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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

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Copyright © 2003 de Gabriel de Ávila Othero

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

In t r o d u ç ã o a o
Estudo da
História da
L ín g u a
P o r t u g u e sa

G a b ri e l d e Á v i l a
Ot h e r o

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

In t r o d u ç ã o a o
Estudo da
História da
L ín g u a
P o r t u g u e sa

G a b ri e l d e Á v i l a
Ot h e r o

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

“... o tempo altera todas as coisas;


não existe razão para que a língua
escape a essa lei universal.”
Ferdinand de Saussure

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

ÍNDICE

Apresentação

1ª PARTE – História Externa da Língua


O latim: origem e expansão

A romanização da Península Ibérica e as invasões bárbaras


A formação da Nação Portuguesa
Períodos da língua portuguesa
As línguas românicas

2ª PARTE – História Interna da Língua


Breves conceitos de Lingüística Histórica
Metaplasmos
Formas convergentes
Formas divergentes
Formas sincréticas
Analogia

3ª PARTE – Suplementos
Origens de alguns nomes
Fatos e curiosidades sobre a língua portuguesa

Referências Bibliográficas
Sobre o autor e sua obra

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

APRESENTAÇÃO

“A última flor do Lácio, inculta e bela...”.

É assim que Olavo Bilac descreve a nossa língua, a


língua portuguesa. Apesar de o português não ser a “última
flor do Lácio”, ou a última língua originada do latim (há ainda
o dálmata, do séc. IX e já extinto, e o romeno, reconhecida no
séc. XVI), devemos admitir que nossa língua é, como
descreveu o poeta, ao mesmo tempo inculta e bela.

Para aqueles que gostariam de saber um pouco mais


sobre a língua portuguesa, sua origem, sua evolução, o
longo caminho percorrido desde o Lácio (região central da
Itália), passando por quase toda a Europa e chegando a
essa terra brasilis, creio (e espero) que este e-book possa
ser um bom começo como roteiro de viagem.

Portanto, preparem-se e aproveitem nossa viagem


diacrônica pela história do Português!

O autor

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

1ª PARTE

- História Externa da Língua -

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

¬ O LATIM: ORIGEM E EXPANSÃO

O latim era a língua falada no Lácio (Latium), região central da


Itália, onde hoje Roma está situada. Historicamente, sua origem remonta o
século VII a. C. Em princípio, a região do Lácio era habitada apenas por
camponeses e pequenos agricultores que tinham como vizinhos os etruscos
e outros povos da Península Itálica. Apesar de o Latim não ter sido a única
língua falada na Península – falava-se também o osco, o umbro, o etrusco
e o grego – ela prevaleceu sobre as demais, graças, principalmente, à
superioridade e expansão do exército romano.
A partir do século III a. C., a língua latina passou a tomar uma
forma literária, e foi constituindo-se aos poucos uma gramática com
normas explícitas. O séc. I a. C. é considerado o período clássico do latim.
Os principais gramáticos romanos, porém, vieram muito posteriormente,
como Donato (séc. IV d. C.) e Prisciano (séc.VI d. C.) que introduziu
conceitos importantes para o estudo da gramática usados até hoje, como o
nome, o verbo, o particípio, o pronome, a preposição, o advérbio, a
interjeição e a conjunção.
Roma foi fundada por volta do ano 753 a. C., provavelmente por
povos sabinos e latinos. Sua história pode ser dividida em três grandes
períodos: Monarquia (753 – 509 a. C.), República (509 – 31 a. C.) e
Império (27 a. C. – 407 d. C.).
Foi durante o período da República que Roma desenvolveu sua
economia e cultura e começou sua expansão territorial e conquistas
bélicas. Em cerca de 500 anos, a pequena região do Lácio se tornou uma
das maiores potências de que o mundo já foi testemunha: primeiramente,
os romanos dominaram toda a Península Itálica, depois disso, houve as
chamadas Guerras Púnicas contra Cartago. Eliminando Cartago em 146 a.
C., o exército romano partiu para a conquista de outras regiões: a
Espanha, Portugal, a Gália, a Macedônia, a Grécia, o Oriente próximo, a
África do Norte e o Egito. Além disso, conquistaram também as ilhas Sicília,
Sardenha, Córsega, Creta, Chipre, Rodes entre outras.
No seu apogeu, os romanos dominaram completamente todos os
territórios que cercavam o Mar Mediterrâneo – chamado por eles de Mare
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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
Nostrum (“nosso mar”) – chegando até mesmo ao norte da Europa, ao sul
das Ilhas Britânicas.
A língua latina reinava sobre todo o mundo romanizado.
Porém, o latim que era falado nos territórios conquistados não era o
latim clássico, erudito, das obras de Plauto, Cícero e Sêneca. Era o latim
dos soldados, dos escravos, dos comerciantes, da plebe e do povo romano.
Era o chamado latim vulgar. Era, ao contrário do latim clássico, quase
exclusivamente falado, sem se ater a regras formais e sem demasiada
preocupação com normas do bem falar e escrever. Foi desta língua
popular, com o contado com as línguas dos povos conquistados, que se
originaram as línguas românicas.
O latim tinha divisões, os chamados sermos, que significa
“linguagens”:
- sermo urbanos: era o latim clássico, estilizado, instrumento da
literatura;
- sermo vulgaris: era o latim vulgar, popular, do povo;
- sermo quotidianus: era a língua falada pela parte mais nobre da
sociedade, língua de conversação, representada por Cícero
(Cartas) e Horácio (Sátiras e Epístolas);
- sermo ruralis: faz parte do latim vulgar (sermo vulgaris) e era
falado por camponeses e trabalhadores do campo;
- sermo castrensis: também faz parte do sermo vulgaris. Era
falado pelos soldados.

A seguir, temos um quadro comparativo apresentando as principais


diferenças entre o latim clássico e o vulgar:

LATIM CLÁSSICO LATIM VULGAR


S 1. Preferia a ordem inversa das palavras 1. Preferia a ordem direta das palavras na frase;
I na frase;
N 2. Preferia orações reduzidas = acusativo 2. Preferia orações desenvolvidas;
T + infinitivo;
A 3. Preferia formas sintéticas, com pouco 3. Preferia formas analíticas, isto é, acusativo +
X uso de preposições, utilizando as preposição adequada.
E desinências ca-suais.
1. Possuía cinco declinações; 1. Possuía três declinações;
2. Possuía seis diferentes casos; 2. Reduziu os casos para apenas dois: nominativo
3. Quatro eram as suas conjuga-ções: -are com função de sujeito e acusativo com as demais
(1ª), -ēre (2ª), -ĕre (3ª) e –ire (4ª); funções;
4. Apresentava a voz passiva sintética; 3. Reduziu as conjugações para apenas três: os verbos
M 5. Na voz passiva, o infectum era da 3ª conjugação (-ĕre) passaram para a 2ª (-ēre).

