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Tiago Santos
Nesse momento, Farel trovejou a ira caram que Calvino retornasse à sua
de Deus sobre Calvino com palavras igreja. Ele retornou a Genebra no dia
que este jamais esqueceria – Deus 13 de setembro, viu-se nomeado pre-
amaldiçoaria o seu lazer e os seus gador da antiga igreja de St. Pierre
estudos se, em tão grave emergência, e foi “contemplado com um salário
ele se retirasse, recusando-se a aju- razoável, uma casa ampla e porções
dar. A primeira estadia de Calvino em anuais de 12 medidas de trigo e 250
Genebra durou menos de dois anos. galões de vinho”. Em 1548, Idelette
O seu primeiro catecismo e confissão faleceu, e Calvino nunca mais tor-
de fé foram adotados, mas ele e Farel nou a casar-se. O único filho que ti-
entraram em conflito com as autori- veram morreu ainda na infância. No
dades civis acerca de questões eclesi- entanto, Calvino não ficou inteira-
ásticas: disciplina, adesão à confissão mente só. Tinha muitos amigos, in-
de fé e práticas litúrgicas. clusive em outras regiões da Europa,
De 1538 a 1541, mudou-se para com os quais trocava intensa corres-
Estrasburgo, onde pastoreou a igreja pondência. Depois de grandes lutas,
de refugiados franceses. Um refu- conseguiu implementar seu progra-
giado que visitou a igreja de Calvino ma de reformas, mudando comple-
fez a seguinte descrição do culto: tamente toda a Genebra, tornando-a
“Todos cantam, um exemplo para
homens e mulhe- toda a cristandade,
res; e é um belo
Quem despreza a “a mais perfeita
espetáculo. Cada pregação despreza a escola de Cristo
um tem um livro Deus, porque ele não desde os dias dos
de cânticos nas fala por novas revelações apóstolos”, como o
mãos... Olhando
para esse pequeno
do céu, mas pela voz de reformador escocês
John Knox disse.
grupo de exilados, seus ministros, a quem Em 6 de feve-
chorei, não de tris- confiou a pregação da reiro de 1564, Cal-
teza, mas de ale- sua Palavra vino, muito enfer-
gria, por ouvi-los mo, foi transpor-
todos cantando tão tado para a igreja
sinceramente, enquanto agradeciam numa cadeira, pregando então com
a Deus por tê-los levado a um lugar dificuldade o seu último sermão. No
onde seu nome é glorificado”. Lá se dia de Páscoa, 2 de abril, foi levado
casou com Idelette de Bure e travou pela última vez à igreja. Participou
contato com Martin Bucer, que in- da ceia e, com a voz trêmula, can-
fluenciou profundamente sua teolo- tou junto com a congregação. Em
gia, principalmente acerca da doutri- 28 de abril de 1564, um mês antes
na do Espírito Santo e da disciplina de morrer, convocou os ministros de
eclesiástica. Genebra à sua casa. Tendo-os à sua
volta, despediu-se: “A respeito de
O erudito de Genebra minha doutrina, ensinei fielmente,
Em 1541, os genebrinos supli- e Deus me deu a graça de escrever.
João Calvino e a pregação das Escrituras 5
Fiz isso do modo mais fiel possível realiza, pelo poder do seu Espírito,
e nunca corrompi uma só passagem em cooperação com os labores do
das Escrituras, nem conscientemen- homem”. Para Calvino, a leitura e
te as distorci. Quando fui tentado a a meditação privadas das Escrituras
requintes, resisti à tentação e sempre não substituem o culto público, pois,
estudei a simplicidade. Nunca escre- “entre os muitos nobres dons com os
vi nada com ódio de alguém, mas quais Deus adornou a raça humana,
sempre coloquei fielmente diante um dos mais notáveis é que ele con-
de mim o que julguei ser a glória de descende em consagrar bocas e lín-
Deus”. Ele faleceu em 27 de maio de guas de homens para o seu serviço,
1564. Calvino foi enterrado em um fazendo com que a sua própria voz
cemitério comum. Devido a seu pró- seja ouvida neles”. Por essa razão,
prio pedido, não se ergueu lápide al- argumenta Calvino, quem despreza
guma sobre o lugar de sua sepultura. a pregação despreza a Deus, porque
ele não fala por novas revelações do
A pregação como Vox Dei céu, mas pela voz de seus ministros,
Calvino definiu assim a comuni- a quem confiou a pregação da sua
dade cristã: “Onde quer que vejamos Palavra. Ao falar Deus aos homens,
a Palavra de Deus ser sinceramente por meio da pregação, Calvino iden-
pregada e ouvida, onde vemos se- tifica dois benefícios: “Por um lado,
rem os sacramentos administrados ele [Deus], por meio de um teste ad-
segundo a instituição de Cristo, não mirável, prova a nossa obediência,
se pode contestar, de modo nenhum, quando ouvimos seus ministros exa-
que ali há uma igreja de Deus”. tamente como ouviríamos a ele mes-
Como o Rev. Paulo Anglada de- mo; enquanto, por outro, ele leva em
monstra, o reformador francês ela- consideração a nossa fraqueza, ao
borou detalhadamente o tema da na- dirigir-se a nós de maneira humana,
tureza da pregação como “a voz de por meio de intérpretes, a fim de que
Deus”. Em seu comentário de Isaías, possa atrair-nos a si mesmo, em vez
ele afirma que na pregação “a pala- de afastar-nos por seu trovão”.
