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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

A TRADIÇÃO DA NARRATIVA NO JONGO:


POÉTICA, MEMÓRIA E RESISTÊNCIA NEGRA1

RENATO DE ALCANTARA (FAETEC)

RESUMO:

Este artigo estuda o jongo, manifestação artística oriunda dos


povos bantu, à narrativa, categoria estética da literatura. Para tanto
analisamos a trajetória dos negros africanos em África e na diáspora
a que foram submetidos em terras brasileiras.
Verificamos que os elementos que o constitui, o terreiro, a fo-
gueira, o tambor, a dança e o ponto narram não só essa trajetória
como todo os processos de (re)construção identitária.
Com maior ênfase nos pontos, nossa pesquisa mostra o modo criati-
vo, irônico e metafórico com que o negro consegue construir as his-
tórias de suas comunidades e criticar a realidade social que o cerca
sem perder a alegria, pois o jongo apresenta-se, antes de tudo, como
uma celebração à vida.

Introdução

Em 1862, o filólogo alemão Wilhelm Bleeck utiliza-se do ter-


mo bantu para designar variados falares aparentados, nos quais a
palavra que designa homens (ou povo) é geralmente construída com
o prefixo indicador de plural ba- e o radical -ntu (o singular é mun-
tu).
Lingüistas como Joseph Greenberg, Malcom Guthrie e Bernd
Heine irão, através de estudos etimológico-comparativos, supor a
existência de uma língua ancestral hipotética o protobantu, da qual
derivou o conjunto de cerca de 600 línguas faladas na região subsaa-

1
Este artigo é versão sintética da Dissertação de Mestrado em Letras, Lite-
ratura Comparada, apresentada à UFRJ, em agosto de 2008.
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riana, em uma área que vai desde a fronteira entre Nigéria e Cama-
rões até a África do Sul. Não é demais atentarmos para a observação
de SILVA (1992):

(...) o conceito de protobanto é uma criação dos lingüistas e que


não se pode falar em origem última, em sentido absoluto, de
qualquer língua ou grupo humano – atrás de cada ancestral estão
seus ancestrais (...) (SILVA, 1992, p. 210)

Pesquisas mais recentes dão conta que, a região compreendida


entre o Gabão e o norte da Namíbia, forma uma única zona cultural,
não só por fazerem parte do grupo bantu, mas por seus povos com-
partilharem das mesmas ideologias políticas e visões de mundo.
Tais descobertas movem o olhar de etnólogos, antropólogos e
historiadores para o fato de os diversos grupamentos tribais que che-
gavam cativos ao Brasil possuíam mais afinidades do que outrora se
imaginava. Como as línguas se aparentavam, é provável que a uni-
formização lingüística tenha-se dado a partir de uma língua oriunda
da África, provavelmente o kimbundu, e aprendida durante a viagem
da diáspora e não o Português, como a historiografia tradicional a-
ponta.
Originário dos batuques e danças de rodas da tradição Bantu, o
Jongo apresenta-se como dança comunitária rural que remonta à
época da escravidão. Pesquisadores do Instituto do Patrimônio Histó-
rico e Artístico Nacional – IPHAN, registraram2, em 2004, cerca de
15 comunidades jongueiras nos estados de São Paulo, Espírito Santo
e Rio de Janeiro. Mas percebem indícios de que haveria aproxima-
damente 20 comunidades e cerca de 25 grupos.
Dentre as comunidades catalogadas, destacamos, no Rio de
Janeiro, o Jongo de núcleos do Morro do Carmo e Bracuí (Angra dos
Reis), Barra do Piraí, Campelo (Bom Jesus de Itabapoana ), Mirace-
ma, Pinheiral, Santo Antônio de Pádua, Morro da Serrinha (Madurei-
ra), Quilombo de São José da Serra (Valença). Em São Paulo, as
comunidades jongueiras de Tamandaré (Guaratinguetá), Cunha, Pi-

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Tais pesquisas objetivavam o registro do Jongo do Sudeste como Patrimô-
nio Imaterial Brasileiro.

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quete, São Luís do Piraitinga, Lagoinha e Taubaté. Destacamos tam-


bém, o Jongo de Carangola e São Mateus, em Minas Gerais e Espíri-
to Santo, respectivamente.
Manifestação cultural complexa, que transita no campo do sa-
grado e do profano, o Jongo é uma instituição social na medida em
que o conceito abrange, simultaneamente, a prática divinatória, dan-
ça, canto, canções, melodia, instrumentos, o momento da confrater-
nização e o grupo social de seus praticantes, os jongueiros. Deste
modo, grafamos a palavra com maiúscula quando nessa abrangente
significação. No plural, enfatizam-se tanto os aspectos particulares
quanto gerais.
Em entrevista, de Aniceto do Império3 nos diz que

O Jongo mata, Jongo não é brincadeira, o Jongo é das almas, e é


importante que a senhorinha saiba que está conversando com
uma pessoa do santo, eu sou do santo, aquilo ali é a casa das Al-
mas e casa de Exu. É difícil eu me encanar, sabe, se eu lhe disser
que sois linda é porque é, talvez não lhe diga que és linda porque
é falta de princípio, mas também não lhe digo que és linda, fico
na minha. Então o seu interesse de pesquisar é mais para ter pa-
tenteado, ter gravado como arquivo a declaração de a, b, ou c,
mas não é maior no sentido da palavra. Mas como diz o baiano,
‘não é buruburu de ofidam’ diz ele, burro, burra, burra. Estou lhe
falando de cadeira, estou lhe autorizando, estou lhe dando autor-
ga, me desminta, me chame de mentiroso se puder. O Jongo é das
almas, o Jongo deve ser iniciado à meia noite, o Jongo exige uma
fogueira, nesta fogueira uma vasilha com algo dentro, deve ser
acesa uma vela, ao lado desta vela um copo d’água virgem, liso.
O Jongo deve ser dançado com a indumentária branca, na falta de
branca, alva. Mas eu tenho medo, sem força de expressão, o Jon-
go deve ser dançado descoberto, se é homem descoberto. São três
atabaques em ordem crescente segundo o tamanho, candongueiro
é pequeno e tem o som bem agudo, depois o angoma puíta, e de-
pois desse o caxambu. Porque caxambu não é dança, não é ritual:
o caxambu é um instrumento, e o ritual é o Jongo. O Jongo é pai
de muitas outras músicas que existem por aí, o Jongo é pai de tu-

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Aniceto de Menezes e Silva Junior um dos fundadores da Escola de Sam-
ba Império Serrano e morador da Comunidade da Serrinha.

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do isso ou mãe. O Jongo é muito respeitado, o Jongo mata, o
Jongo carece até de cabeças maduras, pelo seguinte motivo: o
Jongo é deitado no metá-metá, o linguajar do caboclo e eu falar
consigo dirigindo-me a ele. E tem que saber desamarrar, desatar
aquilo, entender que é consigo o que eu estou falando. (Apud
MOURA, 1995, p. 139)

Essa fala aponta a dimensão que o Jongo possui, para as co-


munidades negras onde se manifesta: é elemento de reunião, diverti-
mento, mas também carrega força mística, unindo homens com a
religiosidade.
Não era dançado em data específica: poderia ser ao final da
colheita do café, em homenagem a pessoa importante, ou nas grandes
festas, geralmente religiosas, tais como São Sebastião, Nossa Senho-
ra do Rosário, São José, São Jorge, 13 de maio e festas juninas, em
pagamento de promessa do santo de devoção, como demonstra o
ponto de Darcy Monteiro4:

Bendito louvado seja,


é o rosário de Maria.
Bendito louvado seja,
é o rosário de Maria.
Bendito pra Santo Antônio,
bendito pra São João,
senhora Santana, saravá meu “zirimão”.
Saravá angoma-puíta, saravá meu candongueiro,
abre caxambu, saravá jongueiro.
Bendito louvado seja meu “zirimão”,
agora mesmo que eu cheguei foi pra saravá.
Bendito louvado seja Senhora Santana,
agora mesmo que eu cheguei foi pra saravá.
(RIBEIRO, 1960, JONGO DA SERRINHA, 2001, p. 8)

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Posteriormente conhecido como Mestre Darcy, será o principal introdutor
de mudanças no Jongo,como a presença de crianças, primeiro da Serrinha
e que depois irão espalhar às demais comunidades.

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Observe que

O Jongo se dança em terreiro e note-se essa denominação, que


também serve para os locais onde se praticam ritos feitichistas,
macumbas, Candomblés, etc. Essa é uma das indicações do sen-
tido religioso da dança...

Como prática afrodescendente, comunga o aspecto cosmogô-


nico da relação entre os seres, na qual é quase inexistem fronteiras
entre o sagrado e profano: Dona Laurides, jongueira de Barra do
Piraí, diz, à equipe de pesquisadores do IPHAN, que do final de no-
vembro até a quaresma, os tambores estão fechados, não se podendo
tocá-los. Na Umbanda e no Candomblé ocorre o mesmo preceito.
Ao contrário da fala de Aniceto, atualmente há consenso entre
as comunidades jongueiras em considerar sinônimos os termos Jongo
e Caxambu, sendo esse último largamente utilizado nas regiões do
Vale do Paraíba Fluminense e Paulista.
Com relação à origem e o significado da palavra jongo, temos
três hipóteses: Nei Lopes (1996, p 142) indica uma dança dos ovim-
bundu, de nome onjongo, conforme consta no Dicionário Português-
umbundu, de Grégoire Le Gennec e José Francisco Valente. No
mesmo verbete, discorda do filólogo Antenor Nascentes que vê o
vocábulo derivar de Jihungu, instrumento musical.
No documentário Feiticeiro da palavra (2001), o jongueiro Zé
Carlos, de Guaratinguetá, afirma que Jongo significa “saudade da
África”. Já em Jongos, calangos e folias (2007), o historiador Robert
Slenes, aposta na palavra do kikongo nzongo, presente no umbundu e
kimbundu na forma songo, que significa flecha ou bala. Diz que há
uma expressão em kikongo nzongo myannua, ‘a bala da boca’, isto é,
a palavra usada agressivamente e o provérbio umbundu “a palavra é
como uma bala”.
Finalmente, Antônio José do Espírito Santo5, traz o vocábulo
kimbundu nongo, enigma, adivinhação. Ji-nongonongo é o jogo de

5 RIBEIRO (1960, p. 26) Também aponta esse parentesco, mas não se apro-
funda nem assume, pelo que entendemos, essa posição.