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O sintético; Os da 4ª conjugação (–ire) passaram para a 3ª (-
R 6. O imperfeito do subjuntivo confundia- ĕre);
F se com o infinitivo; 4. Preferia o uso de perífrases ao invés da voz passiva
O 7. Tinha adjetivos triformes e bi-formes; sintética;
L 8. Fazia uso do superlativo absoluto 5. A forma perifrástica foi utilizada tanto para o
O sintético; infectum como para o perfectum;
G 9. Utilizava, também, o compara-tivo 6. O imperfeito do subjuntivo passou para um tempo
I sintético; do perfectum;
A 10. Não havia artigos. 7. Com o desaparecimento do neutro, os adjetivos
triformes passaram a ser biformes e os biformes, a
uniformes;
8. Passou a utilizar o superlativo absoluto analítico;
9. Também fazia uso do comparativo analítico;
10. Criou o artigo.
F 1. Utilizava bastante ditongos e hiatos; 1. Acontecia a oclusão de ditongos e hiatos, passando
O 2. Várias eram as palavras que a utilizar vogais;
N começavam por grupo conso-nantal; 2. Prótese (ver METAPLASMOS) do i que,
É 3. As palavras tinham a tendência de posteriormente, transformava-se em e;
T terminar em consoante. 3. Tendência de eliminar consoantes nos finais das
I palavras.
C
A
1. Preferência por palavras sim-ples; 1. Preferência por palavras compostas;
2. Preferência por palavras de cunho 2. Preferência por palavras de cunho popular.
erudito.

Mesmo com a inigualável e espantosa expansão e dominação


romana, por volta do século III da nossa era, o Estado Romano não
conseguia mais manter uma unidade administrativa e política. E, ao atingir
o ápice de seu expansionismo, o Império Romano começa a ruir.
Dentre as principais causas da queda do Império Romano, os
historiadores apontam a crise econômica, a crise social e as invasões de
povos bárbaros que assolaram o Império. Em 395 da nossa era, o grande
Império foi dividido em duas partes, a fim de fortalecer cada uma delas.
Formaram-se, então, o Império Romano do Ocidente, com sede em Roma
e o Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla.
A queda do Império Romano do Ocidente aconteceu em 476, com a
morte do imperador Rômulo Augusto. O Império Romano do Oriente durou
até 1453, quando os turcos conquistaram Constantinopla, terminando de
vez com o maior império já visto na História do homem.

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¬ A ROMANIZAÇÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA E AS INVASÕES
BÁRBARAS

Após vencerem Cartago nas Guerras Púnicas, as legiões romanas


invadiram a Península Ibérica e a tornaram uma província romana em 197
a. C. Aos poucos, a dominação militar, social, política e lingüística foi
acontecendo. De todos os povos habitantes da península, os bascos foram
os únicos a não adotarem o latim como língua.
Apesar de a cultura e línguas dos povos dominados serem
extremamente diferentes, a cultura e língua romanas foram
completamente adotadas por aqueles povos, e poucos resquícios das
línguas conquistadas influenciaram a língua latina.
No século III da nossa era, o Império Romano, como vimos,
começou a desabar e uma das causas foi a invasão dos povos bárbaros. Os
romanos chamavam bárbaros todos os povos que habitavam fora do
território romano. Esses povos possuíam organizações sociais mais simples
do que a dos romanos, mas um poder bélico bastante grande.
Dentre os bárbaros, os primeiros a chegarem à Península Ibérica
foram os vândalos, fixando-se na Galícia e na Bética, conhecida a partir daí
como Andaluzia. Mais tarde, eles emigraram à África, onde fundaram uma
vasta monarquia.
Após os vândalos, surgiram os suevos, estabelecendo-se na Galícia
e na Lusitânia, por volta de 411. Eles organizaram um Estado Pacífico,
tendo como capital Bracara (a atual cidade de Braga) e fundaram sua
primeira fortificação, chamada Portocale, conhecida atualmente como
Porto.
Mais tarde, em torno de 585, chegaram os visigodos ou godos do
ocidente, comandados por Ataúlfo. Infiltrando-se na Península Ibérica,
conquistaram os suevos e formaram um forte e imponente reino. Esse
reino ocupava toda a Espanha atual, com exceção do País Basco e da
Galícia, ainda dominada pelos suevos, e continuava além os Pirineus até
Narbone. A dominação dos visigodos durou até o ano 711 e deixou marcas
importantes nas instituições e no Direito. Apesar disso, poucas são as
marcas visigóticas deixadas na língua daquelas regiões.
O contato com as línguas germânicas durou três séculos, mas as
marcas de origem germânica no português foram limitadas a poucos
vocábulos, em sua maioria palavras ligadas a armas, vestes, insígnias
guerreiras etc. Como exemplo, temos luva, estaca e roubar.

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Os povos bárbaros, apesar de terem conquistado a Península
Ibérica, adotaram o latim como língua própria, alterando-o, assim,
significativamente. Além do mais, as escolas foram fechadas, e a nobreza
romana desapareceu, levando consigo o latim culto e ajudando para a
transformação do latim na península.
No fim do império visigótico, em 711, chegam os árabes à Península
Ibérica. Com um exército de 12.000 homens comandados por Tárique, os
árabes invadem e conquistam a parte sul e central da península. A cultura
árabe era muito superior à dos povos conquistados. Assim, uma vez
instalados, os árabes desenvolveram a arte, as ciências, a astrologia, as
letras, a matemática e a física, além de mostrar novas formas de trabalhar
com o aço e com a madeira e inovar as táticas de guerra e as armas
bélicas. Apesar da dominação cultural, a língua latina ainda era a língua do
povo, a língua corrente. Poucas foram as influências árabes na língua.
Alguns habitantes da península (que falavam um latim vulgar já bastante
alterado), passaram, porém, a adotar também o árabe – eram os
moçárabes.
A reconquista cristã veio do norte e noroeste da Península Ibérica e
talvez um dos maiores responsáveis pela reconquista tenha sido D.
Henrique, pai de Afonso Henriques.
Os árabes foram expulsos completamente apenas em 1492,
deixando marcas significativas e presentes até hoje na culinária, nas artes,
na arquitetura e nas ciências. Porém, como vimos, muito pouco foi legado
ao vocabulário da língua portuguesa.