vra sai da boca de Deus de tal ma- A importância dada ao sermão se
neira que ela sai, de igual modo, da percebe no lugar que ele ocupa na
boca de homens; pois Deus não fala liturgia reformada – o lugar central.
abertamente do céu, mas emprega Isso não significa que Calvino te-
homens como seus instrumentos, a nha dado importância exagerada ao
fim de que, pela agência deles, pos- pregador; significa apenas que, para
sa fazer conhecida a sua vontade”. ele, o sermão tem de ser a fiel inter-
Comentando a Epístola aos Gálatas, pretação da verdade revelada nas
Calvino enfatiza a eficácia do mi- Escrituras, dirigida aos problemas
nistério da Palavra, afirmando: visto do momento. Assim como Calvino
que Deus “emprega os ministros e cria na presença espiritual de Cristo
a pregação como seus instrumentos na administração dos sacramentos,
para este propósito, apraz-lhe atri- também cria na presença espiritual
buir a eles a obra que ele mesmo de Cristo na pregação, salvando os
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eleitos, edificando e governando sua lo. Uma das mais claras ilustrações
igreja. Essa concepção sacramental de que a pregação seqüencial havia
da pregação é afirmada diversas ve- sido uma escolha consciente da par-
zes por Calvino nas Institutas. Por te de Calvino foi este fato: no dia da
exemplo, ao combater o emprego Páscoa, em 1538, depois de pregar,
de símbolos visíveis para represen- ele deixou o púlpito da igreja de St.
tar a presença de Pierre, banido pelo
Cristo no culto, A majestade das conselho da cida-
ele afirma que é de; quando retor-
“pela verdadeira Escrituras merece que nou, em setembro
pregação do evan- seus expositores façam- de 1541, mais de
gelho”, e não por na evidente, que tratem- três anos depois,
cruzes, que “Cristo na com modéstia e ele continuou a ex-
é retratado como posição no versícu-
crucificado diante reverência lo seguinte.
de nós” (I.11.7). Como John Pi-
Citando Agostinho per demonstra, no
(IV.14.26), que se referia às palavras auge de seu ministério em Genebra,
como sinais, Calvino entendia que Calvino pregava num livro do Novo
na pregação “o Espírito Santo usa as Testamento nos domingos pela ma-
palavras do pregador como ocasião nhã e à tarde (embora pregasse nos
para a presença de Deus em graça e Salmos em algumas tardes) e num
em misericórdia. Neste sentido, as livro do Antigo Testamento, nas
palavras do sermão são comparáveis manhãs, durante a semana. Desse
aos elementos nos sacramentos” modo, ele expôs a maior parte das
(IV.1.6; 4.14.9-19). Por isso, ele es- Escrituras. Ele começou sua série
creveu: “A igreja de Deus será edu- de pregações expositivas no livro
cada pela pregação autêntica de sua de Atos, em 25 de agosto de 1549
Palavra, e não pelas invenções dos e terminou-a em março de 1554,
homens [as quais são madeira, feno num total de 89 sermões. Depois,
e palha]”. ele prosseguiu para 1 e 2 Tessalo-
nicenses (46 sermões), 1 e 2 Co-
A prioridade da pregação ex- ríntios (186 sermões) e Efésios (48
positiva sermões), até maio de 1558, quando
Calvino escreveu: “A majesta- passou um tempo adoentado. Na pri-
de das Escrituras merece que seus mavera de 1559, começou a Harmo-
expositores façam-na evidente, que nia dos Evangelhos, série inacabada
tratem-na com modéstia e reverên- por conta de sua morte em maio de
cia”. Durante quase 25 anos de mi- 1564 (65 sermões). Durante a se-
nistério na igreja de St. Pierre, em mana, naquele período, pregou 174
Genebra, seu modelo de pregação sermões em Ezequiel (1552-1554),
foi o mesmo, do começo ao fim, 159 sermões em Jó (1554-1555),
pregando através da Escritura, livro 200 sermões em Deuteronômio
após livro, versículo após versícu- (1555-1556), 353 sermões em Isaías
João Calvino e a pregação das Escrituras 7
lação divina – tudo isso causa uma vação que ele nos deu em Cristo é
profunda impressão naquele que também absoluta, isto é, sua compe-
se põe a perscrutar os meandros da tência é inteiramente dele e não do
interpretação bíblica de Calvino. A homem. O que cumpre ao homem é
impressão que se tem é que seu co- abraçar seu Ser absoluto e, nele, sua
nhecimento era ilimitado. salvação plena, vivendo nesta a sua
Por exemplo, um dos pontos vida prática; e mesmo esse abraçar
que mais me causaram impacto no é dado por graça. O grande “pro-
enfoque teológico do Reformador blema” de Calvino, para o homem
foi a sua profunda reverência pela moderno, em relação ao sinergismo
Bíblia. É uma reverência tal que já humano, é que ele não deixava nada
quase nem vemos hoje. Ele abraçou ao homem, senão o dever de abraçar
a Bíblia de modo incondicional. Ele toda a revelação divina sem questio-
a via como a Palavra do Deus eter- nar nem especular. Estudar, sim, po-
no, que no-la deu como padrão, para rém não questionar o decreto eterno
nela haurirmos a verdade que ele quis de Deus. Além de pecaminoso, nada
que conhecêssemos sobre seu eterno vale questionar a sua verdade.