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adivinhas, de charadas que, segundo o etnolingüista suíço Hèli Cha-


telain possui caráter talvez sócio-educativo, praticado pelos mais
velhos de uma comunidade. Conclui afirmando que

sendo Jongo uma manifestação muito antiga, de caráter transna-


cional, bem mais complexa do que imaginávamos, podemos con-
cluir também que a dança devia ter importância apenas acessória
nos eventos (talvez até, meramente eventual) no âmbito de um a-
tividade social, francamente, africana, muito ocorrente no Vale
do Rio Paraíba do Sul, de meados do século 19 até hoje. (ESPÍ-
RITO SANTO, 2008)

Estas hipóteses indicam que há muito que se pesquisar no


campo da cultura afrodescendente do Brasil. Esperamos que esse
texto cumpra a humilde tarefa de seduzir jovens e novos pesquisado-
res nesta empresa. Resta a nós – que nas palavras dos velhos jonguei-
ros, somos “pinto pequeno” – perceber se as proposições apresenta-
das são ou não contempladas pelo Jongo: a dança, o adivinhar, a
palavra-bala que fere com o peso do enigma. Quem mais se aproxi-
ma do correto? Não sabemos. Afinal de contas “segredo de parede,
barata sabe tudo”, diriam, com sabedoria, os jongueiros velhos.

A narrativa e a memória

Em seu clássico artigo sobre a narrativa de Nicolai Leskov,


Walter Benjamin (1994, p 198) nos diz que “a experiência que passa
de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores”.
Tal passagem traz, para o conceito primevo de narrativa, a associa-
ção com a arte de contar o mundo, apreendido através de saberes
vindos de terras longínquas e também acumulados na tradição. A
transmissão destes conhecimentos se dava principalmente pela orali-
dade.
À guisa de estabelecer a possível gênese do fenômeno narrati-
vo, SCHOLES e KELLOGG (1977) estudam um período nebuloso,
anterior à tradição grega da epopéia e, no mito, fixam a primeira
forma de narrativa de que se tem conhecimento. Para eles, mito e

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narrativa tradicional são sinônimos pois “mytos em grego tinha exa-


tamente esse significado” (Ibidem, p. 153).
Indo além, indicam três espécies distintas de narrativa tradi-
cional primitiva que observam na maioria das culturas: O conto po-
pular imaginativo, com função de divertir uma platéia; a lenda, conto
quase histórico e o mito sacro “que é uma expressão e justificativa
para a teologia, maneiras e moralidades primitivas” (Idibidem, p.
153).
O contador de histórias, desta forma, narrava o mundo e sua
ação de narrar se revestia de autoridade, pois era possuidor do res-
paldo da experiência compartilhada por toda uma comunidade. A
narrativa tinha como fim a transmissão de algum ensinamento, de
uma proposição moral, um conselho ou o divertimento. Mantendo-
se, durante muito tempo, pela tradição oral, essa narrativa necessita-
va de um corpus coletivo, narrador e ouvintes, para existir.
Das formas apontadas anteriormente, o mito sacro é a mais an-
tiga e mais arraigada à tradição:

Antes que o relato de histórias houvesse alcançado um grau de


sofisticação suficiente para fazer da diversão ou do registro histó-
rico sua alçada, deve ter estado a serviço da teologia primitiva.
Os mitos sacros acham-se arraigados nos mais vitais interesses da
raça humana. (SCHOLES; KELLOGG, 1977, p. 154)

Esta narrativa caracteriza-se por ser fortemente cerrada, ha-


vendo em cada evento uma significação que se encaixa nos demais.
Ao final, o entrelaçamento de todos eles nos remete a uma significa-
ção de ordem cósmica, universal, explicadora da origem de um fe-
nômeno natural. É a função etiológica do mito que sempre mantém
uma relação significativa com a vida humana e sua existência na
Terra.
Essas facetas do mito sacro, e de sua narrativa, configuram-se
enquanto tentativa de apalpar o desconhecido, de o homem intervir
no caos do universo, dando continuidade ao descontínuo da doença,
das catástrofes, do mistério da morte, através das palavras que, ao
serem transmitidas, adquirem valor de verdade e de sagrado. Narrar é

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uma forma de ordenar a desordem, subjugar o desconhecido, anular o


esquecimento, perpetuando a existência.6
A contaminação das narrativas originais por outras oriundas de
culturas com que se mantivessem contatos comerciais ou bélicos, por
exemplo, acaba por diversificar a série de eventos narrados.
O significado de ordenação cósmica não desaparece porque, a
transmissão de conhecimentos realizada, delineava narrador e narra-
tiva enquanto mediadores das relações efetuadas entre o mundo e os
homens, operacionalizando uma ação de abrangência totalizadora do
real.
Nada escapava ao narrar, toda experiência narrada segue ao
encontro do reconhecimento. Os homens se reconheciam no ato de
contar suas histórias. Recontá-las infinitamente significava o domí-
nio humano sobre o cosmo e a confirmação de que ele é revelador de
saberes, multiplicando-os. A linguagem é o meio pelo qual as coisas
se manifestam e adquirem significados. A realidade existe como tal
porque o homem impõe às coisas relações instauradoras de uma certa
configuração.
Na medida em que as sociedades vão se tornando mais com-
plexas, tornam-se necessárias outras formas de mediação entre o
homem e aquilo que o cerca. O canto, a dança, a música, o gestual
irão preencher lacunas deixadas pela narrativa. É na união do corpo
humano-natureza, que será reconfigurada a conjunção ancestral ge-
radora do universo.7
Sabemos, através dos Jongos, que os negros escravizados tive-
ram que pôr em prática suas habilidades de dizer de modo indireto.

6
Há de se lembrar que, nos portos de embarque de escravos, havia a árvore
ou portal do esquecimento. Homens e mulheres eram obrigados a dar, res-
pectivamente, 9 ou 7 voltas ao redor deste e em sentido horário. As memó-
rias, o passado, a cultura e a identidade eram ritualisticamente esquecidas,
rompendo todos os vínculos, todos os laços de pertencimento. Deste mo-
do, os cativos perdiam a condição de viventes, convertendo-se em mortos
em vida.
7
Nesse sentido, as experiências narrativas na diáspora revivificavam os
cativos, anulando o ritual da árvore do esquecimento

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Através de metáforas percebidas por seus iguais, os antepassados e


as forças metafísicas eram reverenciados:

Papai era negro da Costa,


Mamãi era nega banguela,
Papai começô gostá de mamãi,
Foi e casô cum ela.
(ARAÚJO, 1964, p. 203)

A dura vida no eito que obrigava os negros a acordar antes do


nascer do sol, após cinco ou oito horas de sono, era mencionada de
modo jocoso:

Aquele diabo de bembo zombou de mim


Não tenho tempo de abotoar minha camisa,
Aquele diabo de bembo zombou de mim
(STEIN, 1990, p. 198)

A palavra bembo8 parece referir-se a mbembo, do kikongo9:


voz, nome próprio (homem ou mulher); briga; ou do kimbundu
mbembo, repetição de um som reenviado por um corpo duro, eco
conforme registram Pacheco e Slanes (2008, p. 178). Dessa forma, os
fatos narrados reconstroem as fissuras provocadas pela diáspora.

Ética ancestral

As manifestações culturais dos escravos negros no Brasil não


seguem o paradigma ocidental, marcado pela divisão social do traba-

8
Na gravação feita pelo pesquisador norte-americano não fica claro se é
dembo que, neste caso, viria do kimbunbu ndembu autoridade superior ou
ndenbo, umbundu, rainha. (LARA E PACHECO, 2008, p.178)
9
Seguiremos a notação dos estudos internacionais sobre povos e línguas
africanos. Grafaremos termos nas línguas de origem em itálico somente
na primeira aparição.

