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1Escola PGE/PGM – Praetorium

Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

Data: 10/03/2008

Aula 01

Indicação Bibliográfica:

Vamos começar com a bibliografia para quem vai fazer PGE/PGM e


depois eu passo uma bibliografia geral para quem está no módulo.

Quem estiver focando PGE/PGM não pode deixar de ler os seguintes


autores:

Primeiro eu vou elencar os autores e depois vou destacar algumas


obras desses autores. Eles estão na Banca da PGE e, normalmente, estão na
Banca da PGM.

Autores:

 Diogo de Figueiredo Moreira Neto

 Marcos Juruena Villela Souto

 Alexandre Santos de Aragão

 Gustavo Binenbojm

 Flávio Amaral – escreve muito com o Marcos Juruena

Dentro desses autores vamos vislumbrar o seguinte:

Primeiro: desses autores que eu citei e que tem um manual é o


Diogo de Figueiredo. O curso, o manual do Diogo de Figueiredo é um
manual importantíssimo, é um manual super recomendado, mas o manual
do Diogo não é tão completo assim. Ele não trata de todas as questões, não
traz normalmente as posições do STF e do STJ. Ele traz autores
internacionais, autores de direito comparado. Ele criando nomenclaturas. O
Diogo aprofunda umas questões e não aprofunda outras. Enfim, é um curso
importantíssimo, mas para quem for fazer PGE/PGM talvez seja um curso
recomendado. Quem não está focando PGE/PGM aí eu sugeriria outro
manual que eu falar depois, porque é mais completo e mais didático.

Então o único autor da Banca da PGE e, normalmente da PGM, que


te um manual, por enquanto é o Diogo. Manual básico e geral da matéria.

Ponto em comum entre esses autores: todos eles já escreveram


sobre Agências Reguladoras. Então, dizer que Agências Reguladoras é um
tema bom para PGE/PGM é óbvio que é importante. Todos os autores
quando escreveram livro, acabaram escrevendo sobre Agências
Reguladoras.

Todos esses autores escreveram sobre Agência, tirando o Flávio


Amaral, o Gustavo Binenbojm, Marcos Juruena, Alexandre Aragão e o Diogo
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de Figueiredo escreveram sobre Agência Reguladora. Então, você tem o


“Direito Regulatório” do Diogo de Figueiredo, você tem o “Direito
Administrativo das Agências” do Marcos Juruena, você tem o livro “Agências
Reguladoras” do Alexandre Aragão, você tem o “Uma Teoria do Direito
Administrativo” do Binenbojm que fala de Agências. Todos esses autores
escreveram sobre Agências Reguladoras.

Não dá para saber qual é o melhor. Aí é gosto pessoal. Em princípio,


a linguagem do Diogo é uma linguagem difícil. Não sei se alguém já leu
Diogo de Figueiredo, é difícil, não é fácil ler o Diogo. O Diogo fala em
Regulática, fala em Princípio da Responsividade. O Diogo usa nomenclaturas
que vocês não estão acostumados a ler.

Então, quem não tem ainda uma base razoável em Direito


Administrativo não vai direto ao Diogo de Figueiredo. Desses manuais de
Agências Reguladoras, os mais recomendáveis seriam, a meu ver, o do
Marcos Juruena e do Alexandre Aragão. O Alexandre Aragão, talvez por ser o
pioneiro, foi o primeiro a escrever sobre isso, o livro é da Forense, é um livro
recomendado e muito citado. O Aragão fala todas as controvérsias
envolvendo hoje as Agências. É um livro bom para Agência
Reguladora.

O tema é importante e eu vou trazer no decorrer do curso as


principais posições e controvérsias desses autores e de outros autores que
não estão na Banca.

Outro tema importante dentro da Banca, ainda da PGE/PGM: os


livros recentes que os autores escreveram. Quanto mais recente o livro,
maior a chance daquele assunto que está no livro cair na prova do
concurso.

Por exemplo: o livro mais recente de Direito Administrativo da Banca


da PGE do Alexandre Aragão é o livro “Direito dos Serviços Públicos”. O
Alexandre Aragão lançou no ano passado o livro “Direito dos Serviços
Públicos”, é um livro azul, tem quase mil páginas só sobre Serviços Públicos.
Eu vou tentar trazer para vocês as principais discussões abordadas nesse
livro. Não precisa ler o livro todo, quer se aprofundar em uma controvérsia,
pega o livro para ler.

Então, o último livro do Aragão é o “Direito dos Serviços Públicos”,


sua tese de doutorado pela USP.

O livro mais recente do Marcos Juruena, portanto que demonstra os


assuntos que ele está pesquisando no momento é o livro “Direito
Administrativo em Debate – Segunda Série”. Tem uma capa cinza e é da
Lumen Juirs. Lá ele traz algumas controvérsias sobre as Agências, sobre o
Terceiro Setor, sobre Concessão, traz ali umas controvérsias importantes. É
o livro mais recente do Marcos Juruena. Esses livros mais recentes são
recomendáveis.
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O livro mais recente do Gustavo Binenbojm lançado um pouco antes


da última prova da PGE é o livro “Temas de Direito Constitucional e de
Direito Administrativo” da Renovar. O que esse livro faz? Ele traz uma
coletânea de pareceres e de artigos que o Gustavo Binenbojm já escreveu
sobre Direito Constitucional e Direito Administrativo. É uma obra, a meu ver,
que vai se tornar clássica. É uma obra fundamental porque o Gustavo é um
dos principais autores do Brasil em Direito Administrativo. Ele hoje faz parte
do Mestrado da UERJ, um dos melhores mestrados em Direito Público do
Brasil. Faz parte do mestrado, faz parte de bancas, é um autor muito citado
no Brasil, faz palestras pelo país inteiro. O Gustavo, nessa obra, ele traz
tudo o que ele já escreveu em Direito Constitucional e Direito
Administrativo. O livro é importante, recém lançado e que pode
eventualmente ser questionado em uma prova.

Fora esses livros mais recentes, eu vou acabar indicando livros


específicos ao longo do curso. Por enquanto, esses são os livros que eu
recomendaria em princípio para PGE e PGM e eu vou trazer, evidentemente,
artigos desses autores e eu vou colocar em uma pasta.

Para quem não está focando PGE/PGM ou até está focando, mas está
a procura de um manual que traga a matéria de uma forma mais sintética,
mais didática, que tragas as controvérsias, qual é o manual hoje mais
recomendável? Eu tenho recomendado mais fortemente o manual do
Professor Carvalhinho. O manual serve para vocês terem uma idéia geral da
matéria. Claro que se você quiser estudar temas como Agências
Reguladoras, PPP vai ter que entrar em outras publicações, artigos ou livros
específicos. Mas manual para você ter uma idéia geral da matéria Direito
Administrativo eu recomendo fortemente o livro do Carvalhinho porque ele
fala do STF, fala do STJ, cita o Celso Antônio, cita a Di Pietro, Gasparini, cita
todo mundo. Cita o TJRJ. O Carvalhinho traz quase todos os posicionamentos
e controvérsias.

Vocês devem ler as revistas da PGE. Tem uma da própria PGE e


outra que é da associação dos Procuradores, é editada pela Lumen Juris.

Não podem deixar de ler os informativos. A maioria das questões de


concursos são tiradas dos informativos e se vocês não estiverem
atualizados com os informativos, dificilmente vocês conseguirão responder
às questões de concurso.

