Sie sind auf Seite 1von 1

Público • Sexta-feira 20 Maio 2011 • 39

Suspeito que a dura realidade da crise se está a impor e que vai determinar as escolhas a 5 de Junho

E agora já só falta a campanha eleitoral

1.
NFACTOS/JORGE MIGUEL GONCALVES
Está na moda, entre os comentadores po- de mudança. A realidade, porém, está a afundar
líticos, salientar a importância das “nar- essa “narrativa”.
rativas”. O importante, dizem, é os can- Primeiro, o diabo vestia a pele do FMI, com quem
didatos terem uma boa “narrativa” e, em Sócrates jurou não estar disponível para governar.
campanha, não se desviarem do guião. Ora, o FMI revelou-se o bom da fita. Depois, o pe-
Nesse exercício algo ficcional o campeão seria, dido de ajuda implicaria males tenebrosos “como
claro, José Sócrates. na Grécia e na Irlanda”, mas isso não aconteceu.
José Eu, que sou um bocado antiquado, prefiro olhar Por fim, se todos os males tinham nascido com a
Manuel para os programas em vez de me deixar deslum- crise política, os números do INE foram o balde
Fernandes brar com as “narrativas”. É que os programas, se de água fria fatal, pois a entrada em recessão e a
levados a sério, traduzem os compromissos dos explosão do desemprego ocorreram ainda antes do
Extremo candidatos enquanto as “narrativas” não passam, chumbo do PEC IV. A “narrativa” do herói solitário
ocidental as mais das vezes, de meras efabulações, de cons- não está pois a funcionar.
truções sem qualquer contacto com a realidade Sobra a “narrativa” do defensor do Estado social
mas com muito marketing, só marketing. contra as investidas neoliberais. Mas também esta
Ora, nestas eleições há dois partidos que se can- está em dificuldades. Afinal, mais de metade dos
didatam com base em programas consistentes e quase 700 mil desempregados já não estão a receber
três que andam mais preocupados com as suas qualquer subsídio. Afinal, o único hospital que havia
“narrativas”. para inaugurar era um privado em Braga. Afinal, os
500 mil ofendidos das Novas Oportunidades não
2. Os dois partidos com programas palpáveis são o o voto de todos os que, à esquerda, não suportam compareceram em peso em Vila Franca de Xira,
PCP e o PSD. Os comunistas porque não pretendem mais Sócrates mas querem influenciar a governação obrigando os serviços públicos, num momento de
criar ilusões: eles foram, são e serão o “partido da – porém, com a posição em que se colocou, verá descarada confusão entre o Estado e o partido, a
resistência”, pelo que as suas propostas, mais do muitos desses eleitores fugirem para o CDS e, tam- enviarem emails para conseguirem quem lá fosse
que concretizáveis, foram, são e serão as dos que bém, para o PSD. Quanto aos que estão “contra isto manifestar a sua gratidão. Afinal, cereja venenosa
já estavam contra a troika mesmo antes de se falar tudo”, esses sabem bem que a “resistência” é mais no topo do bolo das ilusões, a ideia de privatizar as
em troika. Sem surpresas, sem grandes novidades, eficaz quando se alicerça no movimento sindical e Águas de Portugal, essa “aventura irresponsável”,
mas coerentemente. não nas noites do Lux. foi de José Sócrates nos idos do ano 2000.
Já os sociais-democratas apresentaram o único Sem programa e com a “narrativa” em ruínas, o
programa realmente novo e concreto para que an- 5. Chegamos por fim ao partido onde tudo é “nar- “grande actor” começa a ficar sem deixas. Nessa altura
demos todos a discuti-lo. É um programa coerente rativa” e onde o programa, de tão inexistente, até surgem-lhe os tiques salazaristas, como esse de sugerir
com o memorando de entendimento e que tem, para foi esquecido: o PS. A “narrativa”, como nos ex- que na oposição não se faz nada pelos portugueses. O
o país, uma visão que implica “mudar de vida”. Para plicaram os doutos comentadores, foi construída ditador por certo diria o mesmo de Mário Soares.
o PSD, Portugal não sairá da actual crise repetindo no conclave de Matosinhos: de um lado estava um
as receitas do passado, é antes necessário pensar primeiro-ministro que tudo fez e fará para “defen- 6. Faltam agora duas semanas de campanha elei-
em novas fórmulas para a relação entre o Estado, der Portugal”, do outro lado uma oposição “irres- toral. Começo a suspeitar que a dura realidade da
a economia e os cidadãos. Isto se quisermos vol- ponsável” que provocara uma crise política à qual crise vai ser fatal para as belas “narrativas”. Mesmo
tar a crescer e não apenas continuar eternamente se atribuíam todos os males de Portugal. O resto assim não me iludo: as ficções podem esgotar-se,
a anunciar programas de mais cortes e mais aus- da “narrativa” era completado pela invocação da mas os truques e os golpes baixos nunca terão fim.