¬ A FORMAÇÃO DA NAÇÃO PORTUGUESA

Durante a invasão árabe, começaram as cruzadas cristãs. Afonso


VI, rei de Leão e Castela, encarregou D. Henrique a retirar os árabes da
península.
Por seus muitos serviços prestados à Coroa e à Religião, a D.
Herinque foi dada a mão de D. Teresa – filha do rei Afonso VI – e o
Condado Portucalense, região oeste da Península Ibérica. Dessa união,
nasce Afonso Henriques.

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Quando D. Henrique morre, D. Teresa planeja se casar com D.
Fernando, nobre galego, passando assim, o território do condado às mãos
da Espanha. O filho de D. Teresa – Afonso Henriques – não aprova a
decisão da mãe: rebela-se e a vence. Em 1140, Afonso Henriques estende
os limites do território mais para o sul, funda Portugal e proclama-se rei,
tornado-se então, o primeiro rei de Portugal.
A língua utilizada primeiramente é o galego-português. Em 1189, a
língua portuguesa é “reconhecida como língua”, quando utilizada para fins
literários, com a cantiga intitulada A Ribeirinha, de Paio Soares de
Taveirós, dedicada à D. Maria Pais Ribeiro, “por alcunha ‘a Ribeirinha’”.

Acompanhe abaixo, alguns fatos importantes para a formação da


língua portuguesa:

II a.C. V d. C. VII d. C. 1189

Romanos Povos bárbaros Invasão “Surge” a


invadem a invadem a árabe língua portu-
guesa com a
Península península canção A
Ibérica, Ribeirinha
implantando o
Latim

¬ PERÍODOS DA LÍNGUA PORTUGUESA

Normalmente, são reconhecidos três períodos da língua portuguesa:


o período pré-histórico, o proto-histórico e o histórico.

1. Período pré-histórico: vai desde as origens da língua até o século


IX. Do século V ao IX, há o chamado romance lusitânico.

2. Período proto-histórico: começa no século IX e vai até o XII. Os


textos, nessa fase, são todos redigidos em latim bárbaro, com
algumas palavras portuguesas.

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
3. Período histórico: começa no século XII, com textos redigidos
integralmente em português. Esse período subdividi-se em dois:
a) período arcaico: do século XII ao século XVI. Começa
com a publicação da cantiga de Paio Soares de Taveirós,
Cantiga da Ribeirinha, e segue através de poesias
trovadorescas reunidas em cancioneiros e, na prosa,
conta principalmente com produções de cronistas, como
Fernão Lopes, considerado o primeiro historiador
moderno de Portugal.
b) período moderno: vai do século XVI até os dias atuais. O
marco inicial é a publicação de Os Lusíadas, de Luiz Vaz
de Camões, em 1572. Epopéia épica que exalta todo o
valor do povo português, é considerada por muitos, ainda
hoje, como a maior obra literária da nossa língua. No séc.
XVI ainda aparece a primeira gramática da língua
portuguesa do Padre Fernão de Oliveira, a Gramática da
Lingoagem Portugueza.

Particularmente, acredito que seria possível adicionar um novo


período à classificação cronológica da língua portuguesa, o período
ultramarino ou contemporâneo, dentro do período histórico. Afinal, a nossa
língua já mudou muito desde o tempo de Camões e da Gramática da
Lingoagem Portugueza...

Com a expansão marítima de Portugal, a língua foi disseminada nos


quatro cantos do mundo, em todos os continentes e, assim como
aconteceu com o latim, o português já sofreu diversas modificações e
recebeu diferentes tratamentos em cada região onde é falada,
principalmente depois da independência das ex-colônias portuguesas.
As línguas, assim como as espécies de seres vivos são modificadas
de tal forma que, se isoladas geograficamente, passados muitos anos,
acabam por se tornar incompatíveis. Tomo aqui, emprestada a idéia da
teoria da evolução das espécies de Charles Darwin para demonstrar como
ocorre:

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Língua B

Língua A ISOLAMENTO GEOGRÁFICO e TEMPORAL

Língua C

Onde a língua inicial (língua A) foi separada por espaço e tempo e,


em diferentes regiões, por épocas distintas, transformou-se em duas
diferentes línguas (línguas B e C) que quando em contato uma com a
outra, tornam-se incompatíveis, incompreensíveis entre si.
Assim aconteceu, por exemplo com o latim que originou o francês e
o português, através de modificações distintas, por povos diferentes, em
tempos e lugares diversos.
Não estou com isso querendo dizer que a língua portuguesa falada
no Brasil é diferente do português falado em Portugal ou em Angola a tal
ponto que o português seja incompreensível para o falante da Europa,
América ou África. Apenas quero chamar a atenção para o fato de que,
desde Camões, desde a expansão ultramarina portuguesa, a nossa língua
vem sofrendo constantes modificações, alterações e adaptações em
diversas regiões através dos anos.
Talvez fosse sensato adicionar mais uma fase na classificação dos
períodos da língua portuguesa. Acompanhe a linha do tempo com as fases
da língua portuguesa:

Origens séc. IX séc. XII séc. XVI ???

Pré-histórica Proto-histórica Histórica Período


Romance latim bárbaro com Período contemporâneo
Lusitânico português moderno

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¬ AS LÍNGUAS ROMÂNICAS

Com o desmembramento do Império Romano, a língua latina foi


adquirindo novas feições em diferentes regiões, dando origem a diversas
línguas hoje faladas no mundo inteiro, como o português, o espanhol, o
francês, o italiano, o provençal, o catalão, o galego, o romeno, o sardo, o
rético e o dalmático (já extinto).
Veja abaixo um gráfico representando as línguas que se originaram
a partir da língua latina:

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

2ª PARTE

- História Interna da Língua –

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¬ BREVES CONCEITOS DE LINGÜÍSTICA HISTÓRICA

Para melhor ler, consultar e entender essa obra, é bom ter claro em
mente alguns breves conceitos de Lingüística. Conceitos esses que abaixo
estão descritos sucinta, objetiva e – espero – claramente. Para quem
deseja ir mais a fundo nos estudos lingüísticos, sugiro que consulte
algumas das obras referidas nas Referências Bibliográficas.