Origem do Direito Administrativo

Vamos começar do início mesmo, de onde tudo começou. Vamos


estudar a origem do Direito Administrativo sem perder muito tempo com a
parte histórica, pois esta não tem maior relevância para concurso público,
mas temos que compreender essa matéria melhor e para isso nós temos
que saber de onde ela surgiu e porque ela surgiu.
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Hoje, nós vamos falar da origem do Direito Administrativo e já


vamos começar a falar hoje de alguns princípios que são fundamentais
dentro da atuação administrativa. Os princípios que eu falarei hoje são os
principais, pois são citados por todos os doutrinadores da matéria e, como
eu disse, alguns autores vão citar outros princípios. Então, não dá para ter
um rol exaustivo de princípios. Temos um rol exemplificativo e, talvez os
principais princípios que regem a atividade administrativa.

Vamos começar falando como surgiu o Direito Administrativo.

Normalmente, quando você vai para os manuais que tratam da


origem do Direito Administrativo, estou falando especificamente do manual
da Di Pietro, que é um manual excelente que fala da origem, dessa parte
inicial, do surgimento do Direito Administrativo, vou falar da Odete Medauar
e também vou me basear no Gustavo Binenbojm que tem uma posição um
pouquinho diferente da Di Pietro e da Medauar.

De um modo geral, quando você vai para a doutrina ela vai te dizer
que o início do Direito Administrativo está ligado a publicação de uma lei na
França (Lei de 28 pluviose do ano VIII (1800)) e também o surgimento está
ligado ao caso do que teria sido uma decisão fundamental, uma das
primeiras decisões que teria estabelecido princípios, institutos específicos
sobre o tema de Direito Administrativo.

Então, normalmente o nascimento dessa matéria, Direito


Administrativo, está atrelado a essa lei na França e nesse caso julgado
também na França. Então, normalmente nascimento do Direito
Administrativo está relacionado ao direito francês. Costuma-se dizer que o
Direito Administrativo, tal como a gente o concebe hoje aqui no Brasil,
surgiu na França.

Essa é a visão que prevalece de um modo geral na doutrina e é uma


visão repetida nos manuais em geral.

É claro que o Direito Administrativo não surge do nada. Não foi do


nada que os julgadores do “caso Blanco” resolveram trazer um direito novo,
o direito administrativo para o mundo. Não foi assim.

A origem, na verdade, segundo a doutrina, do Direito Administrativo


está ligado, antes disso, a princípios que foram consagrados com a
Revolução Francesa. A origem, portanto do Direito Administrativo está
atrelada ao surgimento do Estado de Direito, Estado de Direito que teria
surgido com a Revolução Francesa de 1789.

É a Revolução Francesa de 1789 que faz surgir um Estado de Direito


e esse Estado de Direito vem concebido a partir de três princípios ou idéias
fundamentais que preparam o terreno para o surgimento ao final do Direito
Administrativo.
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O que acontece é o seguinte: até a Revolução Francesa ou até o


Estado de Direito na sua visão primeira, liberal o que tínhamos era o
chamado Estado de Polícia ou Estado Absolutista.

No Estado de Polícia ou Estado Absoluto a característica principal do


Estado é justamente a inexistência de limites para a atuação do Estado.
Então, aquele Estado de Polícia é claro que ele se organizava. Você tinha lá
algumas “normas administrativas”. Só que naquele Estado de Polícia não se
tinha um instituto específico de Direito Administrativo, não se tinha
princípios informadores do Direito Administrativo, porque naquela época o
Estado Absoluto era um Estado ilimitado. Era um Estado que não
encontrava limites na ordem jurídica. O Estado não tinha limites. A vontade
do Soberano era a própria vontade de Deus. Daí vem àquela idéia
tradicional: se Deus não erra, se Deus é perfeito, se a justiça de Deus é
infalível e se o Soberano, nesse caso, representa na Terra a vontade de
Deus, o Soberano também não pode errar. Então, temos aquelas frases
clássicas que geralmente vem nos manuais em inglês: “the king can do no
wrong”, ou seja, o rei não erra. O Rei não erra, porque ele representa a
vontade de Deus na Terra, o Rei é a própria vontade divina na Terra.

Se o Rei não erra, o Estado também não erra. O Estado era a própria
pessoa dos representantes. O Estado não erra logo o Estado não pode ser
responsabilizado. Era aquela idéia, aquela tese inicial a irresponsabilidade
civil do Estado. O Estado não respondia pelos seus atos. Não respondia, pois
não tinha limites. Você não tinha como trazer parâmetros para afirmar que
a atuação do Estado teria sido em um caso específico ilegal, pois você se
quer concebia o princípio da legalidade.

Então, o Estado não tinha limites, você não tinha princípio da


legalidade, você não tinha direitos enquanto cidadão. O Estado não tinha
limites, portanto era um Estado que não errava, era um Estado que não era
responsabilizado pelos seus atos. Naquela época, não se podia
responsabilizar o Estado pelos seus atos.

Nesse cenário, no Estado Absoluto, é claro que você tinha algumas


“normas administrativas”, você tinha “funcionários públicos” que
praticavam atos em nome do Estado, mas você não tinha um Direito
Administrativo como aquele Direito que trata da Administração e protege o
cidadão contra essa Administração. Não se tinha essa matéria, como uma
matéria autônoma, com princípios autônomos.

O surgimento da matéria, o surgimento desse ramo do direito,


segundo a doutrina convencional, ele vai se dar com a Revolução Francesa,
pois ali você vai consagrar princípios básicos que vão nortear o Estado de
Direito. É com o Estado de Direito Liberal que surge, portanto o Direito
Administrativo segundo a doutrina convencional.
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Por que isso? A Revolução Francesa traz três idéias “novas”,


consagra três princípios ou idéias que vão preparar esse terreno para o
surgimento específico do Direito Administrativo.

Em primeiro lugar, a Revolução Francesa traz a noção de princípio


da legalidade. Essa Revolução Francesa, com o surgimento do Estado de
Direito, traz a idéia inicial do princípio da legalidade.

Outra idéia ou princípio fundamental que vai preparar terreno para o


Direito Administrativo é o princípio da separação dos poderes, que na
verdade anda de mãos dadas com a legalidade.

A terceira idéia fundamental que prepara terreno para o Direito


Administrativo é a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1791.
É uma declaração que consagra direitos fundamentais do homem e,
portanto é uma carta, é uma declaração que protege o cidadão da atuação,
até então arbitrária, do Estado.

Então, são três idéias fundamentais que vão dar o sustentáculo para
que amanhã venha surgir efetivamente como matéria autônoma, o Direito
Administrativo.

Você traz a noção de princípio da legalidade e aí você traz a noção


de limitação do Estado. Aquela idéia inicial da legalidade, agora esse Estado
de Direito só pode atuar se a lei expressamente autorizar. Essa é a primeira
idéia que limita, portanto o Estado. Até então o Estado era arbitrário, não
tinha limites. Agora, o Estado mais do que encontrar limites na ordem
jurídica, mais do que encontrar limites na lei, para atuar precisa da própria
lei.

A lei vem, portanto não só como limitadora da atuação


administrativa, mas a lei também vem como habilitadora da atividade
administrativa. A lei habilita a atividade administrativa, permite que o
administrador atue e a lei também vai limitar essa atuação. Então, a lei tem
essa dupla finalidade: a lei vai habilitar essa atuação administrativa, o
administrador só vai atuar se a lei autorizá-lo e a própria lei coloca os
limites dessa atuação. Se o administrador exorbitar desses limites legais, o
administrador e o próprio Estado poderão ser responsabilizados. Então, essa
primeira idéia de legalidade é uma idéia que limita o próprio Estado.

