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TIAGO
Autoria
A própria epístola nos informa sobre o nome do seu autor: Tiago (1.1). Esse nome, para a igreja
primitiva, sempre esteve associado ao filho mais velho de José e Maria, e, portanto, um dos irmãos
da grande família biológica do Senhor Jesus (Mt 13.55,56).
Na época da Reforma, entretanto, Lutero questionou a canonicidade deste livro, por sua ênfase ao
caráter ilibado, atitude santa, e na prática de boas obras, num aparente contraste com a doutrina
paulina sobre a justificação pela fé. Mais tarde, entretanto, a Igreja percebeu que o livro, na verdade,
se preocupa com os aspectos práticos da conduta cristã e revela o modo pelo qual a fé opera na vida
cotidiana de cada crente em Cristo.
Durante o período da Reforma, foram cogitados alguns outros possíveis autores para esta carta,
como Tiago, filho de Zebedeu, irmão de João, mas sua morte prematura, vítima de martírio por sua
fé sincera e valorosa no Senhor, por volta do ano 44 d.C., é muito anterior à publicação da obra,
tirando-lhe qualquer possibilidade efetiva de ter sido o autor. Além disso, uma série de características
internas e externas solidificadas ao longo dos últimos séculos, mediante descobertas arqueológicas
e melhor exegese dos manuscritos gregos, apontam o irmão do Senhor como autor da carta que leva
seu nome. Tiago, em sua teologia e prática doutrinária, demonstra considerável semelhança com o
ensino de Jesus Cristo. Uma comparação entre esta carta e o conhecido Sermão do Monte revela
mais de dez evidentes paralelismos.
Mediante orientação do Espírito Santo, Tiago foi escolhido como moderador da Igreja em Jeru-
salém, logo após o Pentecostes (At 15). Ao escrever sua epístola, conferiu ao texto um caráter de
elevada autoridade espiritual sem ser pernóstico ou presunçoso. Mesmo não apresentando qualquer
forma apologética explícita, sua carta, quando dividida nos 108 versículos que a compõem, revela
nada menos do que 54 mandamentos.
Tiago também foi um dos poucos a quem Jesus Cristo apareceu logo após a ressurreição (1Co
15.7). O apóstolo Paulo o considerou “sustentáculo” (coluna) da Igreja (Gl 2.9), tanto que, em sua
primeira visita a Jerusalém, após sua conversão, procurou reunir-se com Tiago (Gl 1.19), gesto que
repetiu em sua última visita à Cidade Santa (At 21.18).
Quando Pedro foi liberto da prisão, logo pediu que os amigos comunicassem o fato a Tiago (At
12.17). Portanto, a importância da pessoa e da posição de Tiago ganhou tal notoriedade que Judas,
o discípulo autor da missiva bíblica que leva seu nome, julgou necessário apenas se apresentar
como “irmão de Tiago” (Jd 1.1), levando em consideração o prestígio e a boa fama do irmão do Se-
nhor e líder da Igreja em Jerusalém, o qual foi martirizado por causa de sua fé cristã, no ano 62 d.C.
Propósitos
Tiago preocupou-se em escrever uma obra de natureza claramente judaica, porém realçando o
cristianismo vital, marcado pela fé que age, que ganha expressão e pleno significado em atitudes e
ações práticas em nome de Cristo.
Seu texto fluido, severo, mas informal, é delicadamente construído (em excelente grego) à se-
melhança dos escritos sapienciais do Antigo Testamento, trazendo à memória do leitor os sábios
conselhos bíblicos de Provérbios.
O tema central de Tiago é a “religião pura” (1.27), fé que é testada por meio das muitas provas,
tentações e aflições pelas quais o verdadeiro povo de Deus passa todos os dias. Essas provações
positivas e negativas do cristianismo puro revelam nossas contrastantes qualidades espirituais e
carnais. A carta apresenta exemplos sobre a tentação útil e a absolutamente maléfica, sobre a fé
verdadeira e a reprovável, sobre o ser carnal e o ser espiritual. O alvo de Tiago é oferecer à Igreja
uma correta e concreta instrução quanto à atitude ética dos crentes. Comparado ao apóstolo Paulo,
Tiago demonstra pouco interesse em doutrina sistemática e formal, embora a carta não esteja isenta
de profundas e significativas afirmações teológicas (1.12; 2.1-19; 3.9; 5.7-14). Tiago procura tratar
dos principais assuntos do cotidiano dos crentes por meio de máximas (provérbios) e pérolas de
sabedoria.