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lho que modifica as relações entre os homens e destes para com o


conhecimento e a produção de mercadorias. Para tal divide-se em
nichos ultra-especializados à procura de maior eficiência. O trabalho
especializado torna-se a síntese de uma percepção da realidade não
mais baseada no todo e na integração.
O consumo diviniza-se e comprar torna-se um fim em si pró-
prio. Como sabiamente aponta José Saramago em Ensaio sobre a
cegueira, o futuro reserva a cegueira da alienação.
Na cultura ancestral africana, o universo articulava-se de modo
cosmogônico, isto é, em autocriação integrada: suas partes respon-
dendo pelas relações entre os homens, a natureza e os Deuses. De
maneira oposta, a tradição judaico-cristã, da qual somos herdeiros,
dualmente faz a separação matéria-espírito. Na tradição estudada,
essa dicotomia inexiste: céus, terras, natureza, trabalho, homens,
ancestrais e Deuses, todos interagem e se complementam ou, nas
palavras de Dias (2001):

Num universo sacralizado, qualquer ação do homem ganha cará-


ter ritual, direcionando-se para equilibrar a sua força vital com as
demais energias do cosmo. E convivem em continuum o mundo
dos homens, da materialidade, e o mundo invisível, dos ances-
trais e divindades. Sendo, pois, a vivência do sagrado total e coti-
diana, ela não exclui as emoções humanas, o prazer e a alegria: a
fé com festa que tanto intrigava os cronistas. (DIAS, 2001, p.
866)

Nas sociedades da África subsaariana, caracterizadas pela pre-


dominância da oralidade, o detentor da palavra possui a função de ser
o guardião das histórias e transmissor do conhecimento de seu povo.
A estrutura organizacional destas sociedades garante-lhe poderes
especiais, pois é através das suas palavras que os caminhos serão
iluminados e que as tradições são perpetuadas.
Cabe aos mais velhos esse papel, devido às experiências acu-
muladas durante sua trajetória existencial, cabendo-lhes a obrigação
de veicular o conhecimento aos mais novos a fim de perpetuar não só
a cultura, como também a História, conforme nos relata Padilha
(1995):

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O feito vivido - lutas internas, dissensões, genealogias, casamen-


tos intertribais, criações de novos grupos clânicos, etc. - nas soci-
edades africanas não letradas passava a ter estatuto de fato conta-
do e, com isso, preenchia-se o vazio lacunar da não escrita e a
História se disseminava pela voz. (PADILHA, 1995, p. 16)

É nessa comunhão que o mundo passa a ter sentido e a sabedo-


ria pode ser transmitida para toda a comunidade. Ação coletiva, fruto
dos diversos relatos aos quais se tem acesso, é identificatória, pois,
conforme diz Benjamin (1994, p. 200), “o narrador é um homem que
sabe dar conselhos”.
Para a existência de um aconselhamento, faz-se necessária a
aproximação entre a vida e aquilo que se conta, tornando aquele que
narra em sábio, em função de seus conselhos serem tecidos “na subs-
tância viva da existência” (Idibidem, p. 200).
Ronilda Ribeiro refere-se ao universo africano como uma i-
mensa teia de aranha: “não se pode tocar o menor de seus elementos
sem fazer vibrar o conjunto. Tudo está ligado a tudo, solidária cada
parte com o todo. Tudo contribui para formar uma unidade” (1996, p.
41).
Essa unidade realça o cuidado com a ecologia e com o bem-
estar das pessoas. Tanto o mundo natural, ecologia, quanto o mundo
social, estão em harmonia no que tange a uma visão unificada do
universo. Sem o respeito e a preservação aos elementos naturais não
é possível ter uma vida social saudável e, inversamente, a vida social
sã é impossível sem uma natureza também sã.

A terra, terreiro e resistência

Lugar da celebração entre homens, ancestrais e natureza, con-


forme nos diz Silva (2006, p. 41), “era guardiã dos mortos, a servido-

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ra dos vivos e a promessa dos vindouros. Pertencia a todos eles, no


tempo e na eternidade”.10
As cerimônias dos candomblés da Bahia e do Rio de Janeiro
iniciam-se pela saudação aos orixás africanos e aos caboclos, consi-
derados como donos da terra. Na Umbanda ocorrem ritos iniciais
semelhantes e no Jongo, temos os chamados pontos de abertura, no
qual os antigos jongueiros são reverenciados.
Na diáspora a posse da terra é vedada, mas os cativos constro-
em, tomam posse e defendem o terreiro, espaço de chão batido en-
frente às senzalas, onde se canta e dança. O terreiro difunde e recria,
através de suas atividades, não uma cultura monolítica, mas conhe-
cimentos, concepções filosóficas e estéticas, formas alimentares,
música, dança: um patrimônio de mitos, lendas, refrões, em constan-
te recriação, pois são respostas às demandas da realidade vivenciada
por negros reunidos no cativeiro.
É pólo irradiador de complexo sistema cultural no qual as ma-
nifestações orais, histórias sagradas, contos, adivinhas, lendas, ex-
pressões do canto, constituem um de seus elementos, que deve ser
compreendido em função do todo, isto é, do momento em que ocor-
rem, dos partícipes, os instrumentos utilizados e demais nuances.
À medida que as repressões aumentam, o negro abriga-se na
roda para cantar, dialogar, e discutir a reconquista do terreiro e da
liberdade, como mostra esse ponto de Guaratinguetá:

Foi na beira do mar


Eu vi ogum guerrear
Ele jurou bandeira
Ele tocou clarim
Com seu exército todo
Ele lutou por mim
(DIAS, op. cit., p. 874)

10
Os territórios que passam de uma tribo a outra não perdem os laços com o
ocupante anterior. Pode existir, no seio da tribo ocupante, um descendente
da etnia que outrora habitava aquele solo e este será conselheiro com po-
der de veto. Caso não haja um descendente vivo ou a terra conquistada
agora já tenha pertencido a outro povo, são feitas oferendas para os ante-
passados destes.

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Se o corpo é cativo, o imaginário, ente intangível, coletiva-


mente constrói saberes, ofícios, modos de fazer, lugares e formas de
expressão. Disto sabiam as tias baianas do início do século, sendo
Ciata a mais famosa delas. Também eram sabedoras do segundo pilar
das tradições africanas: a família. Não se trata da noção ocidental
e/ou burguesa de família. Para as comunidades de terreiro, os mem-
bros da família não só possuem laços consangüíneos, mas espirituais.
A casa está sempre aberta e acolhe a todos que a procuram,
tornando-se núcleo de resistência e abrigo. Todos, em vida comunitá-
ria, comungam e partilham o pão, as dores, tristezas e alegrias e rea-
valiam seus códigos comunicativos.
Teobaldo (2003, p. 11) ao perceber que, a partir de 1970, ocor-
re a fragmentação na vida social das comunidades do trecho entre
Campos e Paraty, desalojadas por conta da especulação imobiliária,
mostra que tal fato “exigiu das culturas orais-rítmicas como Jongos -
que têm seus fundamentos assentados nos laços familiares - uma
reavaliação urgente de seus códigos de comunicação”.
A migração para a cidade provoca, nestas culturas, a incorpo-
ração de novos temas no seu universo, a fim de serem mantidas as
suas funções:

Não há outra forma de compreender as culturas de terreiro, se


não pela sua utilidade. Cantos de trabalho, terços cantados, rodas
de Jongo, tudo isso é utilitário. Simplesmente porque é necessá-
rio. Socializa ações. Comunga identidades. (...) a cultura oral so-
breviveu e ainda sobrevive, como no caso do Jongo rural de An-
gra dos Reis, porque aprendeu a superar os limites geográficos ou
políticos que poderiam enfraquecer a sua resistência. (TEO-
BALDO, 2003, p. 12)

As culturas de terreiro narram, segundo princípios de uma es-


tética singular, as transformações sofridas nas suas realidades parti-
culares. Ao observá-las, pode-se perceber semelhanças e diferenças
em seus processos de identificação e resistência.

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No Jongo, o processo de escolha temática e estruturação cole-


tiva remete-se à rememoração ou reatualização de tradições ances-
trais comuns a esses escravos. Devido às trocas simbólicas na diás-
pora, tais elementos e situações vão se modificando para se adequar
às novas demandas.
A narrativa, como dissemos, se faz necessária na etiologia isto
é, na busca da origem e causas da vida humana e, para os bantu essa
narrativa viria carregada de poesia e musicalidade. O missionário
Karl Laman, ao pesquisar os costumes dos integrantes do grupo kon-
go ao norte do Rio Zaire, diz que homens e mulheres “irrompem ao
canto pelo mais mínimo pretexto em qualquer ocasião” (The Kongo,
vol. IV, pp. 83-4 apud SLANES 2008, p. 126).
Ele também percebe que os corifeus compositores de novos
versos são respeitados, acenando para a cumplicidade necessária
entre assistência e solista. A habilidade no canto não se restringia às
atividades lúdicas ou religiosas, uma vez que estava presente nas
demandas jurídicas, envolvendo desafio e réplica, conforme Willian
Holman Bentley:

Nos tribunais as canções transmitiam advertências, instruções e


admoestações, assim como também alusões ao andamento e des-
fecho do caso. Freqüentemente um homem [enfrenta] outros ho-
mens que cantam e agitam seus chocalhos (BENTLEY apud
SLANES, 2008, p. 126-7)

Como os cativos em África passavam cerca de três anos juntos


antes da seleção e embarque rumo ao Novo Mundo (MUKUNA
2000), havia tempo hábil para permitir a construção de um estoque
cultural entre os escravos que já chegavam, por exemplo, falando
uma ou várias línguas comuns, seja kikongo, kimbundu ou umbundu,
usadas no comércio de escravos, sendo que estudos mais recentes
indicam a proeminência da primeira como o idioma falado nas senza-
las do sudeste. (SLANES, op. cit.)

Sob o som do tambu

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Oi Tambu, oi tambu
Quando eu for me embora pra bem longe
Quando eu for me embora pra bem longe, eu levo comigo
Ah esse som bate forte em meu coração
Tim tim tim tim tim, oi tambu
Tim tim tim tim tim oi tambu

Tanto esse ponto cantado pela comunidade de Guaratinguetá,


quanto o relato de Totonho11, um de seus jongueiros, mostram a im-
portância vital do tambor para as comunidades negras:

O tambor é realmente um instrumento muito respeitado no Jongo.


Porque ele recebe um nome, também significa como se fosse um
orixá pra gente ali. Então ele tem que ser saravado, ele tem que
ser respeitado, ele tem que ser cumprimentado na roda de Jongo,
porque ele é um respeito. Sem o tambu o Jongo não sai. (...) É o
tambu que fala. E a gente transmite tudo que pode através do som
pra eles lá. É uma mensagem. (DIAS, 2001, p. 870)

A quantidade de tambores no Jongo é assunto controverso.