A outra idéia ou outro princípio, a separação de poderes, também é


uma idéia que vai limitar a atuação do Estado. Quando você faz aquela
conhecida separação de poderes, muito divulgada pelo Montesquieu,
obviamente outros autores já falavam da separação, o próprio Locke já
falava alguma coisa sobre a separação de poderes, mas quem vai organizar
essa idéia e vai trazer para todo mundo é o Montesquieu, então quando
você traz a separação de poderes, você também traz uma idéia de limitação
da atuação do Estado.
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Com a separação de poderes, você vai dividir as funções estatais


entre “três poderes”: Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Legislativo. E
nessa noção, que vigora até hoje de um modo geral, de separação de
poderes cada um desses três poderes (esquece o moderador, pois não há
mais no Brasil) vai exercer funções que lhes são típicas, as funções que dão
nome a cada um dos poderes.

Então, o Poder Judiciário tipicamente vai julgar. O Poder Executivo


tipicamente vai executar. Então, a função que dá nome ao poder é a função
típica que, normalmente, será exercida por aquele Poder. O Executivo vai
executar, o Judiciário vai julgar e o Legislativo vai legislar.

Mas nessa concepção de separação cada um desses poderes


também irá exercer funções atípicas. O Legislativo também exerce funções
administrativas. O Poder Judiciário também exerce função normativa, por
exemplo, elaboração de regimento interno do Tribunal. O Executivo também
tem algumas funções normativas e essa discussão hoje está ganhando um
pouco mais de força, mas o Executivo tem a MP, tem a lei delegada, tem
altas controvérsias.

O que existe, portanto é a separação de funções. É uma separação


que leva em conta o critério da preponderância. Preponderância na função
que será exercida pelo Poder. Se o Poder é Executivo, ele vai chamar
Executivo é porque preponderantemente ele executa a vontade da lei. A
função típica, preponderante dele é essa e por aí vai.

Agora, é o critério da preponderância e não o critério da


exclusividade. Isso quer dizer que cada um dos Poderes vai exercer funções
que seriam típicas de outros Poderes e, portanto cada um dos Poderes vai
controlar os atos dos demais Poderes.

Por exemplo, o Legislativo com o auxílio do Tribunal de contas vai


controlar o Poder Executivo. O Poder Judiciário vai controlar o Poder
Legislativo e o Poder Executivo. Temos, portanto freios e contrapesos.
Temos controles recíprocos entre os Poderes.

O que é isso? Mais uma forma de limitar a atuação do Estado. O


próprio Estado vai se autolimitar. Os próprios “Poderes” (o poder é uno e
indivisível, por isso está entre aspas) que integram o Estado vão exercer
suas funções e vão controlar uns aos outros. Mais uma limitação do Estado,
até então ilimitado.

Além da legalidade e além da separação de poderes, temos aquela


terceira idéia que é a consagração de uma carta de direitos fundamentais, a
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1791 e essa carta vem
trazendo um elenco, um rol de direitos dos cidadãos. Direitos que podem
ser opostos, ou seja, são oponíveis ao Estado. O cidadão, agora, tem a
proteção em face do Estado.
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Geralmente, a doutrina Constitucional chama esses direitos de


“direitos fundamentais de primeira geração”. Geralmente, essa carta de
direitos ou direitos que surgem em um primeiro momento, os direitos
fundamentais são chamados pela doutrina constitucional de direitos
fundamentais de primeira geração. São direitos de cunho “negativo”, quer
dizer, o Estado não pode atuar sob pena de sacrificar alguns direitos. O
Estado não pode, a princípio, intervir na propriedade. Ele, ao contrário, vai
ter que garantir o direito de propriedade, vai ter que garantir a liberdade e a
propriedade do indivíduo sem intervir na propriedade e sem intervir, em
regra, nessa liberdade.

Ele vai garantir, através de uma atuação sem interferência nos


direitos dos cidadãos, essa satisfação dos direitos do homem e do cidadão.
Essa é a primeira geração. São os direitos “negativos”. O Estado é
absenteísta. Depois nós temos aquela segunda geração, os direitos
positivos, sociais. Temos aquela terceira geração, direitos da solidariedade,
direitos em relação aos direitos difusos, direito do meio ambiente e por aí
vai. Tem autor que fala em quarta geração, tem autor que já fala em quinta.

O que tem, portanto nesse momento inicial é a consagração dos


direitos fundamentais, os direitos de primeira geração, que trazem uma
proteção ao cidadão em relação aquele Estado. O Estado, agora, além de
ter que respeitar esses direitos terá que promover a proteção desses
direitos.

Essas três idéias ou princípios surgem com Revolução Francesa,


fazem surgir com ela o Estado de Direito naquela sua visão liberal. Um
Estado Liberal que não vai intervir na propriedade como ele fazia antes ou
intervir na liberdade do indivíduo. O Estado vai garantir a liberdade, vai
garantir a propriedade, mas sem mexer na propriedade. Ele, Estado
absenteísta, Estado de Direito é um Estado que encontra limites na ordem
jurídica.

Está preparado o terreno. Aí a doutrina vai olhar para esse terreno e


vai dizer que não basta. Doutrina sempre gosta de um marco, de um
momento. Segundo alguns autores, como a Odete Medauar, essa matéria
surge com a evolução do instituto, com a evolução da interpretação. Não há
um momento único, um surgimento do nada da matéria, mas como todo
mundo gosta de trazer marcos, aqui a doutrina aponta como marco inicial,
como certidão de nascimento a Lei do 28 pluviose do ano VIII (1800).

A Lei do 28 pluviose do ano VIII (1800) é uma lei francesa que pela
primeira vez traz normas específicas aplicáveis ao Estado, normas que
vão regular a atuação administrativa do Estado e a proteção do
cidadão.

Seria, segundo a doutrina convencional, a “primeira lei


administrativa” que se tem conhecimento. É claro que tecnicamente é
impossível você falar que um direito tão complexo como esse surge em um
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ato único. É claro que as bases foram sendo preparadas, a Revolução


Francesa estava ali, já tinha um terreno preparado, mas a doutrina gosta de
marcos e ela costuma apontar esse marco como marco inicial.

Surge, portanto com a Lei do 28 pluviose que traz algumas normas


sobre a atuação administrativa e a proteção do cidadão e, em seguida, no
âmbito jurisprudencial, o leading case, o primeiro caso que vai trazer
realmente o Direito Administrativo como ramo autônomo, segundo a
doutrina convencional, seria o caso Blanco.

É claro que há outros casos anteriores a esse que já falavam de


Direito Administrativo, poucos autores falam sobre isso, mas se você olhar
para os manuais no Brasil o caso Blanco é considerado o primeiro caso em
que a jurisprudência francesa consagra o Direito Administrativo como ramo
autônomo do direito. Já tinha uma lei, a Lei do 28 pluviose e aí vem a
jurisprudência francesa e o Direito Administrativo vai ser consagrado com o
caso Blanco.

Na verdade toda a evolução do Direito Administrativo na França vai


estar atrelada a própria evolução da jurisprudência do Conselho de Estado
francês. Então, na França você tem o Direito Administrativo nascendo com a
Lei do 28 de pluviose, você tem o Direito Administrativo consagrado no caso
Blanco, o desenvolvimento na França desse direito vai se dar muito
fortemente através da jurisprudência.

É engraçado isso, pois a França é um país Romano-Germânico. Aqui


nós temos um contra ponto, nós temos a importância das leis, não deveria
ter uma atuação tão criativa de jurisprudência. Mas, apesar da tradição
romano-germânica, nasce através da lei, mas a evolução do ramo do direito
vai se dar através da jurisprudência. Isso é muito comum no direito anglo-
saxão, mas não no direito romano-germânico, em que normalmente você
tem leis trazendo modificações, leis trazendo as matérias e etc. Apesar da
lei trazer a matéria, é a jurisprudência que vai trazer a evolução dessa
matéria.

Lá nos Estados Unidos, direito anglo-saxão, você vai ter a evolução


das Agências Reguladoras, do Direito Administrativo daquele país através
da jurisprudência Suprema Corte daquele país.

