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LÍNGUA PORTUGUESA

PROF. ESP. ALINE CAVALCANTE FERREIRA

Como ler um poema?


Maria Luiza Marques Abaurre

Já se tornou comum encontrar, nas listas de leitura obrigatória dos grandes vestibulares,
livros de poesia. E aí, diante da tarefa, surge a pergunta obrigatória: como se lê poesia?
Para não ficarmos teorizando “no vazio”, vamos fazer nossas observações a partir de um
poema de Arnaldo Antunes:

UM DIA
1) sujar o pé de areia pra depois lavar na água
2) esperar o vaga-lume piscar outra vez
3) ouvir a onda mais distante por trás da mais próxima
4) não esperar nada acontecer
5) se chover, tomar chuva
6) caminhar
7) sentir o sabor do que comer
8) ser gentil com qualquer pessoa
9) barbear-se no final da tarde
10) ao se deitar para dormir, dormir
Arnaldo Antunes. In: Boa companhia: poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

Precisamos, antes de mais nada, estabelecer uma diferença entre a leitura que fazemos
de modo despreocupado, para nossa fruição, e a leitura destinada ao estudo de um texto, seja ele
poético ou não.
Quando estamos diante de um texto a ser estudado, devemos garantir que não somente
compreendemos o que ele nos diz, por meio de suas palavras, mas também reconhecer a
reflexão que ele nos propõe.
No caso do texto acima, o primeiro impacto provocado por sua leitura deve ter sido a
afirmação de que se trata de um poema. Certamente você se surpreendeu pela apresentação dos
versos numerados, como se fossem uma lista.
Essa foi uma escolha intencional. Queríamos mesmo que você se surpreendesse, porque
essa surpresa inicial nos ajuda a introduzir a primeira pergunta a ser respondida durante a leitura
de um poema: do que ele trata? Ou, em outras palavras, sobre o que “fala” o texto?
Releia o poema de Arnaldo Antunes. É impossível não perceber que nele foram listadas
várias “tarefas” a serem cumpridas por alguém. Seria um pouco estranho, porém, supormos que a
intenção de Arnaldo Antunes fosse levar os leitores desse poema a interpretarem, de modo literal,
as tarefas ali apresentadas.
Pense bem: por que alguém deveria sujar o pé na areia para, depois, lavar na água?; ou
“esperar o vagalume piscar outra vez”?, como sugerem os dois primeiros versos?
Os poemas não são textos que oferecem, de modo direto e objetivo, um ensinamento ou
uma informação. Nesse sentido, eles não “significam” como outros textos com os quais temos
contato diário (notícias de jornal, artigos, textos didáticos, etc.).
William Wordsworth, um importante poeta inglês que viveu e escreveu no século XIX,
costumava dizer que a boa poesia é aquela que nasce de um transbordamento espontâneo de
sentimentos poderosos. Mas reconhecia que, embora ela deva nascer da emoção, precisa ser
escrita com serenidade. Já Robert Frost, um dos mais celebrados poetas americanos do século
XX, dizia que o poema nasce de um nó na garganta, de um sentimento de que algo está errado,
das saudades de casa, das amarguras do amor, para, daí, ganhar forma no pensamento, que
encontra as palavras exatas para expressá-lo.
Nos dois testemunhos, encontramos uma “pista” importante para a leitura da poesia: ela
lida com emoções, sentimentos, estados de alma. E faz isso por meio de imagens,
representações simbólicas que permitam ao leitor compreender de que está falando o poeta, sem
que ele precise recorrer a longuíssimas explicações. Isso seria, aliás, um grande problema, já que
a “matéria” da poesia é subjetiva.
Nosso papel como leitores é, em certa medida, refazer o caminho trilhado pelo autor, no
momento em que converteu em imagem determinados sentimentos/emoções que experimentou a
partir de experiências específicas. Por isso, ler poesia significa estar disposto a realizar um
exercício contínuo de reflexão sobre imagens e metáforas para buscar o seu significado
primeiro, para descobrir o que elas representam.