Tiago escreve como um pastor prático, preocupado com o bem-estar espiritual dos seus filhos
1 Tiago é o irmão mais velho de Jesus Cristo e líder da Igreja em Jerusalém (Mt 13.55; Jo 7.2-5; At 15.13). Não deve ser
confundido com o apóstolo Tiago, pois este morreu muito cedo para ter escrito esta carta (44 d.C.). Paulo, após ter sido
convertido, em sua primeira visita a Jerusalém, conheceu Tiago e passou a considerá-lo como “apóstolo” e “coluna da igreja”
(Gl 1.19; 2.9). Pedro, assim que foi solto da prisão, mandou avisar Tiago (At 12.17) e o apóstolo Judas considerava Tiago tão
conhecido que o menciona em sua carta somente como “irmão Tiago” (Jd 1). Tiago foi torturado, apedrejado e morto, às mãos
do sumo sacerdote Anano, por causa de Cristo, em 62 d.C. Essa é uma das mais antigas cartas do NT (cerca de 50 d.C) e
foi endereçada primeiramente aos judeus cristãos que haviam sido dispersos pelo mundo conhecido da época. Tiago usa a
expressão hebraica kyrios sabaoth, que significa “Senhor dos Exércitos”, para se referir ao título de Deus conhecido pelos judeus
(5.4). Usa também outra expressão hebraica, traduzida para o grego como synagoge, “sinagoga”, que significa “assembléia”,
para referir-se à Igreja como “reunião” dos membros do Corpo de Cristo (2.2).
2 Assim como o ser humano nasce e se desenvolve à medida que aprende a viver mediante a superação de dificuldades; da
mesma forma, ao nascermos espiritualmente pela fé em Cristo, é necessário que passemos por várias provações, a fim de que essa
fé seja aperfeiçoada e aprendamos a viver de forma madura, dirigidos pelo Espírito de Deus (1Pe 1.6-9; Rm 5.3-5). A expressão grega
hupomone retrata uma das principais virtudes cristãs: a “perseverança” ou “constância”, que é a capacidade de caminhar confiando
em Deus para um futuro melhor, apesar de as circunstâncias presentes nem sempre serem favoráveis (2Ts 3.5).
3 De todas as virtudes que podemos pedir ao Senhor, uma das mais importantes é a sabedoria: a capacidade de enfrentar as
provações com um tipo especial de alegria, somente produzida pela fé no amor e no poder de Cristo, em associação ao consolo
produzido pelo Espírito Santo, que é a certeza de que Deus está operando (Pv 1.2-4; 2.10-15; 4.5-9; 9.10-12). Quem crê, duvidan-
do, não caminha para o porto seguro, mas vaga como as ondas do mar (Ef 4.14).
4 O cristão pobre não deve se entregar às lamúrias, mas considerar sua riqueza e posição elevada em Cristo (v.9; 2.5). O cristão
que desfruta de uma condição socioeconômica mais privilegiada, ou mesmo o que é rico, deve reconhecer sua insignificância
e carência de Deus, seguindo a Jesus com humildade (v.10; Mt 6.30). Tanto pobres quanto ricos devem cooperar com os que
possuem, uns com os outros, e todos com a comunidade (Rm 12.1-8).
5 Tiago, assim como outros autores do NT, usa a figura da coroa de folhas (literalmente em grego: grinalda), símbolo da
vitória perfeita, que era colocada sobre a cabeça dos vencedores olímpicos ou dos militares que se destacavam nas batalhas
(Mt 5.3-12; Fp 4.1; Ap 1.3; 2.10; 2Tm 4.8; 1Pe 5.4).
deverá dizer: “Estou sendo tentado por recebei humildemente a Palavra em vós
Deus”. Ora, Deus não pode ser tentado implantada, a qual é poderosa para sal-
pelo mal, e a nenhuma pessoa tenta.6 var a vossa vida.
14 Cada um, porém, é tentado pelo pró- 22 Sede praticantes da Palavra e não
prio mau desejo, sendo por esse iludido simplesmente ouvintes, iludindo a vós
e arrastado. mesmos.