O que é curioso é você verificar em um país de tradição romano-


germânica, o direito administrativo nasce de uma lei como era esperado,
mas vai evoluir a partir de uma jurisprudência do Conselho de Estado. Esse
será o principal responsável por trazer institutos como desvio de finalidade,
discricionariedade, princípios específicos e etc.

Nesse caso Blanco, citado como o primeiro caso da história que traz
o Direito Administrativo como ramo autônomo do direito, nós tivemos a
seguinte situação: Agnès Blanco estava em uma rua na cidade de Bordeaux
na França e uma caminhonete que transportava fumo, mercadoria. Na
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época, o transporte de fumo era considerado uma atividade importantíssima


e fundamental. Essa caminhonete atropelou a menina. A família da Agnès
Blanco resolveu processar aquela caminhonete de fumo e propôs uma ação
indenizatória.

Surgiu uma discussão naquele momento. Quem vai processar e


julgar essa ação? Surgiu um conflito de competência. Lá na França existe
uma dualidade de jurisdição. No Brasil a jurisdição é una e indivisível. Lá na
França você tem duas jurisdições diferenciadas: uma jurisdição só para
assuntos administrativos, assuntos que envolvem o Estado, essa jurisdição
é exercida pelo Conselho de Estado Francês e você tem a jurisdição cível,
que vai resolver conflitos entre particulares em geral. Para esta outra
jurisdição você terá a Corte de Cassação.

Naquele momento, em que a família da Agnès Blanco processa


aquela empresa que transportava o fumo, surgiu o conflito. Quem vai julgar
essa ação? O Conselho de Estado ou a Corte de Cassação? Ainda que você
não tenha o Estado atuando diretamente naquele caso concreto, não é o
Estado o responsável pelo atropelamento, naquele caso concreto a
atividade desenvolvida pela camionete, a atividade de transporte de fumo
era uma atividade fundamental naquela época.

O que aconteceu? Naquele momento o Tribunal de Conflitos da


França disse que a competência para processar e julgar esse caso é do
Conselho de Estado, é da jurisdição administrativa. Não importa que o
Estado não esteja presente, pois vem a noção de serviço público e depois a
escola francesa do serviço público. O Direito Administrativo nasce, a partir,
basicamente da idéia de serviço público.

Olha o que vai dizer a jurisprudência francesa: a competência para


processar e julgar esse caso é do Conselho de Estado, é da jurisdição
administrativa, pois independentemente de você ter o Estado ali naquela
relação, o que importa é a atividade desenvolvida. Não importa o aspecto
formal, o que importa é o aspecto material. Ainda que você não tenha o
Estado atuando diretamente, você tinha naquele momento a atuação de
uma concessionária do Estado, de uma delegatária. Era um particular, mas
naquele caso concreto estava prestando, desenvolvendo um serviço
público. Se você tem um serviço estatal, mas delegado ao particular você
tem a idéia de serviço público. Você tem que trazer para essa relação
jurídica princípios diferenciados, institutos diferençados daqueles que você
normalmente aplica para as relações entre os particulares.

Então, não importa a presença do Estado na relação, o que importa


é que a atividade prestada naquela relação era uma atividade
eminentemente pública, era um serviço público delegado pelo Estado e se é
uma atividade estatal, não se pode tratar essa atividade estatal apenas com
normas privatistas. Tem-se que tratar essa relação como se fosse uma
relação estatal, ainda que não tenha o Estado naquele caso ou naquela
relação.
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Portanto, o Conselho de Estado francês foi o responsável pelo


processo e julgamento do caso Blanco.

O que acontece então? Você tem na jurisprudência a idéia


consagrada de um Direito Administrativo, de um direito diferente daquele
Direito Civil aplicada pela Corte de Cassação nas relações entre os
particulares. Você tem um Direito Administrativo diferenciado, com normas
próprias, com princípios próprios a partir do serviço público que serão
aplicadas às relações em que o Estado ou pessoas que atuem em seu nome
vão estar atuando no caso concreto.

Uma ressalva aqui: o Gustavo Binenbojm está na Banca da PGE e


para quem for fazer PGE cuidado na prova com isso que e acabei de falar. O
Gustavo Binenbojm não concorda com essa visão que eu acabei de trazer e
essa visão é majoritaríssima, tradicional. A Maria Sylvia di Pietro, Celso
Antônio, Carvalhinho, todo mundo diz isso que eu acabei de falar.

O Binenbojm tem uma visão mais crítica, ele tem uma visão um
pouco diferente. Ele entende que o Direito Administrativo não nasce
exatamente nesses dois momentos. A doutrina majoritária que fala que o
direito administrativo nasce com a Lei de 28 pluviose e com o caso Blanco
costuma dizer que o Direito Administrativo nasceu a partir de um milagre, é
fruto de um milagre. Um autor alemão chamado Prosper Weil costumava
dizer que o Direito Administrativo surge a partir de um milagre. Por que ele
dizia isso e por que a doutrina majoritária cita esse autor para falar que o
Direito Administrativo é fruto de um milagre? Porque do nada o Estado teria
resolvido se autolimitar. O Estado que não tinha limite até então, em
determinado momento resolveu se autolimitar. O Estado, vai dizer Prosper
Weil, em um momento milagroso resolve se autolimitar e proteger o
cidadão.

O Gustavo Binenbojm não concorda com isso. O Binenbojm diz que


não há milagre e que o Estado, na verdade, só teve um disfarce naquele
momento.

Para o Binenbojm com a Lei do 28 pluviose e com o caso Blanco


você não vai ter uma ruptura com o sistema anterior, não vai ter uma
ruptura com o Estado de Polícia, com aquele Estado ilimitado. O Estado
apenas está disfarçando uma limitação que na prática não vai existir. A
partir do momento em que o direito francês “resolve se autolimitar”
criando, por exemplo, um Conselho de Estado para processar as causas que
digam respeito ao próprio Estado, isso não é, materialmente falando, uma
limitação. Na verdade o Estado está disfarçando porque o Conselho
de Estado na França integra o Poder Executivo. Em outras palavras: o
Executivo vai julgar ele mesmo. Vai dizer o Binenbojm: ninguém é juiz de
suas próprias causas.

Se nesse modelo Francês, o próprio Estado vai julgar as suas causas,


o Conselho de Estado foi criado para julgar as causas do Estado você não
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tem na prática uma ruptura com o momento anterior. Você continua tendo
um Estado arbitrário, um Estado que não tem realmente compromisso em
resguardar os direitos fundamentais das pessoas.

O Binenbojm faz essa crítica e ele não é ele que cria essa crítica. Ela
traz essa crítica a partir de um autor Português chamado Paulo Otero.

Resumindo: a doutrina majoritaríssima no Brasil do Direito


Administrativo cita a Lei do 28 pluviose de 1800 e o caso Blanco como a
primeira decisão oficial que falou da matéria. Há controvérsia em relação a
outros casos, mas a doutrina majoritária fala isso aqui e fala que os três
princípios da Revolução Francesa foram fundamentais para o surgimento do
Direito Administrativo. A idéia da limitação do Estado a partir da Legalidade,
Separação dos Poderes e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

O Binenbojm tem essa visão minoritária, uma visão crítica a essa


doutrina majoritária. Se cair alguma questão na prova da PGE envolvendo
isso, vocês devem citar o posicionamento do Binenbojm, mas falem sobre a
corrente majoritária e fiquem com isso que eu coloquei no quadro.

Princípios do Direito Administrativo

Então, controvérsias a parte, surge o Direito Administrativo norteado


por princípios que lhes são próprios. Às vezes alguns princípios próprios da
atuação administrativa, outros são princípios gerais de direito, por exemplo,
segurança jurídica que se aplicam de uma maneira um pouco diferente ao
Direito Administrativo, você tem conseqüências concretas diferenciadas no
Direito Administrativo. Mas são princípios gerais ou setoriais, princípios
fundamentais que vão nortear de alguma maneira a atuação do Estado.