Grande parte dos pesquisadores indica que são dois ou três os tambo-
res do timbre grave para o agudo.
Délcio Teobaldo, no entanto, afirma que originalmente havia
apenas um único tambor. Os demais timbres seriam executados com
uma tabla de folha de bananeira seca percutida diretamente no chão,
ou com uma vara de madeira batida diretamente no corpo do tambu,
prática ainda realizada por várias comunidades.
Ressalta ainda que, dadas as condições de sujeição dos escra-
vos no eito, era impossível, na prática, conseguir escavar, em madei-
ra, dois ou três tambores diferentes e prepará-los sem a perda de
desempenho produtivo dos envolvidos com esta tarefa. Ele percebe
que a constante reiteração dos entes que compõe a comunidade de
terreiro, o mais novo, o mais velho e o ancestral, fez com que essas

11
José Antônio Marcondes Filho.

15
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

três vozes, primeiramente existentes no plano simbólico, fossem


relacionadas, posteriormente, aos tambores.
Não existem provas documentais ou relatos que corroborem
sua argumentação; ela é calcada no aspecto pragmático da vida sob o
cativeiro. Além disso, muitos jongueiros informam existir uma série
de preceitos de cunho religioso na confecção de um tambor que vão
desde a lua certa para se derrubar a árvore12, o tempo de secagem, o
momento de se matar o animal que fornece o couro.
A atual literatura sobre o Jongo, sobretudo os relatos nas pes-
quisas de Stanley Stein mostram que, quando era dada permissão
para o Caxambu, escravos e negros-forros de várias regiões compa-
reciam às rodas. Podemos especular que seria perfeitamente provável
que levassem seus instrumentos.13
Divergências à parte, a denominação genérica do tambor da
área dos bantu é angoma14. Essa palavra deriva do termo ngoma,
oriunda do kimbundu ou kikongo. Por ampliação, a própria roda de
Jongo, às vezes, recebe esse nome.
O tambu, maior de todos, apresenta outros nomes dependendo
da região, como caxambu, papai, ou guanazamba. As madeiras prefe-
ridas para sua execução eram suinã, canjerana, bico de pato, orelha
de negro, ou algumas espécies de cedro. Escavado, tem comprimento
de 80 centímetros (mais utilizado por razões acústicas) até mais de
1,5 metros e cerca de 40 centímetros de diâmetro.
Normalmente, o tambu é colocado no chão, e o tocador monta
nele, percutindo-o com as mãos. O couro é molhado com pinga, de
maneira carinhosa, e aquecido na fogueira para manter a afinação.

12
A confecção de um tambor é um grande segredo. Os jongueiros velhos
sempre desconversam e os mais novos dizem não saber como fazê-los.
Ouvi de vários jongueiros que não se cortava a árvore, deveria esperar
que ela caísse.
13
Uma das coisas mais espetaculares da pesquisa nas tradições orais negras
é o fato de que uma série de elementos permanecem ocultos, aguçando a
imaginação e a curiosidade.
14
Também chamado de ingoma, engoma, angona, angomba.

16
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Candongueiro é o nome dado ao tambor médio medindo entre


40 a 60 centímetros e o menor chamado de guzunga ou cadete. A
confecção destes é semelhante à do tambu.
Algumas comunidades15 utilizam-se da puíta ou angoma-puíta:
Uma barrica, sem fundo, encourada na boca. No seu interior, preso
ao centro do couro, há um pequeno cilindro de madeira ou bambu,
friccionado com um pedaço de pano úmido ou com a própria mão
molhada, com isso se consegue um som surdo, por isso é conhecida
como boi ou onça. Seu tocador é também chamado de maquinista. É
a precursora da cuíca.
Perceber o tambor como um dos principais elementos da cultu-
ra afro-brasileira nos leva a uma viagem no tempo e no espaço. Sua
existência e função primeva relacionam-se com a necessidade de o
ser humano integrar e superar a phisis, isto é, a matéria, a natureza
explícita.
Por esse motivo, tambor, para o negro africano torna-se elo re-
lacional entre os planos terreno e metafísico, pois agrega a força vital
do animal que fornece o couro, do vegetal que cede a madeira e a da
terra, que fornece o alimento para os últimos e a fixação de tudo com
o uso de minerais metálicos. Por último, o fogo, além de ser utilizado
para escavar o tronco, é fundamental para garantir a afinação do cou-
ro.
Como bem afirmou Délcio Teobaldo16, o tambor é vazio, oco
por dentro. Abre-se a (e para) uma nova dimensão absorvendo e
transmitindo as energias armazenadas nele e da comunidade que o
invoca.
Dessa recombinação emerge um ente de energia plena, capaz
de encapsular a alma dos antepassados e a essência das divindades: É
a partir do toque dos atabaques que será possível o transe, (re) liga-
ção entre os planos da existência.

15
A comunidade de Santo Antônio de Pádua é uma das poucas que vi utili-
zando-a.
16
Informações colhidas durante ciclo de palestras: Jongá, cantos de traba-
lho e orgia, no auditório da Caixa Cultural, Rio de Janeiro, entre 06 e 20
de novembro de 2007.

17
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Atualmente, várias comunidades utilizam-se de instrumentos


industrializados, como o Jongo de Piquete; no interior paulista, po-
rém, a maioria das comunidades possui e utiliza instrumentos artesa-
nais.

A dança

Dispostos em círculo, os participantes são a assistência, com-


posta por convidados da comunidade ou, atualmente, espectadores
comuns, os instrumentistas e os jongueiros dançarinos. Não eram
admitidas crianças e os mais jovens ficavam de fora observando. A
roupa, branca ou alva, poderia ser especialmente reservada para a
atividade ou ser roupa comum. Os pés, descalços em contato com o
chão de terra batida. As mulheres sempre usavam saia rodada. Os
jongueiros movimentam-se no sentido anti-horário17.e o primeiro
passo sempre é dado com o pé direito acompanhando a batida do
tambu.
Os dançarinos, conforme observa Ribeiro (1960, p. 47), “fa-
zendo um balance de dois ou três passos e viram à direita e esquer-
da” numa espécie de simulação de abraço. Um casal realiza, no cen-
tro da roda, um solo até que seja substituído por outro.

Narrativa com poesia ou poética na narrativa: o ponto de jongo

Do mesmo modo que na Umbanda e no Candomblé, o cântico


entoado pelo jongueiro chama-se ponto. Ao contrário das primeiras,
no Jongo há somente os símbolos orais e, portanto, pode ser falado
ou cantado primeiramente pelo solista, com versos livres improvisa-
dos e tem o refrão respondido por todos.

17
O sentido é o oposto ao do realizado no ritual da árvore do esquecimento,
conforme falamos (Cf. nota 5).

18
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Deve-se atentar para o fato de os jongueiros utilizarem as ex-


pressões tirar ou jogar um ponto quando se referem a iniciar o canto.
Entendemos tal procedimento situado no código de coletividade que
a roda exige: Ninguém o faz. Fazer significaria ato solitário e indivi-
dual e a dinâmica do processo não fixa autores e sim o próprio grupo.
Dessa forma, a autoria dos pontos não é mais importante do que ne-
nhum dos partícipes que precisam reconhecer nele a força de fazer a
roda girar.
Além disso, quando se “tira” algo é porque ele já existia, era
imanente à comunidade que comunga, toma parte do que é dito. Jo-
gar está no campo semântico da diversão e, ao mesmo tempo da des-
treza. Só joga aquele que bebeu bastante da tradição jongueira, a-
prendendo e apreendendo seus mistérios, preceitos, metáforas e ma-
lícias.

Cheguei na angoma
Tinha muita diferença
Quero cantar meu pontinho
E meus pais velhos dão licença.

Tia Luiza e os demais jongueiros de Angra dos Reis costumam


abrir assim suas rodas. Avisam que chegaram para o Jongo e pedem
licença aos mais velhos. É um ato de respeito às regras de compor-
tamento.
Quando algum jongueiro deseja cantar outro ponto, interrom-
pendo o anterior, grita: “Machado!” ou “Cachuêra!”. Ambos são
elementos de corte, interrupção. Os tambores imediatamente se ca-
lam e a dança cessa até que se tire um novo ponto.
No período escravista, o espaço criado com a dança no terreiro
representava um raro momento de comunicação da comunidade cati-
va. Todas as mensagens de apelo, críticas articulações e pedidos
eram executados através do ponto que, metaforicamente, se torna
ímpar ao tirar partido da percepção de a cultura hegemônica conside-
rar o negro incapaz de maiores refinamentos expressivos:

Junta, junta mosquito-polva


Marimbondo chegou agora.
19
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Era desse modo que os escravos sabiam que algum outro cati-
vo estava sendo castigado e corriam para acudi-lo, conforme relatou,
aos pesquisadores do IPHAN, uma jongueira de Santo Antônio de
Pádua, infelizmente não identificada.
Mas o ponto nunca converge para uma única direção, uma vez
que nele passam infinitas retas. Deste modo, podemos ler a metáfora
do ponto de outro modo: apesar de ser diminuto e frágil, por isso
comparado aos escravos, o mosquito-pólvora ou maruim, endêmico
nas regiões de manguezal, possui uma picada dolorosa que provoca
inchaço e, em alguns casos, febre.
Em oposição a ele, está o marimbondo, representação do feitor
ou do Senhor. Muito maior que o mosquito e dono de um ferrão que
inocula veneno poderoso, tem hábito solitário. O ponto exorta a uni-
ão guerreira dos pequenos contra o grande opressor.
A linguagem dos jongueiros é dúbia, com imagens aparente-
mente simples, tomadas da realidade próxima (natureza, plantas, o
trabalho da roça, os animais). O sentido atribuído a entes é movedi-
ço, pois as decifrações dos códigos cantados eram exclusivas às co-
munidades, vigiadas continuamente por feitores, intendentes ou por
brancos que se aproximavam da roda para buscar diversão, como nos
informa D.ª Zé, jongueira de Guaratinguetá (Apud DIAS, op. cit., p.
875):

os escravo, num podia comunicá com ninguém, eles não tinha li-
berdade, né? Então, quando eles entrava na senzala é que eles
iam participá um co outro. Então, no meio eles faziam a roda de
Jongo e, ali, cada um cantava o Jongo falando o que queria falá,
mas sobre... pela canção. Daí, um entendia o que tinha que sê fei-
to. As vezes o que se passô no dia, o que ia acontecê. Então, um
já avisava o outro. E, era por meio de ponto de Jongo que era
comunicado as coisa.