- GRAMÁTICA HISTÓRICA: é a parte da Lingüística preocupada em


estudar uma língua diacronicamente, preocupando-se com a evolução
de uma língua desde suas origens até o momento presente.

- LINGUAGEM: no sentido estrito, é o objeto de estudo da lingüística. A


grosso mode, pode-se dizer que é um conjunto de sinais que podem
servir para a comunicação humana.

- LÍNGUA: é a linguagem própria, particular de determinado povo


(língua portuguesa, inglesa, alemã...).

- FONEMA: “é a unidade sonora mínima distintiva” (Back & Heckler,


1988: 89). É o som expresso pelo aparelho fonador. Ex: a palavra
“querer” é escrita com seis letras, mas pronunciada com apenas cinco
fonemas - /kerer/. Já em “sossegar”, temos uma seqüência de oito
letras, mas de sete fonemas: /sosegar/.

- APARELHO FONADOR: é um órgão do aparelho respiratório e da parte


superior do aparelho digestivo. É através do aparelho fonador que
produzimos os sons. Além dos músculos e nervos, ele é composto pelos
seguintes órgãos: brônquios, traquéia, laringe (com as cordas vocais),
faringe, fossas nasais, boca, língua, bochechas, palato duro, palato
mole com a úvula, dentes, alvéolos e lábios.

¬ METAPLASMOS

Enquanto existirem palavras, enquanto houver fonemas, nós


(falantes) vamos continuar a modificá-los, alterá-los, adaptá-los

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principalmente. Afinal a língua é móvel, dinâmica e não algo estanque que
não muda.
Para estudar os metaplasmos, foi adotado um esquema prático,
fazendo uma primeira divisão em quatro grandes grupos – metaplasmos
por acréscimo, por supressão, por transposição e por
transformação. Vamos a eles:

I – Metaplasmos por acréscimo:

1) Prótese: é o acréscimo de um fonema no início de uma palavra.


Ex: statua > estátua
spiritu > espírito

2) Epêntese: é o acréscimo de um fonema dentro de uma palavra.


Ex: stella > estrela
humile > humilde

2.1) Suarabácti: o suarabácti é um tipo especial de


epêntese. É o acréscimo de uma vogal para desfazer um encontro
consonantal.
Ex: blattam > blatta > blata > brata > barata
planum > planu > plano > plão > prão > porão

3) Epítese (ou paragoge): é o acréscimo de um fonema no final de


uma palavra. É mais raro.
Ex: ante > antes

II – Metaplasmos por supressão:

1) Aférese: é a supressão de um fonema no início da palavra.


Ex: apothecam > apotheca > apoteca > abodega > bodega
inamorare > inamorare > namorar

2) Síncope: é a supressão de um fonema dentro da palavra.


Ex: malu > mau
legenda > leenda > lenda

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3) Apócope: consiste na supressão de um fonema no final da
palavra.
Ex: mare > mar
amat > ama

4) Crase: é a junção de dois fonemas vocálicos iguais.


Ex: dolore > dolor > door > dor
nudu > nuu > nu

5) Haplologia: é a supressão de uma sílaba dentro de um vocábulo


onde exista uma outra igual ou semelhante.
Ex: medidiale > mediale > medial
bondadoso > bondoso

6) Sinalefa (ou elisão): acontece quando da junção de dois sons


vocálicos de dois diferentes vocábulos, sendo que um termina por vogal
átona e o outro por vogal átona. A vogal inicial sempre sofre queda.
Ex: de + intro > dentro
outra + hora > outrora

III – Metaplasmos por transposição:

1) Por transposição de acento:

1.1) Hiperbibasmo: mudança de lugar do acento.

1.1.1) Diástole: é a mudança de lugar do acento para


frente. O acento avança para a sílaba seguinte.
Ex: gémitu > gemido
íntegru > íntegro > inteiro

1.1.2) Sístole: é o recuo do acento para a sílaba anterior.


Ex: erámus > éramos
idólu > ídolo

2) Por transposição de fonemas:

2.1) Metátese: o fonema muda de lugar na mesma sílaba.

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Ex: semper > sempre
super > soper > sober > sobre

2.2) Hipértese: o fonema muda de lugar de uma sílaba para


outra.
Ex: capio > caibo
rabiam > rabia > ravia > raiva

IV – Metaplasmos por transformação:

1) Assimilação: consiste na transformação de um fonema em outro


igual ou semelhante a outro fonema existente na palavra. Um fonema
“influência” outro para torná-lo igual ou parecido consigo.
A assimilação pode ser:
a) Total (ou perfeita): quando o fonema assimilado fica igual ao
assimilador.
Ex: persona > pessoa (Æ O s influenciou o r de tal maneira
que ele se transformou em s. Temos então, assimilador = s;
assimilado = r)
valeroso > valoroso (Æ por influência do o, o e é
totalmente assimilado)

b) Parcial (ou imperfeita): quando o fonema assimilado apenas se


assemelha ao fonema assimilador.
Ex: auro > ouro (Æ por influência do u, o fonema vocálico a
transforma-se em o)
lacte > laite > leite (Æ por influência do i, o fonema
vocálico a transforma-se em e)

c) Consonantal (ou consonântica): quando a assimilação se dá de


consoante para consoante.
Ex: persicum > persico > perseco > persego > pêssego

d) Vocálica: quando a assimilação acontece entre fonemas vocálicos.


Ocorre principalmente nos ditongos ai e au, e são assimilações vocálicas
parciais.

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ai > ei au > ou oi > ou

Ex: thesaurum > thesauro > tesauro > tesouro


(assimilação vocálica parcical)
palumbam > palumba > palomba > paomba > poomba
> pomba (assimilação vocálica total)

e) Progressiva: acontece quando o fonema assimilador está antes


do fonema assimilado.

assimilador assimilado

Ex: persicum > persico > perseco > persego > pêssego

f) Regressiva: acontece quando o fonema assimilador vem depois


do assimilado.
Ex: captare > cattar > catar

assimilado assimilador

2) Dissimilação: é a diferenciação de dois fonemas iguais ou


semelhantes de modo que o fonema dissimilado desapareça ou se torne
diferente do fonema dissimilador. A dissimilação pode ser:
a) Total (ou perfeita): quando o fonema dissimilado desaparece.
Ex: cribrum > cribro > cribo > crivo

b) Parcial (ou imperfeita): quando o fonema dissimilado se torna


diferente do fonema dissimilador.
Ex: memorare > membrar > lembrar
rotundo > rodondo > redondo

c) Consonantal: acontece entre consoantes.


