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Este relato é de um jovem que viveu intensamente os anos 1980 no Brasil e ajuda a
entender um pouco da mentalidade dos jovens no país que estavam ligados a movimentos
contraculturais e eram divulgadores de seus pensamentos e ideias através do grito estridente
do rock´n roll. A contracultura era um movimento marginal que se propunha a questionar a
cultura dita oficial e já vinha, desde meados dos anos 1960, influenciando uma grande
parcela de jovens ocidentais que se rebelavam contra as sociedades tecnocratas, tendo como
principal centro divulgador de idéias os Estados Unidos da América, mas deve-se ressaltar
que a Europa também deu as suas devidas contribuições para que o movimento se
propagasse pelo mundo.2
No Brasil, a contracultura foi mais evidente a partir dos anos 1970, quando houve um
aumento do número de jovens da classe média entrando nas universidades, pois segundo os
estudiosos da contracultura esse jovem, ao ter contato com o ensino superior, acabava
conhecendo a cultura dominante e tinha conhecimento suficiente da mesma para poder
criticá-la de dentro.
Ao analisarmos com maior interesse o relato de Renato Russo, percebemos o quanto
esse jovem que fala num outro contexto histórico, os anos 1980, carrega a permanência dessa
luta contracultural e sente na pele o mal-estar da modernidade, deixando evidenciar o
sentimento de estranheza de um sujeito histórico jovem perante a sociedade tecnocrata.
1
RUSSO, Renato. Conversações com Renato Russo. Campo Grande: Letra Livre, 1996. p.78.
2
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é contracultura? 8. ed.São Paulo: Brasiliense, 1992.
21
Luciano Carneiro nos ajuda a entender como foi criada a noção do “ser jovem”
associada à música gênero rock, quando nos diz que:
E continua: “[...]É precisamente esta imagem de juventude que acabou sendo associada
a partir da indústria cultural ao rock,na seguinte lógica: a música do prazer para a fase do
prazer.4
Essa parcela da juventude associada ao rock é urbana e tentava aproveitar essa fase
áurea da vida ao máximo, antes que a mesma termine, pois para muitos desses jovens a
passagem para a vida adulta seria um rito de passagem dramático 5, por isso atitudes radicais
são até permitidas nessa fase, pois como já vimos seria a fase mais prazerosa da vida desse
sujeito social.
Assim como Renato Russo, esses jovens que nasceram no final dos anos 1950 e início
dos anos 1960 cresceram num ambiente de repressão, os anos escuros dos porões ditatoriais,
estes foram chamados pelos estudiosos de os filhos da ditadura.6
Estamos falando dos anos 1980, do período em que um jovem que se considera
contestador das normas e padrões vigentes já possuía uma relativa liberdade no Brasil para
poder se expressar, mas essa liberdade não era total. Essa juventude dos anos 80 ainda
experimentou alguns resquícios da opressão do período militar. Seria incoerente afirmar que
os jovens ligados aos movimentos artísticos nos anos 80 receberam o mesmo tratamento de
choque que os jovens dos anos 60. O certo é que esse jovem, quando atingiu a maioridade nos
80, tinha muito a falar e a vontade de se expressar contra a sociedade que lhe era imposta. Às
3
ALVES, Luciano Carmelo. Flores no deserto: a Legião Urbana em seu próprio tempo. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002.
4
ALVES, 2002.
5
NERY, Emilia Saraiva. Juventude, ansiedade e a história: um estudo a partir de letras de música
rock. Monografia (Curso de Licenciatura Plena em História) – Universidade Federal do Piauí,
Teresina, 2005.
6
CARVALHO, José Murilo de. O Brasil de Noel a Gabriel. In: CALVACANTE, Berenice;
ELSENBERG. (Orgs.) Decantando a republica: inventário histórico e político da canção popular
moderna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
22
vezes essa vontade é tão grande que ele usa não apenas a voz ou seus escritos para exacerbar
sua condição de “ser jovem”, ele também usa o corpo para protestar. Como exemplo basta
lembrarmos do lendário episódio em que Renato Russo corta os pulsos num momento de crise
existencial7ou pensarmos nos jovens adeptos do movimento punk que usavam pedaços de
ferro fixados no corpo (nariz, orelha, lábio) e cabelos diferentes, tudo com a intenção de
chocar a sociedade que os oprimia. 8
É perceptível que essa nova geração dos 1980, no período da chamada
redemocratização no Brasil “[...] já não era tão cativada pela música popular brasileira,que
muitas vezes,se expressava com letras carregadas de denúncia social e lançando mão de
metáfora para driblar a censura da década anterior.”9
A forma com que os artistas da MPB faziam suas canções já não encontrava tanta
compatibilidade com o que esse jovem dos anos 1980 sentia, até porque as canções críticas
dos anos 60 eram tão metaforizadas, para evidentemente passar pela crítica que, quando a
canção chegava ao receptor, no caso o público, já não tinha o sentido original que o emissor
da canção protesto havia imaginado. Nos anos 1980 uma canção de protesto já tinha uma
certa liberdade para ser direta, por exemplo ao ouvir a canção “Que país é esse?” era mais
fácil entender o que o compositor estava sentindo naquele momento em relação ao que
acontecia no país.