15 Em seguida, esse desejo, tendo con- 23 Porquanto, se alguém é ouvinte da
cebido, faz nascer o pecado, e o pecado, Palavra e não praticante, é semelhante
após ter se consumado, gera a morte.7 a um homem que contempla o próprio
rosto no espelho;
Deus nos gerou para abençoar 24 e, depois de admirar a si mesmo, sai e
16 Meus amados irmãos, não vos permi- logo se esquece da sua aparência.
tais ser enganados. 25 Porém, a pessoa que observa atenta-
17 Toda boa dádiva e todo dom perfeito mente a lei perfeita, a lei da liberdade, e
vêm do alto, descendo do Pai das luzes, nela persevera, não sendo ouvinte negli-
em quem não há oscilação como se vê gente, mas praticante zeloso, será muito
nas nuvens inconstantes.8 feliz em tudo o que empreender.10
18 De acordo com a sua vontade, Ele nos 26 Se alguém se considera religioso, mas
gerou pela Palavra da verdade, a fim de não refreia a sua língua, engana-se a si
sermos como que os primeiros frutos de mesmo. Sua espiritualidade não tem
toda a sua criação.9 valor real algum!
27 A religião que Deus, o nosso Pai,
Como viver a Palavra de Deus aceita como sincera e imaculada é esta:
19 Assim, meus queridos irmãos, tende cuidar dos órfãos e das viúvas em suas
estes princípios em mente: Toda pessoa dificuldades e, especialmente, não se
deve estar pronta para ouvir, mas tardio deixar corromper pelas fi losofias mun-
para falar e lento para se irar. danas.11
20 Porque a ira do ser humano não é ca-
paz de produzir a justiça de Deus. Não fazer acepção de pessoas
21 Portanto, livrando-vos de todo tipo de
impureza moral e aparência de maldade, 2 Caros irmãos, como crentes em nos-
so glorioso Senhor Jesus Cristo, não
6 Deus não pode ser tentado porque é santo por natureza, e, portanto, nada existe no pecado que o interesse. Ao passo que
o ser humano tem uma queda natural para o pecado (Gn 3), que pode ser vencida pelo poder do Espírito Santo, à medida que
o crente descobre quão magnífico é o prazer de viver de acordo com a vontade de Deus. As palavras “tentação” e “provação”
têm origem na mesma expressão grega. Contudo, Deus considera todos os nossos obstáculos como provas de fé para a vitória,
ao passo que Satanás espera que sejamos tentados (iludidos por nossas vontades), derrotados e destruídos, assim como ele
próprio (Gn 22.1; Mt 4.1).
7 Satanás não é criativo, mas grande plagiador das coisas de Deus, que habilmente procura usar para suas intenções
maléficas. Sua maneira de agir não mudou em todos esses milênios de história da humanidade. Os passos destrutivos: cobiça,
pecado e morte foram os mesmos usados para seduzir (tentar) os primeiros seres humanos (Gn 3.6-22), e outros homens de
Deus ao longo da história (2Sm 11.2-17).
8 Tiago combate as idéias supersticiosas e espiritualistas que sempre permearam as doutrinas judaicas. A astrologia, por
exemplo, afirmava que o destino nos homens era determinado pelos astros. Tiago afirma que é Deus quem nos assiste em tudo,
outorgando dons e virtudes às pessoas, especialmente aos seus filhos. Deus, diferentemente dos corpos celestes e dos fenôme-
nos atmosféricos, é uma pessoa imutável (Hb 13.8; Ml 3.6).
9 O maior e mais importante dos dons é a regeneração produzida pelo Evangelho (Jesus Cristo). Assim como os primeiros
frutos de uma colheita indicavam a qualidade da safra, os primeiros cristãos representavam que muitos haveriam de ser salvos
até a iminente volta do Senhor (Lv 23.9-14; Jo 3.3-8; Cl 1.5; 1Pe 1.22,23).
10 O pecado escraviza e avilta o ser humano; a salvação em Cristo e a obediência voluntária à lei moral da Palavra de Deus
proporcionam ao crente a jubilosa liberdade de se tornar a pessoa que Deus planejou para desfrutar da sua amizade e do seu
Reino (Sl 19.7; Rm 8.2; Tg 2.12).
