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Reorganização das práticas e inovação tecnológica na

Vigilância em Saúde e os 20 anos do SUS1

Por Djalma Agripino de Melo Filho

No momento em que se avaliam as conquistas e os desafios do Sistema


Único de Saúde (SUS), após 20 anos de sua criação, cabe destacar de modo
especial as consequências dessa nova configuração no processo de trabalho
da vigilância epidemiológica.
Antes de enfocar o período posterior à criação do SUS, é importante
destacar que a trajetória dessa prática, sem desconsiderar outras
demarcações, conquistou uma nova dimensão com o advento da campanha de
erradicação da varíola, desenvolvida no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970.
Nessa época, incorporou-se definitivamente o conceito moderno de vigilância
epidemiológica, além do reconhecimento da importância dessa tecnologia para
a saúde pública e da necessidade de formação de recursos humanos
qualificados para a condução de processos de trabalhos com o objetivo de
prevenção, vigilância e controle dessa doença2.
No final da década de 1960, a Fundação de Serviços de Saúde Pública
(FSESP) organizou um sistema destinado à notificação de algumas doenças
transmissíveis, com prioridade para as imunopreveníveis, e, além disso,
sistematizou essas informações em boletins epidemiológicos. Em 1970, com a
instalação de unidades em âmbito estadual, procedeu-se à descentralização da
vigilância epidemiológica da varíola.3Em 1973, além da Certificação
Internacional da Erradicação da Varíola no Brasil, ocorreu, pela Portaria
GM/MS nº 311, a instituição Programa Nacional de Imunizações (PNI). A
erradicação da varíola constituiu grande evidência da efetividade da vigilância
epidemiológica e, nesse sentido, servirá, em anos posteriores, de paradigma
para o controle de outras doenças transmissíveis como é o caso, por exemplo,
da poliomielite.
Em 1975, destaca-se a criação do Sistema Nacional de Vigilância
Epidemiológica (SNVE), efetivando-se uma recomendação da 5ª Conferência
Nacional de Saúde. O SNVE foi criado pela Lei nº 6.259, de 30 de outubro de
1975, regulamentada, em 1976, pelo Decreto no 78.231. Além disso, ocorre o
estabelecimento das doenças de notificação compulsória pela Portaria GM/MS
nº 314, de 27 de agosto de 1976. Nesse sentido, desenvolvia-se o propósito de
“compatibilizar a operacionalização de estratégias de intervenção
desenvolvidas para controlar doenças específicas, através de programas
nacionais que eram, então, escassamente interativos”4.
Na década de 1980, grandes investimentos serão realizados na
prevenção, vigilância e controle de doenças, com destaque para as
imunopreveníveis. Planos e programas são desenvolvidos e estratégias são