Nesse contexto de maior liberdade de expressão é que surge o grupo Legião Urbana. Os
integrantes dessa banda de rock acreditavam estar fazendo um som altamente influenciado
pelo movimento punk que, no Brasil, ganha maior visibilidade nos anos 1980.
O punk é um fenômeno que surgiu basicamente em meados da segunda metade dos
anos 70, mesmo sabendo que não se pode descartar a possibilidade de o mesmo já acontecer
antes. O movimento teve como centro irradiador a Inglaterra e os Estados Unidos da América;
espalhando-se logo depois por outros países. O termo punk, em inglês, tem vários
significados, mais o comumente usado é de “pessoa desqualificada, inútil, sem valor” e era
assim que se sentiam os jovens adeptos do movimento punk, que em sua maioria eram filhos
de operários e sentiam dificuldade para entrar no mercado de trabalho, mas usavam essa
condição desfavorecida como uma motivação para se rebelarem contra o “sistema” que os
oprimia, chegando a ter uma postura anarquista. Ser radical, aproveitar ao máximo o presente
7
DAPIEVE, Arthur. Renato Russo: o trovador solitário. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
8
ALEXANDRE, Ricardo. Punk. In: ALEXANDRE, Ricardo. Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos
80. São Paulo: DB&A, 2002. p.19.
9
CARMO, Paulo Sérgio do. Os 80: o rock balança a MPB. In: CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da
rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: SENAC-SP, 2003. p. 139.
23
pois o futuro era incerto compunham o “ser jovem” punk. Os jovens acreditavam no slogan
do movimento do it your self ou “faça você mesmo”.10
Em termos musicais surge o punk rock atrelado aos punks essa vertente do rock surge
com a intenção de simplificar uma música; contando com apenas três acordes, era uma música
rápida e agressiva, cuja ênfase estava nas letras carregadas de denúncia social. O punk rock
era o lado oposto da vertente considerada “bom exemplo de rock”11. Estamos falando do rock
progressivo, feito por músicos que em sua maioria eram adeptos da música erudita. Nesse tipo
de rock a ênfase era na sonoridade e a letra da música era um mero complemento dos enormes
solos de guitarra ou outro instrumento. Dessa forma, qualquer um podia se aventurar a fazer
punk rock já que este não necessitava de muito conhecimento de técnica musical para ser
feito.12
Paulo Sérgio do Carmo afirma que “nesse processo, é importante assinalar que no Brasil
não houve uma cópia importada, mas uma identificação adaptada a nossa realidade” 13 e que se
deve ter em mente que o movimento punk passa por uma resignificação ao adentrar o país e
acaba por se tornar um movimento de gangue. Os jovens que viviam no maior estado
industrial brasileiro (São Paulo) tornam-se os pioneiros no estilo musical punk rock; havendo
ainda atritos entre as gangues de cidades vizinhas à capital paulista, caso das cidades do ABC
paulista (Santo André, São Bernardo e São Caetano).
Esse jovem brasileiro que vivia a margem da industrialização se identificava como
proletário e se sentia excluído do acesso à diversão e à cultura, mas via através do raivoso
som punk rock uma alternativa para externalizar sua condição de jovem, falar de sua realidade
periférica e muitas vezes manifestando orgulho de não ser adepto do padrão de vida
burguês. 14 Nesse contexto fica evidente que eram jovens, pregando aquilo que os artistas
profissionais que se consolidaram nos anos 1970 na MPB não tinham mais como pregar, já
que, agora, a situação jovem era totalmente diferente nos anos 1980.15
10
ALVES, Luciano Carmelo. Flores no deserto: a Legião Urbana em seu próprio tempo. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. f. 150.
