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ARTIGO ARTICLE 191

Políticas de atenção primária e reformas


sanitárias: discutindo a avaliação a partir
da análise do Programa Saúde da Família em
Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 1994-2000

Primary care policies and health reforms:


an evaluative approach based on an analysis
of the Family Health Program in Florianópolis,
Santa Catarina, Brazil, 1994-2000
Eleonor Minho Conill 1

1 Núcleo de Apoio Abstract This article discusses the evaluation of primary health care policies based on a case
à Municipalização e
study of the Family Health Program in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. The results are pre-
Implementação do SUS,
Departamento de Saúde sented in two stages. First, the Program is placed in the context of the Municipality’s policies,
Pública, Universidade identifying perceptions of the Program at the administrative level. Second, the author studied
Federal de Santa Catarina.
the Program’s practices based on a sample of five family health care teams using an evaluative
Rua Vento Sul 306,
Florianópolis, SC framework including variables on accessibility and comprehensiveness. The Program began rel-
88063-070, Brasil. atively late in the State capital, but developed a unique model. There is a greater supply of ser-
eleonorc@bol.com.br
vices available to the population not covered by private health plans, although there is a major
diversity of practices. The degree of implementation is moderately adequate: the care provided is
more comprehensive, but there are problems with access (in the ratio between staff and number
of families covered). It is suggested that such proposals for reorienting health care models tend
towards rationalization, political legitimization, or democratization of services. The accessibili-
ty policy can set the predominant direction.
Key words Evaluation; Primary Health Care; Family Health Program; Health Policy

Resumo Discute-se a avaliação de políticas de atenção primária, a partir da análise do caso de


implantação do Programa Saúde da Família (PSF) em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Os
resultados são apresentados em duas etapas. Na primeira, o programa foi contextualizado nas
políticas municipais identificando-se sua percepção em nível de gestão. Na segunda, foram estu-
dadas as práticas numa amostra de cinco equipes usando-se o acesso e a integralidade como ca-
tegorias operativas. O PSF começa com relativo atraso na capital passando de principiante para
um modelo singular. Há maior disponibilidade da oferta para a população não beneficiária de
planos de saúde, embora haja ainda grande diversidade das práticas. O grau de implantação é
moderadamente adequado: há maior integralidade na atenção, mas existem problemas no aces-
so (relação equipe/número de famílias). Sugere-se que tais propostas de reorientação de modelos
assistenciais tendem à racionalização, legitimação política ou democratização dos serviços. O
encaminhamento da problemática referente ao acesso pode determinar a direção predominante.
Palavras-chave Avaliação; Cuidados Primários de Saúde; Programa Saúde da Família; Política
de Saúde

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Introdução Na trajetória de sua difusão surgiram diferen-


tes denominações traduzindo reconstruções
A reforma sanitária brasileira pode ser consi- contextuais: atenção e cuidados primários, me-
derada tardia, preconizando princípios demo- dicina simplificada, saúde ou medicina comu-
cráticos racionalizadores com implementação nitária e no atual contexto brasileiro, saúde da
do Sistema Único de Saúde (SUS) numa con- família. A discussão acerca de continuidades e
juntura neoliberal. As mudanças ocorridas na rupturas dessa formulação nacional, bem co-
política de saúde após a Constituição de 1988, mo a fundamentação dos fatores que explica-
teriam levado a uma inclusão segmentada, ou riam tais reconstruções e o surgimento desta
seja, diversos “cidadãos” de diferentes “quali- política em diferentes conjunturas, fogem dos
dades” cobertos por distintos benefícios (Fleury, objetivos deste trabalho mas podem, em parte,
1994). Apesar de avanços político-administra- ser obtidas em estudos anteriores (Conill, 1982;
tivos, reconhecem-se dificuldades para ade- Conill & O’Neill, 1984). O que queremos salien-
quar o modelo assistencial aos princípios re- tar aqui é a presença constante dos seguintes
formadores com maior eqüidade no acesso e princípios organizativos: territorialidade com
na integralidade das práticas. adscrição de clientela, integralidade das ações,
A descentralização, com a municipalização trabalho em equipe, apelo à participação e in-
e a consolidação de sistemas locais segundo a tegração a um sistema regionalizado e hierar-
estratégia da saúde da família, surgem como quizado.
políticas setoriais que poderiam facilitar a su- A segunda hipótese é de que o conjunto des-
peração dessas dificuldades (MS, 1993, 1994, ses princípios se articulariam em torno de dois
1996, 1998, 2001). Inicialmente considerado co- pólos principais, um mais tecnocrático (medi-
mo um programa, o saúde da família é alçado à das inovadoras e de racionalização das práti-
condição de estratégia para reorientação da as- cas) e outro mais participativo (democratização
sistência, que passaria a ser guiada pelos prin- e controle social), sendo necessário investigar
cípios de uma política de atenção primária ou possíveis direções ou tendências a partir deles.
de atenção básica. Quanto ao percurso realizado, começamos
Para alguns autores, estaria ocorrendo uma por selecionar estudos relacionados ao tema de
interação positiva entre este programa e a des- forma a responder duas perguntas iniciais: quais
centralização. O Programa Saúde da Família as evidências e avaliações existentes quanto à
(PSF) teria favorecido a organização de Conse- viabilidade e resultados de políticas de atenção
lhos e Fundos e, ao evidenciar dificuldades no primária? Qual a situação da implantação des-
pagamento por procedimentos, teria contri- sa política no país? A primeira parte do texto
buído para que as Normas Operacionais Bási- apresenta uma síntese das respostas encontra-
cas (NOBs) (MS, 1993, 1996, 2001) regulamen- das a estas questões.
tassem a remuneração das ações (Viana & Dal Embora a avaliação implique num juízo de
Poz, 1998). valor, a questão operacional continua predo-
No entanto, torna-se necessário contextua- minante, fazendo com que seja a medida e não
lizar para os países periféricos, o atual sentido o juízo a questão mais desenvolvida. A omissão
e a efetividade dessas propostas de reordena- em tratá-la implica pôr em plano secundário a
mento do modelo assistencial, em função tam- análise da situação inicial e da transformação
bém de suas relações com idéias contidas no pretendida, desconhecendo a existência de di-
documento do Banco Mundial (1993) sugerin- versos olhares sobre uma mesma realidade e a
do uma ação estatal focalizada. Por essa razão, necessidade de integrá-los. Optou-se então, por
este texto traz elementos para a avaliação de uma metodologia avaliativa abrangente para
políticas de atenção primária, tendo como re- realização da parte empírica do trabalho, usan-
ferência sua emergência no país e o estudo do do-se triangulação de método, fontes e dados,
caso de sua implantação em Florianópolis, ca- tendo escolhido o acesso e a integralidade en-
pital do Estado de Santa Catarina, no período quanto categorias operativas, o que será melhor
1994-2000. desenvolvido na parte referente à metodologia.
Algumas hipóteses embasaram nosso estu- Na conclusão, estabelecemos um diálogo
do. A primeira delas é de que, embora alguns com os trabalhos selecionados, buscando au-
aspectos do conteúdo de reformas orientadas mentar a validade de nossos resultados, apon-
pela atenção primária sejam antigos, sua emer- tando aspectos referentes ao grau e tipo de im-
gência como proposta organizativa para siste- plantação do programa em Florianópolis, além
mas de saúde é mais recente e está ligada ao de sugerir que o acesso pode ser um possível
movimento de medicina comunitária america- indicador das tendências deste tipo de propos-
no dos anos 60 (Donnangelo & Pereira, 1976). ta no contexto brasileiro.