1
Texto elaborado por Djalma Agripino de Melo Filho como subsídio à sistematização do
Relatório da SVS (Gestão 2007-2008)
2
SILVA, Luiz Jacintho da. Vigilância epidemiológica: a perspectiva de quem é
responsável. Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/2005/06/14.shtml
3
BRASIL. Ministério da Saúde. 100 anos de saúde pública: a visão da Funasa. Brasília (DF):
Funasa, 2004.
4
SILVA, op. cit.
desenhadas em âmbito nacional com o propósito de erradicação ou controle de
doenças transmissíveis. Nesse sentido, recursos humanos são capacitados,
procedimentos e rotinas passam a ser normalizados, campanhas educativas
são veiculadas nos meios de comunicação, rede de frio é estruturada em todo
país para acondicionar adequadamente imunobiológicos e laboratórios são
equipados para o diagnóstico das doenças.
Pela Portaria GM/MS nº 55, de 29 de janeiro de 1980, extinguiu-se a
obrigatoriedade da vacinação contra a varíola e nesse mesmo ano foi lançado
o Plano de Ação Contra a Poliomielite, estabelecendo os dias nacionais de
vacinação. Após a adoção dessa estratégia, realizada nos dias 14 de junho de
agosto, verifica-se uma redução significativa dos casos de poliomielite em
todas as regiões brasileiras. Em 1986, somente na Região Nordeste, foi
estabelecido um terceiro dia de vacinação e nesse mesmo ano aprovou-se o
Plano de Ação para a Erradicação da Poliomielite no Brasil (Resolução Ciplan
nº 4, de 6/2/1986).
Em relação à capacitação técnica, estratégias para efetivar esse
propósito, que incluíam cursos de curta duração, foram desenvolvidas em larga
escala em todas as regiões. Nessa perspectiva, cabe destacar a realização, em
1985, do Curso Básico de Vigilância Epidemiológica (Cbve), do Curso Intensivo
de Vigilância Epidemiológica (Cive) e do Curso de Aperfeiçoamento para
Epidemiologistas. Posteriormente, os egressos dos dois primeiros foram
avaliados pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).
A questão do controle e, posteriormente, da erradicação da poliomielite
passou a ser uma prioridade de Governo. Possivelmente em consequência dos
compromissos assumidos pelo Brasil nesse sentido, percebem-se, logo no
início da década de 1980, movimentos de estruturação de um “núcleo”,
localizado o mais próximo possível do poder central (Ministério da Saúde), com
a missão de planejar e comandar, de forma unificada, a implantação e o
desenvolvimento dos novos planos e programas. Em 1981, a coordenação dos
Programas Nacionais de Imunizações e de Vigilância Epidemiológica, desde
1974 sob gerência da Fsesp, ficará subordinada à Secretaria Nacional de
Ações Básicas de Saúde (Snabs), do Ministério da Saúde. Em 1983, ocorre a
criação do Comitê Interorgânico de Controle de Doenças Transmissíveis,
coordenado pela Snabs e integrado por representantes da Fsesp, da Fiocruz,
da Sucam, do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan), entre outros.
Em 1985, finalmente, institui-se o Subsistema Nacional de Controle de
Doenças Transmissíveis.
O registro dos últimos casos de poliomielite no Brasil em 1989 e a
obtenção, em 1994, do Certificado Internacional de Erradicação da
Transmissão Autóctone do Poliovírus Selvagem validam as estratégias e
tecnologias utilizadas, na década de 1980, no combate à poliomielite; reforçam
a necessidade dos investimentos em prevenção primária e legitimam o poder
do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde
como protagonistas da política de saúde no país, formulada na época de modo
dicotomizado entre ações curativas, sob responsabilidade do INAMPS, e
preventivas sob gestão do próprio Ministério da Saúde.
Embora se comprove a efetividade das ações implementadas nas
décadas de 1970 e 1980 para o controle das doenças imunopreveníveis, o
modelo de vigilância epidemiológica a elas subjacente, fundamentado na
erradicação da varíola, organizou os serviços que exerciam essa prática de
forma dissociada das transformações verificadas no panorama sanitário
consequentes aos processos de industrialização e urbanização. Além disso, a
marca organizacional era a centralização:

De fato, a institucionalização dos programas de erradicação e controle


e a implantação da vigilância no Brasil, ao longo dos últimos 90 anos,
implicou, do ponto de vista político-institucional, a organização
centralizada (federal) de órgãos e departamentos responsáveis pelas
campanhas e programas, ao tempo em que se cristalizava uma
distinção entre a vigilância epidemiológica, voltada para o controle de
“casos” e “contatos”, e a vigilância sanitária, voltada para o controle de
“ambientes, produtos e serviços”.5

Segundo Sabroza,

O sucesso alcançado pela utilização da vigilância no controle e


erradicação da varíola no mundo levou a 21º Assembléia Mundial da
Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1968, a ampliar o
conceito de Vigilância de Saúde Pública para outros problemas além
das doenças transmissíveis. 6

A criação, em 1988, do Sistema Único de Saúde (SUS), além de


preservar todo o legado relativo à vigilância, prevenção e controle das doenças
imunopreveníveis, imprimirá um novo rumo à história das práticas vinculadas à
vigilância epidemiológica no país. Vejam-se algumas evidências que fortalecem
a instauração desse novo marco.
Na realidade, o SUS constituirá um “ambiente” onde serão
experimentadas novas concepções de vigilância, derivadas de reflexões
teóricas desenvolvidas, a partir da década de 1980, em núcleos acadêmicos e
encontros tecnicocientíficos, destacando-se, nesse sentido, o papel catalisador
da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Associação Brasileira de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e do Congresso Brasileiro de
Epidemiologia, realizado, pela primeira vez, em 1990, em Campinas (SP).