11 Desde a Queda (Gn 3), a humanidade vive um estado de rebelião contra Deus, que se intensifica a cada século, apesar de
todos os aparentes movimentos religiosos observados em todo o mundo. Os crentes são incentivados a perseverar na Verdade e
na simplicidade do Evangelho, a fim de não serem seduzidos por falsas religiosidades (Jr 22.16; 1Jo 2.15).
1 Os cristãos sinceros, que receberam a glória de Cristo, quer dizer, foram abençoados com a shekiná (em hebraico: “a
iluminação da presença de Deus entre os seus”), devem receber todas as pessoas com carinho e respeito, sem qualquer
discriminação, preconceito ou favoritismo, pois Deus, nosso Pai, recebe todos os crentes como filhos.
2 Tiago usa uma antiga expressão hebraica mô’ẽdh (lugar santo – Sl 74.8), como fora traduzida na Septuaginta (tradução grega
do AT), isto é, synagoge, porém não com o sentido de atribuir santidade ao edifício, mas às pessoas que ali se reúnem para adorar
a Deus. Assim, a expressão hebraica mais próxima do termo “sinagoga” seria kenẽseth (assembléia).
3 Na cerimônia do batismo cristão, o nome de Cristo é invocado sobre o novo convertido (neófito) como um sinal de bênção
(Mt 28.19; At 2.38). Assim como no AT, os antigos homens de Deus abençoavam suas descendências em o Nome do Senhor,
como fez Jacó (Gn 48.16).
4 A lei do amor é chamada de “real” ou “régia” por ser a suprema origem e síntese de todos os demais mandamentos e
ordenanças. Seu Autor é o Rei do Universo e inclui todas as leis que regulam as relações humanas (Lv 19.18; Mt 22.36-40; Rm
13.8-10).
5 A impossibilidade de algum ser humano guardar toda a Lei de Deus (muito menos da forma como Jesus a interpretou), só
nos deixa uma solução: confiar de todo coração naquele que foi o único capaz de cumprir plenamente a vontade do Pai, vencer
a morte e nos legar vida eterna em seu Nome. É em Jesus Cristo que a compaixão e a graça de Deus triunfam sobre o juízo que
merecemos (v.13; Êx 20.13; Dt 5.17,18; Mt 5.18,19; 23.23; Hb 7.26,27).
6 Esta passagem é um dos vários exemplos de citações dos ensinos de Jesus Cristo nessa carta (Mt 5.7; 18.33-35).
7 O autor não está afirmando que as boas obras podem salvar algum ser humano, interpretação equivocada que induziu Lutero
rejeitar essa carta como canônica por algum tempo. Tiago afirma que a fé sincera e viva se manifesta, naturalmente, por meio de
boas obras, assim como a vida no corpo se demonstra a partir do trabalho da respiração, no bater do coração e tantas outras
funções do organismo vivo (Ef 2.10; Rm 3.24).
em paz, aquecei-vos e comei até satisfa- declara: “Abraão creu em Deus, e isso
zer-vos”, porém sem lhe dar alguma ajuda lhe foi creditado como justiça”, e ele foi
concreta, de que adianta isso?8 chamado amigo de Deus.11
17 Deste mesmo modo em relação a fé, 24 Observais que uma pessoa é justifica-
por si só, se não for acompanhada de da por meio das suas ações, e não sim-
obras, está morta. plesmente por dizer que crê.12
18 Entretanto, alguém poderá afirmar: 25 Exemplo semelhante é o de Raabe, a
“Tu tens fé, e eu tenho as obras; mos- meretriz: não foi ela aceita por Deus pelas
tra-me tua fé sem obras, e eu te de- obras, quando acolheu os mensageiros
monstrarei minha fé mediante as obras de Israel e os conduziu à liberdade por
que realizo”. um outro caminho?
19 Crês, tu, na existência de um só Deus? 26 Portanto, assim como o corpo sem
Fazes bem! Até mesmo os demônios crê- espírito está morto, da mesma forma a fé
em e tremem!9 sem obras está morta.13
20 Queres pois, assegurar-vos, ó homem
insensato, de que a fé sem obras é de fato Sábio é quem domina o seu falar
inútil?