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POLÍTICAS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA E REFORMAS SANITÁRIAS 193

Efetividade da atenção primária, o SUS tência à puérpera, criança, adolescente, adul-


e a estratégia de saúde da família tos, idosos, pequenas cirurgias, coleta para exa-
me papanicolau, planejamento familiar, con-
Em 1994, o PSF foi definido como “um modelo sulta ginecológica, controle da hipertensão, dia-
de assistência à saúde que vai desenvolver ações betes, DST, hanseníase e tuberculose e vigilân-
de promoção e proteção à saúde do indivíduo, cia epidemiológica (75% das equipes). Afirma-
da família e da comunidade, através de equipes se haver disponibilidade relativamente boa de
de saúde, que farão o atendimento na unidade instrumentos e apoio diagnóstico básico em
local de saúde e na comunidade, no nível de mais de 50% das equipes, já a cultura de urina,
atenção primária” (MS, 1994:6). Além do aten- eletrocardiograma, colposcopia e ultra-sono-
dimento, suas atividades incluem programa- grafia existem em menos de 50%. Somente 15%
ção, grupos terapêuticos, visitas e internações dispunham de todas as condições para a reali-
domiciliares, entre outras. zação do pré-natal.
Um novo manual (MS, 1998), enfatiza a reo- A maioria dos coordenadores estaduais e
rientação da assistência e o caráter substituti- secretários municipais afirmou que o PSF vem
vo do PSF que possibilitaria uma mudança das se constituindo em uma estratégia de reorgani-
práticas centrada nos princípios da vigilância à zação da atenção básica. As principais limita-
saúde. Essa idéia do programa como modelo ções para sua operacionalização seriam decor-
para o conjunto da rede consolida-se nos docu- rentes da formação inadequada dos profissio-
mentos mais recentes (MS, 2000, apud Berton- nais, número insuficiente de médicos, falta de
cini, 2000). Para o Ministério da Saúde (MS), se- recursos financeiros e de entendimento por
ria um equívoco a idéia de que se trate de uma parte dos gestores.
política para pobres com utilização de baixa Bertoncini (2000) analisou a implantação
tecnologia. A cobertura populacional prevista do PSF em Blumenau, complementando a ba-
passa a ser de 600 à 1.000 famílias com limite se desse inquérito com triangulação de dados
máximo de 4.500 habitantes por equipe. e fontes. Há concordância quanto ao aumento
Dois trabalhos de envergadura nacional ava- do acesso e da integralidade, mas é provável
liaram o PSF. Vianna & Dal Poz (1998), conside- que os porcentuais do aumento de atividades
ram-no uma estratégia de reforma incremental estejam super estimados. Utilizando a classifi-
com expansão a partir de 1995/1996. Identifi- cação de Merhy (1997, apud Bertoncini 2000),
cam três modelos: regional, singular e princi- a autora mostrou que as tecnologias “leves”
piante. O que melhor dá resultados é o regio- (vínculo, acolhimento) e “leve-duras” (saberes
nal, fortemente apoiado por políticas estaduais estruturados do processo de trabalho) não são
sinérgicas (Ceará e Pernambuco). Há aumento pré-determinadas e variam entre as equipes.
da produção, o tipo de gestão não parece inter- Em outro estudo neste mesmo município cata-
ferir, havendo problemas na composição e ma- rinense, o programa foi identificado por gesto-
nutenção das equipes. As visitas a domicílio são res, técnicos e conselheiros como um dos res-
realizadas principalmente pelos agentes, com ponsáveis por inovações e pelo resultado favo-
pouco envolvimento dos profissionais de nível rável encontrado entre a descentralização e
superior. O PSF teria se expandido num vazio melhorias no acesso e na integralidade do sis-
programático para a questão assistencial do tema municipal. Houve discreta diminuição
SUS, argumentando-se não existir conflito na das internações hospitalares no período (1994-
focalização dentro do universalismo. 1998), relacionada à efetividade da rede básica
Outro trabalho importante foi um inquéri- (Ortiga, 1999).
to realizado com 3.119 equipes de 1.219 muni- Alguns estudos enfocaram a avaliação da
cípios de 24 estados, (80% de participação em atenção primária e da saúde comunitária no
Santa Catarina) (MS, 2000). Os resultados na- âmbito internacional. A análise da implanta-
cionais mostraram que a implantação ocorreu ção da reforma quebequense nos anos 70, mos-
entre 1997 e 1998, sendo a equipe mínima for- trou que a integralidade da atenção (“la globa-
mada por médico, enfermeiro, auxiliar/técnico lité”) foi o objetivo com maior expressão práti-
de enfermagem e agente comunitário de saúde ca nos Centros Locais de Serviços Comunitá-
(ACS) (dos outros profissionais citados, o odon- rios (CLSC), porta de entrada da nova rede. No
tólogo foi o principal com 28,8%). entanto, apesar de terem ocorrido inovações,
Há alto percentual de adesão aos princípios tais práticas permaneceram marginais, não
chaves tais como: definição do território, ads- sendo suficientes para imprimir uma mudança
crição das famílias, cadastro, prontuário fami- no modelo assistencial (os médicos praticando
liar e agenda. Foi referida a ampliação do aces- nos CLSC representavam na época, em torno
so nas seguintes atividades: pré-natal, assis- de 10% dos generalistas da província). Porém,