Superação dos limites conceituais

Inicialmente, destacam-se dois conceitos, expressos nos textos legais


que estruturaram o novo sistema e transformados em idéias-força para
requalificação e reestruturação do campo das práticas de vigilância
epidemiológica.
O primeiro deles, integrante do texto constitucional (1988), refere-se à
saúde como resultado da convergência de macropolíticas:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença

5
TEIXEIRA, Carmem Fontes; PAIM, Jairnilson Silva; VILASBÔAS, Ana Luiza. SUS, modelos
assistenciais e vigilância da saúde. IESUS, VII(2), abr./jun., 1998. p.12
6
SABROZA, Paulo. Vigilância em saúde. Disponível em:
http://www.abrasco.org.br/GTs/Vigilancia%20em%20Saude_Sabrosa.pdf
e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (Art. 196)

Na mesma direção, a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, dispõe


sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e explicita de
forma mais clara essa questão quando reconhece, no Art. 3º, que:

A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre


outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio
ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o
acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da
população expressam a organização social e econômica do País.

Nesse sentido, superaram-se, pelo menos do ponto de vista formal, os


liames que retinham a saúde no âmbito estritamente assistencial e reconheceu-
se explicitamente a promoção da saúde como uma questão política de
natureza intersetorial, com ênfase nas dimensões social e econômica.
O segundo conceito, sobre vigilância epidemiológica, encontra-se
também descrito na Lei nº 8080:

um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção


ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e
condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de
recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças
ou agravos. (Art. 6º; § 2º)

Essa concepção, por um lado, quando enfoca as “medidas de prevenção


e controle das doenças ou agravos” se aproxima do paradigma do risco
orientador da epidemiologia, cujo objeto são “doentes em populações”7, e as
práticas de vigilância epidemiológica dela derivadas. Todavia, por outro lado, o
propósito de conhecer, detectar ou prevenir qualquer mudança nos “fatores
determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva” parece superar
os limites dos chamados “fatores de risco”. Esse novo conceito, quando
menciona determinação e condicionamento, parece destacar a causa formal ou
estrutural do processo saúde-doença e não somente a causa eficiente
caracterizada pelo seqüenciamento de eventos: “x pôde ocorrer por causa do
acontecimento de a, b e c”.
Segundo Agnes Heller,

a causa formalis explica os eventos históricos e suas motivações pela


estrutura social no quadro em que ocorrem. A causa é concebida como
uma totalidade relativa: como uma estrutura de regras totais, como uma
instituição, como uma economia, como um sistema político ou, até
mesmo, como um sistema de subsistemas interligados. A causa
formalis leva em conta mudanças, não pelos eventos, mas pela lógica
interna de sistemas os quais são meramente expressos pelos eventos
e pelas vontades dos atores neles implicados. 8

7
ALMEIDA FILHO, Naomar de. Epidemiologia sem números: uma introdução crítica à
ciência epidemiológica. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1989.
8
HELLER, Agnes. Uma teoria da história. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1993.
p. 211
Os pressupostos do modelo causal subjacente ao conceito são amplos o
suficiente para, pelo menos, sinalizar que o modelo do risco, fundamentado
essencialmente na causa eficiente, deveria ser ultrapassado.
Em síntese, pode-se perceber que o próprio conceito reflete a
ambivalência dos desejos e das atitudes dos atores do movimento sanitário
brasileiro, das décadas de 1970 e 1980, na busca de soluções para refletir e
agir nas dimensões macro e micro da realidade. Ao destacar os determinantes
e condicionantes, o conceito focaliza a dimensão da política e se aproxima do
que se denominaria de promoção da saúde. Mas a finalidade do conhecimento
dessa esfera da causalidade seria “a adoção de medidas de prevenção e
controle das doenças ou agravos”. E, nesse sentido, eclode novamente a
concepção de vigilância epidemiológica, derivada da epidemiologia do risco
cujas características discursivas são: “uma pragmática do controle técnico; uma
sintaxe do comportamento coletivo e uma semântica da variação quantitativa”.9
O desejo de superação dessa vertente sempre caracterizou o próprio
desenvolvimento da epidemiologia no Brasil. Barreto (2002)10 assinala algumas
peculiaridades que o caracterizaram: o reconhecimento de que a epidemiologia
integra o movimento da saúde coletiva; o compromisso com a transformação
das condições de saúde da população; a forte vinculação com as concepções
de determinação social da doença; a visão crítica da teoria original da
transição epidemiológica e a concepção transdisciplinar na compreensão da
produção do processo saúde-doença.
O texto de Teixeira, Paim e Vilasbôas (1998) sobre modelos
assistenciais e vigilância da saúde contribui para compreensão da evolução
histórica das práticas de vigilância e seus respectivos marcos conceituais e por
isso oferece evidências que podem explicar o “hibridismo” expresso no
conceito de vigilância epidemiológica da Lei 8080. Na década de 1980, o
debate sobre os limites e as possibilidades de superação desse conceito no
âmbito da saúde pública se expressa em variações terminológicas como
“vigilância da saúde”, “vigilância à saúde” e “vigilância em saúde”. Em que
pese a oscilação da preposição ( e isso parece que as diferencia), percebe-se,
nesse sentido, a convergência de todas para a “saúde”, um sinal distintivo dos
novos rumos da história da vigilância. Essas discussões tinham como eixo
comum:

