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Incompletude do Drama
Para nós que trabalhamos no destino da forma dramática após os
anos 1880, quer dizer depois do início do que Peter Szondi identificou
como a “crise da forma dramática”: esta autonomia do teatro em
relação ao drama e esta exaltação concomitante da teatralidade – no
senso barthesiano do “teatro, menos o texto” e do “dado de criação,
não de realização” – não significa em caso algum uma perda para o
drama, ou ainda mais, a perda do drama. Ao contrário, nós temos
razão para acreditar que a forma dramática tem tudo a ganhar com
essa dissociação e que, se ela pôde evitar a petrificação e se renovar
consideravelmente ao longo do século XX e nesse início do século
XXI, foi ampla e paradoxalmente tendo em conta alguns avanços,
alguma ambição de um teatro liberto do textocentrismo, do
logocentrismo, em breve da tutela da literatura dramática.
Tudo começou com Antoine, Stanislavski e a invenção da encenação
moderna… Certamente nós ainda lidamos nesta época com artistas
que se apresentam como os servos da arte dramática, mas essa
posição não os impede de se afirmarem como coautores do
espetáculo. A partir do momento que Zola declara que agora o
cenário deve ter no teatro a mesma função que as descrições têm no
romance, e quando Antoine não só contribui com Zola considerando
que é com a encenação tomada globalmente que esse papel retorna,
mas também especifica que o primeiro gesto do diretor deve consistir
em criar o ambiente da ação dramática, a causa é clara: a forma
dramática mostra sua incompletude; a encenação não é mais uma
simples “arte do espetáculo”, mas sim “um dado de criação”. Em
termos (anti-) hegelianos, a encenação traz para uma obra dramática
fundada na “totalidade do movimento”, esta “totalidade de objetos”,
esta dimensão épica, que a torna defeituosa.
Certamente, esta “totalidade de objetos” será naturalmente de forte
diferença para Antoine e para Lugné-Poe: ela se fixará, no teatro
naturalista, na reconstituição do ambiente, mobiliários e acessórios e,
no teatro simbolista, na atmosfera, na influência do cosmos, nos
objetos invisíveis… É por isso que nós não podemos compartilhar com
o ponto de vista de Hans-Thies Lehmann segundo o qual “mesmo
com uma intenção naturalista – onde aparece o meio com seu poder
particular sobre o homem – o contexto cênico funciona no teatro
dramático, por princípio, só como moldura e pano de fundo do drama
humano”. Nós não pensamos, como este brilhante teórico, que a
encenação “do teatro da época moderna” não é “geralmente mais
que declamação e ilustração do drama escrito”.
Mas a divergência não para por aí, ela é mais amplamente sobre o
que faz desse livro uma obra com duplo fundo, com duplo discurso:
de um lado – no qual é preciso reconhecer que ela é essencial – uma
notável exploração destes teatros geralmente exteriores ao drama
que são os de Abou Reza, de Jan Fabre, de Robert Wilson, de Maguy
Marin, etc.; de outro lado – e aí que nós nos levantamos contra – as
considerações sobre a obsolescência e, por assim dizer, sobre a
morte do drama.
Compreenderemos que o que nós temos a intenção de contestar na
noção de pós-dramático é justamente que ela se defina
historicamente como pós… dramático.
O Infradramático
Luckás – a quem devem Adorno, Lehmann, e até certo ponto, Szondi,
– não tinha palavras suficientemente duras para denunciar a
influência nefasta de Schopenhauer sobre os destinos do drama,
particularmente em Strindberg. Para ele, a “tragédia universalmente
humana” não faz mais que exprimir “a inanição da vida em geral” e
“exprime aqui filosoficamente uma tendência que [...] adquire cada
vez mais importância na literatura dramática e conduz cada vez mais
seguramente à dissolução da forma dramática, à desintegração dos
seus elementos realmente dramáticos.” (LUKÁCS: 1965) Sem aderir
a essa ideia de uma “dissolução”, é preciso reconhecer que a
dramaticidade do drama-da-vida é fortemente diferente daquela do
drama-na-vida (ou, pra retomar uma expressão de Szondi, do
“drama absoluto”), que ela se situa principalmente naquilo que
podemos chamar o infradramático.
Para falar como Tchekhov, o drama-da-vida parece, ao lado de outros
mais salientes, todos estes eventos minúsculos, ao final
insignificantes, que fazem uma “vida plana”. No drama-da-vida, nós
já vimos maiores reversões do destino: felicidade e tristeza não
param de se alternar e às vezes de se confundir. No regime do
infradramático, mais heróis, mais personagens muito originais; mais
mitos, mas tudo além do fait divers, como já visto em Büchner. A
divisa do drama-da-vida poderia se sustentar em uma fórmula de
Beckett: “tudo segue seu curso”. Mais progresso dramático, mais
enlace e desenlace, mais de grandes catástrofes, mais uma série de
pequenas. A dramaturgia entrou nesta era – e nesta ária – do
cotidiano que faz Tchekhov dizer que “nada acontece” nessas peças e
na qual Lukács, que não se resigna à “tenra banalidade da vida” que
os dramaturgos se contentam em expor, lamenta o poder
dissolvente:
“O drama moderno no período de declínio geral do realismo segue a
linha da menor resistência. Ou seja, ele acomoda seus meios
artísticos aos aspectos mais insignificantes de sua matéria, aos
momentos mais prosaicos de sua vida cotidiana. Assim a tenra
banalidade da vida torna artisticamente o tema que é figurado; ela
sublinha precisamente os aspectos do sujeito que são desfavoráveis
para o drama. Produzimos peças que do ponto de vista dramático se
situam a um nível inferior ao da vida da qual elas participam.”