Algumas danças de escravos, como o lundu, chegavam aos sa-


lões da casa grande. Do lado de fora, ganha corpo e se desenvolve

20
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

uma poética de compreensão interna que ainda hoje se atualiza nos


obscuros pontos de jongo.
As descrições sobre as rodas de Jongo costumam classificar os
pontos de acordo com o momento em que eles ocorrem ou assunto
principal. (RIBEIRO, 1960; GANDRA,1995):
Abertura ou licença: cantado no início dos trabalhos para pedir
licença;
Louvação: saudação dirigida a algum antepassado jongueiro,
ao dono da casa e/ou o local da roda;
Visaria ou bizarria: para alegrar e divertir os participantes;
Demanda, porfia ou gurumenta: desafio, exige que outro jon-
gueiro decifre seu código demonstrando sabedoria. Atualmente esses
pontos não são cantados em apresentações públicas;
De encante: carregado de magia e capaz de enfeitiçar o opo-
nente que não consegue desatá-lo. Há registros de jongueiros que
ficam desacordados ou catatônicos e, no dia seguinte, não se lem-
bram de nada que ocorreu. A preocupação de Aniceto do Império,
citada no início deste capítulo, encerra-se nesta característica do pon-
to;
De encerramento ou despedida: cantado ao amanhecer, sau-
dando a chegada do dia e encerrando a festa.
Do ponto de vista da dinâmica da roda de jongo, os pontos de
licença e louvação encontram-se em um mesmo momento, o início
do Jongo ou da chegada do jongueiro a este. Os pontos de visaria
expressam o cotidiano da comunidade e seguem em um segundo
momento18. Os pontos de demanda, gurumenta, gromenta ou goru-
menta, corruptela de argumento (DIAS, op. cit., p. 878), incluem os
de encante. Sua diferenciação estaria apenas calcada na intenção do
jongueiro em desafiar ou enfeitiçar alguém.

A água vai em riba e a pedra espia

18
Essa seqüência é feita sem pausas ou explicações que rompam a unidade
da roda.

21
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Como dissemos, não há fronteiras entre as práticas de fé e or-


gia na mentalidade dos bantu. Deste modo, o primeiro ato em uma
roda de Jongo é o de louvar os antepassados, o tambor, o terreiro e os
santos do dia:

Bendito, louvado seja


É o Rosário de Maria,
Bendito pra Santo Antônio
Bendito pra São João
Senhora Sant’Ana
Saravá meus irmãos
(JONGO DA SERRINHA, 2001, p. 46)

Peço licença a Deus


Nesta terra que eu piso
Nesta terra que eu piso,
(JONGO DE PINHEIRAL. In: JONGO DO SUDESTE,
2004, p. 39)

Saravá São Benedito


Nossa Senhora do Rosário,
(JONGO DO QUILOMBO DE SÃO JOSÉ, 2004, p. 52)

Cheguei na angoma
Tinha muita diferença
Quero cantar meu pontinho
E meus pais velhos dão licença.
(Tia Maria Luíza, de Angra dos Reis In JONGO DO SU-
DESTE, 200, p. 39)

Quando eu aqui cheguei


Padre, Filho, Espírito Santo
Se eu me benzer primeiro
Por causa de algum quebranto.
Um quebranto,
Se eu me benzer primeiro
Por causa de algum quebranto
(Idibidem, p. 41)
22
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

A abertura mostra a ligação entre o jongo e as práticas religio-


sas bantu que vão se cristalizar na umbanda e no candomblé.
Há profundas ligações entre a umbanda e o Jongo: Em diver-
sas comunidades os participantes são seus adeptos, como Vovó Ma-
ria Joana Rezadeira, da Serrinha-RJ, Mãe Teté, do Quilombo de São
José-RJ, Dona Mazé, do Jongo do Tamandaré-SP. Porém, isto não
representa uma restrição aos participantes e há muitos que se autode-
claram católicos, mesmo que exibam símbolos das religiões de matiz
africano.
Tal fato mostra o papel híbrido das relações religiosas brasilei-
ras. O catolicismo, que se impôs ao escravo, não conseguiu destruir
suas crenças. Aquilo que, à primeira vista parecia um rito católico
era subvertido através do fingimento, conforme relato de Carmo
Moraes no documentário Morre congo, fica congo: “Eu entrava no
jongo, primeiro me benzia: Bendito louvado seja, bendito seja louva-
do. Bendito louvado seja, bendito seja louvado. Quer dizer tá ben-
zendo e desbenzendo”.
Assim, não se louvam os elementos do opressor. A festa é dos
negros e de suas simbologias:
Eu vou abrir meu Cangoê
Eu vou abrir meu Cangoá
Primeiro eu peço a licença
A rainha lá do mar
Pra salvar a povaria
Eu vou abrir meu Cangoê
(JONGO DO TAMANDARÉ. In: FEITICEIROS DA PA-
LAVRA, 2001)

Eu vim aqui
E não vim pra demorar
Eu vim cumprimentar
O povo desse lugar
Eu cheguei aqui no Jongo de pé no chão
No balanço dessas ondas vim lá de Angola
Arrastei o pé na´ngoma poeira sumbiu
Pra pedir a proteção de Mamãe senhora
23
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

La, la, ê, ia, la, i,ê l,a la, eiê

É importante notar a presença de verbos de movimento nos


pontos. A louvação é o momento da chegada que é breve, somente
no período do Jongo, mas sempre se está fazendo algo, seja um ges-
to, um pedido. Os corpos estão no movimento da dança ritmado pe-
los tambores e as vozes fazem coro para o ponto tirado. O Jongo é o
próprio tambor, ngoma onde se arrastam os pés descalços e a poeira
do terreiro sobe. O congo se abre.
O jongueiro Zé Carlos traduziu Jongo como saudade. Provável
que seu pensamento tenha sido influenciado por uma série de pontos
em que ela transpareça. A saudade da terra natal, dos antepassados,
daqueles que ainda estão entre os vivos e que chamamos de irmão,
amigo:

Oi, amigo meu eu quero cantar um pontinho memo que tudo po-
de cantar e depois tudo pode gatinhá, pra nóis brincá sossegado.
Oi quando eu sai de casa, eu moro no bairro do Selado desse
memo município Natividade da Serra, mai conversa com São Lui
do Pairaitinga e tem contato com São Lui do Paraitinga. Oi, meus
amigo

Eu num vim aqui pra mais nada


Eu vim aqui pra sentir saudade
Eu vim aqui mai nada
Eu vim pra senti saudade (refrão)
(MESTRE JOVIANO, 29/05/93 Festa do Divino. In: BA-
TUQUES DO SUDESTE, 2002)

A primeira parte desse ponto é falada, com um eventual toque


do tambor e o chocalhar do inguaiá. Nele, Mestre Joviano louva aos
presentes na festa e inicia seu canto em tom de lamento. Ele conta de
onde vem, um município próximo mas que aparentemente o afasta de
seus amigos. Na segunda parte de seu ponto, onde haverá o canto
propriamente dito, falará da saudade.

24
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Quando o ponto firma, ou seja, é repetido pelo coro, improvisa


novos versos respontidos pelo refrão: “Converso com meus amigos”,
“No toco de jongueiro”, “Em São Luís do Paraitinga”, “O reino é do
Divino, gente”. Agora a saudade , diverte, une. O ponto seguinte, do
Jongo do Tamandaré (SP), faz da saudade louvação: É a partir dela
que os jongueiros mortos da comunidade do Tamandaré serão invo-
cados:

Sinto saudade
De quem se foi (bis)
saravá Canário Zumba
n’Aruanda
Sinto saudades de quem se foi
Saravá o meu filho
n’Aruanda
(as Alma Preta)
(Zé capelão)
(Dito Prudente)
(...) nAruanda

Vovó Teresa jongueira e mãe de Mestre Fuleiro, um dos fun-


dadores da Escola de Samba Império Serrano, conta a sua saída de
Paraíba do Sul até Madureira. Vendo a fumaça do trem de ferro,
lembrava das chaminés dos navios no Rio Paraíba:

Vapor da Paraíba
Vapor berrou na Paraíba,
chora eu, chora eu Vovó.
Fumaça dele na Madureira,
e chora eu.
O vapor berrou piuí, piuí.
Ô irê, irê, irê,
ô irê, irê, irê .
(JONGO DA SERRINHA, 2002)

25
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

O tempo do cativeiro é relembrado em uma série de pontos.