plano para todo Perscrutar os
o universo, espe- escritos de Calvi-
cialmente para sua Um dos pontos que mais no causa espanto
Igreja. Toda a vida me causaram impacto e pasmo, porque,
de Calvino consis- no enfoque teológico do embora, logica-
tiu em extrair da mente, ele não
Palavra de Deus Reformador foi a sua fosse infalível, fa-
tudo que o Espíri- profunda reverência pela lhando em detalhes
to gravou nela pela Bíblia periféricos, isso
pena dos patriarcas, nada detrai de seu
profetas e apósto- valor como teólo-
los. Ele nutria o receio de escorregar go e pensador. Porque a grandeza do
para a direita ou para a esquerda, in- todo nos causa profunda admiração:
ventando o que o Espírito não queria como foi possível que um homem
revelar; também temia deixar de fora ainda tão jovem e inserido na proble-
algo importante que o Espírito quis mática social, política, econômica e
que sua Igreja soubesse. cultural de seu próprio tempo, com
Outro ponto que me tem causado uma atividade múltipla e envolto de
profunda impressão é a reverência tanta controvérsia, achasse tempo
de Calvino para com o Deus trino. para caminhar pelas gloriosas ave-
A força da teologia de Calvino es- nidas da santa Bíblia, expondo-a
tava no fato de que ele via a Deus teologicamente, confrontando-a po-
como absolutamente soberano. Seu lemicamente, usando-a para plasmar
direito é absoluto. Sua reivindicação os problemas sociais e políticos de
é absoluta. Sua liberdade é absoluta, seus dias, com tanta perseverança e
nada carecendo de tudo que criou. persistência? Caminhando com ele
Ele é completamente Outro. A sal- por todo o Novo Testamento (menos
João Calvino falando português 13
ram por moldar a visão de Calvino de Genebra que incluía uma esco-
que hoje prevalece em muitos meios la para todas as crianças, na qual
acadêmicos. as crianças pobres teriam ensi-
No aspecto religioso, Calvino é no gratuito. Era a primeira esco-
considerado o pai da tradição protes- la primária obrigatória da Europa.
tante reformada, que engloba pres- Em uma delas as meninas eram
biterianos, congregacionais, parte incluídas junto com os meninos.
dos batistas e parte do anglicanismo. Calvino tinha um alvo muito cla-
Seus seguidores ficaram conheci- ro quanto à educação. Ele desejava
dos, em geral, como reformados. que os alunos das escolas de Gene-
Um quadro mais próximo aos bra fossem futuros cidadãos da cida-
registros históricos mostra que Cal- de, bem preparados “na linguagem
vino era um pastor atencioso, que e nas humanidades”, além de terem
visitou pacientes terminais de doen- formação cristã e bíblica. O currí-
ças contagiosas no hospital que ele culo que ele ajudou a elaborar tinha
mesmo havia estabelecido, embora ênfase nas artes e nas ciências, além
fosse advertido dos perigos de con- da ênfase nas Escrituras. Conforme
tato. Além disso, tomou diversas ati- nos diz Moore, “o principal propósi-
tudes que mudaram a vida social da to da universidade [de Genebra] era
cidade. Foi ele quem instou o conse- eminentemente prático: preparar os
lho municipal de Genebra a afiançar jovens para o ministério ou para o
empréstimos a juros baixos para os serviço no governo.”