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essas organizações voltam à cena na reforma riam ter uma expressão na prática, articulados
mais recente, em função da chamada “virada em torno de dois grandes blocos: o acesso e a
ambulatorial” (Conill, 1982, 2000; Godbout, integralidade. A escolha dessas categorias fun-
1979). damentou-se em dar continuidade a estudos
Vejamos agora mais alguns elementos acer- realizados nessa linha de pesquisa (Bertoncini,
ca da implantação de uma política dessa or- 2000; Hortale et al., 1999; Ortiga, 1999). Tam-
dem no contexto brasileiro, por meio da análi- bém foram consideradas como variáveis, os fa-
se do caso do PSF em Florianópolis. Após algu- tores explicativos ou condições relacionadas
mas considerações metodológicas, apresenta- com os efeitos desse programa (estrutura ou
mos o resultado da avaliação realizada, divi- condições para desempenho, contexto, histó-
dindo-a em duas etapas: percepção do progra- ria e características da equipe), já controlados
ma em nível de gestão e o perfil das práticas no processo de amostragem. A grade avaliativa
em nível local. foi construída de forma concomitante à coleta
e análise dos dados para verificação de sua via-
bilidade e validade, apresentando-se sua for-
Metodologia mulação final na Tabela 1.
Utilizaram-se três roteiros para coleta de
Num primeiro momento, o programa foi con- dados (janeiro/maio de 2001): condições de es-
textualizado nas políticas municipais, identifi- trutura, entrevista com coordenadores e famí-
cando-se sua percepção em nível de gestão lias, relatórios do SIAB (08/2000-04/2001),
(dezembro/1999 – março 2000) com análise te- complementados por diários de campo e ou-
mática a partir de entrevistas semi-estrutura- tros documentos. O SIAB fornece dados do ca-
das com técnicos e gestores, documentos, atos dastramento das famílias, acompanhamento
legislativos e observação participante da IV de grupos prioritários e marcadores de desem-
Conferência Municipal de Saúde. Na segunda, penho, além do registro de atividades. Por ter
foram estudadas as práticas numa amostra in- sido implantado recentemente, foi necessário
tencional de cinco equipes por meio de obser- estudo preliminar para seleção das informa-
vação direta, entrevistas, documentos e análise ções com maior validade de conteúdo e preen-
quantitativa do Sistema de Informação da Aten- chimento.
ção Básica (SIAB). O universo compreendia as
25 equipes existentes no período 2000/2001. A
amostra levou em conta, critérios que podem O PSF no contexto das políticas
influenciar o produto de uma organização de municipais e a percepção em nível
atenção primária tais como, contexto ou carac- de gestão
terísticas da comunidade, história e interesses
dos atores que iniciam a experiência (Conill, No inicio do século XX, ocorrem intervenções
1982; Godbout & Martin, 1974). A escolha foi no meio com o saneamento e modernização
discutida com informantes chaves para au- urbana da capital catarinense. Nos anos trinta
mento da validade. Sua composição final re- e quarenta, a estrutura sanitária é reorganiza-
presentou o município em termos de região, ti- da por orientação do Departamento Nacional
po de comunidade e antigüidade das equipes. de Saúde, criando-se o Departamento Estadual
As letras G e P e os números 1 e 2, identificam de Saúde Pública. O Estado foi dividido em
gestores e profissionais da primeira e segunda Distritos Sanitários, todos com um Centro de
gestões e a letra C, coordenador de equipe lo- Saúde, sendo Florianópolis sede do primeiro
cal, sem especificação do posto de saúde para desses distritos, com amplo Centro de Saúde
preservação do anonimato. localizado em área central. Em 1950, surgem
Para fins exploratórios, incluiu-se no estu- hospitais estatais consolidando-se as Secreta-
do a opinião de vinte famílias, quatro por equi- rias Estadual e Municipal. Esta última, apenas
pe, solicitando-se ao agente que indicasse duas recentemente foi desmembrada da Secretaria
freqüentadoras e duas pouco freqüentadoras. de Educação (Lei 2.350/85).
Na amostra final predominaram as seguintes A capital se modificará muito a partir dos
características: os respondentes foram mães, anos 60 e 70, com a abertura da Universidade
primeiro grau incompleto, renda familiar de 1 Federal, novos órgãos públicos e obras de in-
a 3 salários, compostas de 4 a 6 pessoas, acesso fra-estrutura obedecendo a estratégia governa-
à água potável, tempo de moradia na área su- mental de um projeto catarinense de desenvol-
perior a dez anos. vimento. No entanto, somente a partir de 1970
A operacionalização das variáveis teve co- é que a Prefeitura começa a contratar médicos
mo referência os princípios do PSF, que deve- e os Postos vão surgindo no interior da ilha.