a abertura para a epidemiologia, tanto no que diz respeito à sua


contribuição para a análise dos problemas de saúde que transcenda a
mera sistematização de indicadores gerais, quanto no âmbito do
debate sobre planejamento e organização de sistemas e serviços, isto
é, na implantação de novas práticas e novos “modelos assistenciais”.11

No contexto em que se consolidou o debate, os autores destacam a


ocorrência de alguns eventos significativos. No seminário sobre “Usos e
perspectivas da Epidemiologia”, promovido pela OPAS e realizado em Buenos

9
AYRES, José Ricardo de C. M. Sobre o risco: para compreender a epidemiologia. São
Paulo: Editora Hucitec, 1997. p. 110
10
BARRETO, Mauricio L. Papel da epidemiologia no desenvolvimento do Sistema Único de
Saúde no Brasil: histórico, fundamentos e perspectivas. Rev. bras. epidemiol. [online]. 2002,
v. 5, suppl. 1, pp. 4-17.
11
TEIXEIRA, Carmem Fontes; PAIM, Jairnilson Silva; VILASBÔAS, Ana Luiza. op. cit. p.12-3.
Aires, em 1983, as temáticas sobre planejamento e programação de sistemas
de serviços e sobre programas relativos ao controle de doenças ou dirigidos a
grupos populacionais específicos, incluindo ações de promoção da saúde,
foram abordadas separadamente. A aproximação entre esses temas ocorrerá
com mais nitidez na Conferência da Associação Latinoamericana e do Caribe
de Educação em Saúde Pública (Alaesp), realizada no México em 1987,
quando se recomendou a necessidade de utilizar dados de morbimortalidade
para análise sistemática da situação de saúde e consequentemente identificar
prioridades e avaliar resultados de ações e serviços de saúde. Além disso,
criticou-se a perspectiva do modelo de risco, destacando-se a construção de
modelos causais cuja complexidade exceda os limites da linearidade causa-
efeito e para isso se propôs evidenciar relações entre condições de vida e
trabalho com a situação de saúde. No final da década de 1980 e início dos
anos 90, a OPAS coordena discussões sobre cada um dos níveis de
prevenção, vinculados à medicina preventiva, e verifica que o componente
“promoção” é escasso e o de “prevenção” estava restrito aos programas
tradicionais de saúde pública. No Brasil, o debate sobre a questão da vigilância
ganha fôlego nos congressos de epidemiologia, realizados na década de 1990,
quando se esboçam diversas propostas conceituais.
Essas concepções de “vigilância da saúde” se diferenciam pela
amplitude de seus limites epistemológicos. Há casos em que se propõe uma
ampliação do objeto da vigilância epidemiológica, embora os limites não sejam
tão amplos, pois não preveem “a reorganização do conjunto das ações e
serviços de atenção à saúde, aí incluídas a intervenção sobre determinantes
sociais, de um lado, e a assistência médico-hospitalar, de outro”12. O objeto é
redefinido: de “doentes em populações” para “situações de saúde de grupos
populacionais definidos em função de suas condições de vida” e passa a incluir

não apenas as doenças transmissíveis, incorporando investigações e


montagem de bancos de dados sobre outros agravos como mortalidade
infantil, materna, doenças crônicas, acidentes e violência, como
também aspectos relativos à organização e produção dos serviços de
saúde, contribuindo para um planejamento de saúde mais
abrangente.13