Voltemos ao poema de Arnaldo Antunes. Precisamos, em primeiro lugar, identificar as
imagens que ele nos ofereceu em seu texto. Cada uma delas vai funcionar, para nós, como
“pontos” em um mapa. Uma vez identificados todos os pontos, podemos percorrer um caminho
mental semelhante àquele trilhado pelo poeta e, assim, compreender o poema lido.
O conjunto de imagens criadas no texto evoca, no leitor, uma série de pequenos gestos,
coisas simples para as quais não prestamos muita atenção, mas que sugerem momentos
especiais, prazerosos... Lavar a areia que ficou grudada nos pés, observar um vagalume, ouvir o
barulho ritmado das ondas que se quebram incessantemente, tomar chuva, caminhar, saborear a
comida, fazer a barba no fim do dia e, finalmente, dormir.
Nenhuma dessas ações se enquadra no tipo de lista que todos nós fazemos
constantemente. Nossas listas costumam enumerar compromissos de trabalho ou estudo,
pagamento de contas, produtos a serem comprados.
De modo geral, listamos tudo aquilo que precisamos fazer com alguma urgência e temos
medo de esquecer, caso não tenhamos anotado em um papel. Essas listas podem ser vistas
como um sinal da vida atribulada que levamos hoje em dia.
Que sentido, então, fazem as imagens evocadas pela lista de Arnaldo Antunes? Não
podemos reconhecer, em nenhuma delas, algo urgente, que não pode ser esquecido. Pelo
contrário, aparecem ali ações perfeitamente “insignificantes”, se adotarmos uma perspectiva
pragmática, objetiva.
Mas, como nos ensinam Frost e Wordsworth, a poesia não é objetiva ou prática. Portanto,
vamos abandonar a perspectiva pragmática e tentar compreender o que aquele conjunto de
imagens sugeridas no poema pode simbolizar.
O título do poema, “um dia”, pode nos oferecer uma pista importante para interpretar essa
lista aparentemente sem sentido. Se fizermos uma leitura literal, ele poderia se referir ao conjunto
de tarefas que, na visão do poeta, devemos realizar no espaço de um dia (24 horas).
Uma leitura um pouco mais interpretativa poderia associá-lo, porém, à expressão de um
desejo futuro. O artigo indefinido (um) faz com que esse “dia” não seja uma data precisa,
específica. O título do poema pode, nesse sentido, fazer referência ao que o poeta expressa como
um desejo a ser conquistado, algo que ele espera conseguir fazer em algum momento da vida,
que ainda virá.
Quando combinamos a leitura do título às imagens evocadas pelos versos do poema,
temos uma idéia um pouco mais precisa do que significa esse texto. Tomado como a expressão
de um desejo futuro (ou mesmo como a lista de tarefas a serem cumpridas no espaço de 24
horas), o poema de Arnaldo Antunes se contrapõe de forma evidente aos inúmeros afazeres que
ocupam o nosso dia-a-dia. É como se ele quisesse criar no leitor um reconhecimento imediato de
ações que deveriam ser “obrigatórias” para desfrutarmos dos pequenos prazeres
de vida.
Em outras palavras: o poema pretende nos apresentar, sim, um ensinamento. Ele nos leva
a reconhecer que as tarefas cotidianas, que nos ocupam todo o tempo disponível, nos afastam
dos prazeres mais simples da vida. Talvez seja o momento de, como o poeta, fazermos uma
“lista” diferente de afazeres. Algo que contemple a nossa necessidade de respirar fundo, ouvir o
barulho das ondas, apreciar o paladar da comida, dormir um sono tranqüilo.
Viu? Bastou identificarmos as imagens apresentadas no texto e reconstituirmos o “mapa
mental” que elas nos sugerem para chegar à interpretação do poema.
Então, lembre-se: um poema “trabalha” com imagens. Se ele propõe alguma conclusão ou
ensinamento, faz isso por meio das imagens e metáforas criadas para o leitor. Portanto, na hora
de ler poesia, procure sempre identificar essas imagens e descobrir o que elas simbolizam no
texto. Quando você menos esperar, estará lendo e interpretando poemas de modo muito mais
tranqüilo. Experimente.

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