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POLÍTICAS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA E REFORMAS SANITÁRIAS 195

Tabela 1

Operacionalização do acesso e integralidade.

Variável/Dimensão Indicadores Medida

Acesso
Físico Área, material, equipamentos, Observação direta; relação
recursos humanos equipes/população cadastrada;

Vínculo psico-sociocomunitário Disponibilidade de serviços Observação, entrevistas;


e interação

Integralidade
Caráter completo do cuidado Gama de serviços ofertados Produção por prioridades
epidemiológicas/perfil da demanda;
ações curativas, preventivas e
promoção; situação dos marcadores;

Continuidade Referência; acompanhamento Percepção; relação cadastrado/


dos grupos de risco; atendimento acompanhado; visitas/famílias;
domiciliar distribuição para integrantes.

Fonte: Conill et al. (2001).

Cresce no cenário nacional, o movimento pela Estado de Santa Catarina. A capital mostra par-
reforma sanitária e integração dos serviços. Há ticularidades nesse sentido com atraso relativo
um convênio inovador de Ações Integradas no em comparação a outros municípios de porte
Município de Lages (1985), mas é a promulga- semelhante. As discussões iniciaram-se nesse
ção do SUS que desencadeará no estado um ano, mas somente em 1996 foram implantadas
processo rápido e marcante de descentraliza- seis equipes cobrindo quatro áreas, aumentan-
ção, com maior autonomia técnica e financeira do esse número para 25 no período de 1997/
decorrente do repasse da totalidade dos recur- 2000, conforme veremos a seguir.
sos para alguns municípios (Norma Operacio- Diversas razões foram enumeradas para ex-
nal Básica 01/93). A Secretaria Municipal de De- plicar esse atraso, mas o que prepondera é a
senvolvimento Social (SMDS) de Florianópolis, questão político-ideológica, tanto no sentido de
no entanto, assume a modalidade de gestão par- oposição ao seu conteúdo, como pela existên-
cial, incorporando sob sua gerência apenas os cia de projeto gerencial próprio da Frente Po-
serviços de saúde de atenção básica da capital. pular, coligação de centro-esquerda responsá-
A população de Florianópolis é hoje da or- vel pelo poder municipal nesta gestão. Foram
dem de 280 mil habitantes. Embora haja dimi- priorizadas oficinas de territorialização para a
nuição no crescimento, a cidade vem receben- rede como um todo, numa conjuntura nacio-
do fluxos migratórios com formação de bolsões nal em que a proposta ainda não era conside-
de pobreza. As atividades econômicas são cen- rada uma estratégia de reforma do modelo as-
tradas no setor terciário. No perfil epidemioló- sistencial, sem segurança de sua continuidade.
gico destaca-se a queda da mortalidade infan- É a troca de orientação política do poder
til a partir da década de 90, atualmente inferior municipal que determinará mudanças impor-
à do estado. Além da mortalidade por doenças tantes nas características de sua implantação.
do aparelho circulatório e das causas externas, Passa-se agora para uma fase expansionista
problemas comuns ao conjunto da sociedade com uma política denominada de “internação
brasileira, chamam a atenção localmente, as do PSF”, que significará adequar gradativa-
neoplasias, as doenças respiratórias e a AIDS. mente todas as unidades da rede aos seus prin-
A rede pública municipal tem 51 unidades com cípios. Outro aspecto desta nova etapa é a gran-
15 centros de saúde tipo II/CSII e 32 tipo I/CSI. de expansão do Programa de Agentes Comuni-
Das equipes atuais de PSF 13 situam-se em CSI tários de Saúde (PACS), pouco comum em ca-
e 12 em CSII. pitais da Região Sul, com 561 agentes, sendo
Em 1994, foi assinado o convênio para im- Florianópolis a primeira capital com cobertura
plantação de 28 equipes de saúde da família no total da população. Assim, chega-se ao número