Outra proposta se efetivou mediante a integração institucional das


vigilâncias epidemiológica e sanitária durante o processo de descentralização
das ações de vigilância para os estados e, posteriormente, para os municípios.
Nesse sentido, observaram-se alguns avanços, mas o processo implementado
é restritivo, pois não incorpora outras práticas de saúde.
Em outras situações, como é o caso da concepção sistematizada por
Paim14, buscou-se uma maior integração entre “controle de causas”, “controle
de riscos” e “controle de danos”. Essa proposta, além de expressar coesão e
coerência, incorpora contribuições advindas do materialismo histórico
(determinantes socioeconômicos, necessidades, organização do processo de
trabalho), do paradigma do risco, da epidemiologia crítica, do planejamento

12
TEIXEIRA, Carmem Fontes; PAIM, Jairnilson Silva; VILASBÔAS, Ana Luiza. op. cit. p. 15
13
Id. Ib. p. 17.
14
PAIM, Jairnilson Silva. A Reforma Sanitária e os modelos assistenciais. In: ROUQUAYROL,
M. Zélia. Epidemiologia & saúde. 4ª Ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1993. p. 455-66.
estratégico-situacional, da programação em saúde, da história natural da
doença (níveis de prevenção), da educação em saúde, do movimento
ecológico.
Essa proposta prevê um conjunto de intervenções nos problemas de
saúde que vão desde as políticas públicas transetoriais até as ações
programáticas e o desenvolvimento da oferta organizada em unidades de
saúde. Nessa perspectiva, a vigilância da saúde propõe

a incorporação de novos sujeitos, extrapolando o conjunto de


profissionais e trabalhadores de saúde ao envolver a população
organizada, o que corresponde à ampliação do objeto, que abarca,
além das determinações clínico-epidemiológicas no âmbito individual e
coletivo, as determinações sociais que afetam os distintos grupos
populacionais em função de suas condições de vida. Nessa
perspectiva, a intervenção também extrapola o uso dos conhecimentos
e tecnologias médico-sanitárias e inclui tecnologias de comunicação
social que estimulam a mobilização, organização e atuação dos
diversos grupos na promoção e na defesa das condições de vida e
saúde.15

Em síntese, o rico debate em torno do conceito de vigilância e sua


expressão na reorganização das práticas e dos serviços de saúde ocorreram
de forma mais ou menos intensa, nas três esferas de governo, nesses 20 anos
do SUS.
Em relação ao nível federal, verifica-se que, desde o início, o debate foi
apoiado pelo Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI) e, posteriormente,
pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), o que contribuiu com a
organização político-institucional desses órgãos.

Novas configurações político-institucionais: a criação do Centro Nacional


de Epidemiologia (CENEPI) e da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS)

Nesses 20 anos de SUS, duas estruturas político-institucionais passarão


a coordenar de forma unificada, em nível nacional, as ações de vigilância,
prevenção e controle de doenças. A primeira, o Centro Nacional de
Epidemiologia (CENEPI), surge, em 1990, como consolidação das aspirações
defendidas, desde a década de 1980, pelo movimento pela Reforma Sanitária.
Na criação dessa estrutura, encontram-se muitos documentos que a
embasaram. Nesse sentido, destacam-se: “Usos e Perspectivas da
Epidemiologia” (1983), produzido pela OPAS; “Proposta de criação do Centro
Nacional de Epidemiologia – CNE” (1987) da Secretaria Nacional de Ações
Básicas-SNABS, Ministério da Saúde; “I e II Planos diretores para o
desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil (1989,1994)” da Abrasco e
“Oficina de trabalho para avaliação do papel do CENEPI” (1990) da
Fundação Nacional de Saúde-FNS, Ministério da Saúde16.

15
TEIXEIRA, Carmem Fontes; PAIM, Jairnilson Silva; VILASBÔAS, Ana Luiza. op. cit. p 17-8.
16
Abrasco. Comissão de Epidemiologia. Relatório do Seminário "Propostas para o Centro
Nacional de Epidemiologia - Cenepi". Rio de Janeiro, s/n. Disponível em:
http://www.abrasco.org.br/GTs/Cenepi.pdf
Entre 1990 e 1993, o Cenepi foi protagonista no âmbito nacional da
política de vigilância, prevenção e controle de doenças. Entre as ações mais
relevantes desse órgão, destacam-se:

o programa de formação e capacitação de técnicos vinculados aos


serviços estaduais e municipais de epidemiologia, desenvolvido
mediante parcerias estabelecidas com instituições acadêmicas; o
financiamento de pesquisas; a busca e o esforço para integrar setores
afins; o apoio à organização dos serviços de vigilância nos níveis
estadual e municipal; a tentativa de ampliação do objeto da vigilância,
implantando, pela primeira vez, o monitoramento das doenças e dos
agravos não transmissíveis17.