21 Ora, não foi Abraão, nosso pai na fé,
justificado por obras, quando ofereceu
3 Caros irmãos, não vos torneis muitos
de vós mestres, porquanto sabeis que
nós, os que ensinamos, seremos julgados
seu próprio filho Isaque sobre o altar?10 com maior rigor.1
22 Vês desta forma que tanto a fé como 2 Afinal, todos tropeçamos de muitas
as obras estavam agindo juntas, e a fé foi maneiras. Se alguém não peca no falar, tal
aperfeiçoada pelas obras. pessoa é perfeita, sendo igualmente capaz
23 Cumpriu-se, assim, a Escritura que de dominar seu próprio corpo.2
8 Essa ilustração sobre uma fé inócua forma um instrutivo paralelo com a ilustração do falso amor, apresentada pelo apóstolo
João em sua primeira carta. Enquanto Tiago conclama cada cristão a colocar sua fé em prática, João – da mesma forma – nos
exorta a amar não apenas com palavras, mas mediante atitudes concretas (1Jo 3.17).
9 Tiago demonstra toda a sua formação judaica ao expressar sua fé monoteísta, o mais importante dos credos do judaísmo,
conhecido em hebraico como: shema, o grande convite para que a humanidade “Ouça!” que há um Único e Todo-poderoso
Deus: Yahweh (Dt 6.4; Mc 12.29).
10 Ao analisarmos esse versículo dentro do contexto fica claro que Tiago está usando um fato histórico, reverenciado por toda
a comunidade judaica, para reforçar seu argumento de que a fé genuína tem como resultado natural o bom procedimento e as
boas obras. É importante notar que o ato de fé de Abraão ocorreu antes de responder afirmativamente à solicitação de Deus,
comprovando que a fé que já habitava no coração de Abraão era pura e verdadeira (Gn 15.6; Gn 22.1-14). A fé salvadora produz
atitudes divinas (Gl 5.6).
11 O grande propósito de Deus é que o ser humano seja seu amigo, de forma voluntária e sincera. Abraão foi uma dessas
pessoas (2Cr 20.7), e nós também podemos ser amigos de Deus mediante nossa fé em Jesus Cristo, seu Filho (Jo 15.14).
12 Infelizmente algumas pessoas afirmam que crêem em Deus apenas para dar seguimento a uma tradição familiar, por mera
compreensão intelectual ou conveniência. A fé legitima e aceita por Deus, nasce do arrependimento, brota no coração, floresce
por toda alma e produz frutos de justiça que são as boas obras e atitudes (Mt 3.8; 7.16; Jo 15.2).
13 Evidentemente, Tiago não está aprovando a condição de vida de Raabe anterior à sua conversão. Pelo contrário, ele está
enfatizando a graça de Deus, pregando a boa nova de que, em Cristo, todos nós podemos encontrar uma nova vida e razão para
viver. Tiago aponta para a fé operosa de Raabe, que não apenas reconheceu a misericórdia e o poder do Senhor, mas tornou-se
cooperadora com Deus (Js 2; Hb 11.31).
Capítulo 3
1 Todos os cristãos recebem dons do Espírito e são responsáveis por seu devido uso em prol da comunidade. Os mestres,
assim como os pastores e profetas, têm o dever de usar seus dons espirituais para comunicar corretamente a Palavra de Deus e
zelar por um comportamento à altura do que pregam. Um juízo mais rigoroso aguarda aqueles que se exaltam como mestres e
líderes espirituais, obrigam o povo a duras disciplinas, contudo, eles mesmos, não seguem o Caminho quanto aos princípios mais
elementares da vida cristã, como a humildade, misericórdia e o desapego ao poder e aos bens materiais. Humildemente, Tiago
se coloca como um líder que não está imune a qualquer dessas faltas e, portanto, também precisa da compaixão do Senhor e da
Igreja (Rm 12; Ef 4.11; 1Co 12.28; Mt 23.1-33; Lc 20.47).
2 A maneira ideal de refrear a língua não é apenas guardar silêncio e ficar amargurado, mas, sim, submeter ao Senhor toda a
revolta, tristeza e pensamentos ruins, na certeza de que ele cuidará de tudo o que não nos é possível resolver, e nos dará a melhor
direção para agir na solução dos assuntos que nos dizem respeito (2Co 10.5; Fp 4.8; Mt 12.34).
3 Tiago usa uma figura de linguagem para revelar que a decadência do mundo se evidencia a cada dia e, portanto, não
devemos esperar significativas melhoras, especialmente no padrão moral, social e ético dos povos. Somos advertidos a cuidar
bem do nosso pensar e falar (língua), pois Satanás busca, diuturnamente, influenciar (incendiar) nossas mentes para o mal e tudo
quanto é próprio do inferno (Jo 8.44; Mt 5.22; Lc 16.23).