Ex: memorare > membrar > lembrar

d) Vocálica: acontece entre vogais.

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Ex: rotundo > rodondo > redondo

e) Progressiva: acontece quando o fonema dissimilador está antes


do fonema dissimilado.
Ex: liliu > lírio

dissimilador dissimilado

f) Regressiva: acontece quando o fonema dissimilador vem depois


do dissimilado.
Ex: melimellum > melimello > melimelo > marimelo > mermelo
> marmelo

dissimilado dissimilador

3) Sonorização (ou abrandamento): é a transformação de um som


surdo em um som sonoro. Acontece apenas com os fonemas homorgânicos
– aqueles fonemas que se distinguem unicamente uns dos outros pela
vibração das cordas vocais. Acompanhe na tabela os pares de consoantes
homorgânicas:

Surdas Sonoras
[p] [b]
[t] [d]
[k] [g]
[f] [v]
[s] [z]

Ex: totum > toto > todo


cattum > catto > cato > gato
aqua > água

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4) Palatização: é a transformação de qualquer fonema ou grupo de


fonemas em um som palatal.
Geralmente, ocorre com os seguintes fonemas:

n (e, i) + vogal > NH Æ vinea > vinha


l (e, i) + vogal > LH Æ juliu > julho
d (e, i) + vogal > J Æ invidiam > invidia > invedia > inveja
s (i) > J Æ basium > basio > bajo > baijo > beijo
pl, cl, fl > CH Æ clavem > clave > chave
cl, pl, gl > LH Æ apiculam > apicula > apecola > apecla > abecla > abelha
sc, ss (i, e) > X Æ passionem > paixão

5) Ditongação (ou alargamento): é a transformação de um


monotongo em um ditongo.
Ex: basium > basio > bajo > baijo > beijo

6) Monotongação (ou redução): é a transformação de um ditongo


em um monotongo.
Ex: eiclesiam > eiclesia > eicresia > eigreja > igreja

7) Oclusão: é a transformação de um hiato em um ditongo.


Ex: malum > malo > mao > mau
pae > pai

8) Nasalização: é a transformação de um fonema oral em um


fonema nasal. Em relação às vogais nasais, há duas importantes teorias
que se contradizem: “uma delas afirma que as vogais nasais são fonemas
de direito e de fato, independentes das vogais orais. Outra argumenta em
sentido contrário: são apenas alofones por posição.” (Back & Heckler,
1988:101). Tendo em vista as duas teorias apresentadas, devo dizer que
eu considero a segunda teoria mais acertada, já que as consoantes nasais
(m e n) ou o sinal gráfico til (~) influenciam as vogais orais de tal modo
que estas nasalizam-se.
Ex: mihi > mim
24
Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
nec > nem

9) Desnasalização: é a transformação de um fonema nasal em um


fonema oral.
OBS: sempre que o n intervocálico sofre síncope, ele deixa a marca
de nasalização na vogal anterior.
Ex: bona > bõa > boa
ventanam > ventana > ventãa > ventã > venta

10) Sibilação (ou assibilação): é a transformação de fonemas, ou


grupos de fonemas não sibilantes em sibilantes.
Na língua portuguesa, são os seguintes os sons sibilantes: [f], [v],
[s] e [z]. Normalmente, a sibilação se dá nos seguintes grupos de
fonemas:

b>V Æ cribrum > cribro > cribo > crivo


c (e, i) + vogal > Ç ou Z Æ lancea > lança
judicium > judicio > juicio > juízo
d (e, i) + vogal > Ç Æ audio > auço > ouço
t (e, i) + vogal > Ç ou Z Æ lentium > lentio > lenço
bellitiam > belitia > beletia > beleza

11) Consonantização: é o processo de transformação de vogais em


consoantes. Acontece, principalmente, com o i > j e com u > v.
Ex: uitam > uita > uida > vida
Iesus > Jesus

12) Vocalização: é o processo de transformação de uma consoante


em uma vogal.
Ex: octo > oito
regnum > regnu > regno > reino
altarium > altario > altairo > autairo > outairo > outeiro

25
Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
13) Metafonia: é a mudança de timbre de uma vogal por influência
de outra. Acompanhe o quadro evolutivo normal das vogais do latim para o
português.

Latim Clássico Latim Vulgar Português


ā á á
ă
ē ê ê
ĭ
ĕ é é
ī i i
ō ô ô
ŭ
ū u u
ŏ ó ó

DITONGOS

ae é é
oe ê ê

A metafonia consiste, então, na mudança de timbre de uma vogal,


fugindo da mudança normal apresentada na tabela, por influência de outro
som vocálico na mesma palavra.
Ex: tepidum > tepido > tebido > tebio > tíbio
debitam > debita > debida > devida > dívida

14) Apofonia: consiste na mudança de timbre da primeira vogal por


influência de um prefixo.
Ex: in + salsa > insulso
in + barba > imberbe

15) Rotacismo: é a transformação de qualquer consoante em r [r].


Ex: pallidum > pallido > palido > paldo > pardo

16) Bilabiação: é a passagem v do para o b.


Ex: uascellum > vascellum > vascello > bascello > bascelo >
bascel > bachel > baichel

26
Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

Esquematicamente apresentados, são esses os processos de


metaplasmos mais conhecidos na língua portuguesa. A seguir, acompanhe
alguns outros exemplos de evolução de palavras seguidos das explicações
dos respectivos processos de evolução.

a) thesaurum > thesauro > tesouro


- desnasalização do u
- simplificação ortográfica (th > t) e assimilação vocálica
regressiva parcial (au > ou)

b) palumbam > palumba > palomba > paomba > poomba >
pomba
- desnasalização do a
- evolução da vogal (u > o)
- síncope do l intervocálico
- assimilação vocálica regressiva total (ao > oo)
- crase (oo > o)

c) cribrum > cribro > cribo > crivo


- desnasalização do u
- dissimilação consonantal progressiva total
- sibilação (b > v)

d) cattum > catto > cato > gato


- desnasalização do u
- simplificação ortográfica (tt > t)
- sonorização (c > g)

e) rotundum > rotundo > rotondo > rodondo > redondo


- desnasalização do u e evolução da vogal (u > o)
- evolução da vogal (u > o)
- sonorização (t > d)
- dissimilação vocálica. regressiva parcial

f) populum > populo > popolo > pobolo > poboo > pobo > povo
- desnasalização do u e evolução da vogal (u > o)
- evolução da vogal (u > o)