Neles podemos perceber o uso de expressões em kinbundu, bem
como as sutilezas metafóricas dos cativos para informar a presença
repentina do Senhor na roça:

Lá vem o navio
Apinhado de escravo,
Vem da África trazendo
Esse povo maltratado!...
(AGUIAR, s/d)
Ei campo, quimô
Ei campo quimô
Piquira ta curiano
Piquira ta curiano ê...
(RIBEIRO, 1960, p. 24)

Ribeiro informa que piquira significa peixe pequeno e se mi-


metiza no escravo. Lopes (2004) informa que curuar origina-se do
kimbundu Ku-dia, com correspondente ao umbundu Kulya e signifi-
ca comer. Os versos anteriores significavam perigo, pois o campo
queimou. Como os peixes poderiam ficar se refestelando? Nesse
sentido, os escravos intensificavam o trabalho. Caso não houvesse
tempo de se avisar os companheiros, cantava-se:

Cumbi viro ei, ei, ei


Cumbi ,a ,a ,a.
(Idibidem, p. 24)

Cumbi vem de Kumbi, o sol, símbolo de autoridade e que re-


presentava o Senhor ou o portador do chicote, portanto revestido de
autoridade. Slanes (Op. cit., p. 130) nos informa da existência desse
vocábulo em kimbundu e umbundu, bem como da expressão o “sol
virou” ou “o sol nasceu” que significa “acorde, tome cuidado”.
Deve-se observar que, se há o uso de expressões em kimbun-
du, os escravos, além de entendê-las, delas fazem uso. Significa dizer
que há indícios de que a língua das senzalas do Vale do Paraíba era
26
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

uma versão simplificada do kikongo e não a Língua Portuguesa,


como a historiografia da escravidão assiná-la.
Questões lingüísticas à parte, os pontos vão desvelando mais
aspectos da vida escrava, inclusive este, presente no romance Til de
José de Alencar, cuja primeira edição é de 1872:

Na roça estavam os pretos no eito, estendidos em duas fi-


las, e no manejo da enxada batiam a cadência de um canto
monótono, com que amenizavam o trabalho:
Do pique daquele morro
Vem descendo um cavaleiro
Oh! Gentes, pois não verão
Este sapo num sendeiro?
Adubavam o mote com uma descomposta risada e logo a-
pós soltavam um riso gutural:
– Pxu! Pxu!
Tem os pretos o costume de entressacharem nas toadas ha-
bituais, seus improvisos, que muitas vezes encerram epi-
gramas e alusões. Bem desconfiavam, pois, o feitor de que
a tal cantiga bulia com ele, e o sapo não era outro senão um
certo sujeito bojudo e roliço, de seu íntimo conhecimento;
mas fingia-se despercebido da coisa. (ALENCAR, [s.d.], p.
29)

O canto serve ao trabalho, mas também à ironia. A desconfi-


ança do feitor deixa transparecer o uso da palavra irônica como arma.
A possibilidade de compreensão do ponto se dá pela permissão do
cativo que poderia usar de uma expressão mais cifrada ou em kikon-
go.
Quando proibido de usar expressões africanas já era especia-
lista em modificar o sentido das coisas para planejar fugas, como
neste ponto relatado por Salvino Pereira Rodrigues, jongueiro já
falecido de São Matheus, Espírito Santo:

O galo já cantô bem cedo,


Levanta que chegô a hora,
Capitão-do-Mato tá durmindo,
27
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Não chora por mim, não chora!...


(AGUIAR, s/d)

O “galo” aqui, com certeza, representa outro escravo que lide-


ra a fuga sinalizando o momento em que ela deve ocorrer. Recaptu-
rado, serviria de exemplo para intimidar. Porém, o castigo cantado,
transforma-se em foco de resistência:

O chicote cumeu no lombo,


Coitado do nêgo fujão,
Mais vale tentá fugí
Que vivê na provação!
(AGUIAR, s/d)

No dia 13 de maio
Quando o senhor me batia
Eu gritava por Nossa Senhora, meu Deus
Quando a pancada doía.
(CAXAMBU DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA. In:
JONGO DO SUDESTE, 2007).

O sofrimento do eito é bastante recorrente nos pontos que a-


presentam a escravidão. Neste da comunidade de Pádua, temos um
13 de maio anterior à abolição. E o castigo ao negro. Mas o sonho de
liberdade permanecia vivo, conforme diz Salvino Rodrigues,

“se ficasse aceitando o chicote do sinhô, ele ia passá a vida toda


apanhando, então era priciso tentá a fuga pros mato, onde vivia
outros nêgo em liberdade nos quilombo. Se o Capitão-do-Mato
pegasse ele e trouxesse de volta pra fazenda, ele ia apanhá na
frente de todos, mais se não fugisse ele tombém ia apanhá pra
sirví de exemplo; então era melhó tentá fugi”. (AGUIAR, s/d.)

Era correta essa observação, uma vez que fugitivos reinciden-


tes eram acorrentados uns aos outros e levados aos campos:

28
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

O canarinho tão bonitinho, que está preso na gaiola


Pra quê correntinha no pé, pra quê?
(STEIN, 1990, p. 172)

Paulatinamente, teremos a valorização dos símbolos da negri-


tude. A África é apresentada como mãe, uma metáfora bastante re-
corrente. Os sons do tambu e do candongueiro são comparados ao
choro e soluços. As memórias do cativeiro se transformam em sím-
bolo de resistência cultural negra:

O Mãe África
Vem lembrar seu cativeiro
O como chora meu Tambu (ai meu tambu)
Oi como chora o Candongueiro (ai candongueiro)
De tanto soluçar, soluçar, soluçar
Vai molhar o meu terreiro
Axé

STEIN (Op. cit., p. 302-3) conta que ao saber da proclamação


da Lei Áurea, os tambores reverberaram por três dias e três noites,
tocando o caxambu. Ouviam-se pontos inspirados na hesitação do
Imperador contrastando com o ato assinado pela filha:

Pisei na pedra
A pedra balanceou
O mundo estava torto
A rainha endireitou.

É notável a construção metafórica deste ponto. A forma verbal


“pisei” tem sentido de confiar ou apoiar-se em algo ou alguém. As-
sociando o nome Pedro à pedra, já que são sinônimos temos uma
crítica ao Imperador e elogio à firmeza de sua filha. Outro ponto vai
indicar a surpresa com que a notícia foi anunciada:

29
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Tava durumindo angoma me chamou


Ô se levanta povo o cativeiro acabou.

O cativo dorme e quem o acorda é o tambor. É o maior símbo-


lo da ancestralidade que lhe fala mostrando o novo tempo. E não fala
só para o indivíduo. Sua voz é o chamamento a toda povaria que se
levante e seja livre.
Estes pontos emblemáticos vão possuir formas variantes, seja
pela introdução de novos elementos ou pela mescla de versos entre
eles:

Pisei na pedra
Pedra balanceou
Levanta meu nego
Cativeiro se acabou!
(FEITICEIROS DA PALAVRA, 2001)

Pisei na pedra, a pedra balanceou


Falou mal da rainha ta me fazendo
Falsidade
Pisei na pedra, a pedra balanceou
Falou mal da rainha ta me fazendo
Falsidade
(PACHECO; SLENES, 2008, p. 186)

Nesse ponto em particular, nota-se a simpatia com que o povo


negro passa a ter com a Princesa Isabel. O que não ocorre com seu
pai:

Tava no genheco
Quando o imperador passo
Respondo bom dia se quisé
Pruque lovado já cabo.
(RIBEIRO, 1960, p, 34)

30
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Um Jongo de Angra dos Reis mostra que o negro deseja des-


truir os elementos que lembram o cativeiro:
Oi bota fogo na senzala
Onde negro apanhou.
(JONGO DO SUDESTE).

Com o passar do tempo, a realidade inquieta o liberto: Sua no-


va condição social o faz desempregado. Os mais velhos mendigam,
os jovens migram para regiões de melhor salário, como no Rio ou
São Paulo. Muitos permanecem no Vale do Paraíba fazendo acordos
com os antigos senhores. E o Jongueiro, criticamente cantou:

Ahi não deu banco p’ra nos sentar


Dona Rainha me deu cama, não deu banco p’reu me sentar.
(STEIN, 1990, p. 304)

Além do seu sofrimento, os jongueiros lançavam críticas às es-


truturas políticas que percebiam:

Com tanto pau no mato


Imbauva é coroné
(RIBEIRO, 1960, p. 31; STEIN, p. 248)

Esse ponto relaciona a embaúba (Cecropia peltata) árvore de


caule oco e considerada pobre por essa razão, e o coronel, é aquele
que manda. A união dos dois elementos comparados ao primeiro
verso “com tanto pau no mato” mostra o sarcasmo do jongueiro. No
mato há madeiras mais nobres que a embaúba e na comunidade, pes-
soas mais capazes na região, mas quem manda é o néscio.
Os pontos podem ter a significação alterada dependendo do
contexto onde está. Em Angra dos Reis, o Carmo Moraes canta um
ponto similar que se refere às intromissões de pessoas desconhecedo-
ras dos fundamentos do Jongo;

Com tanta madeira de lei nessa mata


31
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

E umbaúba é coronel.
(TEOBALDO, 2003, p. 72)

As disputas políticas foram assim cantadas:

Água com areia


Não pode cumbiná
Água vai embora
Areia fica no lugá
(RIBEIRO, 1960, p. 31)

A água é o fazendeiro novo, inexperiente, que não pode medir


forças com o velho e poderoso fazendeiro, metaforizado na areia. Do
embate, o mais forte vence. Observando a perseguição de movimento
político vencedor com seus adversários, dirá o jongueiro:

Macaco subiu no gaio


Os cachorro ta acuando
Ai uê i uê
(Idibidem, p. 33)

Os pontos vão desvelando a vida social das comunidades, suas


inquietações, as histórias e memórias. As relações de trabalho, sem-
pre desfavoráveis para o negro lembram a escravidão, conforme os
pontos de Santo Antônio de Pádua:

Trabalhei numa fazenda


Que não tem trabalhador
Perereca corta cana
Marimbondo é moedor

Trabalhei numa fazenda


Tem vergonha de contar
Canjiquinha no almoço
Pela égua no jantar
(BATUQUES DO SUDESTE, 2002)
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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Tais pontos apresentam um padrão de cifra que caracteriza os


pontos de jongo. Perereca aqui é o negro e marimbondo, o engenho.
No segundo, canjiquinha e péla-égua são sinônimos, isto é, uma sopa
de milho partido com carne e verduras.
A assimetria das relações de trabalho também é assinalada por
este ponto do Quilombo de São José (2004):

Eu plantei café de meia


Eu já plantei canaviá
Canaviá não dá lucro
Canaviá cachaça dá.