No Direito Administrativo os princípios exercem um papel


fundamental.

Pergunta do aluno.

Resposta: O Binenbojm não dá uma data para o surgimento do Direito


Administrativo. Para o Binenbojm o Direito Administrativo só vai surgir quando o
Estado efetivamente respeitar que isso é verdade. Por exemplo: quando você fala
em jurisdição una, como no Brasil, o Judiciário autônomo processando e julgando
causas do Estado, ele parece já admitir a existência do Direito Administrativo. O
Binenbojm está mais preocupado com um Direito Administrativo legítimo
que respeite os direitos fundamentais, um Direito Administrativo que
respeita e que promove os direitos fundamentais. Mas ele não fala em um
momento, não dá certidão de nascimento.

Voltando. Todo mundo sabe da importância dos princípios para o


Direito. Para o Direito Administrativo eles têm uma importância diferente.
Por quê? Se eles já são importantes para os outros ramos do direito
brasileiro, para o Direito Administrativo eles têm uma importância
diferenciada por uma razão simples: não se tem um código de Direito
Administrativo. Para as outras disciplinas (civil, processo civil, penal e etc)
13Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

você em um código. O Direito Administrativo não tem um código geral. O


Direito Administrativo não tem regra ou não teria, em princípio,
uniformidade.

Como fazer para aplicar e interpretar o Direito Administrativo que


não está codificado ou não está pronto em uma lei geral? Como tratar de
uma matéria que na prática vem tratada por milhares de leis federais
esparsas, milhares de leis municipais esparsas, milhares de leis estaduais
esparsas e falar que o Direito Administrativo é um só, que o Direito
Administrativo tem autonomia, tem princípios próprios? Para tentar dar um
mínimo de uniformidade a essa matéria, para tentar trazer segurança na
aplicação dessa matéria a doutrina vem ressaltando a importância dos
princípios que vão nortear a atuação da Administração.

Não há um código, não há uma lei geral, mas os princípios irão


exercer nesse momento esse papel unificador que o código exerceria. Os
princípios vão trazer, portanto a visão geral e unificadora da matéria. Vão
trazer os principais ideais ou as principais idéias que terão que ser aplicadas
nos casos concretos no âmbito da Administração.

Em âmbito federal (só em âmbito federal) há uma lei, que só se


aplica em âmbito federal, é a Lei 9784/99 e essa Lei 9784/99 trata do
processo administrativo federal. No seu artigo 2º, a Lei 9784/99 vai trazer
um elenco de princípios que vão nortear a atuação federal.

Art. 2º da Lei 9784/99: A Administração Pública obedecerá,


dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Lá, por exemplo, está expressamente a razoabilidade. Não tem


consagração explícita em âmbito constitucional. Alguns falam que está
consagrada na expressão ”duração razoável do processo”, mas não tem
consagração explícita no texto constitucional. O artigo 2º dessa lei já fala da
razoabilidade, da segurança jurídica, da motivação. Alguns princípios que
você só encontra consagrados explicitamente nessa lei federal.

Implicitamente são princípios que já norteiam a atuação


administrativa. Só citei a lei para dar um exemplo importante de uma lei
federal que fala de princípios.

Portanto, no Direito Administrativo, os princípios têm funções


diferenciadas. Eles são responsáveis pela unificação de uma matéria
que não tem um código específico ou uma lei geral que já tenha
trazido essa uniformidade. Então, os princípios é que realmente vão
exercer essa função.

A importância dos princípios todo mundo já conhece. É claro que


vocês verão isso melhor em Constitucional, mas só para a gente ter uma
14Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

visão um pouco geral da matéria, todo mundo também já ouviu falar nisso,
o Brasil acabou passando por fases.

O Paulo Bonavides costuma dizer que a normatividade dos


princípios, hoje vocês encaram o princípio como uma norma jurídica, mas o
Paulo Bonavides costuma dizer que a normatividade dos princípios
passou por três grandes fases. A terceira fase é a atual, mas antes de
chegar nessa fase, ela passou por duas outras fases.

A primeira fase dos princípios é a fase do jusnaturalismo. Naquele


primeiro momento, na fase do jusnaturalismo os princípios não eram
encarados como norma, os princípios não vinculavam a atuação do Estado.
Os princípios tinham apenas caráter informativo. Os princípios informavam,
eram conselhos, informavam a atuação administrativa como um todo, mas
não vinculavam essa atuação. Não eram considerados normas. Os atos
administrativos não podiam ser invalidados com base nesses princípios.

A segunda fase dos princípios, citada por Paulo Bonavides, é a fase


positivista. Aquela idéia de que a lei contém todo o direito. Aquela idéia
positivista trazida, principalmente, por Hans Kelsen e outros autores em que
realmente a lei contém todo o direito, não comporta lacunas, o
ordenamento é perfeito e completo, segurança jurídica. Essa era a idéia
básica do positivismo. Nessa segunda fase, positivismo, os princípios teriam
caráter de norma, mas um caráter de norma subsidiária. Já eram normas e
já podiam e algumas situações vincular a atuação do administrador, do
próprio Estado, dos particulares, mas esse caráter normativo é um caráter
normativo secundário, subsidiário. Essa idéia está consagrada no artigo 4º
da LICC.

Art. 4º da LICC: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de


acordo com a analogia, os Costumes e os princípios gerais de direito.

Esse artigo diz que no caso de lacuna na lei o intérprete irá aplicar
os costumes, os princípios gerais de direito, analogia. Princípios gerais de
direito são aplicáveis apenas no caso de lacuna, omissão legal. É aquela
idéia subsidiária, a lei é mais importante. A lei (infraconstitucional) é tão
importante, é tão perfeita que ela não pode comportar defeitos. Se houver
alguma lacuna, já tem a liga que são os princípios gerais do direito,
analogia, os costumes.

O princípio, neste caso, tem uma função subsidiária. O princípio só


seria invocável caso a lei fosse omissa. Essa é a idéia positivista, segundo
Paulo Bonavides.

O terceiro momento é chamado normalmente de pós-positivismo. O


Paulo Bonavides vai chamar esse terceiro momento, essa terceira etapa de
pós-positivismo. Sai o jusnaturalismo, sai o positivismo e entra o pós-
positivismo ou, para alguns autores, um positivismo principialista ou
neopositivismo. A expressão mais consagrada, mais utilizada é pós-
positivismo do Paulo Bonavides.
15Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

É a terceira fase, portanto que traz um caráter normativo para os


princípios, mas um caráter normativo primário. Princípio, agora, deve ser
encarado como norma jurídica, como norma primária. Não é aquela norma
que só se aplica nos caso de lacuna da lei não. Princípio agora com força
normativa que vai ser invocado por particulares, será invoco pelo Estado,
será invocado pelo Judiciário para limitar as relações entre particulares e
também relações envolvendo o Estado. O princípio, agora, é norma jurídica
e tem conteúdo autônomo.

Vai dizer o pós-positivismo: com a aproximação entre a moral e o


direito, no positivismo a lei continha todo o direito e a lei já era justa por ser
lei. Hoje não basta ser lei para ser justa, você separa justiça e moralidade
da idéia estrita de legalidade e você pode, eventualmente, ter um conflito
entre lei e moralidade, lei e ciência, lei e segurança jurídica. O princípio da
legalidade não é o único princípio, existem outros princípios que também
têm caráter de norma e que podem vincular não só a atuação do particular
como a própria atuação legislativa.