Barreto (2002) destaca o papel do Cenepi na aproximação entre os


profissionais dos serviços e da academia:

A criação do Centro Nacional de Epidemiologia-CENEPI, em 1990, foi


uma aspiração dos epidemiologistas brasileiros. Com a criação do
CENEPI, à exceção de alguns momentos, a interlocução entre
epidemiologistas da academia e epidemiologistas dos serviços foi
intensificada, o que tornou ainda mais tênues as diferenças existentes
entre estes dois mundos. O CENEPI teve um papel relevante no
incentivo ao uso dos recursos epidemiológicos nos diversos níveis do
SUS. 18

Mesmo reconhecendo-se os avanços alcançados, a configuração


político-institucional do Cenepi não favorecia à ampliação do objeto da
vigilância e ao fortalecimento político dessa instância no cenário decisório do
Ministério da Saúde.
Em 2003, outro marco estrutural é estabelecido com a criação da
Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) que passa a assumir, além de outras
atribuições, as ações desempenhadas pelo Cenepi. A nova denominação
“vigilância em saúde” trona-se um indicativo de que o novo órgão estaria
comprometido com esse ideário e não, apenas, com o campo mais restrito da
vigilância epidemiológica.
Na perspectiva política, pode-se afirmar, utilizando-se a terminologia
gramatical, que antes do Cenepi, as ações de vigilância e controle de doenças
eram acessórias do sistema de saúde. Com o Cenepi, elas passaram a ser
integrantes e após a criação da SVS, tornaram-se essenciais.
Nesse sentido, pode-se constatar que:

O redirecionamento da política e da gestão da vigilância em saúde,


com a criação da Secretaria de Vigilância em Saúde em 2003,
significou uma redução do déficit institucional, político e financeiro
existente no país desde a criação do Sistema Único de Saúde em
relação às ações sanitárias de caráter coletivo. A ausência, o caráter
incipiente ou a fragmentação da ação nesse campo contribuíram para o

17
Brasil. Ministério da Saúde. Vigilância em saúde no SUS: fortalecendo a capacidade de
resposta aos velhos e novos desafios. Brasília (DF): Ministério da Saúde, 2006. p.10.
18
BARRETO, Mauricio L. Papel da epidemiologia no desenvolvimento do Sistema Único de
Saúde no Brasil: histórico, fundamentos e perspectivas. Rev. bras. epidemiol. [online]. 2002,
v. 5, suppl. 1, pp. 4-17.
acúmulo de problemas e retardaram o desenvolvimento científico,
tecnológico e organizacional na vigilância, na prevenção e no controle
de doenças.19

O Decreto no 4.726, de 9 de junho de 2003, definiu a estrutura e


estabeleceu as funções da recém-criada SVS que passou a ser responsável
pela coordenação nacional de todas as ações executadas pelo SUS, nas áreas
de vigilância epidemiológica de doenças transmissíveis e não transmissíveis,
dos programas de prevenção e controle de doenças, informações
epidemiológicas, análise da situação de saúde, vigilância em saúde ambiental
e, posteriormente, promoção da saúde e saúde do trabalhador.