Na cidade, as coisas não mudam muito. Um jongueiro fô-


ra convidado para trabalhar em uma farmácia em Piedade, zona
norte do Rio de Janeiro. À noite, tirou esse ponto na Serrinha:

Eu num é doutô,
Eu num é “fermêro”.
Como vai tomá conta de butica na Piedade?

Eu num sabe lê,


Eu num sabe “crevê”.
Como vai tomá conta de butica na Piedade?
(GANDRA, 1995)

A ironia e a metáfora são, sem dúvidas, armas estético-


retóricas amplamente usadas nos pontos. Nas festividades há aqueles
que servem para comunicar jocosamente ao anfitrião de que os jon-
gueiros desejam comer e beber alguma coisa. Em Angra dos Reis,
Tia Maria Luiza recorda:
Zé, ô Zé, ô Zé
Saco vazio não se põe em pé,
ô Zé, ô Zé, saco vazio não se põe em pé.

33
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Ou este:

Tanta chuva que choveu


Na goteira não pingou
Tanta chuva que choveu,
Na goteira não pingou
Não pingou, não pingou,
Tanta chuva que choveu,
Na goteira não pingou.
(JONGO DO SUDESTE, 2007)

Segundo Terezinha Maria de Jesus, do Quilombo de São José,


ouve-se:

Bombeiro da bomba,
Bombeiro da bomba , me da um copo d'água
A sede me tomba
(QUILOMBO DE SÃO JOSÉ, 2004)

Em conversa pessoal, com Dona Su, lembrou-se um ponto:

Vovó me disse que hoje não vai chover


Vovó me disse que hoje não vai chover
Só toco o candongueiro se der água preu beber
Só toco o candongueiro se der água preu beber.

Em Angra dos Reis, Rosalvo Bernardo diria:

Carro sem boi não anda


E eu não canto sem beber.
(TEOBALDO, 2003)
Mas há também os pontos de demanda, onde o assunto é mais
sério: alguns são desafios à inteligência dos participantes, que devem

34
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

decifrar, com destreza, os enigmas ocultos nas metáforas, enfeitiçan-


do aqueles que não os desatem.
Delcio Bernardo, de Angra dos Reis, diz também que há os
pontos de demanda branda que adverte a respeito das tradições ou
para manter a ordem na festa:

Galinha assanha, não meche cum pinto


(QUILOMBO DE SÃO JOSÉ, 2004)
Neste ponto deseja-se proteger uma pessoa querida que está
sendo incomodada. O jongueiro diz que o problema passará a ser
dele que é mais forte e protegerá o amigo tal qual a galinha faz com
seus pintos.
Se um jongueiro chega depois de o Jongo ter começado e não
louve os antepassados, ouvirá a advertência:

Quem entra no meu terrero


Sem licença me pedi
Papai engole a casca
E não pode mais saí.
(RIBEIRO, 1960, p. 42)

A folclorista conta a história de um jongueiro que estava abo-


bado em uma roda de jongo em Cunha, SP, e que não encontrava sua
capa. Sua mulher e seus filhos, fora da roda o aguardavam apreensi-
vos e ele estava amarrado no Jongo. Seu companheiro decifrou o
ponto: Papai era o tambu, onde a capa estava escondida.
No meio de jongueiros mais velhos, o jovem jongueiro deve
respeitá-los, conforme mostrou Eva Lúcia, jongueira de Barra do
Piraí:

Oi dá licença galo velho


pinto novo quer sarava

Ou Delcio Bernardo:
Cheguei na ingoma
Tive muita diferença
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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Quero cantar meus pontinhos


Meus pai veio dá licença
(JONGOS, CALANGOS E FOLIA, 2007).

Caso contrário ouviriam uma das seguintes reprimendas:

Galo cantou mentira não é dia


Cadê aquele galo que cantou no claro dia?
(JONGOS, CALANGOS E FOLIA, 2007).

Bate tambor grande


Repinica no candongueiro
Pinto pequeno ta cantando no poleiro.
(JONGOS, CALANGOS E FOLIA, 2007).

Essas demandas brandas servem para indicar que há uma or-


dem nas coisas. As ações dos jongueiros são reguladas por códigos
de conduta que são inscritos na própria prática jongueira. Assim, o
jovem apreende o jongo no interior dele próprio, não havendo uma
escola formal de jongo.
O universo dos pontos de Jongo é feito, assim, de associações.
Semelhante ao ponto “segredo de parede, barata sabe tudo” que re-
mete ao ponto "quentura de panela, só colher conhece” ou ao “segre-
do de camisa quem sabe é paletó”, como falam os jongueiros de di-
versas comunidades.
Ora, em roda de Jongo, de samba, de capoeira ou quaisquer
outras de batuques ou artimanhas de pretos, há os de dentro e os de
fora. Então, é preciso estar dentro para saber o que acontece e saber é
respeitar, caso contrário, a demanda começa a se tornar mais pesada:

Vovó não quer casca de coco no terreiro


Porque lhe faz lembrar
Dos tempos de cativeiro

36
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Outra variação deste ponto fala que vovó não quer palha de
cana no terreiro. Terreiro é o espaço mínimo reconquistado pós-
Abolição e quase sempre roubado. Sendo assim, a negra ex-escrava
reconquista seu direito à terra e a dar as ordens. Neste espaço ela
quer fixar a lembrança em outros fragmentos que não sejam os que
lembrem o cativeiro. Isto fica claro noutra variação:

Pega a vassoura
Varre a páia do terreiro
Vovó num qué
Se alembrá do cativeiro.

A palha, a casca de coco, aqueles que vêm às tradições com o


intuito de se locupletar. Délcio Teobaldo contou um fato ocorrido em
2000 durante uma roda de Jongo. Os olhares cúmplices dos jonguei-
ros condenavam, claramente, os que estavam de fora e cantavam,
filmavam, batiam palmas e até ensaiavam rufar o tambor, sem se dar
conta do rito dos pontos e da roda. Com este ponto, fizeram uma
provocação mais pesada para eles:

Tatu tá cavucano
A catacumba do meu pai
Pra baixo ele não desce
Pra cima ele não sai

O ponto adverte duramente os que tentam penetrar, como o ta-


tu, numa cultura que desconhecem. Ele não pode atingir os mistérios
da ancestralidade, a que se refere a catacumba; nem é capaz de voltar
à tona, com a informação incompleta, para passá-la adiante. Assim, o
aventureiro fica no limbo, amarrado, parado.

O tatu

A presença de animais nos pontos de Jongo é bastante comum.


Burro e o boi, por exemplo, quase sempre representam o jongueiro
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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

ou o negro. A referência reside no fato, de serem utilizados no trans-


porte ou tração de cargas, assim como o escravo. Galo, galinha, pinto
e demais aves são sempre representativas do elemento humano, ora
de modo positivo ora negativamente. Mas, de todas as referências
animais, a mais significativa é a do tatu.
Slenes (Op. cit.) vê na associação entre o mestre jongueiro,
chamado de cumba, e o tatu uma metáfora que certamente provenha
da África Central, onde os animais que faziam seus ninhos em baixo
da terra eram vistos como mediadores entre os homens e o mundo
dos mortos.
O roedor Cricetomys gambianus, ou rato gigante da Gâmbia
era conhecido entre os Kongo como nkümbi, derivado de kùmba,
cavar, e aplica-se, metaforicamente, a um patriarca “que conhece
vários países, usos e costumes” (p. 143).
Vejamos uns pontinhos para perceber essa discussão entre os
jongueiros:
Jongueiro cumba
Jongueiro cumbambá
O cravo tá na roseira
E a rosa, onde tá?

Cumba é o mestre que ensina o mestre, o feiticeiro da palavra.


No segundo verso a palavra cumba está aglutinada a outra palavra de
origem bantu, bambá que significa, segundo relato de Délcio Teo-
baldo, mingau ou pessoa sem ação, indolente.
A palavra cumbambá contempla o universo simbólico africa-
no, onde é comum a visão ternária, isto é com as coisas resolvendo
em três. Assim, cumbambá possui três signos: Cumba, o feiticeiro;
bamba, destemido e bambá, o indiferente.
Deste modo, os dois versos do ponto chamam a atenção do
jongueiro, não importa a sua posição hierárquica ou física, para o
fato de, ao observar quaisquer imprevistos, estar atento. "O cravo
está na roseira/ e a rosa, onde tá?". Num mundo em mutação, mesmo
diante do belo, é necessário manter o olhar crítico e atento.

Tatu mineiro, cavuca terra de cacunda


Tatu mineiro, cavuca terra de cacunda
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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Cavuca terra de cacunda, tatu mineiro


Cavuca terra de cacunda
(PACHECO; SLENES, 2008, p. 182)

Jongueiros mineiros, que acompanhavam os tropeiros descen-


do de Minas para os portos, tinham fama de cumbas temíveis; o tatu
mineiro até podia cavucar terra para trás. O tatu possui a habilidade
de correr de costas em seu túnel quando é ameaçado. Tal destreza o
relaciona ainda mais com o Outro Mundo, considerado, pelos kongo,
reflexo espelhado do nosso, onde todos os espíritos movem-se como
o animal.