4 Novamente Tiago faz alusão aos princípios ensinados por Jesus Cristo. Considerando que o ser humano foi criado por
Deus com tanto carinho, e à sua semelhança (Gn 1.26,27), amaldiçoá-lo ou tratá-lo com indignidade é o mesmo que ofender
ao Criador e Pai (Gn 9.6).
5 O Senhor não é Deus de desordem e confusão, mas de paz e verdade (1Co 14.33).
Capítulo 4
1 A expressão grega original hJdonw'n usada por Tiago, significa “prazeres” ou “paixões” e deu origem à nossa palavra
“hedonismo”.
2 Aqui, a expressão “matar” é usada como hipérbole, para enfatizar o malefício do “ódio”. A oração deve ser um exercício de
contra Deus? Ora, quem quer ser amigo pode salvar e aniquilar. Tu, no entanto,
do mundo se torna inimigo de Deus.3 quem és, para julgar o teu semelhante?
5 Ou imaginais que é sem razão que a
Escritura afirma que o Espírito que Ele fez Submeter nossos planos a Deus
habitar em nós zela com ciúmes dos seus?4 13 Agora, prestai atenção, vós que acla-
6 Todavia, Ele nos outorga graça ainda mais: “Hoje ou amanhã iremos a tal
maior. Por isso, declara a Escritura: cidade, lá nos estabeleceremos por um
“Deus se opõe aos arrogantes, mas con- ano, negociaremos e obteremos grande
cede graça aos humildes”.5 lucro”.
7 Portanto, sujeitai-vos a Deus. Resisti ao 14 Contudo, vós não tendes o poder de
Diabo, e ele fugirá de vós!6 saber o que acontecerá no dia de ama-
8 Achegai-vos a Deus, e Ele acolherá a nhã. Que é a vossa vida? Sois, simples-
todos vós! Pecadores, limpai as vossas mente, como a neblina que aparece por
mãos, e vós que tendes a mente dividida algum tempo e logo se dissipa.
pelas paixões, purificai o coração, 15 Em vez disso, devíeis afirmar: “Se o
9 entristecei-vos, arrependei e chorai. Senhor quiser, viveremos e faremos isto
Abandonai o riso fácil e pranteai, trocai a ou aquilo”.
vossa euforia pelo pesar. 16 Entretanto, estais agora vos orgu-
10 Humilhai-vos na presença do Senhor, lhando das vossas capacidades. E toda
e Ele vos exaltará!7 vanglória como essa é maligna.
17 Refleti sobre isso, pois: Quem sabe
Não julgar ou falar mal dos irmãos que deve fazer o bem e não o faz, comete
11 Caros irmãos, não faleis mal uns dos pecado.
outros. Quem se põe a falar contra algum
irmão ou passa a julgar o seu irmão, acaba Advertência aos poderosos
protestando contra a Lei e a julga tam-
bém. Ora, se passas a julgar a Lei, cessas de
obedecê-la e assumis a posição de juiz.8
5 E agora, prestai atenção, vós, os ricos!
Chorai e arrependei-vos, porquanto
desgraças haverão de cair sobre vós.1
12 Um só é o Legislador e Juiz, Aquele que 2 Vossas riquezas apodreceram, e vossas
contínuo diálogo com nosso Pai celestial, e não uma fórmula para fazermos com que Deus satisfaça todos os nossos desejos.
O bom pai sempre se preocupa em dar o melhor e mais saudável aos seus filhos, nem sempre correspondendo às expectativas
imaturas e imediatas deles (Mt 7.7-11).
3 A palavra “adúlteros” é usada em seu sentido mais amplo: “desleais” ou “infiéis”, a fim de enfatizar o grave erro das pessoas
que professando amar a Deus, no dia-a-dia e em seus relacionamentos, demonstram amar muito mais ao mundo e tudo o que
ele pode proporcionar (Jr 1.27; 31.32).
4 Essa é a única referência explícita à pessoa do Espírito Santo nessa carta. Tiago afirma que Deus, na pessoa do seu Espírito,
zela por seus filhos, onde habita, com ciúmes por nossa devoção leal e integral (Êx 20.2-6).