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
- dissimilação consonantal progressiva parcial
- síncope do l intervocálico
- crase (oo > o)
- sibilação (b > v)

g) gluten > glute > grute > grude


- desnasalização do e
- rotacismo (l > r)
- sonorização (t > d)

h) basium > basio > bajo > baijo > beijo


- desnasalização do u e evolução da vogal (u > o)
- palatização (si > j)
- ditongação (a > ai)
- assimilação vocálica regressiva parcial (ai > ei)

i) sanativum > sanativo > sanadivo > sãadivo > saadivo > sadivo
> sadio
- desnasalização do u e evolução da vogal (u > o)
- sonorização (t > d)
- síncope do n intervocálico e nasalização
- desnasalização do a (ã > a)
- crase (aa > a)
- síncope do v intervocálico

j) Einez > Inês


- monotongação (ei > i)

k) lunam > luna > lũa > lua


- desnasalização do a
- síncope do n intervocálico e nasalização do u
- desnasalização do u

l) coenam > cenam > cena > cẽa > cea > ceia
- monotongação (oe > e)
- desnasalização do a
- síncope do n intervocálico e nasalização do e
- desnasalização do e

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
- ditongação (ea > eia)

m) audio > auço > ouço


- sibilação (di > ç)
- assimilação vocálica regressiva parcial (au > ou)

n) iustitiam > justitiam > justitia > justiça


- consonantização (i > j)
- desnasalização do a
- sibilação (ti > ç)

o) fratrem > fratre > frate > frade > frae > frai > frei
- desnasalização do e
- dissimilação consonantal progressiva total
- sonorização (t > d)
- síncope do d intervocálico
- oclusão (ae > ai)
- assimilação vocálica regressiva parcial (ai > ei)

p) medicinam > medicina > medizina > meizina > mezina > mezĩa
> mezinha
- desnasalização do a
- sonorização (c > z / [s] > [z])
- síncope do d intervocálico
- monotongação (ei > e)
- síncope do n intervocálico e nasalização do i
- palatização

q) matrem > matre > mate > made > mae > mãe
- desnasalização do e
- síncope do r intervocálico
- sonorização (t > d)
- nasalização do a e oclusão (ae > ãe)

r) spinam > spina > ispina > espina > espĩa > espinha
- desnasalização do a
- prótese

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
- evolução da vogal (i > e)
- síncope do n intervocálico e nasalização do i
- palatização

s) regnum > regno > reino


- desnasalização do u e evolução da vogal (u > o)
- vocalização (g > i)

t) velum > velo > veo > véu


- desnasalização do u
- síncope do l intervocálico
- oclusão

u) aurificem > aurifice > ourifice > ourivice > ourivise > ourivese >
ourives
- desnasalização do e
- assimilação vocálica regressiva parcial (au > ou)
- sonorização (f > v)
- sonorização (c > s / [s] > [z])
- evolução da vogal (i > e)
- apócope

v) capio > cabio > caibo


- sonorização (p > b)
- hipértese

w) memorare > memorar > memrar > membrar > nembrar >
lembrar
- apócope
- síncope do o
- epêntese
- dissimilação consonantal regressiva parcial
- dissimilação consonantal regressiva parcial

x) calvariam > calvaria > calavaria > calavaira > caavaira >
cavaira > caveira
- desnasalização do a
- suarabácti

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
- hipértese
- síncope do l intervocálico
- crase (aa > a)
- assimilação vocálica regressiva parcial (ai > ei)

y) rubeum > rubeo > rubio > ruvio > ruivo


- desnasalização do u e evolução da vogal (u > o)
- oclusão (eo > io)
- sibilação (b > v)
- hipértese

z) amabámus > amavámus > amavámos > amávamos


- sibilação (b > v)
- evolução da vogal (u > o)
- sístole

¬ FORMAS CONVERGENTES

As formas convergentes são palavras que têm exatamente a mesma


forma, mas provêm de origens distintas. São os homônimos perfeitos, em
português.

Formas convergentes mesma forma, origens


diferentes

origem X >

origem Y >Palavra
origem N >
...

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
As formas convergentes podem ter origem em:
a) Duas ou mais palavras, com um campo semântico
diferente, latinas
Ex: sanu > sano > são (= sadio)
sunt > são (= verbo ser, eles são)
sanctu > sancto > santo > sãto> são (= santo)

rivum > rivo > rio (= subst.)


rideo > ridio > riio > rio (verbo; eu rio)

filare > filar > fiar (= tecer)


fidare > fidar > fiar (= confiar)

b) Em línguas diferentes
Ex: lĩmã (árabe) lima (latim)
fruta ferramenta

lima (port.)

caapuã (tupi) capponem (latim)


mato ralo galo castrado

capão (port.)

¬ FORMAS DIVERGENTES

As formas divergentes, também chamadas de doublets pelo


franceses e de allotropi pelos italianos, são duas ou mais palavras (no
nosso caso, portuguesas) que têm a sua origem num mesmo étimo latino,
mantendo uma relação semântica.

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

Formas Divergentes mesma origem, formas


diferentes

> palavra 1
Origem > palavra 2
> palavra 3
...

As formas divergentes foram organizadas dentro do seguinte quadro


esquemático:

- divergentes fonético-históricas
- divergentes de vestígios casuais
- hereditárias
- divergentes de flexão gênero-
numérica

FORMAS
DIVERGENTES
- de empréstimo

- divergentes de prefixação
- de formação interna - divergentes de sufixação

1) Formas divergentes hereditárias:

Há divergência hereditária quando duas ou mais formas de comum


base etimológica divergem, no decorrer da História, devido a incidências
que perturbaram a sua evolução lingüística normal.

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
a) Divergentes fonético-históricas: como vimos, em épocas
diferentes e em regiões diversas e afastadas geograficamente, o
tratamento histórico dos fonemas pode mudar.
Ex: plagam > plaga
plagam > plaga > praga
plagam > plaga > chaga

b) Divergentes de vestígios casuais: é bom saber que o ACUSATIVO


é o caso lexicogênico do português, ou seja, é através de tal caso da língua
latina que as palavras passaram do latim para a nossa língua. Porém, às
vezes, as palavras penetram no português através do caso acusativo e,
paralelamente, através de um outro caso, com outra forma.
Ex: dracone (ACUSATIVO) > dragão
draco (NOMINATIVO) > drago

ª Ambas as palavras portuguesas (dragão e drago) se originaram


do mesmo vocábulo em latim, porém, uma veio através do vocábulo no
caso acusativo (dracone) e a outra veio através do caso nominativo
(draco).