O que vai dizer, portanto hoje essa doutrina? As normas jurídicas


lato sensu, as normas constitucionais principalmente, se dividem
basicamente em regras e princípios. Tem controvérsia aqui, mas a doutrina
de um modo geral tem dividido as normas constitucionais em regras e
princípios. Trazem milhões de critérios para diferenciar regras de princípios,
mas normalmente se você usar aquela visão tradicional do direito
comparado, a aplicação das regras normalmente se dá pelo critério do tudo
ou nada. Isso é o que a doutrina tradicional tem falado.

Normalmente a doutrina vai dizer o seguinte: a aplicação das regras


se dá pelo critério do tudo ou nada. Quem traz essa expressão “tudo ou
nada” é o professor Ronald Dworkin. Por que “tudo ou nada”? Para o
Dworkin a colisão entre regras será resolvida pelo critério da validade ou
por questões de validade. Uma regra é válida ou não é válida. Não dá para
aplicar ponderadamente uma regra e deixar outra regra em vigor ainda. Ou
uma regra é válida ou não é válida. Se uma regra está em conflito com
outra regra, uma das regras terá que prevalecer e a outra regra terá que
desaparecer. É tudo ou nada nessa visão tradicional. Pelo critério do tudo ou
nada você resolverá um eventual conflito por um daqueles três critérios
tradicionais. Para saber qual regra vai prevalecer, se é a regra x ou a regra
y, você vai ter que trazer um daqueles três critérios elencados pelo
Norberto Bobbio: critério hierárquico, critério cronológico e o critério
da especialidade.

No critério hierárquico a lei superior prevalece sobre a lei inferior. A


Constituição prevalece sobre as leis e as leis prevalecem sobre os atos
administrativos, por exemplo.

No critério cronológico a lei posterior prevalece sobre a lei anterior e


o critério da especialidade onde a lei especial vai prevalecer sempre sobre a
lei geral.
16Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

Critério hierárquico, critério cronológico e o critério da especialidade


normalmente são os critérios apontados por essa doutrina para diferenciar
ou aplicar regras jurídicas. Ou a regra jurídica é válida ou a regra jurídica é
inválida. Para saber qual regra vai prevalecer, se a x ou a y, você vai trazer
um desses três critérios.

Em relação aos princípios, você não vai ter essa questão do tudo ou
nada. Pela abertura textual do princípio, princípio da moralidade, o que é
moralidade? Princípio da eficiência, o que é eficiência? Pela própria abertura
conceitual do princípio, você não precisa aplicar um princípio e se desfazer
de outro princípio. Você pode aplicar um princípio e o outro princípio pode
permanecer em vigor pela abertura da sua forma, pela abertura das
expressões utilizadas pelo próprio princípio.

Por exemplo: o princípio que consagra o direito à intimidade e o


princípio que do outro lado consagra a publicidade das informações. O
direito à intimidade de um lado, uma norma principiológica e de outro lado o
direito à informação, também uma norma principiológica. Qual norma vai
prevalecer? Depende do caso concreto. Você não consegue dizer a priori se
uma regra irá prevalecer sempre e se a outra regra irá ceder espaço
sempre, quer dizer, não dá para resolver pelo tudo ou nada. Eventualmente
no caso concreto prevalece uma e a outra cede espaço e em outro caso
concreto acontece o inverso.

Por exemplo: Se for um político famoso fazendo besteira, a


tendência é prevalecer o direito à informação e a intimidade desse político
será deixada um pouco de lado. Se for um cidadão qualquer fazendo
besteira, a intimidade do cidadão em princípio seria preservada com maior
força e a informação perderia um pouco mais de espaço.

O que acontece é o seguinte: não dá para dizer, a priori, que uma


norma irá prevalecer sobre a outra, porque temos princípios aqui. Então, a
doutrina tradicional diz que não é pelo tudo ou nada que se resolve o
conflito entre princípios. Aqui você vai ter aquela idéia de mandado de
otimização. Princípios são mandados de otimização quem vai dizer isso é
outro autor que você não pode deixar de citar: Robert Alexy.

O que vai dizer Alexy e seus seguidores: você não aplica o critério
do tudo ou nada, pois princípios são mandados de otimização. Eles podem
ser aplicados em maior ou em menor intensidade. Você não precisa se
desfazer de um princípio para aplicar outro. Você pode aplicar um princípio
a um caso concreto e deixar o outro de lado nesse caso e em outro caso
concreto seguinte você fazer o inverso.

Você não vai resolver eventual conflito entre princípios se utilizando


do critério da validade. Você vai resolver esse eventual conflito entre
princípios no caso concreto, através da ponderação de interesses. Você vai
ponderar o conflito no caso concreto, vai trazer parâmetros, por exemplo,
razoabilidade e vai ver no caso concreto qual princípio vai prevalecer sem
17Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

fazer com que o outro princípio saia do ordenamento jurídico. Só naquele


caso concreto você afasta um princípio e aplica o outro, mas o outro
princípio não aplicado continua valendo para outros casos que vierem a
surgir.

Então, não é tudo ou nada. Você tem ponderações em casos


concretos e aí um princípio vai ceder espaço para outro, portanto aquele
outro será aplicado ao caso concreto. Essa é a visão tradicional.

Claro que hoje já há autores importantes revendo isso. Só para


vocês saberem, não vou entrar nessa questão agora, no Brasil o Humberto
Ávila não concorda com isso. Ele até diz que normalmente pode-se utilizar
desses critérios, mas ele faz outra distinção. Ele fala que as normas, além
das regras e princípios admitem os chamados postulados normativos,
que seriam normas de segundo grau, servem justamente para resolver
conflitos entre regras e princípios. São normas de segundo grau, só servem
para resolver conflitos entre regras e entre princípios. Só servem para
resolver conflitos entre normas de primeiro grau que são as regras e os
princípios.

Para que eu falei isso tudo? Para demonstrar a importância dos


princípios hoje. Os princípios, em um tempo de pós-positivismo, são normas
jurídicas tais como as regras e os princípios vinculam a atuação dos
particulares e da própria Administração.

Portanto, hoje, a atuação administrativa tem que respeitar os


princípios, a atuação legislativa também tem que respeitar os princípios e
atuação judicial também tem que respeitar os princípios.

O Poder Judiciário, principalmente, não é o único, quando faz o


controle judicial dos atos administrativos, o judiciário poderá se valer de
princípios para invalidar atuações administrativas. Os princípios têm uma
importância ímpar, pois norteiam e servem de parâmetro para a invalidação
de atuações administrativas, mas também atuações do próprio Estado como
um todo.

Pergunta do aluno.

Resposta: o Dworkin usa uma expressão consagrada. Ele fala do tudo ou


nada. Ele trata do conflito entre regras e para esse conflito é o critério do tudo ou
nada. O Alexy concorda com isso. No conflito entre princípios você terá que fazer
ponderações. O Dworkin vai nesse sentido também, mas quem fala melhor sobre
isso é o Alexy e aí se utiliza a expressão dele no sentido de que princípios são
mandados de otimização. Não tem conflito entre os dois. O Dworkin e o Alexy
concordam. Para o conflito de regras é o tudo ou nada e para o conflito de
princípios é a ponderação.

Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade foi um dos principais vieses da Revolução


Francesa, surgiu com o Estado de Direito e o próprio princípio da legalidade
18Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

veio a justificar o surgimento do Direito Administrativo. O Direito


Administrativo acaba nascendo do princípio da legalidade. Não só dele, mas
nasce a partir dessa idéia de legalidade.

A idéia de que o Estado, a Administração só pode atuar quando


houver uma prévia habilitação legal.

A legalidade surge, portanto a idéia de um Estado baseado na lei,


habilitado pela lei é idéia que surge e representa esse nascimento do Direito
Administrativo e nesse início o princípio da legalidade, pelo menos em tese,
admitia duas concepções básicas.