O que, por sua vez, se encontra implicado é aquilo que Szondi faz do
critério da ação no seio do drama absoluto, a saber, a decisão. Nas
dramaturgias modernas e contemporâneas, não é o homem ativo que
está no centro da ação, mas antes de tudo o homem em sofrimento,
um homem em Paixão – esta “Paixão do homem” da qual Mallarmé
fez a medida do drama novo. Joseph Danan nos dá as razões dessa
reversão da ação de ativa para passiva: “Agir é primeiro querer agir.
A crise da ação encontra sem dúvida sua origem na crise do sujeito,
nas falhas do eu e de sua capacidade de desejar. Certo número de
dramaturgos do final do séc. XIX e do séc. XX, de Tchekhov a
Beckett, tem essa capacidade de tornar problemático o próprio tema
de suas obras.”
Síncope da ação não significa ausência de ação. Tratamos agora de
uma ação descontraída, de um drama desdramatizado.
Colapso e Reprise
Incontestavelmente a forma dramática tornou-se, ao decorrer do séc.
XX, cada vez mais difícil de identificar, cada vez mais móvel e difusa.
Sobretudo, cada vez mais complexa. Entre o novo paradigma e o
antigo, a ruptura se fez sobre a rejeição da dialética hegeliana do
dramático como ultrapassagem do lírico (objetivado) e do épico
(subjetivado). O que dava movimento ao drama agora considerado
como um falso movimento. As novas dramaturgias libertam-se desta
dialética e procedem por ajuntamento, pelo jugo de elementos
refratários uns aos outros – dramáticos, épicos, líricos,
argumentativos, etc. Cada elemento se ajusta ao outro – ou melhor,
o transborda – e deste transbordamento provêm o movimento
próprio da obra.
Na tradição hegeliana, o dramático não existe em si; ele não é nada
além do produto conceitual da dialética da épica e do lírico. O que
explica que nós não encontramos nenhuma definição do dramático na
obra de Hans-Thies Lehman, salvo esta, talvez um pouco limitada:
NOTAS:
*[nota do tradutor] Opsis: o que é visível, oferecida para o olhar,
portanto, suas conexões com os conceitos de espetáculo e
performance. Na Poética de Aristóteles, o espetáculo é um dos seis
elementos constitutivos da tragédia, mas está abaixo de outras
consideradas mais essenciais… O lugar na história do teatro atribuído
posteriormente ao opsis, o que hoje chamaríamos de encenação,
determinou o modo de transmissão e do significado global da
performance. Opsis é uma característica específica das artes do
espetáculo. In PAVIS, Patrice.Dictionnaire du Théâtre. Paris: Editions
sociales, 1980.
[1] A revista Études Thèâtrales relatou uma parte dessas pesquisas:
Mis-en-crise de la form dramatique 1880-1910 (n. 15-16), L’avenir
d’une crise. Écritures dramatiques 1980-2000 (n. 24-25), Dialoguer.
Um Nouveau partage des voix, vol. I e II (n. 31-32 e 33).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- LEHMANN, Hans-Thies, Le Théâtre postdramatique. Paris: L’Arche,
2002. (a edição alemã é de 1999).
- DORT, Bernard, Le Spectateur en dialogue. Paris: P.O.L., 1995.
- ADORNO, Theodor, “Pour comprendre Fin de partie”, in Notes sur la
littérature. Paris: Flammarion, 1984.
- GUÉNOUN, Denis, Actions et acteurs: raison dudrame sur scène.
Paris: Belin, 2005, coleção “L’extreme contemporain”, pág. 27-31.
- SZONDI, Peter. Théorie du drame moderne. Trad. de Sibylle Muller.
Belval: Circe, 2006, coleção “Penser lê théâtre”.
- LUKÁCS, Georges. Le Roman historique. Paris: Payot, 1965. coleção
“Bibliotèque historique”.
- DANAN, Joseph, Actions(s), in Jeans-Pierre Sarrazac (dir.), Lexique
du drame moderne et contemporain, Beval: Circe/ Poche, 29, 2005 (a
edição original foi publicada pelos Éthudes théâtrales em 2001).
- ARISTÓTELES. La Poétique, texto, tradução, notas, de R. Dupont-
Roc e J. Lallot. Paris: Seuil, 1980, coleção “Poétique”.
- NIETZSCHE, Friedrich. Fragment posthume [90] in La naissance de
la tragédie. Paris: Gallimard, 1977, coleção “Folio essais” 32.
- KLOTZ, Volker, Forme fermée et forma ouvert dans le théâtre
européen. Belval: Circe, 2005.
- SARRAZAC, Jean-Pierre. L’Avenir du drama. Balval: Circe/ Poche,
24, 1999 (a edição original é de 1981).
- OSTERMEIR, Thomas. Introduction et entretien par Sylvie Chalaye.
Arles: Actes Sud-Papiers, 2006 coleção “Mettre en scène”.