Veja mais esse exemplo:

daemoniu (ACUSATIVO) > demônio


daemon (NOMINATIVO) > demo

Há ainda os chamados genitivos patronímicos: são aplicados em


nomes próprios de pessoas e indicam filiação.
Ex: Álvaro Æ Álvares (= filho de Álvaro)
Antônio Æ Antunes (= filho de Antônio)
Pero Æ Peres (= filho de Pero)
Rodrigo Æ Rodrigues (= filho de Rodrigo)

c) Divergentes de flexão gênero-numérica: as palavras neutras, no


singular, terminadas em -u originaram, no português, as palavras
masculinas (mesmo sendo neutras em latim).
Ex: ovum > ovo

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
Por outro lado, as palavras neutras, no plural, terminadas em -a
originaram, na nossa língua, palavras femininas.
Ex: ova > ova

No latim vulgar, o neutro singular da 4ª declinação foi absorvido


pelo masculino singular da 2ª declinação, enquanto que o neutro plural da
4ª declinação, pelo feminino singular da 1ª declinação.

Acusativo SING. terminado em –u palavra masculina em


português

Acusativo PLURAL terminado em –a palavra feminina em português

OBS: Essas que eram as mesmas palavras em latim – porém uma


estava no plural e a outra no singular – originaram palavras diferentes em
português. Daí termos a flexão de número para as duas formas: o ovo – os
ovos ; a ovas – as ovas.

Acusativo singular: ovum (o ovo)


Latim Clássico
Acusativo plural: ova (os ovos)

Acusativo singular: ovum (os ovos)

Latim Vulgar
Acusativo plural: ovam (as ovas) Æ plural analógico

Diverg. Diverg.
de gênero de número

2) Formas divergentes de empréstimo:

Ocorre quando uma palavra de mesmo étimo latino que uma já


existente no português é tomada de empréstimo de uma língua
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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
estrangeira. Passa a haver, então, no léxico, duas palavras com o mesmo
étimo latino: uma por formação interna e outra pro empréstimo lingüístico.
Ex: planum > plano (erudita)
> chão (popular)
> piano (italiano)
> lhano (espanhol)

opera > obra (popular)


> ópera (italiano)

3) Formas divergentes de formação interna:

No processo de evolução e criação de palavras dentro da própria língua,


verifica-se a acumulação de formas. Isso se dá por dois processos:

a) Divergentes de prefixação: ocorre quando prefixos de mesmo


valor semântico concorrem para a formação de palavras.
Concorrem:
- prefixo latino e prefixo latino: multissecular, plurissecular
- prefixo latino e prefixo grego: neolatino, novilatino
- prefixo e seus alomorfes: trespassar, traspassar, transpassar

b) Divergentes de sufixação: ocorre quando sufixos de igual ou


semelhante valor semântico concorrem para a formação de palavras.
Ex:
banquinho, banqueta Æ valor diminutivo
amigão, amigalhão Æ valor aumentativo
negritude, negrura, negridão Æ sufixo formador de
substantivo

¬ FORMAS SINCRÉTICAS

As formas sincréticas não podem ser confundidas com formas


divergentes. Enquanto aquelas são palavras que têm a sua origem num
mesmo étimo latino, apresentando, porém, formas diferentes, essas são
palavras que ainda variam a sua forma na língua. Acontece em dois planos,
principalmente:

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

a) b > v / v > b
Ex: travesseiro / trabesseiro
assovio / assobio
vergamota / bergamota

b) ou > oi / oi > ou
Ex: loiro > louro
coisa > cousa
oiro > ouro

¬ ANALOGIA

A analogia faz parte do processo de evolução de qualquer língua. É


a tendência que a língua tem de uniformizar-se, generalizando as normas,
excluindo as exceções ou submetendo alguns fenômenos a outros
semelhantes.

As três características da analogia são:

- Termo ativo: é o termo que exerce influência sobre outro. Ele


serve modelo para outro.
-
- Termo passivo: é o termo que sofre a influência, que é modelado
pelo termo ativo.
-
- Termo analógico: é o termo resultante da influência do ativo
sobre o passivo.

Ex:
termo passivo: terremoto
termo ativo: terra
termo analógico: terramoto
- O termo terremoto, por analogia, é modificado para terramoto,
uma vez que terremoto é um tremor de terra.

termo passivo: versoriam


termo ativo: varrer

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
termo analógico: vassoura
- Por analogia ao verbo varrer, o vocábulo versoriam, virou,
em português vassoura, quando sua evolução natural seria:
versoriam > versoria > versoira > vessoira >
vessoura
[ > vassoura ]
- desnasalização do a
- hipértese
- assimilação consonantal regressiva total
- assimilação vocálica progressiva parcial
- analogia com o verbo varrer

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

3ª PARTE

- Suplementos –

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

¬ Origens de alguns nomes

NOME: ORIGEM:
Alfredo do Saxão, duende-conselheiro
Adolfo do visigótico, adal (nobre) + wulf (lobo)
Amanda aquela que quer ser amada, em Latim
André do grego, másculo, varão
Arnaldo do germânico, águia que voa alto
Basílio do grego, rei
Beltrão do anglo-saxão, corvo brilhante
Bernardo do germânico, forte como um urso
Bruna do germânico, morena
Carlos do latim, fazendeiro
Carmen poema, em Latim
César do latim, o dos cabelos longos
Cícero plantador de grão-de-bico, em Grego
Cláudio do Latim, aquele que anda com dificuldade
Débora do hebraico, abelha
Dolores do espanhol, dores, pesar
Dulce do Latim, meiga, doce
Fátima do árabe, donzela
Felipe do grego, o amigo dos cavalos
Fernando do germânico, inteligente, protetor
Flávio do Latim, cabelos da cor de ouro
Francisco do Latim, francês
Gérson do hebraico, peregrino
Gilberto do germânico, arqueiro certeiro
Gustavo do sueco, bastão de guerra
Helena do grego, tocha, iluminadora
Hélio do grego, Sol
Jéssica do hebraico, cheia de riqueza
Jonas do hebraico, pombo
Juraci do Tupi, mãe das conchas
Kelly do irlandês, donzela guerreira