5 Tanto Tiago quanto Pedro (colunas da Igreja) deram ênfase a essa passagem do AT no NT (Pv 3.34; 1Pe 5.5).
6 A única maneira eficaz de resistirmos às artimanhas do Diabo, assim como aos desejos e paixões da nossa própria carne, é
nos rendendo incondicionalmente ao Senhor, em plena devoção (1Pe 5.8,9; Mt 4.10). Ao atendermos o chamado de Deus e dele
nos aproximarmos com sinceridade, seremos recompensados com seu abraço acolhedor e sua presença poderosa em nossas
vidas (Sl 24.3-6). A arrogância e o egoísmo contribuem para uma submissão, cada vez maior, do ser humano ao Diabo e um
proporcional afastamento de Deus (Dt 4.7).
7 Os sacerdotes, no AT, antes de se aproximarem do Santo dos Santos (no tabernáculo), e, portanto, de Deus, tinham que pas-
sar por uma cerimônia em que, enquanto lavavam as mãos e os pés numa bacia de bronze, podiam refletir sobre suas vidas e se
arrepender de eventuais pecados ainda não confessados. Essa lavagem era um símbolo da purificação espiritual (Êx 30.17-21).
Ao sermos iluminados pelo Espírito de Deus, e notarmos o quanto esse mundo jaz nas trevas, a vã alegria se torna em tristeza
pelo pecado e sincero arrependimento (Mt 23.12).
8 Falar mal de um irmão ou arrogar-se como juiz, condenando as decisões e procedimentos dos semelhantes é menosprezar
a segunda parte do primeiro mandamento da Lei, não levando em consideração o amor fraternal que é exigido por Deus no trato
com todos (Mt 22.34-40; Êx 20.16; Sl 15.3; 50.19,20; Pv 6.16,19).
Capítulo 5
1 A riqueza é uma bênção adicional quando recebida por um coração que ama a Deus e seu Reino. Tiago, entretanto, faz um
parêntese em sua carta para prevenir os ricos não cristãos de que seu fim está próximo (At 2.17; 1Tm 4.1; 2Tm 3.1; Hb 1.2; 1Jo
2.18). A arrogância e o sentimento de exagerada confiança que exibem, por causa do acúmulo de bens que possuem, são meras
ilusões passageiras. O AT, em muitos momentos, ao longo da história, faz declarações semelhantes (Is 13 – 23; Jr 46 – 51; Ez 25
– 32; Am 1.3 – 2.16; Sf 2.4-15). As roupas, normalmente confeccionadas em tecidos finos e exclusivos, para clientes exigentes e
adornadas com ouro e pedras preciosas, sempre foram um sinal de requinte e poder no Oriente (At 20.33).
2 A expressão “Senhor dos Exércitos”, em grego transliterado sabaoth, aparece na Septuaginta (tradução do AT em grego)
como “Todo-Poderoso” (Rm 9.29; Is 1.9).
3 Tiago encoraja aos crentes que estão sofrendo sob o domínio dos ricos ímpios, a exercerem a macrothumesate, em grego, uma
espécie de “paciência confiante no arrependimento dos injustos e expectativa” da parousia, expressão original grega usada para indi-
car a visita oficial de um rei a uma cidade dentro do seu domínio (Rm 2.4; 1Pe 3.20; 2Pe 3.9); termo que passou a designar “o glorioso
retorno do Senhor” (1Ts 4.15; 2Ts 2.1). Em Israel, as chuvas do outono surgem em outubro e novembro, pouco depois de semeados
os grãos, e as últimas chuvas da primavera ao final de abril, alguns dias antes da colheita (Dt 11.14; Jr 5.24; Os 6.3; Jl 2.24).
4 Os cristãos são exortados a ter paciência com crentes e descrentes, pois a volta do Senhor se aproxima rapidamente, quando
a plena justiça universal será estabelecida definitivamente. Esse glorioso retorno de Cristo já era considerado iminente pela igreja
primitiva, pois os “últimos dias” são contados a partir da encarnação de Cristo (Rm 13.12; Hb 1.1; 10.25; 1Pe 4.7; Ap 22.20).
5 Ao contrário do que pensam alguns teólogos, Jó não tinha uma paciência desinteressada e passiva (Jó 3; 12.1-3; 16.1-3;
21.4), mas perseverante e confiante na misericórdia do Deus Todo-Poderoso (Jó 1.20-22; 2.9,10; 13.15).