pobres. Genebra foi o primeiro lugar Essa preocupação de Calvino
na Europa a ter leis especiais que com a educação decorria de sua vi-
proibiam: jogar detritos e lixo nas são cristã a respeito do mundo. En-
ruas; fazer fogo ou usar fogão num tre os pontos de sua teologia que o
cômodo sem chaminé; ter uma casa impulsionavam à missão como edu-
com sacadas ou escadas sem que as cador, havia a concepção do ser hu-
mesmas tivessem grades de prote- mano criado à imagem e semelhança
ção; alugar uma casa sem o conheci- de Deus, conforme análise de Héber
mento da polícia; sendo comercian- Carlos de Campos:
te, cobrar além do preço permitido Em sua teologia sobre a imagem
ou fraudar no peso e estocar merca- de Deus no homem, Calvino viu o
dorias para fazê-la faltar no merca- ser humano como um ser que apren-
do e, assim, encarecê-la (e isso se de inerentemente. Deus depositou
estendia aos produtores). no ser humano “a semente da reli-
Assim como Lutero e outros gião” e o deixou exposto à estrutura
reformadores, Calvino defendeu a total do universo criado e à influên-
educação universal para todos os ha- cia das Escrituras. Por causa des-
bitantes da cidade. sas coisas, qualquer homem poderia
aprender, desde o mais simples cam-
Calvino e a Educação ponês ao indivíduo mais instruído
Em 1536, Calvino apresentou nas artes liberais.
um plano ao conselho municipal
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Outro ponto das convicções reli- eram pequenos para isso. Assim, ele
giosas de Calvino era o entendimen- se limitou à criação da Academia de
to de que todo conhecimento vem Genebra (1559), que o historiador
de Deus, quer seja o conhecimento Charles Bourgeaud (1861-1941),
“sagrado”, quer seja o “profano”. antigo professor da Universidade
Calvino tinha uma visão ampla de Genebra, considerou como “a
da cultura, entendendo que Deus primeira fortaleza da liberdade nos
é Senhor de todas as coisas e que, tempos modernos”.
por isso, toda verdade é verdade de No currículo, incluía-se o ensino
Deus. Essa perspectiva amparava-se da leitura e da escrita e cursos mais
no conceito da “Graça Comum” ou avançados de retórica, música e ló-
“Graça Geral” de Deus sobre todos gica. Conforme Campos nos diz em
os homens. Ele disse: sua pesquisa, os alunos passavam do
Visto que toda verdade procede alfabeto à leitura do francês fluen-
de Deus, se algum ímpio disser algo te, gramática latina e composição
verdadeiro, não devemos rejeitá- em latim, literatura grega, leitura de
lo, porquanto o mesmo procede de porções do Novo Testamento grego,
Deus. Além disso, visto que todas as juntamente com noções de retórica e
coisas procedem de Deus, que mal dialética, com base nos textos clás-
haveria em empregar, para a sua sicos. Não é sem razão que, diante
glória, tudo que pode ser correta- de sua capacidade no latim, se dizia
mente usado dessa forma? que os meninos de Genebra falavam
como os doutores da Sorbonne.
Calvino defendia que Deus havia O currículo da Academia enfo-
agraciado todas as pessoas com inte- cava não somente as artes e a teo-
ligência, perspicácia, capacidade de logia, como igualmente as ciências.
entender e transmitir, indistintamen- Na mente do Reformador, não havia
te de sua fé e crença. Assim, despre- conflito entre fé e ciência na univer-
zar a mente secular era desprezar os sidade. Ao contrário da visão educa-
dons que Deus havia distribuído no cional escolástica medieval, Calvino
mundo, até mesmo aos incrédulos, considerava que o estudo da ciência
mediante a graça comum. física tinha como propósito descobrir
a natureza e seu funcionamento, pois
A Academia de Genebra Deus se revelava à humanidade por
Não devemos estranhar que, à meio das coisas criadas, da natureza.
luz das convicções teológicas de Estudando o mundo, o ser humano
Calvino, ele tivesse seu coração vol- acabaria por conhecer mais a Deus.
tado para a educação da população A Academia veio a se tornar modelo
de Genebra e da Europa em geral. para outras escolas da Europa.