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de 25 equipes com 20 áreas cobertas, igualda- consenso quanto ao fato de que os recursos hu-
de numérica a das cidades pioneiras. manos constituem problemática central. Re-
Há uma diferença na percepção do progra- crutamento, capacitação, motivação, supervi-
ma entre as duas gestões. Para a gestão que o são e rotatividade foram os principais proble-
inicia, apesar de sua expansão, o PSF abre ca- mas apontados. Obter pessoal com formação
minho para o clientelismo, encerrando contra- adequada, principalmente no que se refere aos
dições importantes como a tensão entre “medi- médicos, esbarra no número reduzido de resi-
cina para pobres” ou catalisador de mudanças dências nessa área e na atração pelas especiali-
na qualidade dos serviços, ou ainda um apelo dades com maior absorção no atual mercado
para simples obtenção de recursos financeiros. de trabalho. Sendo os recursos escassos, a ca-
“Falta só a postura de assumir o PSF, poden- pacitação, a educação continuada e a supervi-
do ter dois objetivos, realmente melhorar a tua são aparecem como uma fragilidade na im-
assistência à saúde ou fazer uma política cliente- plantação do modelo expandido na rede. A es-
lista e assistencialista dentro dos moldes que eu já se fato somam-se dificuldades pelas demandas
comentei, contratar o mínimo possível, botar pa- psico-afetivas e de ordem ética, que implicam
ra atender a população para amenizar a tensão a prática coerente com as propostas de saúde
social e captar isso na época das eleições...” (P1). da família. Outro bloco importante de ques-
Para a gestão atual trata-se de uma política tões, refere-se a aspectos gerenciais e organi-
de reforma incremental que acrescenta à des- zacionais: composição e tamanho da equipe,
centralização (MS, 1993, 1996, 2001), uma pro- referência para especialidades e apoio diag-
posta de reorientação do modelo, com ênfase nóstico, compatibilização com programas exis-
na promoção e prevenção favorecendo uma ra- tentes, relação PACS/PSF, acompanhamento,
cionalização salutar ao setor, com diminuição controle e avaliação, e apoio estadual. Aponta-
de internações. se a necessidade de diminuir o número de fa-
“Eu acho que foi uma das melhores idéias mílias a serem cuidadas, além de realizar uma
surgidas dentro do SUS, desde que surgiu o SUS, adequação de sua composição de forma a in-
porque realmente, o PSF funcionando, ele resol- cluir outros profissionais.
ve 90% dos problemas da população, não preci- A relação entre PACS e PSF gera controvér-
sa internar, não precisa ir atrás de exame espe- sias, determinadas pelo grande número de
cializado, então é um investimento que se faz e agentes e por seu treinamento orientado para
lá na frente se está ganhando. É um investimen- a função de auxiliar de enfermagem. Para um
to que, pegando o dinheiro de quem não é inter- grupo de entrevistados isto os desviaria da fun-
nado, que não faz exames, etc., dá para pagar e ção comunitária e de vigilância, dirigindo-os
sobra dinheiro, não tenho dúvida disso. Foi para cuidados, além de contemplar objetivos
uma das melhores políticas que foram feitas ul- clientelísticos. Para outros, traz a garantia de
timamente. Ele funcionando diminui as emer- que as famílias serão melhor acompanhadas. O
gências, as internações” (P2). fato de estarem rastreando problemas prioritá-
Ancorada nessa percepção positiva, essa rios pode inicialmente sobrecarregar a deman-
gestão pretende adequar toda a rede aos prin- da com maior afluxo aos postos, mas seria tam-
cípios do programa, estratégia que é vista tam- bém uma pressão para o aumento do número
bém, como uma forma de expandi-lo a menor de equipes. No momento, esses dois programas
custo: é oferecida para as equipes existentes a não atuam de forma integrada. Há uma unani-
possibilidade de dobrar a carga horária com- midade de que a referência por serviços espe-
plementando-se a diferença salarial. O cadas- cializados e para apoio diagnóstico constitui
tramento de toda a cidade com sua divisão em um nó crítico.
microáreas, a atuação dos agentes e a implan- A gerência, o acompanhamento, o controle
tação do SIAB completariam o círculo da estra- e a avaliação do programa parecem ser ainda
tégia expansionista. precários. Faltariam quadros técnicos mas a
O atual perfil das práticas corresponde a implantação do SIAB é vista com otimismo. Pa-
três modalidades: modelo “clássico”, equipes ra uns, trata-se apenas de uma questão de tem-
do Distrito Docente-Assistencial (DDA) (con- po e ajuste; para outros, a estratégia expansio-
vênio com a Universidade Federal) e equipes nista se é positiva por difundir na rede os prin-
do PSF, estas se diferenciando em etapa inicial cípios de integralidade, quando não associada
e etapa de expansão. A problemática apontada a um acompanhamento, traz o perigo de me-
pelos entrevistados na implantação do progra- lhorias salariais sem diferenciação de desem-
ma pode ser classificada em três grandes blo- penho.
cos: recursos humanos, financiamento e aspec- Perguntados sobre os avanços do programa,
tos gerenciais e organizacionais. Há um grande os entrevistados referem: melhorias no acesso

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para população não beneficiária de planos de estar satisfeita com a humanização que encon-
saúde, na prevenção com diminuição de inter- tra nesse posto.
nações, nos salários, nas formas de financia- A comunidade onde se situa o posto Prima-
mento federal e, uma “contaminação” positiva vera é antiga na ilha, de nível socioeconômico
do aparelho formador e do sistema de saúde. misto. Os dados da análise da demanda são
No entanto, a percepção de tais avanços não coincidentes com suas características, revelan-
parece ser ainda generalizada. Na análise do do uma concentração da população adulta e
material oriundo da observação participante coerência das atividades com essa demanda.
da IV Conferência Municipal (2000), as propo- Chama a atenção o alto porcentual de referên-
sições referentes ao PSF foram no sentido de cia para atendimento especializado. O agente
sua ampliação, adequação das equipes e inte- comunitário é de novo considerado como a
gração entre PACS e PSF, obtenção de melho- principal mudança. Embora haja aumento da
rias no acesso e integralidade da rede. Isto sig- oferta de profissional médico, a inadequação
nifica que os resultados positivos do programa da relação população/demanda é também o
ainda não produziram efeitos visíveis para o grande problema da equipe.
público presente ao evento. Já Vento Sul, ao contrário dos demais, tem
No entanto, o PSF evolui de um programa condições de estrutura regular, sendo o único
isolado para uma estratégia de reorientação do recurso de uma comunidade carente. O aten-
modelo assistencial na rede pública, havendo dimento cobre o conjunto de faixas etárias. Re-
concordância quanto à visibilidade dessa traje- lata-se uma interação importante com a comu-
tória tanto em nível local como nacional. En- nidade, notando-se que na falta de motorista,
cerra no entanto contradições, tanto ideológi- foi o Conselho Comunitário que passou a exer-
cas quanto operacionais. Vejamos a prática. cer tais funções. A gama de serviços é ampla,
mas os problemas também se concentram no
dimensionamento da equipe e na referência.
O perfil das práticas: acesso, Para a comunidade e para a coordenação, o
integralidade e grau de implantação agente comunitário é quem faz a diferença; há
visitas e uma oferta melhor de serviços inclusi-
O posto Esperança trabalha com uma popula- ve preventivos (grupos de hipertensos e diabé-
ção mista, numa área onde convivem prédios ticos). Mas citam-se os problemas de acesso já
de luxo com casas simples ou mesmo popula- referidos.
ção desfavorecida. O perfil de utilização cor- Tradição é um posto antigo como Vento Sul,
responde ao desse último grupo. Há um gran- um dos primeiros na implantação do progra-
de número de famílias por equipe. A estrutura ma. A comunidade é pobre, com presença de
física é excelente. Há uma ampla gama de ser- movimentos sociais. No perfil de utilização pre-
viços, incluindo prevenção, estando as visitas dominam mães e crianças, o clássico de uma
concentradas nos agentes. Houve capacitação área desfavorecida. Há equipamentos e capaci-
variada para os diferentes componentes da tação. A estrutura também não é adequada,
equipe. É um posto próximo à área de gestão e seu problema é como nos demais, um quanti-
por isso recebe boa supervisão. São apontados tativo mal dimensionado. As atividades são
problemas de referência e seu desempenho nos coerentes com a clientela, aparecendo o PACS
dados quantitativos não corresponde, surpre- como o avanço mais expressivo, referido tanto
endentemente, à média das equipes. Para a co- pela coordenação como pela comunidade. A
munidade, o PSF significa os agentes. Embora percepção da comunidade é coincidente com
o posto tenha facilidades de estrutura, o aces- os problemas estruturais e de acesso, embora
so, incluindo sua dimensão psicossocial, é re- identifique uma diferença após a existência do
ferido como problemático. PSF referindo melhorias na oferta.
Bem-Estar é um posto com características Na análise comparada do perfil de utiliza-
particulares pois faz parte do DDA. A comuni- ção dos postos, nota-se um predomínio da fai-
dade é mista, no entanto, a diferença entre xa de 0-4 anos e de adultos jovens de 20-39. Em
classes não é tão marcante quanto em Espe- alguns postos já é evidente o envelhecimento
rança. O que chama a atenção em Bem-Estar é da população usuária. A média de consultas é
a incorporação de atividades inovadoras, como mais ou menos homogênea, da ordem de 700/
uma farmácia viva e a grande referência à hu- mês, com exceção conforme assinalado, do
manização dos cuidados e da postura do médi- posto Esperança. A distribuição pelos princi-
co ali existente. Há uma boa estrutura mas são pais tipos de atividades epidemiologicamente
apontados problemas de sobrecarga no dimen- prioritárias mostra preponderância da pueri-
sionamento da equipe. A comunidade parece cultura e do pré-natal. Há adequação nos pos-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):191-202, 2002