Inovação estratégica e tecnológica e ampliação do objeto de trabalho

Nesses 20 anos de SUS, constata-se um movimento de consolidação da


vigilância em saúde nos âmbitos federal, estadual e municipal. Na esfera
federal, os princípios e as diretrizes, estabelecidos na Constituição de 1988,
orientaram o planejamento, a gestão e a avaliação das ações de vigilância,
prevenção e controle de doenças e o monitoramento da situação de saúde.
Nesse sentido, a descentralização das ações para estados e municípios
constituiu uma das marcas desse setor a partir de 1999, quando se publica a
Portaria no 1.399, atualizada, posteriormente, pela Portaria no 1.172, de 17 de
junho de 2004. Com a implementação da estratégia descentralizadora, os
processos de trabalho tornaram-se mais ágeis e mais efetivos, pois os
problemas puderam ser melhor detectados e as medidas de controle
executadas de forma mais veloz.
Na última década, além do fortalecimento da descentralização,
merecem destaque: a) ampliação do objeto da vigilância, incluindo as doenças
emergentes e reemergentes, doenças e agravos não transmissíveis e seus
fatores de risco, abordagem sindrômica de alguns problemas, vigilância
ambiental, saúde do trabalhador e promoção da saúde; b) desenvolvimento de
um amplo e competente programa de capacitação de recursos humanos, em
parceria com centros acadêmicos e de pesquisa, mediante cursos de curta,
média e longa duração em diversos níveis, incluindo o mestrado e o EPI-SUS –
Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do SUS
que, desde o ano 2000, vem formando especialistas em investigação de surtos,
epidemias e eventos inusitados, fornecendo respostas rápidas aos serviços de
saúde; c) integração com a área de assistência à saúde, favorecendo a
inclusão das ações de vigilância, prevenção e controle de doenças na rede
básica de serviços de saúde, como o Programa de Saúde da família, ou nos
hospitais, mediante os Núcleos de Epidemiologia; d) realização anual da
Expoepi – Mostra Nacional de Experiências Bem-sucedidas em Epidemiologia,
Prevenção e Controle de Doenças, que aglutina gestores e técnicos dessa área
procedentes de todas as unidades federadas com o propósito de discutir
assuntos relevantes da área de saúde pública e promover o intercâmbio de
experiências; e) criação do CIEVS - Centro de Informações Estratégicas em
Vigilância em Saúde com o objetivo de proporcionar, em nível nacional, a

19
Brasil. Ministério da Saúde. Vigilância em saúde no SUS: fortalecendo a capacidade de
resposta aos velhos e novos desafios. op, cit. p. 10-11.
captação de notificações, manejo e análise de dados e informações
estratégicas relevantes à pratica da vigilância em saúde, bem como congregar
mecanismos de comunicação avançados; f) implementação, de forma
hierarquizada, da Rede de Laboratórios, com equipamentos adequados,
suprimento oportuno de insumos e profissionais capacitados; g) fortalecimento
do PNI - Programa Nacional de Imunizações; h) desenvolvimento de
mecanismos ágeis e eficientes de informação e comunicação; i) ampliação da
cobertura e da qualidade dos sistemas de informação em saúde de base
nacional; j) fortalecimento da capacidade de análise da situação de saúde e da
avaliação do impacto de políticas e programas de saúde; k) melhoria nos
indicadores de morbimortalidade de algumas doenças transmissíveis e l)
desenvolvimento de ações de promoção da saúde para reduzir fatores de risco
das doenças e agravos não transmissíveis.
No biênio (2007-2008), quando o SUS completa 20 anos, a gestão da
SVS buscou, por um lado, consolidar as conquistas e os avanços
anteriormente alcançados e, por outro, desenvolveu estratégias e tecnologias
inovadoras com o propósito de controlar de modo mais efetivo “causas”,
“riscos” e “danos”, descritos de forma hierarquizada no modelo de vigilância da
saúde de Paim. Nesse sentido, a racionalidade do planejamento passou a ser
um dos fulcros da gestão e o “olhar transversal” contribuiu para consolidar a
integração da vigilância com a área assistencial e da saúde ambiental com a
saúde do trabalhador, fortalecer as estratégias intersetoriais no
desenvolvimento da política de promoção da saúde e estabelecer pactos e
parcerias com setores acadêmicos, movimentos sociais, gestores e
trabalhadores de saúde e cidadãos. Nesse período, desenvolveu-se um
conjunto de ações decisivas para eliminação de mais uma doença
transmissível no território nacional: a rubéola e requalificou-se de forma
substancial o Programa Nacional de Controle da Hanseníase, incluindo
reformulação dos objetivos e meios de trabalho. Cabe também destacar a
quebra de patentes de medicamentos essenciais ao tratamento da aids, os
maiores investimentos no controle da dengue e de outras doenças
transmissíveis, a expansão da Rede CIEVS para todo território nacional e a
criação da carreira de pesquisador no Instituto Evandro Chagas.
Tomando-se simbolicamente a quantidade de anos de existência do
SUS, elencaram-se 20 destaques, vinculados à vigilância em saúde, do
período 2007-2008, para serem apresentados de forma mais detalhada nesta
primeira parte do Relatório de Gestão. Essas ações mais avultantes foram
selecionadas, fundamentalmente, por sua vinculação com as prioridades
estabelecidas pelo Ministério da Saúde, pela Secretaria de Vigilância em
Saúde, pelo Pacto pela Vida para 2008 (Portaria no 325, de 21 de fevereiro de
2008) e pelo Programa Mais Saúde: direito de todos (2008-2011).

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