Desde 1541 encontramos registros
da sua preocupação diária em como A Reforma e a Educação
dar a Genebra uma universidade. Ele Os cristãos reformados, a exem-
desejava criar uma grande universi- plo de Calvino, dedicaram-se igual-
dade, mas os recursos da República mente a promover a educação, as artes
João Calvino e a Universidade 17
sou a ser financiada como as demais tados Unidos, foi fundada na déca-
universidades holandesas, embora da de 1640 por pastores reformados
ainda retenha as suas tradições e va- da colônia recém-estabelecida, que
lores reformados. desejavam preservar a tradição da
A Universidade de Princeton, educação cristã da Europa. Essa é
também considerada uma das me- a universidade americana que mais
lhores do mundo, foi fundada em formou presidentes dos Estados
1746 como Colégio de Nova Jersey. Unidos. Seu alvará de funcionamen-
Seu fundador foi o governador Jona- to concedido em 1701 diz:
than Belcher, que era congregacio- ...que [nesta escola] os jovens
nal, atendendo ao pedido de homens sejam instruídos nas artes e nas
presbiterianos que desejavam pro- ciências e através das bênçãos do
mover a educação juntamente com Todo-Poderoso sejam capacitados
a religião reformada. Atualmente, para o serviço público, tanto na
é reconhecida como uma das mais Igreja quanto no Estado.
prestigiadas universidades do mun-
do, oferecendo diversas graduações Ainda hoje existem nos Estados
e pós-graduações, bem como, mais Unidos centenas de escolas de ensi-
notavelmente, o grau de Ph.D. Está no superior confessionais, associa-
classificada como a melhor em mui- das a instituições credenciadoras.
tas áreas, incluindo matemática, físi- No Brasil, os reformados trouxeram
ca e astronomia, economia, história importantes contribuições para a
e filosofia. educação, com a fundação de esco-
A famosa Universidade de Har- las e universidades e a influência nos
vard foi fundada em 1643 pelos meios educacionais.
reformados, apenas seis anos após
a chegada deles na baía de Massa- Conclusão
chussets, nos Estados Unidos. Sua As iniciativas pioneiras de Calvi-
declaração quanto à missão e pro- no, em Genebra, na área da educa-
pósito da educação, sobre a qual ção lhe valeram, conforme destaca
Harvard foi erigida, foi redigida da o historiador Philip Schaff, o título
seguinte maneira: de “fundador do sistema escolar co-
Cada estudante deve ser instruí- mum”.
do e impelido a considerar correta-
mente que o propósito principal de
sua vida e de seus estudos é conhe- _____________
cer a Deus e a Jesus Cristo, que é a
Copiado e abreviado (com permissão) de “Cal-
vida eterna (João 17.3). Conseqüen- vino e Educação: Carta de Princípios 2009”
temente, colocar a Cristo na base é (Universidade Presbiteriana Mackenzie).
o único alicerce do conhecimento e Colaboram para o seu conteúdo:
do aprendizado sadios. Dr. Alderi Souza de Matos
Dr. Hermisten Costa Pereira
Pr. Franklin Ferreira
A Universidade de Yale, uma das
mais antigas universidades dos Es-
O Calvinismo e o
Governo Civil
Solano Portela
M uitos entre nós quando ou- que é belo. Assim como todos nós
vem a palavra “estética” logo a as- temos concepções do que é verda-
sociam a salões de beleza, cirurgias deiro e do que é bom, assim também
plásticas, dietas de emagrecimento e possuímos concepções sobre o que
outras coisas do gênero. As razões é belo. Portanto, todo ser humano
para isso são bem óbvias e ampla- tem um senso estético, quer tenha
mente debatidas. Alguns sugerem refletido ou não sobre esse senso.
que este fenômeno crescente e es- Podemos dizer que neste sentido
magador da “neura estética” parece mais amplo todo ser humano é um
refletir, entre outras coisas, um es- esteta, pois reage de alguma ma-
forço de construção da identidade, neira à beleza, projeta sua idéia de
uma saída do anonimato e busca beleza em situações concretas, tem
pela visibilidade, numa sociedade suas emoções e sentimentos desper-
em que tudo é um espetáculo e na tados pela beleza; enfim, a sua vida
qual visibilidade e empoderamento e criatividade expressam inevitavel-
andam de mãos dadas. Esta discus- mente suas noções estéticas. Isso se
são é certamente ampla e abrangente vê em todo o tempo: desde atitudes
e possui várias nuanças que não te- triviais (como, por exemplo, esco-
mos o propósito de abordar aqui. lher uma roupa para vestir) àquelas
Para os que não foram introduzi- de maiores impactos em nossa vida
dos a este campo de estudo, precisa- diária (como a planta e o projeto da
mos dizer que a palavra estética tem casa em que moramos). Atinge tam-
a ver com as nossas concepções do bém aquelas decisões mais cruciais
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da vida (como, por exemplo, a esco- santidade” ou quando diz que pediu