11
ALVES, 2002.
12
ALVES, 2002.
13
CARMO, 2003.
14
Muitas vezes os grupos de punk rock se deslocavam para os shows através do transporte público, o
que, na visão do jovem punk era o máximo. Seria uma forma de vivenciar-se na própria pele a
condição de ser proletário e de negar a sociedade consumista ao não possuir um meio de transporte
próprio. ALEXANDRE, 2002.
15
ALEXANDRE, 2002.
24
Nesse cenário do punk rock brasileiro os grupos desse estilo levaram muito a sério o
“faça você mesmo”, pois os jovens divulgavam o show através dos fanzines16 e muitas vezes
tocavam apenas por diversão ou bebida, desde que muitos dos integrantes desses grupos
musicais já exerciam alguma atividade profissional e podiam manter os equipamentos
necessários para os shows. Muitos grupos se tornaram pioneiros nesse estilo musical no
país,17 indo tocar com a cara e a coragem em porões de casas antigas ou bares alternativos das
cidades.
Segundo Paulo Sérgio do Carmo, os grupos que aderiram à ideologia do movimento:
Percebemos ao ter contato com estudiosos da história do rock mundial 19 que nos anos
1980 explode o estilo musical denominado new wave e pós-punk. O primeiro tinha como
característica fundamental o casamento do áudio com o vídeo que tanto foi carimbado na
mente dos jovens dos anos 80 pela (Music Television) MTV nos Estados Unidos da América
e que foi criado para rotular todos os grupos musicais surgidos no fim da euforia do
movimento punk. Musicalmente a new wave superava em partes as limitações sonoras do
punk-rock, mas, ao mesmo tempo, bebia na mesma fonte, devorando-o e o ressignificando e
às vezes chegando à conclusão de que um pop-rock alegre e bobinho não tinha a
agressividade que o movimento punk descarregava na sociedade. A banda símbolo desse
estilo no rock mundial era o The Police20. Já o pós-punk era musicalmente mais vanguardista
com um som que mesclava ruídos de guitarra, sons de microfonia e experimentos de timbres
esquisitos. Essa vertente não usava os meios massivos de comunicação para fazer a
16
Uma forma de divulgar os shows que iram acontecer, consistia no envio de mensagens ou gravuras
desenhadas ou pintadas no papel e depois reproduzidas em máquinas de xérox para baratear e
aumentar a produção dos mesmos.
17
Dentre os principais grupos podemos citar: Cólera, Inocentes, Verminoses e outros. Ricardo
Alexandre (Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80) e Arthur Dapieve (BRock: o rock brasileiro
dos anos 1980 no Brasil) apontam características e entrevistas dos principais grupos de música rock
que surgiram nos anos 1980 no Brasil.
18
CARMO, 2003, p.148.
19
FRIEDLANDER, 2002, p. 370.
20
O The Police era uma banda formada por 3 jovens na Inglaterra em meados de 1977 mesclando
reggae, ska em melodias pop e que tinha no vocal o cantor Sting que mesmo com o fim da banda
continuou ganhando fãs na sua carreira solo. ALEXANDRE, 2002.
25
21
ALAXANDRE, 2002.
22
DAPIEVE, Arthur. Renato Russo: o trovador solitário. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
23
Com exceção de Renato Rocha, que era filho de sargento militar, os demais integrantes pertenciam à
família de classe média, como é o caso de Dado Villa-Lobos que era filho de diplomata e Renato
Russo, filho de economista do Banco do Brasil, tendo os dois morado fora do Brasil e uma grande
bagagem cultural para os jovens que frequentavam a chamada “turma da Colina”.
24
ALEXANDRE, 2002.
25
DAPIEVE, 2006.
26
rock” por possuir uma grande capacidade de se adaptar em diferentes estilos de música rock e
em diferentes contextos temporais.
Um instrumento de repressão que foi amplamente usado durante o período ditatorial
continuava sendo nos anos 80 o principal inimigo da juventude ligada aos movimentos
culturais: a policia. Aqui cabe duas canções do grupo por nós analisado: Baader-Meinhof
Blues (1985) e Faroeste Caboclo (1978-1987).
26
VILLA-LOBOS, Daddo; RUSSO, Renato; BONFÁ, Marcelo. Baader-Meinhof Blues. Intérprete:
Legião Urbana. Legião Urbana. São Paulo: EMI, 1986.
