem
haveria motivo desta distinção para a aplicação da pena, porque como o foco se desvia
para a conduta e algumas peculiaridades do autor como o seu poder econômico
relegando para segundo plano o dano suportado pela vítima, não haveria fundamento
em excluir o dano material do âmbito da indenização punitiva.
O problema do enriquecimento da vítima não pode ter uma interpretação
açodada, sob pena de impossibilitar a aplicação do instituto. Este só funcionará
completamente se o lesado auferir algum benefício com a propositura da ação; nada
seria mais justo que fosse recompensado pelo seu esforço e pelo bem proporcionado à
sociedade. Para evidenciar o afirmado, imaginemos um caso em que uma empresa única
no ramo lesasse mensalmente seus clientes em R$ 0,50. Se não permitisse que a
indenização punitiva revertesse em favor do lesado, quem se habilitaria em intentar uma
ação para receber uma quantia irrisória? Certamente a situação perpetuaria
indefinidamente.
No caso de aplicação da indenização punitiva, escorreita é a solução de
recompensar o lesado que propôs a ação com o pagamento de quantia superior ao que
deveria receber a título de reparação de dano. O restante da quantia da indenização
punitiva deveria ir para algum fundo, associação, ou mesmo para o Poder Judiciário. O
que não se pode deixar acontecer é o ofensor continuar com o seu ganho lesando
direitos alheios. Deve-se neutralizar este lucro. Com isso, não transformaria a justiça
numa espécie de loteria, como afirma alguns (se é que um dia poderia se transformar) e
manteria o caráter inibitório da indenização.
A crítica mais consistente que se faz do caráter punitivo da indenização é com
certeza a violação do princípio nulla poena sine lege, porém, como foi visto supra, o
57

direito não pode ficar inerte frente a problemas na sociedade. Não pode esta ficar ao
jugo e inerte à agentes maliciosos. Demais disso, os causadores de tais danos
comumente já estão cientes da possibilidade de repressão por parte do judiciário.
O direito, nunca é assaz enfatizar, deve ser uma arma em busca do equilíbrio
social. E, analisando por outro foco, a não aplicação dos punitive damages seria a
violação do neminem laedere social, pois as condutas que defendemos em punir são as
que lesam a sociedade e que não possuem outra alternativa viável senão a indenização
punitiva. Em última instância, em face da colisão entre nulla poena sine lege e neminem
laedere, poderíamos ainda aduzir o conspícuo John Rawls que afirma que os “princípios
explicados marcadamente diferentes se conciliam, quando os princípios da justiça são
perfeitamente implementados”.76
Destarte, a jurisprudência deve considerar a sanção para pautar o valor das
indenizações, pois a melhor interpretação do direito é a que se preocupa com uma
solução justa e socialmente útil.

CAPÍTULO V

5 O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS

5.1 INTRODUÇÃO

76
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins
Fontes, 1997. p. 572.

Das könnte Ihnen auch gefallen