Em tese, você poderia ter o princípio da legalidade como preferência


da lei. Primeira idéia: princípio da legalidade como preferência da lei. Essa
primeira concepção de preferência da lei também é chamada de vinculação
negativa da Administração.

Nessa primeira concepção, que não chegou a vigorar na visão


tradicional do Direito Administrativo, mas em tese nessa primeira
concepção de legalidade, o que seria prevalência da lei ou vinculação
negativa da Administração?

Nessa primeira concepção, em tese, o Administrador poderia atuar


mesmo que não houvesse lei autorizando expressamente aquela atuação. A
Administração poderia atuar sem lei, mas deveria respeitar eventualmente
a leis que viessem a ser promulgadas.

Nessa primeira concepção, a lei tinha uma função limitadora e não


habilitadora. Na primeira concepção, em tese, a lei tinha um caráter
limitador, mas não propriamente habilitador. O Administrador poderia atuar
normalmente e nessa atuação ele teria que respeitar a legislação. Se não
houvesse lei, ele poderia atuar, mas amanhã publicada a lei o Administrador
deveria se pautar por essa lei e adequar essa lei.

Essa é uma primeira noção, em tese, que poderia ser admitida para
a legalidade, mas é negativa de legalidade, vinculação negativa, idéia de
preferência da lei. A lei tem preferência sobre os atos administrativos. O
Administrador pode atuar e quando vier a lei, a lei terá preferência, ele vai
ter que se adequar.

Sempre vigorou, no entanto, a segunda concepção de legalidade. Na


segunda concepção, você tem a legalidade como idéia de reserva de lei. A
primeira idéia é de preferência de lei. A segunda idéia é de reserva de lei,
também conhecida como vinculação positiva do Administrador.

Por que reserva de lei ou vinculação positiva do legislador? Porque


mais do que um limite a lei funciona como uma habilitação legal. A lei é
uma habilitadora da atuação administrativa. A lei habilita a atuação
administrativa e a própria lei limita essa mesma atuação.
19Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

Na idéia de reserva de lei ou vinculação positiva, o administrador ou


a Administração só pode atuar se o legislador expressamente autorizar e
nos limites colocados nessa lei autorizadora. Essa é a concepção que
prevaleceu e prevalece, ainda, de um modo geral no Brasil. Essa idéia de
reserva legal, a idéia de que, em regra, o Administrador só pode atuar se a
lei expressamente autorizar e nos limites colocados por essa lei.

A verdade é que esse princípio passa por uma releitura. Essa idéia
que eu estou trazendo é a idéia tradicional e que vigorou no Direito
Administrativo e é a idéia que vigorou no Brasil. A idéia de que o
Administrador só pode atuar se houver uma lei expressamente autorizando
e nos limites daquela lei é a idéia tradicional. Só que essa idéia passa por
uma releitura.

Tem-se falado muito por aí na constitucionalização dos direitos.


Todo mundo já leu sobre isso: aplicação horizontal dos direitos
fundamentais, constitucionalização do direito civil. Todo mundo já leu isso
na Maria Celina de Bodin, com o Gustavo Tepedino. Todo mundo já viu
essas expressões.

Só que a constitucionalização não é só do Direito Civil. A


constitucionalização é do direito como um todo. A idéia de filtragem
constitucional, aquela idéia tradicional utilizando a nomenclatura do Paulo
Ricardo Schier, filtragem constitucional, todo o ordenamento hoje passa
por uma releitura a partir da Constituição. Para a atuação
administrativa, para a atuação legislativa, para a atuação entre particulares,
para a atuação, portanto de todos. Para essa atuação ser considerada válida
essa atuação e o próprio ordenamento tem que estar de acordo com a
Constituição Federal.

Aquela idéia de que a Constituição Federal é a norma mais


importante do ordenamento, todo mundo lembra-se da pirâmide do Kelsen,
a Constituição Federal está no topo, depois vem as leis, depois atos
administrativos. Aquela idéia de que a Constituição Federal está no topo do
ordenamento, é a lei fundamental, ela não é apenas decorativa, não é uma
idéia que se fala e não se aplica.

A idéia hoje de constitucionalização é: se a Constituição Federal está


no topo ela é a norma mais importante do ordenamento e ela vai
condicionar a validade não só do ordenamento como um todo, mas
condicionar a validade de atuações concretas dos particulares e do Estado.

Se isso é verdade, a legalidade pode passar por uma releitura.


Naquela visão positivista, a lei exercia um papel de protagonista. Na época
do positivismo, a lei exercia um papel de protagonista. A lei continha todo o
direito, a lei é perfeita, a lei não tem defeitos. Se houver lacuna na lei, se
aplica os princípios gerais de direito, costumes, analogia. Na época do
positivismo, você tinha um exagerado culto à lei. Para você saber se uma
atuação era válida ou inválida, você olhava para a lei.
20Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

Por exemplo: uma ação judicial, você era autor de uma petição
inicial. Como autor, você procurava respaldar seu direito na lei. Se você não
tivesse uma lei x você nem entraria com uma ação no caso concreto. Hoje é
muito comum você encontrar uma ação judicial que não faz menção a lei
alguma e sua fundamentação só se baseia em dignidade da pessoa
humana.

Na verdade, essa idéia de que a Constituição Federal é norma


principal, ela faz a releitura em relação à legalidade. Você sai daquele
positivismo, daquele culto exagerado à lei por razões óbvias. Primeiro, a lei
não é sinônimo de direito; segundo, a lei não é sinônimo de justiça; terceiro,
a legalidade é apenas um princípio dentre vários consagrados no
ordenamento; quarto, crise da democracia representativa. Quem faz a lei? É
o Congresso, olha quem está no Congresso! Não dá para dizer que a lei,
hoje, tem essa legitimidade toda que sempre teve, porque quem faz as leis
não são as pessoas habilitadas para isso ou pelo menos não deveriam ser as
pessoas habilitadas para isso. Há uma crise. Então, em razão dessa crise na
democracia representativa, a lei perde seu papel legitimador, pelo menos
deixa de ter uma validação sociológica que é diferente da validação política.

Quando vem o pós-positivismo, todos os princípios ganham


importância. Todos eles são normas e não só a legalidade, mas também a
eficiência, a moralidade, a impessoalidade e etc. A legalidade não é mais a
única. A legalidade não é mais protagonista sozinha, ela agora divide o
palco com outros princípios e, portanto, uma atuação pode ser legítima,
pode ser justa, mesmo que seja ilegal.

Uma atuação ilegal pode ser válida. Vocês acham que eu estou
sendo contraditório? Alguém já ouviu falar em sanatória ou convalidação do
ato administrativo? Princípio constitucional. Eu não precisaria falar mais
nada. Eu poderia acabar por aqui.

Quando o ato administrativo viola a lei, ele é inválido, é ilegal, em


princípio. Ilegal é algo que viola a lei e, em princípio, deve ser anulado. É um
dever, em regra, o dever de anulação. A própria Administração na
autotutela, a gente vai ver depois, tem o dever de invalidar aquele ato
porque ele contrariou uma lei. Se a Administração não fizer isso, o Judiciário
fará.

Ocorre que hoje, toda a doutrina admite convalidação ou sanatória e


o próprio Judiciário admite isso. Ainda que um ato administrativo viole
formalmente uma lei, ele pode ser considerado no final das contas válido e
pode produzir seus efeitos. Imagina aquele ato que violou formalmente uma
lei qualquer, mas está produzindo efeitos há 60 anos. O Judiciário e o
próprio Administrador podem chegar à seguinte conclusão: se eu invalidar
esse ato agora olha os prejuízos que eu vou gerar. Sessenta anos gerando
efeitos. Pessoas estão ali de boa-fé, terceiros de boa-fé se valeram daquele
ato. Segurança jurídica, boa-fé são princípios também importantes,
constitucionais implícitos.
21Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

Vejam, respeito à legalidade. Não teve respeito à legalidade, mas se


eu invalidar por ilegalidade eu vou acabar violando, ao contrário, a
segurança jurídica, vou contrariar a boa-fé. O que eu faço? Em tese, pela
ponderação eu posso fazer a convalidação ou sanatória, posso salvar aquele
ato ilegal, mas vou respeitar todos aqueles efeito que ele produziu em vista
da segurança jurídica e boa-fé.