27
RUSSO, Renato. Faroeste Caboclo. Intérprete: Legião Urbana. Que país é esse (1978-1987). São
Paulo: EMI, 1987.
27
Apesar de o cantor-compositor afirmar que essa era sua primeira música com uma
sensibilidade mais gay29, concordamos com Adalberto Paranhos ao tentar perceber as distintas
faces do mesmo e não tomar a opinião do emissor da mensagem como verdade absoluta, pois
essa mensagem original pode ser resignificada pelo ouvinte.30
No âmbito da economia, o Brasil nos anos 80, sobretudo após a medida adotada pelo
presidente José Sarney de implantar um novo plano econômico, o Plano Cruzado, começa a
apresentar o que era uma falsa prosperidade econômica, pois:
Esse novo plano econômico era uma tentativa de reparar os danos que a economia
brasileira sofreu quando houve a transição do regime militar para um regime civil, havendo,
nesse contexto, uma recessão econômica resultado da falência daquilo que entrou para a
historiografia brasileira dos anos 1970 com o nome de “milagre econômico” 32.Vale ressaltar
que essa prosperidade, mesmo falsa, foi algo bom para os grupos de rock que estouraram no
Brasil anos 80: “Com a inflação domada na marra,veio o aumento do poder de compra e uma
injeção de novos consumidores no mercado. Até julho,a indústria de discos no Brasil já
crescera 30% em relação ao mesmo período de 1985.”33
28
BONFÁ, Marcelo; RUSSO, Renato. Soldados. Intérprete: Legião Urbana.Legião Urbana. São
Paulo: EMI, 1985.
29
DAPIEVE, 2006.
30
PARANHOS, Adalberto. A música popular e a dança dos sentidos: distintas faces do mesmo.
Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte, Uberlândia, n. 9, 2004.
31
ALEXANDRE, Ricardo. O plano cruzado. In: ALEXANDRE, 2002, p.239.
32
ALVES, Luciano Carneiro. As quatro estações da Legião Urbana. In: ALVES, 2002.
33
ALVES, 2002.
28
Em relação ao último ponto tratado por Eduardo Vicente, quando ele se refere à
construção do cenário música infantil nos anos 1980 e a relação desta cena com os programas
televisivos, Paulo Sérgio do Carmo nos diz:
34
ALVES, 2002.
35
DAPIEVE, Arthur.BRock. O rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
36
VICENTE, Eduardo. Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira: 1965-1999.
Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte, Uberlândia, v. 10, n. 16, 2008, p. 102.
29
37
CARMO, 2003, p.141.
30
Nesse Brasil do Plano Cruzado vale a pena comentar que não apenas discos vendiam
muito, mas:
Percebemos no nosso estudo que a canção Metrópole ajuda a entender esse caos e o
sentimento de estranheza em relação às grandes cidades e tudo o que vinha junto com a
modernidade: burocracia, espetacularização da violência na TV e padronização do tempo.
38
MORELLI, Rita de Cássia Lahoz. O campo da MPB e o mercado moderno de música no Brasil: do
nacional-popular à segmentação contemporânea. Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte,
Uberlândia, v. 10, n. 16, 2008, p. 93.
39
ALEXANDRE, 2002, p. 282.
31
E continua:
40
RUSSO, Renato. Metrópole. Intérprete: Legião Urbana. Dois. São Paulo: EMI, 1986.
41
CERTEAU, Michel de. Fazer historia e a operação historiográfica. In: CERTEAU, Michel. A escrita
da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. p.31-119.
42
O autor Luciano Carneiro Alves utiliza o livro Brasília: a cidade e o homem do autor José Pastore
para mostrar a pequena possibilidade de sociabilidade na cidade. ALVES, 2002, f.108.
43
ALVES, 2002.
44
RUSSO, Renato Metrópole. Intérprete: Legião Urbana. Dois. São Paulo: EMI, 1986.
45
Canções como Tédio com um “T” bem grande pra você, química, a dança, todas canções
emblemáticas na relação de amor e ódio desses jovens com a cidade de Brasília e com a falta de lazer.
32
[...] A gente fazia rock por necessidade lá. Além de ser uma
necessidade de você ir contra o tédio da cidade é uma necessidade
física mesmo, de você expressar. Ao passo que, se eu estivesse aqui
no Rio, ia à praia,ia comer um sanduiche natural,e não teria tanta
necessidade assim [...]. 46
Além das características já enfatizadas sobre a referida canção ainda cabe destacar que o
trecho “olha o tumulto façam fila por favor”47 caberia na nossa análise para mostrar o poder
que a multidão, esse fenômeno tipico da modernidade, possui48.