Eu sou mineiro mal


Não bule comigo não.
(PACHECO; SLENES, op. cit., p. 182)

Se o cumba mineiro é poderoso, sua força seria provada nos


terreiros onde tomasse parte. Caso viesse em paz cantaria este ponto,
avisando os demais jongueiros de suas intenções, mas se provocado
não deixaria barato, como neste desafio entre uma jongueira de Tau-
baté e um jongueiro desconhecido, que diziam ser de Minas Gerais,
conforme Ribeiro, (Op. cit., p. 37):

Minêro veio de mina


Com fama de domadô
É mentira de minero
Minêro nunca domo

E a resposta:

Minêro veio de mina


Minêro não quer domá
Minêro veio comprá terreno
Pra ponha vaca no curra

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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Retornando aos nossos cavucadores, o tatu pode personificar o


órgão sexual masculino, o tambu, ou, como dissemos, o próprio
cumba:

Mestre Lico: Tatu tá véio


Mai sabe negá o carreiro
Zé de Toninho: Olha lá senhor jongueiro
Pra mim ocê é um home fraco
Esse tatu tá véio
Mai é acostumado no buraco.
João Rumo: Eh, meu Deus do céu
Esse tatu pode tá véio
Mai não cai nessa gaiola.
Zé de Toninho: Meu senhor jongueiro
Escute o que eu to falano
Esse tatu é véio
Mai ele véve cavucano
Aia , aê,iê, ia
Esse tatu tá veio
Mai ele véve cavucano.
(BATUQUES DO SUDESTE, 2002)

Note-se a destreza dos jongueiros que a todo instante ampliam


o sentido do tatu. Inicialmente se diz cumba, pois nega, vence outro
jongueiro experiente, o carreiro isto é, o guiador do carro de boi. No
segundo, mantém sua destreza, sabe cavar, conhece seu ofício e, por
isso não cai em armadilhas. Por último ele é velho mas viril, fecunda
a terra, produz pontos.
Neste ponto de Pádua, o tatu pode representar, inicialmente, o
tambor ou a festa e depois um jongueiro atrasado:

O tatu tá cavucano
Na casa de dona Aurora
Não cavuca muito não, gente
Que o tatu chegou agora
(BATUQUES DO SUDESTE)

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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Durante o 9º Encontro de Jongueiros, Mestre Gil de Piquete e


Dona Mazé, de Guaratinguetá lembraram-se do seguinte ponto, onde
tatu, originalmente, era a mãe solteira:
Tatu ta de cangalha
O mantimento de quem é?

Na ocasião, a intenção de Gil era descobrir intenções ocultas


de determinado participante do encontro, num claro exemplo de re-
contextualização do ponto.
Mas tatu também personifica a dor, como neste ponto pesado,
utilizado para encerrar, amarrar contenda:

O tatu tá cavucando,
E a terra tá sumindo;
Quero que o mestre jongueiro diz,
Pra onde a terra tá indo

ou em
Você corta ponto de Jongo
Mas não corta cemitério

MORRE CONGO, FICA CONGO

Se as demandas com os velhos tatus cumba foram sendo es-


quecidas, seguiu-se o perigo de o Jongo desaparecer. As transforma-
ções do ambiente rural, a expulsão contínua das comunidades jon-
gueiras que, paulatinamente, foram perdendo a posse das terras a que
teriam direito, para grileiros, o desinteresse dos mais jovens, influen-
ciados pela cultura de massa e seus ritmos descartáveis foram dimi-
nuindo o número de rodas jongueiras que desapareceram de determi-
nadas localidades.
O fenômeno das religiões pentecostais e neopentecostais, mui-
tas baseadas no fundamentalismo dogmático e na intolerância para
com os cultos africanos, agravaram ainda mais o quadro.
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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Mas o Jongo resistiu, modificando algumas de suas estruturas,


conforme veremos no diálogo entre os pontos dos paulistas Nico, de
Piquete, e Jefinho, de Guaratinguetá:
Ô Galo Rosa
Tenha dó do meu penar
Minhas penas são douradas, galo sereno
Tenho medo de molhar na ingoma
Deixa cantar o bem-te-vi
Bem te vi canta cedinho
A tarde toda quem canta é a juriti

Paulo Dias, em conversa pessoal, afirma que no primeiro, o


jongueiro velho lamenta não ter interlocutores nas rodas atuais à
altura de entender e valorizar a fineza do legado jongueiro “penas
douradas” que recebeu do pai “galo rosa”, manifestando o receio de
que esta herança seja mal compreendida “tenho medo de molhar na
ingoma”.
No outro ponto, Jefinho pede licença para os jongueiros mais
jovens poderem entrar na roda “deixa cantar o bem-te-vi”, que pela
tradição era exclusiva dos mais velhos “a tarde toda quem canta é a
juriti”.
Dias vê que há hoje duas tendências entre as quais transita a
tradição jongueira nas comunidades: Jongo antigo, de demanda, ou
“com pergunta e resposta”, como diz Mestre Cabiúna, de Pinheiral -
RJ, e o Jongo mais voltado ao lazer da comunidade, mais inclusivo
no aspecto etário e geracional, ao passo que o Jongo antigo era reser-
vado a uma confraria de conhecedores em geral masculina.
Rio de Janeiro, década 1980. Mestre Darcy Monteiro revolu-
ciona a estrutura tradicional do Jongo, transformando as rodas em
espetáculos. Convence sua mãe, Vovó Maria Joana Rezadeira, da
necessidade de haver crianças nas rodas19, tabu que impede a renova-
ção.

19
Aqui o Jongo se afasta do candomblé. Neste é a presença da criança santi-
fica o lugar. Nemhuma entidade, nem Exu mexe com elas. Temos mais
um indício de diferenças entre as tradições bantu e iorubanas.

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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

Atualmente, coexistem espetáculo e resistência. As crianças


fazem suas rodas e cantam seus pontos, como o Caxambu mirim, de
Miracema-RJ.

Canta beija-flor
Canta sabiá
Caxambu mirim
Que acabou de chegar

Ou no Bairro do Tamandaré, em Guaratinguetá - SP:


Meu cachorrinho foi pro mato caçá
O que é que ele trouxe boa sinhá
Boa sinhá, boa sinhá
O que é que ele trouxe boa sinhá?

Mestre Darcy propôs que o Jongo descesse o morro para pro-


curar abrigo no circuito cultural carioca, mobilizando novos agentes
sociais, na maioria universitários, como tentativa de sobrevivência.
Claro que este movimento provocou fortíssimas reações dos mais
velhos, como Aniceto.
A resposta deste ao Mestre não se deu em um Jongo, como fez
o velho Nico de Piquete, mas um samba intitulado “A morte do Jon-
go”:

Ele tá morrendo
Eu tá caluturai20
Perengando21 tô, peregando tô
Reze por mim quem me gosta
Pro Zâmbi nosso sinhô
Cheguei de terra distante
Radiquei-me no Brasil
Vivi mais de quatro séculos

20
Pessoa muito acabada.
21
Doente, sofredor.

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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

To morrendo nesse instante


Eu e o Jongo já me chamam caxambu
Eu tá virando petisco de orubu
Quem me entendia morreu já não vive mais
Buru, buru22de ofidã vivem mi roubando a paz
Não sou folclore seu é o rei da magia
Sô arquivo de mistério, mestre de feitiçaria
Pedro de Sá Maria-Manoel Pesado-Elói
Lindolfo da Barra-Vieira e Castolino
Hoje quem canta é menino
Tio Luiz-Celina-Nascimento da Eulália
Tio Anjo-Antenor- Maria- Napoleão
Doze bambas então.
(Acervo particular de Seu Aniceto. In: FERNANDES,
1986)

Muito mais pungente que estas duras palavras é o modo da


resposta. Com um samba, Aniceto enfatiza a total falta de interlocu-
tores: o formato de espetáculo, proposto por Darcy, quebra o caráter
sagrado do Jongo, para ele, o golpe de misericórdia.
Teobaldo (Op. cit., p. 13), concorda com o velho e saudoso
fundador do G.R.E.S. Império Serrano: “quando folclorizada, ensai-
ada, agendada e se definem espaço e hora para acontecer, a cultura
popular, essencialmente espontânea é imobilizada. Fica repetitiva,
medíocre, vira simulacro. Cópia malfeita de si mesma”.
Sem entrar no mérito desta demanda, uma vez que somos
“pinto pequeno”, para usar uma fala jongueira, o fato é que o jongo
permanece vivo, como cantam os Jongueiros do Morro do Carmo,
em Angra dos Reis:
Morre o Rei do Congo
E a Rainha Cabundá
Morre congo, fica congo
Tem congo no lugar.
(TEOBALDO, op. cit.. p., 11)

22
Burro.

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Conclusão

Adeus, povo bom adeus


Adeus, que eu já vou embora
Pelas ondas do mar eu vim
Pelas ondas do mar, eu vou embora.

Chegamos ao final de nossa jornada. Claro que não consegui-


mos esgotar todo potencial narrativo e inventivo contido nas palavras
dos jongueiros. Assonâncias, aliterações, metáforas, paradoxos e
demais figuras de linguagens estão lá nas demandas, louvações e
provocações jocosas, esperando para serem pronunciadas no terreiro,
ao som de tambus. Novos sentidos são introduzidos e o Jongo segue
em sua dinâmica de sedutora e mágica inovação.
No convívio com Jongueiros, notamos a força com que viven-
ciam a solidariedade e a esperança. Como bem cantou Dona To,
velha jongueira do Tamandaré:
Bate, bate coração pode bater
Não treme não oh coração
Pára de tremer
Bate, bate coração
Que nossa vida inda tem solução
– Graças a Deus –
(FEITICEIRO DA PALAVRA)

Pudemos perceber que decifrar um ponto depende da contex-


tualização. O mesmo ponto, sem mudar uma letra, pode ter intenção
completamente diferente, se aplicado à outra necessidade.
Na verdade, os pontos são charadas, mas não pedem recursos
semânticos sofisticados para entendê-los. A força destes enigmas
reside nesta simplicidade, vivida diariamente por pessoas que lutam
pela sobrevivência, sem deixar de sorrir ou celebrar a dádiva da exis-
tência.

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Jefinho, jongueiro do Tamandaré fez um ponto aos 20 anos de


idade, conquistando o respeito dos velhos cumbas. Atava ele as pon-
tas da vida. Aqui também o fazemos:

Saravá jongueiro velho


Que veio pra ensinar
Que Deus dê a proteção
Pra jongueiro novo
Pro Jongo não se acabar
(FEITICEIRO DA PALAVRA)

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Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

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