6 Uma vez mais, Tiago menciona as palavras de Jesus em seu ensino doutrinário (Mt 5.33-37). O irmão de Jesus e pastor da
Igreja em Jerusalém não está condenando os juramentos solenes, pois eram uma antiga prática judaica, legalmente válida, quan-
do se precisava atestar uma palavra empenhada (Êx 22.11). Assim como foi instado a fazer Jesus perante Caifás (Mt 26.63,64),
e Paulo, ao expressar seu zelo para com a Igreja (Rm 1.9; 9.1). Tiago está condenando o uso leviano do santo nome de Deus ou
de qualquer pessoa ou objeto sagrado para garantir a verdade do que se diz. Os cristãos devem ser conhecidos como pessoas
cujas palavras são absolutamente dignas de crédito, sem nem mesmo a necessidade de juramentos.
7 Tiago usa o termo grego euthumei, raro no NT, e que significa “ter coragem e bom ânimo diante das adversidades”. Somente
Paulo havia usado essa mesma expressão anteriormente (At 24.10; 27.25). Quanto aos sofrimentos, os crentes devem seguir o
exemplo de Cristo e crer no poder da oração (Lc 22.44).
14 Algum de vós está doente? Chame os que não chovesse, e não choveu sobre a
presbíteros da igreja, a fim de que estes terra durante três anos e meio.9
orem sobre a pessoa enferma, ungindo-a 18 Então, fez outra oração, e os céus
com óleo em o Nome do Senhor;8 derramaram suas chuvas e a terra
15 e a oração, feita com fé, curará o do- produziu os seus frutos.
ente, e o Senhor o levantará. E se houver 19 Queridos irmãos, se algum de vós se
cometido pecados, será perdoado. desviar da verdade e alguém o recondu-
16 Portanto, confessai vossos pecados uns zir a ela,
aos outros e orai uns pelos outros para 20 lembrai-vos disso: quem ajudar um
serdes curados. A súplica de uma pessoa pecador a se arrepender do seu mau
justa é muito poderosa e eficaz. caminho salvará da morte essa alma
17 Elias era uma pessoa frágil como nós. e contribuirá para o perdão de uma
Ele orou fervorosamente, rogando para grande multidão de pecados.10
8 Diferentemente do que afirmam alguns teólogos, essa não é uma indicação para a prática da “extrema unção”. Primeiro,
porque Tiago está se referindo aos presbíteros e não aos sacerdotes; segundo, porque o uso do verbo grego original sozo, cujo
significado é, ao mesmo tempo, “salvar” e “curar”, indica uma oração para a vida e não preparativo para a morte. O óleo era o
remédio mais conhecido e eficaz contra várias doenças e dores. Os antigos filósofos e médicos, como Plínio e Galeno, já reco-
mendavam seu uso. Jesus, embora não usasse óleo em suas curas, autorizou seus discípulos a fazê-lo como uma ilustração do
poder de Deus para curar a alma e o corpo do ser humano, sendo a maior das curas o perdão dos pecados e a doação da vida
eterna. Os presbíteros devem levar os enfermos à essa conclusão e, assim, lhes facilitar o acesso à saúde (salvação) perfeita em
Cristo (Is 1.6; Lc 10.34; 1Tm 3.1; 5.17; Mc 6.13; Mt 9.21,22; 14.30; 24.13,22; Lc 7.50; 8.12,36,48,50).
9 Esses três anos e meio representam apenas uma cifra arredondada (metade de sete), tendo como base os registros nos
Livros dos Reis (1Rs 17.1; 18.1; 41-46; Ap 11.1-6).
10 Tiago oferece aos crentes mais de 50 mandamentos sobre o amor e a Lei do Senhor, a fim de que a Igreja saiba zelar pelo
bom testemunho dos seus membros, com toda a fé (oração), carinho e respeito, visando à perfeita saúde espiritual e o encora-
jamento de todos nas horas de provação (Lc 22.32). O cristão, que se desvia do Caminho, mas que é reintegrado, tem todos os
seus pecados absolvidos pelo poder do sangue remidor de Cristo, além de produzir grande júbilo espiritual em seus irmãos na
Igreja, e a manutenção do bom testemunho dos cristãos perante o mundo (Hb 6.4-8; 2Pe 2.20-21; 1Co 11.30; 1Jo 5.16).