lha de nosso cônjuge). Talvez você ao Senhor: “Que eu possa morar na
replique dizendo que, em algumas Casa do Senhor todos os dias da mi-
dessas escolhas, nos orientamos nha vida, para contemplar a beleza
mais por critérios práticos, prag- do Senhor”; ou quando o profeta
máticos, utilitários ou por valores Isaías, antecipando o estado de hu-
morais e espirituais. Você está certo, milhação de Cristo, diz: “Olhamo-
até certo ponto. Entretanto, precisa- lo, mas nenhuma beleza havia que
mos dizer que, se de alguma maneira nos agradasse”. Creio que todos os
você toma uma decisão que prioriza, que se lembram do relato da criação,
por exemplo, o moralmente bom em no livro de Gênesis, podem recordar
lugar do corporalmente belo, você que, ao final de sua obra de criação,
está, em tal decisão, expressando “viu Deus tudo quanto fizera, e eis
necessariamente um valor estético. que era muito bom”. Uma consulta
Isso logo nos diz que a Estéti- ao adjetivo no original hebraico nos
ca é uma área da Filosofia em que informa que, nesse versículo, a idéia
as reflexões sobre o belo e a beleza de bom expressa (ou no mínimo
acontecem. Alguns inclui) uma idéia
filósofos separam estética. Cada por-
uma seção da sua Podemos saber que menor dessa obra
obra para tratar na simetria das obras de Deus foi decla-
desse tópico, deci- rado como “bom”,
didamente; outros,
de Deus há suprema e o conjunto todo,
não o fazem. Po- perfeição. como “muito
rém, mesmo nesse bom”. Em seu
último caso, quase comentário des-
sempre é possível estudar a estética se versículo, João Calvino diz que
daquele pensador de forma dispersa “podemos saber que na simetria das
no conjunto de sua obra. obras de Deus há suprema perfeição,
Avançando um pouco mais, po- à qual nada pode ser adicionado”. O
demos dizer que os ensinos de Jesus salmista expressa musicalmente o
Cristo, assim como todo o ensino seu encanto pela criação de Deus
e literatura bíblica, expressam uma quando exclama: “Que variedade,
estética. Quando se diz no livro de Senhor, nas tuas obras! Todas com
Provérbios: “Enganosa é a graça, e sabedoria as fizeste”.
vã, a formosura, mas a mulher que A Estética analisa o complexo
teme ao Senhor, essa será louvada”; das sensações e dos sentimentos,
ou quando o sábio recomenda ao seu investiga sua integração nas ativi-
filho não cobiçar no coração “a for- dades físicas e mentais do homem,
mosura da mulher vil”, temos nessas debruçando-se sobre as produções
declarações um valor estético refle- (artísticas ou não) da sensibilidade,
tido claramente. O mesmo aconte- a fim de determinar suas relações
ce quando o salmista nos exorta a com o conhecimento, a razão e a
adorar o Senhor “na beleza da sua ética. O estudo da estética tem sido
Calvino e a Estética 27
nas igrejas católicas tinha menor um ambiente no qual aquele que crê
destaque, se transformava em lugar pode estar em comunhão com um
central, onde o pastor fazia a leitu- Deus próximo, sem necessidade de
ra da Bíblia e a expunha. Assim, a intermediários. Há uma sensação de
arquitetura das igrejas calvinistas acolhimento, de conforto na fé. E,
procura ser fiel à sua teologia, pois se há algum ponto em que o barroco
dá ênfase à Palavra; não é mais um católico colonial e o estilo reformado
lugar para contemplação submissa, calvinista convergem, é justamente
e sim um local de verdadeira comu- este, a saber, o senso de acolhimento
nhão do homem com Deus. e de proximidade. Porém, o barroco
Muitos criticam o fato de as igre- católico impôs-se pela arte, espe-
jas protestantes serem tão despoja- cialmente por meio da arquitetura,
das, tão simples, tão sem ornamentos. pintura, escultura... na exuberância
Calvino pensou na arquitetura dessas sensorial e na liturgia rebuscada. Já
igrejas como um ambiente que não o modelo calvinista buscou impor-se
produzisse distrações, a fim de que à consciência do fiel com a centrali-
a Palavra de Deus fosse o centro de dade da Palavra e a simplicidade do
toda a atenção, pois era o que se tinha culto.
de mais importante. Podemos dizer Em nosso contexto, quando es-
que com o calvinismo há um esforço tamos presenciando o fenômeno da
de regresso à essência, em lugar da explosão sensorial e artística do cul-
aparência barroca das cortes católi- to evangélico brasileiro, em que o
cas. O ambiente das igrejas reforma- “verbo” vem crescentemente ceden-
das induz a atenção da congregação do lugar à “imagem”, uma reflexão
ao que o pregador diz. As “igrejas” sobre o legado estético calvinista
também não tem mais aqueles pés di- pode oferecer algumas referências
reitos altíssimos, góticos, sugerindo a cruciais, tanto no que tange ao diag-
pequenez do homem frente a Deus. nóstico quanto no plano prático da
Depois de Calvino, a igreja reflete ação litúrgica.