198 CONILL, E. M.

tos Primavera e Vento Sul ao perfil de utilização, xo. Havendo problemas na referência para es-
com porcentual expressivo de doenças crôni- pecialidades, o mais complexo torna-se tam-
co-degenerativas (hipertensão e diabetes). Isto bém difícil. Estes fatos podem comprometer os
não ocorre em Bem-Estar. Observa-se um alto avanços na integralidade.
porcentual de encaminhamentos no posto Pri- “Ele poderia favorecer se tivesse equipe que
mavera, os demais se situam em torno de 2-4% coincidisse realmente com o que o Ministério
(Tabela 2). preconiza, seria de 800 a 1.000 famílias. Mas
A relação equipe/famílias cadastradas é su- quando tu tens duas equipes para atender qua-
perior ao previsto em todos os postos, princi- se o que 4 equipes fariam, tu não consegues
palmente em Esperança (3.771 famílias) e Ven- nunca atender nem a questão do acesso nem
to Sul (2.104). As visitas são feitas principal- nenhum dos princípios, acho, do SUS, se tu não
mente pelos agentes, os médicos realizam mais tiver o número de equipe para atender”(C).
essa atividade do que a enfermagem, com exce- “A gente precisa da consulta com especialis-
ção de Tradição e Esperança (Tabela 3). Os mar- ta para continuar acompanhando o paciente e
cadores de processo e resultado mostram acom- muitas vezes não se está conseguindo, então
panhamento adequado de diabéticos, hiper- acho que isso afeta bastante a integralidade.
tensos e gestantes e crianças, situando-se acima Então acho que está sendo prejudicada não só
de 80% dos cadastrados em todas as equipe. no sentido do mais complexo, mas no sentido do
A integralidade é entendida pelas coorde- menos complexo. Hoje eu não posso dar uma
nações dos postos como um conjunto amplo atenção menos complexa por que eu não tenho
de ações, um acompanhamento diferenciado e tempo, e eu não posso dar uma atenção mais
ampliado de indivíduos, não apenas consulta. complexa por que não tenho a referência fun-
A percepção é de que o PSF gerou avanços na cionando”(C).
prevenção, na consciência sanitária e na reali- São citados como conseqüências desse mau
zação de visitas domiciliares. O agente é citado dimensionamento, dificuldades para realiza-
como um grande fator de mudança nesse sen- ção de visitas, grupos e seguimento de pacien-
tido. Há também uma maior disponibilidade tes com curativos domiciliares, por exemplo.
de consultas médicas. De um modo geral, a estrutura, a área física,
“Não melhorou só na questão de saúde, me- seu estado de conservação e os equipamentos
lhorou na questão de organização comunitária, são considerados adequados para o exercício
de liderança, nós temos o Conselho Local de da atenção primária.
Saúde, que iniciou em 1996, foi o primeiro Con- As dificuldades apontadas pela coordenação
selho Local de Saúde que existe de Florianópo- quanto ao acesso, coincidem com a percepção
lis, foi o nosso. Muita coisa melhorou, mesmo das famílias em obterem consultas no posto ou
com todo esse problema que a gente vive hoje com especialistas. Consideram que há avanços,
nós tivemos muito avanço dos serviços ofereci- mas não conhecem o PSF como tal. A grande
dos aqui dentro” (C). diferença é a existência do agente, embora refi-
“O PSF está estimulando as pessoas a irem ram também as visitas e as atividades de gru-
mais ao posto por causa dos agentes comunitá- pos. Tanto população e coordenação, quando
rios, os agentes comunitários vão na casa e sen- perguntadas a respeito do que mudariam, con-
sibilizam as pessoas para que elas façam o seu firmam as dificuldades do acesso, pois as ações
acompanhamento de hipertensão, diabetes ou se concentrariam na contratação de profissio-
da criança. Ele vai lá busca, vê porque a criança nais e mudanças na estrutura física com maior
faltou, ele mesmo agenda a consulta, traz aqui oferta de serviços. As famílias citam ainda a ne-
para mim ou quem está responsabilizado e co- cessidade de uma gama mais ampliada de aten-
loca, agenda a consulta. Então a gente tem essa ção, referindo-se à figura do dentista.
troca, a gente consegue fazer essa troca através O conjunto das informações obtidas gerou
do agente comunitário... Quando eu entrei aqui grades avaliativas do grau de implantação em
estava recém começando o PSF, não tinha tanto cada uma das equipes. A síntese dos fatores ex-
movimento quanto tem agora. Agora a gente plicativos/condições de implantação mostra
tem uma demanda muito maior eu acho que es- que o PSF em Florianópolis está adequado no
ta troca está funcionando, a gente está conse- que se refere à sua estrutura física, área e equi-
guindo acompanhar as pessoas” (C). pamentos. É inadequado quanto ao item re-
A grande unanimidade, no entanto, é de que cursos humanos medido pela relação número
esses avanços são prejudicados pelo dimensio- de equipes/famílias, o qual está subdimensio-
namento inadequado entre equipe e popula- nado e, moderadamente adequado quanto à
ção. Cita-se que com isso, o tempo torna-se um sua capacitação. No que se refere à gestão, o
impedimento à realização do menos comple- grau de implantação é moderado com maior