Então, um ato pode ser ilegal e assim mesmo ser válido. O Gustavo
Binenbojm tem uma expressão que ele utiliza para isso e já traz no livro
dele, a expressão é dele, não tem nada de novo, mas a expressão é nova
porque é dele, ele fala em juridicidade contra legem.

A idéia é a seguinte, vamos compreender melhor essa expressão: a


legalidade não é o único princípio, não é a única protagonista hoje. Outros
princípios também serão aplicados, portanto têm força normativa. Mais do
que legal, a atuação administrativa tem que ser em conformidade com a
juridicidade. A idéia, portanto de princípio da juridicidade vem ganhando
força. É citado pelo Diogo de Figueiredo, pelo Aragão, por alguns autores
de fora do Rio de Janeiro. A expressão não é nova, vem lá do Adolf Merck
da Alemanha.

Juridicidade é uma idéia mais ampla da questão. Juridicidade


significa o ordenamento jurídico como um todo. Para uma atuação
administrativa hoje ser válida, você não vai olhara apenas para a lei. Para
uma atuação administrativa ser válida você vai ter que olhar para
todo o ordenamento jurídico e se essa atuação estiver contrariando
uma lei, mas ao contrário estiver em conformidade com demais
princípios que pedem a permanência daqueles efeitos do ato
administrativo, aquela atuação apesar de ilegal será uma atuação
em conformidade com a juridicidade, será uma atuação válida. É o
que está acontecendo aqui.

Se um ato administrativo, em princípio, viola a lei ele é ilegal, mas


apesar dessa ilegalidade esse ato poderá ser salvo através da convalidação
ou sanatória, porque nesse caso o ato, apesar de ilegal, pode estar em
conformidade com o ordenamento jurídico como um todo, segurança
jurídica, boa-fé, enfim.

Por isso a expressão utilizada pelo Binenbojm: juridicidade contra


legem. É um ato válido, em conformidade com a juridicidade, apesar de ser
contra uma lei formal específica qualquer.

Decreto Autônomo

Então, a legalidade passa por essa releitura. Vamos agora para uma
questão concreta de concurso.

Em primeiro lugar, a discussão do decreto autônomo. A partir de


uma idéia tradicional de legalidade, o que a doutrina tradicional sempre
disse? O administrador só pode atuar se a lei expressamente autorizar. A
22Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

idéia tradicional de legalidade traz a seguinte conseqüência: a doutrina


majoritaríssima do direito administrativo não vai admitir, em regra, a figura
o decreto autônomo.

Se o administrador só pode atuar de a lei expressamente autorizar,


a contrario sensu, o administrador não pode editar um decreto sem prévia
autorização legislativa.

Estamos falando do decreto autônomo, aquele em que não temos a


intermediação do legislador. É aquele decreto baixado com
fundamento de validade direto do texto constitucional. Esse decreto
autônomo, para a doutrina tradicional não vale, não é válido em princípio
por conta daquela legalidade tradicional: o administrador só pode atuar se a
lei expressamente autorizar.

Se a lei autorizar, o decreto editado não vai ser autônomo. Se a lei


autoriza, o decreto vai ser baixado com fundamento dessa lei, segundo a
doutrina esse decreto será chamado de decreto regulamentar ou decreto
executivo. É o decreto que executa uma lei pré-existente. Esse decreto
executivo ou regulamentar que é válido, pois é baixado com fundamento
em uma lei, na lei que autorizou a Administração a atuar. O que não pode,
para a doutrina tradicional, é decreto autônomo baixado com fundamento
direto no texto constitucional sem uma lei prévia. Isso violaria o princípio da
legalidade.

Então, essa é a visão majoritária, tradicional.

A corrente majoritaríssima não admite o decreto autônomo. Faz


parte dessa corrente que não admite o decreto autônomo: Carvalhinho,
Celso Antônio, Maria Sylvia di Pietro (em regra, mas admite exceção),
Diógenes Gasparini (antes da CF de 1988 ele admitia o decreto
autônomo, mas depois da CF de 1988 ele não admite mais o decreto
autônomo). Esses autores não admitem o decreto autônomo, em regra, pois
eles partem da interpretação tradicional da legalidade, aquela legalidade
concebida como habilitadora da atuação administrativa. A Administração só
pode atuar se a lei expressamente habilitá-la para isso.

Essa corrente majoritaríssima, vai se fundamentar na legalidade e


vai apontar diversos artigos da Constituição Federal para chegar a essa
conclusão. Anotem os artigos e em uma aula específica sobre o assunto eu
aprofundarei isso: artigo 5º, II da CF (fala da legalidade lato sensu); artigo
37 da CF (fala da legalidade administrativa); artigo 49, V da CF (fala que o
Congresso pode sustar atos do Executivo que exorbitem o poder
regulamentar); artigo 84, IV da CF (talvez, o artigo mais citado. Fala que o
chefe do executivo pode editar decretos e regulamentos para a fiel
execução da lei) e artigo 25, I do ADCT (proíbe a edição de decreto
autônomo).

Art. 5º, II da CF: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer


alguma coisa senão em virtude de lei;
23Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira
Art. 37 da CF: A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 49 da CF: É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do


poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

Art. 84 da CF: Compete privativamente ao Presidente da República:

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir


decretos e regulamentos para sua fiel execução;

Art. 25 da CF: Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da


promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei,
todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder
Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso
Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa;

Todos esses artigos serão fundamentos apontados pela doutrina


majoritária, mas o que ela aponta como fundamento geral é o princípio da
legalidade, daquela visão tradicional que não admite atuação administrativa
sem fundamento na lei.

Visão minoritária. Visão do Hely Lopes Meireles. Sempre existiu a


visão minoritária que é a visão do Hely, tem uma visão moderna e, nessa
visão minoritária, o Hely admitia a figura do decreto autônomo.

Cuidado com os livros do Hely hoje. O Hely faleceu em 1989 e outros


autores vêm atualizando a obra dele e de 1989 para cá, muitas coisas
aconteceram em direito administrativo, muita coisa surgiu a partir de 1989.
Quase tudo que temos hoje veio a partir de 1990. Cuidado com os manuais
lançados a partir de 1990, por exemplo. Porque esses manuais vêm com os
posicionamentos dos atualizadores.

Então, o Hely admitia o decreto autônomo em regra. Ele dizia o


seguinte: teoria do poderes implícitos, onde quem pode o mais, pode o
menos. A Constituição coloca finalidades, deveres para o
Administrador. Para o Administrador alcançar esses deveres tem
que ter mecanismos para isso. Ele não pode ficar a mercê da atuação do
legislador. Se o legislador não atuou e a norma constitucional é mais
importante do que o próprio legislador, se este não atuou a norma não pode
ficar impedida. O Administrador vai atuando e satisfazendo as finalidades
constitucionais, por exemplo, defesa do meio ambiente, saúde, educação
até que o legislador atue. Quando o legislador atuar, aí a atuação do
Administrador terá que se adequar, mas até lá o administrador vai atuando.
Teoria dos Poderes Implícitos: se o administrador tem que atender
24Escola PGE/PGM – Praetorium
Aula 01 – Direito Administrativo – Rafael Oliveira

finalidades públicas, ele precisa ter os mecanismos para isso. E aí


ele se utiliza do decreto autônomo.

Fim da aula.

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