teridade. Goste-se ou não das propostas do PSD, “crise internacional” e pela exploração dos receios Aguardemos. Jornalista
elas são corajosas e tratam os portugueses como
eleitores adultos a quem se deve
Nestas eleições há falar verdade. Só é pena que, para
Uma lágrima pelo preso mais famoso de Rikers Island
alguns desses comentadores, dizer
dois partidos que se a verdade seja dar tiros no pé.
candidatam com base em a Já que não há mais episódios da sofreria muito com a sua exposição de, nos Estados Unidos, o assédio
3. A apresentação, sábado passa- nova-iorquina série Sex and the pública, pois não sonha com a sexual não costumar ser perdoado.
programas consistentes do, do manifesto eleitoral do CDS City, vamo-nos deliciando com o Presidência da França. Lamento, Agora, como ontem recordava
e três que andam mais constituiu uma tremenda desilu- CSI New York. Aquilo é o máximo: mas ambos merecem-me o mesmo no Financial Times, o escândalo
são. No lugar de um programa à falta de raparigas desinibidas, respeito que o ex-secretário-geral do quarto do Sofitel não mancha
preocupados com as suas surgiram-nos “ideias”, muitas temos uma agente sexy e métodos do FMI, e se posso discutir este apenas DSK, afecta também a
“ideias”, todas suficientemente de investigação que fazem corar a ou aquele hábito da justiça nos reputação de uma imprensa
“narrativas” mais ou vagas para não comprometerem nossa PJ. Aquilo é que é civilização. Estados Unidos, mantenho firme a francesa demasiado tolerante
menos ficcionadas a campanha eleitoral ou, até, cria- E tecnologia. E mentes abertas. convicção que prefiro a celeridade para com os poderosos. Uma
rem a ilusão de que o CDS poderia E… esqueçam: tudo o que de bem dos seus processos e que aprecio imprensa bem integrada numa
colocar-se entre um PSD mais “ideológico” e um PS por aí se dizia sobre Nova Iorque em especial tratar todos por igual, cultura política que, como escrevia
que enche a boca com temas sociais. E isto em no- transformou-se, de um dia para o por muito duro que isso seja para Stephen Clarke no New York Times,
me de quê? Da “narrativa” que Paulo Portas criou outro, em horror absoluto. Miguel quem vai parar à prisão de Rikers teria tratado este caso de abuso
para estas eleições, ou seja, a de que ele próprio é o Sousa Tavares, que ainda há uns Island. O que eu não gosto, mas sexual de forma bem diferente:
líder mais bem preparado para suceder a Sócrates meses aplaudia a celeridade e a não gosto mesmo, é dos hábitos “A vítima teria sido discretamente
na cadeira de primeiro-ministro. Essa quimera, ali- dureza da justiça norte-americana lusitanos e da forma como, informada sobre se valeria a pena
mentada por sound-bytes cirúrgicos, convive bem no caso Madoff, indigna-se agora neste nosso torrão, os poderosos colocar o seu emprego e a sua
com um manifesto que é cobarde onde o programa com a “justiça do faroeste” que continuam a ser demasiado autorização de residência em risco”
do PSD é corajoso. reinaria em Nova Iorque. E se há poderosos mesmo quando têm de e tê-la-iam recordado “de que era a
uns meses ninguém estranhou enfrentar a Justiça. palavra dele contra a palavra dela,
4. Mais complicada é a posição do Bloco, um parti- ver aparecer, no tribunal, Renato Strauss-Kahn, sabe-se agora, pelo que, francamente, ninguém
do que perdeu a “narrativa” e não pode mostrar o Seabra algemado e enfiado não será apenas um mulherengo. a levaria a sério”. Ou seja, o caso
programa, muito mais radical e revolucionário do num fato de presidiário, agora E julgava que, por pertencer a teria sido abafado.
que é palatável pelo seu eleitorado da classe média lamenta-se em todos os círculos uma das elites mais exclusivistas Mais uma vez sou franco: prefiro
urbana. E perdeu a “narrativa” porque, se já não tem politicamente correctos que se do mundo, a francesa, estava a cultura política norte-americana,
causas fracturantes para incomodar o PS, é incapaz tenha fotografado Dominique acima do escrutínio dos seus pares mesmo com as suas componentes
de evoluir para ser um partido de governo. O erro Strauss-Kahn de barba por fazer. e da imprensa. Um dos poucos de faroeste. Porque é muito
fatal foi a decisão de não comparecer aos encontros Aparentemente, Madoff não jornalistas que romperam o menos hipócrita, porque é muito
com a troika sem perceber que o seu eleitorado, ao mereceria nenhum respeito por silêncio foi o repórter do Liberation mais igualitária e porque leva
contrário do eleitorado comunista, tem o sentido do ser “um especulador capitalista” Jean Quatremer, que, quando ele muito mais a sério os direitos das
pragmatismo em política. O Bloco poderia recolher e Renato Seabra também não foi nomeado para o FMI, o avisou mulheres.

Das könnte Ihnen auch gefallen