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POLÍTICAS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA E REFORMAS SANITÁRIAS 199

Tabela 2

Descrição das atividades de produção das equipes do Programa Saúde da Família.


Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, agosto de 2000 a abril de 2001.

Posto Posto Posto Posto Posto


Esperança Tradição Bem-Estar Primavera Vento Sul

Consulta por faixa etária (%)


< 1 ano 24,0 17,0 20,0 9,0 14,0
1-4 anos 13,0 21,0 17,0 12,0 14,0
5-9 anos 7,0 8,0 6,0 8,0 9,0
10-14 anos 2,0 5,0 4,0 7,5 6,0
15-19 anos 7,0 8,0 7,0 5,5 8,0
20-39 anos 26,0 19,0 22,0 17,5 19,0
40-49 anos 6,0 8,0 6,0 13,5 7,0
50-59 anos 6,0 7,0 5,0 15,0 7,0
60 anos ou + 9,0 8,0 13,0 11,5 15,0

Média mensal de consultas/equipe 276 731 599 693 686


Tipo de atendimento (% – mensal)
Puericultura 25,0 9,0 19,0 11,0 8,0
Pré-natal 12,0 8,0 3,0 6,0 6,0
Preventivo cérvico-uterino 4,0 4,0 5,0 5,0 4,0
Diabetes 5,0 5,0 1,0 6,0 6,0
Hipertensão arterial 5,0 9,0 1,0 14,0 9,0

Encaminhamentos (%)
Atendimento especializado 5,0 3,0 3,0 34,0 4,0
Internação hospitalar 0,1 0,1 0,1 – 0,3
Urgência/emergência 0,3 0,3 0,4 1,0 3,0

Fonte: Conill et al. (2001).

Tabela 3

Descrição das atividades de produção das equipes do Programa Saúde da Família – visitas domiciliares, médias men-
sais e por família. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, agosto de 2000 a abril de 2001.

Posto Posto Posto Posto Posto Posto


Esperança Tradição Bem-Estar Primavera Vento Sul

Médico 1 11 6 11 14
Enfermeiro 7 67 3 4 5
Outros profissionais de nível superior 1,5 – 8 – –
Profissional de nível médio – – 3 – 3
Agente comunitário de saúde 806 1.823 385 1.203,5 1.878
Total de visitas 815,5 1.901 405 1.218 1.900
Total de famílias cadastradas 3.772 1.454 1.861 1.466 2.105
Média de visitas por família 0,2 1,3 0,2 0,8 0,9

Fonte: Conill et al. (2001).

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):191-202, 2002


200 CONILL, E. M.

predomínio de desempenho inadequado no e 1998, evidenciando o quanto ele é recente