João Calvino
Calvino como Pastor,
Evangelista e Missionário
Harry L. Reeder
“A voz que trovejou do céu: ‘Este é Calvino foi o seu compromisso total
meu Filho amado, a ele ouvi’ deu- com o ensino e a pregação do texto
lhe um privilégio especial acima de das Sagradas Escrituras. Sua exposi-
todos os mestres. De Cristo, como ção de maior parte da Bíblia deixou
cabeça, essa unção é difundida aos a igreja, desde a Reforma, com um
seus membros, como Joel antecipou: tesouro inestimável. Contudo, ainda
‘Vossos filhos e vossas filhas profe- mais vital era sua absoluta submis-
tizarão’”. são à autoridade final das Escrituras.
No começo de seu ministério, Em seu comentário sobre a visão
Cristo anunciou sua vocação profé- relatada em Isaías 6, Calvino disse:
tica quando, na sinagoga, durante a “Não me arrisco a fazer qualquer
adoração, manuseou o livro do pro- afirmação sobre assuntos a respeito
feta Isaías. É significativo o fato de dos quais as Escrituras silenciam”.
que Ele leu uma passagem messiâni- De modo semelhante, ele concluiu
ca: “O Espírito do Senhor está sobre com estas palavras uma discussão
mim, pelo que me ungiu para evan- sobre julgamento: “Nossa sabedoria
gelizar os pobres; enviou-me para deve consistir em aceitar, com doci-
proclamar libertação aos cativos e lidade e sem qualquer exceção, tudo
restauração da vista aos cegos, para que é ensinado nas Sagradas Escri-
pôr em liberdade os oprimidos, e turas”.
apregoar o ano aceitável do Senhor” A posição de Cristo como nosso
(Lc 4.17-19). Ele fechou o rolo, Mestre ungido e designado tem im-
devolveu-o ao assistente e assentou- plicações profundas em nossa ati-
se. Em seguida, os olhos de todos os tude para com as Escrituras. Fazer
presentes se fixaram nEle, que disse: separação entre a supremacia abso-
“Hoje, se cumpriu a Escritura que luta de Cristo e a supremacia abso-
acabais de ouvir” (Lc 4.21). E todos luta das Escrituras — o que Calvino
se maravilhavam das palavras de defendia com firmeza — seria para
graça que saíam dos lábios de Jesus. ele impossível e ridículo. De fato,
Calvino explicou: ele descreveu as Escrituras como “o
O propósito desta dignidade cetro real de Cristo”, significando
profética, em Cristo, é ensinar-nos que Ele nos governa por meio delas.
que na doutrina ministrada por Ele Calvino concluía freqüentemente
estava incluída substancialmente a com estas palavras: “Ad verbum est
sabedoria que é perfeita em todos veniendum” (“Vocês têm de vir à
os seus aspectos. Fora de Cristo, Palavra”).
não há nada digno de conhecermos;
aquele que pela fé apreende o verda- O ofício de Cristo como Sacer-
deiro caráter de Cristo, esse possui dote
a ilimitada imensidão das bênçãos O sacerdócio é o segundo dos
celestiais. ofícios para os quais Cristo foi ungi-
do. Um sacerdote era um homem de-
Uma aplicação importante do signado por Deus para agir em favor
ofício profético de Cristo na vida de de outros nos assuntos relacionados
A Supremacia de Jesus Cristo 37
a Deus. Em outras palavras, Ele era não podia outorgar, nem outorgava
um mediador entre Deus e os ho- a realidade da salvação. Terceira, os
mens. O Antigo Testamento prepa- sacrifícios dos sacerdotes eram con-
rou o terreno para este conceito, e a tínuos: aconteciam diariamente no
Epístola aos Hebreus desenvolve-o templo. O trabalho do sacerdote do
intensamente. Calvino explicou a ta- Antigo Testamento nunca acabava.
refa sacerdotal em palavras solenes: Calvino contrastou tudo isso
“A sua função consistia em obter o com a perfeição do sacerdócio de
favor de Deus para nós. Contudo, Cristo descrito em Hebreus 9.12-14.
visto que uma maldição merecida Ele escreveu: “O apóstolo... expli-
obstruía a entrada, e Deus, em seu cou toda a questão na Epístola aos
caráter de Juiz, era hostil para co- Hebreus, mostrando que sem derra-
nosco, a expiação tinha de intervir mamento de sangue não há remis-
necessariamente, a fim de que, como são (Hebreus 9.22)... Todo o fardo
sacerdote escolhido para aplacar a de condenação do qual fomos livre
ira de Deus, Cristo foi lançado sobre
pudesse restaurar- Ele”.