Quando se busca a visão dos estudiosos dos movimentos juvenis no Brasil dos anos
1980 percebe-se que eles constroem uma certa analogia entre o percurso desses jovens e a
questão da desilusão de estarem perdidos em busca de se encontrar. Ao tentar refutar essa
ideia o autor Luciano Carneiro afirma que:
46
ASSAD, Simone (Coord). Renato Russo de A a Z: as ideias do líder da Legião Urbana. Campo
Grande(MS): Letra livre, 2000. p.41.
47
RUSSO, Metrópole, 1986.
48
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. 3.ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
49
Luciano Carneiro critica as análises superficiais de Almerinda de Sales Guerreiro sobre as canções e
tribos jovens no Brasil anos 1980. ALVES, 2002, p. 87.
33
Sobre o final dos anos 80, Ricardo Alexandre afirma que “em dezembro, quando a
inflação acumulada no ano chegou a 65,9%, a Legião Urbana registrou em disco uma velha
canção dos tempos de aborto elétrico: Que país é este?” 51
Essa canção não teria melhor momento para ser lançada, pois externalizava para o
âmbito público toda a sujeira do âmbito privado no país. Mesmo após Renato Russo já cantar
essa canção, antes mesmo dos 80, e relutar em gravá-la por acreditar que um dia a situação no
país iria melhorar e essa canção fosse ficar anacrônica.52
50
ALVES, 2002, p. 87.
51
ALEXANDRE, 2002, p.282.
52
DAPIEVE, 2006.
34
No âmbito de uma cultura juvenil, em 1981 surge nos Estados Unidos da América a
MTV o que ajudou amplamente a divulgar a nova música new wave que tinha como ponto
forte o casamento da música com o vídeo.
Nos primeiros anos da MTV, os artistas mais ecléticos eram os que mais
produziam vídeos. Asssim, a MTV, apresentava a seus telespectadores uma
série de músicas da new wave. No entanto,as rádios encaravam a MtV como
uma ameaça e fizeram de tudo para denegrir o novo formato[...]54
A partir do momento em que surge uma outra via de comunicação do artista com o
jovem, no caso a MTV, os programas de rádio que até então eram predominantes na difusão
da música jovem passam a sentir a concorrência da televisão que disputava, agora, a atenção
desse jovem. A resistência das rádios era grande, mas eles não possuiam o trunfo das imagens
que tanto conquistavam o jovem, já que isso era algo novo e tudo que é novo causa
estranhamento e curiosidade.
Os rádios começam a alertar o público para falsa verdade que a MTV poderia estar
passando para seu público. O argumento era o de que nem todo artista que tinha clipe no
programa era realmente o mais querido pelo público, pois esse artista poderia ter usado
recursos financeiros da gravadora para comprar um espaço no programa, o que é comumente
conhecido como “jabá”, apesar dessa prática ser geralmente negada por empresários,
produtores, artistas ou gravadoras em geral. Apesar de os programas de rádio que começaram
a divulgar a música rock no final dos anos 1950 terem passado pelos mesmos escândalos, na
tentativa desesperada de recuperar território faziam acusações similares à que havia recebido
no passado.
Ao mesmo tempo que a MTV ajudava a fomentar nos jovens que estavam sedentos por
informações o interesse por bandas e artistas preferidos, começa-se a questionar o impacto
dessa TV na vida do agente político jovem pois: “[...] Muitos críticos tinham a impressão de
53
RUSSO, Renato. Que país é esse? Intérprete: Legião Urbana. Que país é esse (1978-1987). São
Paulo: EMI, 1987.
54
FRIEDLANDER, 2002, p. 370.
35
Ao analisarmos o contexto em que a MTV foi criada e a forma de atuação desta para
com seu público alvo observaremos a talvez gênese da ideia de que o jovem dos anos 1980
era alienado e passivo diante do mundo ao seu redor. Devemos compreender que os críticos
que atribuem a esse jovem dos anos 1980 o status de alienado se esquece de que nem todos os
jovens tinham acesso ao referido canal de televisão, já que a MTV surge em 1º de agosto de
198157 como um canal de televisão a cabo. Cabe ressaltar que nem toda familia tinha
condição financeira para pagar assinatura de televisão a cabo, consequentemente o jovem
menos favorecido economicamente ficava quase à margem desse novo produto da mídia que
ganhava a confiança desse seu público alvo, no caso, a juventude. Em nossa perspectiva a
MTV alienava o jovem que recebia passivamente o conteúdo passado pela televisão, mas que
não podemos generalizar isso a ponto de aceitarmos que o jovem dos anos 1980 de maneira
geral, era alienado. Ressaltamos aqui que esse era outro “modo de ser jovem” dos 1980, o
jovem que se deixou levar pelas maravilhas midiáticas.