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
Leandro do grego, homem-leão
Letícia do Latim, alegria
Lisandra do grego, aquele que salva o homem
Lúcia do Latim, a iluminada
Marcelo do latim, Marcelinho
Márcio do Latim, que tem relação com Marte
Margarida do Latim, pérola
Mari do mar, em Latim
Marta do aramaico, senhora
Mônica do grego, sozinha
Neide do grego, nadadora
Nestor do grego, o salvo
Ofélia do grego, serpente
Otávio do Latim, o oitavo filho
Pâmela do grego, muito doce
Paulo do Latim, pequeno, humilde
Raquel do hebraico, ovelha
Regina rainha, em Latim
Rodrigo do visigótico, hroth (glória) + ric (poderoso)
Silena do grego, zombadora
Silva da selva, em Latim
Sílvio do Latim, da selva
Sofia do grego, sabedoria, ciência
Soraia do árabe, estrela da manhã
Teresa ceifadora, caçadora, em Grego
Tomas do aramaico, gêmeo
Ulisses do grego, o irritado, o nervoso
Valter do alemão, comandante de exército
Vera verdade, em Latim
Vinícius do Latim, aquele que tem a voz agradável
Xavier do basco, proprietário de casa nova

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
¬ FATOS E CURIOSIDADES SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA

- O primeiro documento escrito no Brasil foi a carta do escrivão da


armada de Pedro Álvares Cabral, Pedro Caminha sobre o descobrimento
do Brasil. Ela foi escrita no dia 01 de maio de 1500.

- O nome de batismo mais extenso já registrado no Brasil foi o de D.


Pedro I, que se chamava Dom Pedro de Alcântra Francisco Antônio
João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José
Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon (!!!).

- A língua portuguesa é hoje a língua oficial de Portugal, Brasil, Cabo


Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Macau
e Timor

- Estima-se que a língua portuguesa seja falada por cerca de


170,000,000 falantes, sendo a sexta língua mais falada do planeta,
ficando atrás apenas do Chinês, do Espanhol, do Inglês, do Bengali e do
Hindi.

- Algumas diferenças entre o português do Brasil e de Portugal: um rato


em Portugal pode ser também um mouse de computador, um eléctrico
é um bonde, Carocha é o VW Fusca, um guarda-redes é um goleiro,
um autocarro é um ônibus, um blusão português é uma jaqueta
brasileira, um telemóvel significa um telefone celular, e um comboio é
apenas um trem...

- A Língua Portuguesa foi reconhecida em 1189 com a cantiga A


Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós, dedicada à D. Maria Pais
Ribeiro.

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1) AGUIAR, Gentil de. Estudos Leopoldenses: ortografia portuguesa e


etimologia. Vol. 21, n. 79-80. São Leopoldo: UNISINOS, 1984.

2) ALI, Said M. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo:


Melhoramentos, 1965.

3) BACK, Sebald, HECKLER, Evaldo. Curso de lingüística 1. São


Leopoldo: UNISINOS, 1988.

4) COTRIM, Gilberto. História e consciência do mundo. São Paulo:


Saraiva, 1994.

5) COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de gramática histórica. Rio de


Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976.

6) FARIA, Ernesto. Dicionário escolar latino-português. Rio de Janeiro:


FENAME, 1975.

7) MOISÉS, Massaud. Literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1980.

8) PEZZINI, Anete Amorim, SILVA, Pedro Pinto. Língua portuguesa:


anotações sobre morfologia e sintaxe. São Leopoldo: UNISINOS,
1998.

9) RÓNAI, Paulo. Não perca o seu latim. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 1980.

10) SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo:


Cultrix, 1974.
11) WALTER, Henriette. A aventura das línguas no ocidente. São Paulo:
Mandarim, 1997.

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Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
Sobre o autor e sua obra

G a b r i e l d e Á v ila
O th e r o

Nasceu em Porto Alegre


(RS), em 24 de janeiro de
1978. Formado em Letras
Português/Inglês e Letras
Português pela Universidade
do Vale do Rio dos Sinos -
UNISINOS; Especialista em
Estruturas da Língua
Portuguesa pela
Universidade Luterana do
Brasil - ULBRA; mestrando
do programa de Pós-graduação em Letras, área de Lingüística
Aplicada, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul - PUCRS.

Atualmente, é pesquisador do CNPq pela PUCRS, na área de


Semântica e Pragmática, e editor-responsável da Revista
Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. Também, autor de
vários artigos e livros relacionados à Língua Portuguesa e à
Lingüística.

Bibliografia:

Artigos publicados:

HAAG, Cassiano; OTHERO, Gabriel de Ávila. (2003). Anáforas


associativas: um estudo de corpus aplicado. LINGUANET -
Revista Eletrônica de Comunicação Científica em Língua
Portuguesa; <www.linguanet.hpg.ig.com.br>

OTHERO, Gabriel de Ávila et ali. (2002). Correference and


anaphoric relations of demonstrative noun phrases in
multilingual corpus. DAARC, Portugal.

OTHERO, Gabriel de Ávila. (2002). Lingüística Computacional:


uma nova área de pesquisa para os estudantes de Letras.
Entrelinhas, ano 2, n. 5, Julho. São Leopoldo: UNISINOS.

45
Estudo da História da Língua Portuguesa, Gabriel de Ávila Othero
_____. (2000). A Internet consagra o português falado.
Entrelinhas, ano 1, n. 0, Outubro. São Leopoldo: UNISINOS.

_____. (1999). Curiosidades. Palavra como/vida, ano 8, n. 69-


70, Maio/Junho. São Leopoldo: UNISINOS.

_____. (1999). Neologismos na informática. Palavra


como/vida, ano 8, n. 69-70, Maio/Junho. São Leopoldo:
UNISINOS.

_____. (1998) Empréstimos lingüísticos na linguagem


publicitária. Palavra como/vida, ano 7, n. 65-66,
Novembro/Dezembro. São Leopoldo: UNISINOS.

Livros

OTHERO, Gabriel de Ávila. (2002). A língua portuguesa na sala


de b@te-p@po: uma visão lingüística de nosso idioma na era
digital. Novo Hamburgo: editora do autor.

_____ et ali [orgs]. (1999). Antologia poética luso-brasileira:


do Renascimento ao Romantismo. São Leopoldo: COOPRAC.

_____. (2001). Darwin, Lamarck e a Lingüística. IN: OTHERO,


G. et ali. Não desista... de aprender português. São Leopoldo:
COOPRAC.

_____ et ali. (1999). Dicionário prosódico da língua


portuguesa. São Leopoldo: COOPRAC.

_____. (2000). Introdução ao português histórico. São


Leopoldo: COOPRAC.

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