nos ao favor divi- Tudo que nos falta, No entanto,
no”. Cristo nos dá; todo Calvino chama
Este é o aspecto o nosso pecado Lhe nossa atenção para
singular do sacer- outras implicações
dócio de Cristo: é imputado; e todo do sacerdócio de
Ele é não somen- o julgamento que Cristo. Este sacer-
te sacerdote, mas merecemos foi suportado dócio é permanen-
também vítima — por Cristo te e eterno, não
não somente o su- temporário e não
jeito da obra de in- limitado ao estado
tercessão, mas também o meio de re- de encarnação de Cristo. No presen-
alizá-la. Ele apresentou a oferta e se te, Ele está assentado à mão direita
tornou a oferta; por isso, se relaciona de Deus, implicando que completou
com os homens a favor de Deus e sua obra na cruz, mas ainda está ati-
com Deus, a favor dos homens. vo como nosso Advogado e Inter-
Havia três deficiências fatais no cessor. Calvino escreveu:
sacerdócio do Antigo Testamento. A fé percebe que o assentar-se
Primeira, o sacerdote tinha seus pró- de Cristo ao lado do Pai tem gran-
prios pecados que exigiam expiação. de proveito para nós. Depois de
Portanto, sendo imperfeito, ele não haver entrado no templo não feito
podia expiar seus pecados e, quanto por mãos humanas, Ele comparece
menos, os dos outros. Segunda, “é agora constantemente como nosso
impossível que o sangue de touros Advogado e intercessor à presença
e de bodes remova pecados” (Hb do Pai; dirige nossa atenção à sua
10.4). Esse sangue ensinava o cami- própria justiça, a fim de afastá-la
nho de salvação por meio da mor- de nossos pecados; reconcilia-nos
te de um Cordeiro imaculado, mas consigo mesmo e, por meio de sua
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meu reino não é deste mundo” (Jo vida eterna, de modo que possamos
18.36). Calvino escreveu: “Vemos viver pacientemente, no presente,
que tudo que é terreno e do mundo em meio a labuta, fome, frio, despre-
é temporário e logo se desvanece”. zo, desgraça e outras inquietações,
Em seguida, ele ressaltou essa ver- contentes com isto: o nosso Rei ja-
dade dizendo: “Temos, portanto, mais nos abandonará, mas suprirá
de saber que a felicidade prometida nossas necessidades, até que nossa
em Cristo não consiste de vanta- guerra acabe e sejamos chamados
gens exteriores — tais como: levar ao triunfo... Visto que Ele nos arma
uma vida tranqüila e prazerosa, ser e nos capacita pelo seu poder, nos
bastante rico, estar protegido de veste com seu esplendor e magni-
toda injúria e ter abundância de de- ficência e nos enriquece com seus
leites, vantagens essas que a carne tesouros, encontramos nisso o mais
está acostumada a anelar —, e sim abundante motivo de gloriar-nos.
da vida celestial”.
• O reino de Deus está dentro de vós Todo o conceito do ofício tríplice
(Lc 17.21). Calvino pensava ser de Cristo foi aplicado por Calvino à
provável que nessa ocasião Jesus necessidade espiritual do homem.
estava respondendo aos fariseus Cegos por natureza e ignorantes da
que talvez Lhe verdade, precisa-
houvessem pedi- mos da revelação
do, em atitude de Nossa sabedoria deve que veio por meio
menosprezo, que consistir em aceitar, de Jesus Cristo,
mostrasse suas com docilidade e sem pois Ele é nosso
insígnias. Por Profeta e Mestre.
isso, Calvino es- qualquer exceção, tudo Acima de tudo,
creveu: que é ensinado nas Ele nos mostra
Não podemos Sagradas Escrituras onde achamos a
duvidar que se- verdade acerca de
remos vitoriosos nós mesmos, do
contra o Diabo, o mundo e tudo que pecado, da salvação, do perdão para
pode prejudicar-nos... Mas, a fim de o pecado e da paz com Deus — e
impedir aqueles que já estavam so- tudo isso, nas Sagradas Escrituras.
bremodo inclinados às coisas terre- Como J. F. Jansen disse, “Calvino,
nas, por viverem há muito em suas à semelhança de Lutero, jamais es-
pompas, Ele os ordena a incutir em queceu que toda a Bíblia é a man-
sua consciência o fato de que “o jedoura em que achamos a Cristo”.
reino de Deus... é... justiça, e paz, No entanto, a triste situação do
e alegria no Espírito Santo”. Essas homem não é apenas que somos
palavras nos ensinam brevemente o ignorantes quanto a Deus e à ver-
que o reino de Cristo nos outorga. dade. Somos também pecadores,
Não sendo humano, nem carnal, culpados, objetos da ira de Deus e
nem, por isso, sujeito à corrupção, não temos esperança de salvar a nós
e sim espiritual, o reino nos ergue à mesmos. Nesta situação em que não
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Extraído do livro John Calvin: a heart for devotion, doctrine, and doxology.
Capítulo 9. Editado por Burk Parsons (Reformation Trust, Orlando, 2008).