preenchimento e utilização do SIAB. Com isso, (MS, 1999).
os efeitos no acesso apresentam-se adequados A análise da trajetória da implantação mos-
na dimensão física (área, material e equipa- tra, segundo tipologia de Viana & Dal Poz
mentos) e inadequados nos recursos humanos. (1998), a passagem de um modelo principiante
O vínculo psico sociocomunitário mostra-se de para um modelo singular, caracterizado por rá-
moderado a adequado. pida expansão com proposta de extensão ao
Na integralidade, o caráter completo do conjunto da rede, presença maciça do PACS e
cuidado se encontra adequado, com realização existência de um DDA. A mudança da orienta-
de atividades preventivas e curativas. A refe- ção política da gestão municipal não modifi-
rência varia de inadequada a moderadamente cou apenas o ritmo e o estilo da implantação
adequada, sendo o cuidado domiciliar mode- do programa diferindo também quanto ao seu
rado em todas as equipes e o acompanhamen- significado.
to dos grupos prioritários de moderado a ade- Independente da gestão, há concordância
quado. Esse resultado final é apresentado na de que os recursos humanos constituem pro-
Tabela 4. blemática central, o que coincide com estudos
anteriores (MS, 1999; Viana & Dal Poz, 1998).
Na percepção dos entrevistados, apesar das
Conclusão: racionalização, legitimação contradições, ocorreram avanços, mas sua visi-
do poder local ou democratização bilidade ainda não é amplamente perceptível.
das práticas? Sobre a importância das Apesar da intenção de estender os princípios
relações entre o acesso e a integralidade do PSF para o conjunto das unidades, pelo me-
para o sentido do PSF e de políticas nos quatro grandes perfis de prática existem
de atenção primária hoje na rede pública: modelo clássico; DDA e
PSF, dividido em equipes antigas e recentes. Há
A capital do estado mostra particularidades no uma tendência de que práticas antigas persis-
processo de implantação do PSF com um atra- tam, mesmo nas equipes em transição, justifi-
so relativo em comparação a outros municí- cadas pela sobrecarga, mas também relaciona-
pios de porte semelhante. No âmbito nacional das com a cultura institucional e formação
esse atraso não é notório, uma vez que 83% dos profissional.
municípios implantaram o programa entre 1997 A performance do programa é razoável em
relação aos itens avaliados. Não encontramos
relação com as condições de área física, equi-
pamentos e materiais, e os efeitos na dimensão
Tabela 4 psico-sociocomunitária do acesso e na integra-
lidade. Parecem ter maior influência nesse sen-
Grade avaliativa da implantação do Programa Saúde da Família. tido, o tempo de implantação, o tipo de movi-
Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. mento social existente na comunidade e as ca-
racterísticas dos profissionais. Esse aspecto foi
Inadequada Moderada Adequada assinalado por Bertoncini (2000), em Blume-
nau, onde algumas equipes, embora sem con-
Acesso
dições, cumpriam os objetivos de integralida-
Físico
de do programa com incorporação de práticas
Área/material/equipamento * * ***
inovadoras. O programa está adequadamente
implantado nas dimensões físicas do acesso re-
Vínculo psico-sociocomunitário
ferentes à área, equipamentos e medicamen-
Recursos humanos ***** ** ***
tos, mas inadequado quanto aos recursos hu-
Integralidade manos, medidos pelo número de equipes/fa-
Caráter completo mílias. Ainda que se retire o porcentual da po-
Curativo ***** pulação não usuária do SUS essa relação per-
Preventivo ***** manece muito superior ao preconizado.
Há coincidência dos resultados com aque-
Continuidade les encontrados no inquérito nacional quanto
Referência ** *** às condições de estrutura (MS, 2000), e quanto
Atendimento domiciliar ***** à incorporação de práticas preventivas e de
Acompanhamento/prioridades ** *** promoção com efeito positivo na integralida-
de, encontrado neste e em outros trabalhos
Fonte: Conill et al. (2001).
(Conill, 1982; Godbout, 1979).

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POLÍTICAS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA E REFORMAS SANITÁRIAS 201

A avaliação do nível local é coincidente com bilizam a comunidade gerando um contexto


a percepção da gestão de que o PSF amplia o favorável para que se ampliem os recursos.
acesso da população a práticas mais integrais, O encaminhamento desta questão depen-
no entanto, há uma diferença nesta percepção. derá da capacidade de gestão aliada à conjun-
É muito maior a ênfase do nível local na pro- tura nacional, principalmente no que se refere
blemática decorrente do mau dimensiona- ao financiamento das políticas públicas, de for-
mento das equipes e das dificuldades na refe- ma a permitir a ampliação do programa conso-
rência. Quanto ao caráter completo do cuida- lidando os avanços obtidos. Dos caminhos tra-
do, tanto comunidade como coordenação local çados na resolução desta contradição depen-
consideram importante ampliar o leque das derá a dinâmica dos eixos principais, em torno
ações e de programas, evitando-se monopólio dos quais parece se articular esse tipo de pro-
daqueles prioritários em nível central. posta de reorganização de serviços de saúde:
A grande visibilidade do PSF se dá pela pre- racionalização da atenção para populações
sença maciça dos ACS, responsáveis pelas visi- mais ou menos excluídas do processo de pro-
tas e acompanhamento dos grupos prioritá- dução, legitimação política ou democratização,
rios. Os agentes e o PACS são responsáveis em com qualidade nas práticas e no acesso.
grande parte, pelos efeitos positivos na integra- Foi possível verificar que o PSF de fato, evo-
lidade em função das visitas e acompanhamen- lui de um programa isolado para uma estraté-
to desses grupos, o que introduziu um viés im- gia de reorientação do modelo assistencial na
portante que deve ser considerado. rede pública, havendo concordância quanto à
Os problemas no acesso, decorrentes do visibilidade de sua trajetória e efeitos positivos
quantitativo insuficiente de recursos humanos na integralidade. Acumulam-se evidências apon-
e as dificuldades na referência, determinam tando para a viabilidade de práticas mais abran-
uma situação que este estudo identifica como gentes, alternativas ao modelo biomédico tra-
das mais relevantes. A barreira do acesso pode dicional. Já havia sido demonstrada na refor-
vir a dificultar as vantagens obtidas nos demais ma de Quebec, a possibilidade de que as orga-
itens da integralidade, impedindo a realização nizações incorporem inovações no sentido de
do menos complexo por falta de tempo (pre- uma maior integralidade das ações de atenção
venção, visitas). Havendo problemas na refe- primária. Tais práticas permaneceram margi-
rência para especialidades, o mais complexo nais, não sendo suficientes para imprimir uma
toma-se também difícil e a qualidade prejudi- mudança no modelo assistencial. A manuten-
cada. Ou ao contrário, como citado por alguns ção e difusão do PSF, parecem indicar uma
integrantes da gestão, isto pode vir a consti- maior potencialidade nesse sentido dentro do
tuir-se num mecanismo de pressão para ajus- sistema público na reforma brasileira, ainda
te: os agentes ao identificarem problemas, mo- que cercada de um conjunto de contradições.

Agradecimentos

Esta pesquisa contou com recursos parciais do Pro-


grama Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC)/Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien-
tífico e Tecnológico (CNPq). A autora agradece a Gio-
vana Bacillieri Soares e Fernanda Freitas, acadêmicas
de Medicina da Universidade Federal de Santa Cata-
rina (UFSC), pela participação na coleta de dados e
aos profissionais e chefias da Secretaria Municipal
por sua disponibilidade.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):191-202, 2002


202 CONILL, E. M.

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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):191-202, 2002

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