Esse uso da TV é constatado por nós nos seguintes versos da canção Metrópole, de
1986:
55
FRIEDLANDER, 2002, p.371.
56
CARMO, 2003, p.156.
57
FRIEDLANDER, 2002.
36
58
RUSSO, Metrópole, 1986.
59
RUSSO, Renato. Faroeste Caboclo. Intérprete: Legião Urbana. Que país é esse (1978-1987). São
Paulo: EMI, 1987.
60
FRIEDLANDER, 2002, p.373.
37
Percebe-se então que muitos desses megaeventos organizados no mundo que uniam
músicas e causas sociais, tinham todo um carácter ideólogico e muitas vezes eram motivados
pela ânsia da indústria cultural que consome tudo que pode gerar lucro. Nesse caso, as
grandes empresas patrocinadores desses megaeventos viam na massa jovem o seu poder de
consumo e investiam pesado em propaganda e em comerciais que induzissem esse jovem
fanático por seu ídolo a comparecer aos grandes espetáculos, tudo sob o argumento de estar
lutando por causas sociais, o que às vezes rendia frutos63, mas também escondia grandes
interesses corporativos. Nesse processo, a MTV ajuda a propagar esses megaeventos
musicais, mesmo que ao seu modo e quando os shows eram reprisados no referido canal,
havia toda uma edição de imagens que desviava parte do conteúdo do evento, a causa socio-
politica para mostrar apenas as apresentações artísticas.64
61
FRIEDLANDER, 2002, p.374.
62
FRIEDLANDER, 2002, p.376.
63
Em junho de 1988, houve uma grande mobilização entre os artistas para libertar Nelson Mandela da
prisão. Cf: FRIEDLANDER, 2002.
64
FRIEDLANDER, 2002.
38
Figura 1: Palco do Rock in Rio sendo desmontado, depois da ordem do governador Leonel
Brizola. Fonte: CIDADE-FANTASMA. Veja, São Paulo, 20 fev. 1985.
39
Figura 2: Reportagem sobre a cidade do Rock que agora era uma cidade fantasma.
Fonte: CIDADE-FANTASMA. Veja, São Paulo, 20 fev. 1985.
que seu maior intuito era ver „um brasileiro,uma inglesa e um argentino
dançando e cantando lado a lado[...]‟65
O certo é que o festival Rock in Rio (sendo ou não um produto de marketing para
conquistar a massa) acaba dando força a esta juventude que no Brasil também estava sedenta
por informações de seus artistas preferidos, fossem eles nacionais ou internacionais, no caso
dos últimos com a oportunidade de estar frente à frente, ao vivo e a cores com grandes ícones
da música rock mundial. Além disso, o festival coloca na mídia brasileira esse novo mercado
de consumo, mostrando aos grandes empresários a sua rentabilidade.
No final dos conturbados anos 80 os impactos ambientais no Brasil eram enormes, “a
Amazônia arde em chamas com as queimadas na mata e o líder seringueiro Chico Mendes,
um dos defensores da floresta, é assassinado”66. Nesse contexto seriam mais que apropriados
os seguintes versos da canção Fábrica:
Nos anos 1980 estourava “o samba” como objeto de estudo entre os historiadores da
música. Sobre isso, Marcos Napolitano nos fala:
65
ALEXANDRE, 2002, p.193.
66
CARMO, 2003, p.158.
67
RUSSO, Renato. Fábrica. Intérprete: Legião Urbana. Dois. São Paulo: EMI, 1986.
68
NAPOLITANO, Marcos. A historiografia da música popular brasileira (1970-1990): síntese
bibliográfica e desafios atuais da pesquisa histórica. Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte,
Uberlândia, v. 8, n. 13, 2006, p.145.
41
Algo bastante recorrente nas produções acadêmicas dos anos 1980 eram as biografias
dos grandes expoentes do samba, ainda conforme Marcos Napolitano:
E ainda:
69
NAPOLITANO, 2006, p-147.
70
NAPOLITANO, 2006, p-147.