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O panóptico virtual:
dispositivos de vigilância eletrônica
Resumo
Enquanto os mecanismos de vigilância da sociedade disciplinar eram centrados na
coerção, os mecanismos contemporâneos são voltados para a previsão, exercendo controle
sem o confinamento. Em busca de traçar perfis que antecipem ações, de forma a incitar as
pessoas ao consumo, os dispositivos de vigilância eletrônica coletam e cruzam suas
informações. Por meio desses dispositivos, os clientes recebem indicações de produtos em
nem sequer haviam pensado ou sabiam que existiam. O Panóptico, como descrito por
Bentham, pode ser tomado como uma analogia para uma situação real e atual – os cartões
de crédito tornando-se mecanismos de vigilância legitimados pelos clientes. Nesse
sentido, pretende-se avaliar como o conceito do dispositivo Panóptico, como forma de
exercer o poder sem ser visto, poderia ser utilizado de modo comparativo para entender
como acontece essa forma de dominação simbólica. Para tanto, realizou-se uma revisão
bibliográfica, procurando-se levantar as principais relações entre os dispositivos de
vigilância eletrônica e a forma de poder presente na visão foucaultiana, promovendo ainda
uma discussão a respeito da produção de sentido dos clientes sobre a utilização de suas
informações. A contribuição deste estudo está na demonstração de que diferentes teorias
podem ser aplicadas para entender e, possivelmente, auxiliar na formação de uma base
teórica para sua sustentação.
Palavras-chave: Vigilância eletrônica. Panóptico. Sensemaking.
1
Doutoranda em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Professora Assistente do Departamento de Matemática e Estatística da Universidade
Federal de Pelotas – UFPel. E-mail: lisianeselau@gmail.com
Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 7, n. 8, p. 175-191, jul./dez. 2010 175
Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo>.
Lisiane Priscila Roldão Selau Correio
being seen, can be used in a comparative manner to understand how this form of symbolic
domination happens. In order to do this, we carried out a literature review, seeking to raise
the main relationships between the monitoring electronic devices and the form of this
power in Foucault’s view, promoting a discussion about the production of meaning by
customers on the use of information. The contribution of this study is on the
demonstration that different theories can be applied to understand, and give support on the
structuring of theoretical basis its sustainance.
Keywords: Electronic surveillance. Panopticon. Sensemaking.
Introdução
– Cliente: [...] Eu queria encomendar duas pizzas, uma quatro
queijos e outra calabresa...
– Telefonista: Talvez não seja uma boa ideia...
– Cliente: O quê?
– Telefonista: Consta na sua ficha médica que o Sr. sofre de
hipertensão e tem a taxa de colesterol muito alta. Além disso, o seu
seguro de vida proíbe categoricamente escolhas perigosas para a sua
saúde.
– Cliente: É, você tem razão! O que você sugere?
– Telefonista: Por que o Sr. não experimenta a nossa pizza
Superlight, com tofu e rabanetes? O Sr. vai adorar!
– Cliente: Como é que você sabe que vou adorar?
– Telefonista: O Sr. consultou o site “Recettes Gourmandes au Soja”
da Biblioteca Municipal, dia 15 de janeiro, às 14:27h, onde perma-
neceu ligado à rede durante 39 minutos. Daí a minha sugestão...
– Cliente: OK, está bem! Mande-me duas pizzas tamanho família!
[...]
(Trecho de crônica de Daniel Kurtzman)
A partir da leitura deste trecho da crônica de Luiz Fernando
Veríssimo, verifica-se a ideia, tão presente nos tempos atuais, de
vigilância constante. Sem negar os possíveis benefícios dos disposi-
tivos tecnológicos, o que impressiona é a ausência de discussão crítica
sobre as vantagens e desvantagens que esses instrumentos podem
representar, e que convergem para uma temática central: a vigilância
eletrônica.
A vigilância eletrônica é a forma de monitoramento remoto de
pessoas dentro de um contexto organizacional por meio de disposi-
tivos tecnológicos diversos (câmeras de TV, microfones ou computado-
“são eles justamente que vão pouco a pouco invadir essas formas
maiores, modificar-lhes os mecanismos e impor-lhes seus processos”.
O dispositivo Panóptico exerce uma dominação silenciosa e
opressora, que leva os indivíduos a tolherem sua própria subjetividade
pelo temor. Os indivíduos são inconscientemente levados a obedecer,
visto que a dominação não se dá de maneira explícita, pelo autocon-
trole. Os indivíduos obedecem sempre porque temem estar sendo
observados todo o tempo. O princípio do poder apresentado pelo
Panóptico é invisível, exercido pelo próprio dominado, baseado na
suposição de que pode estar sendo vigiado. O mecanismo de poder é
introjetado no indivíduo, que passa a controlar a si mesmo. O poder
disciplinar internaliza a dominação a ponto de dispensar a figura do
controlador, ou seja, a ameaça dispensa a punição.
Esse sistema de dominação impede a interação entre os indiví-
duos. Estes, não podem, pois, exercer o papel de “sujeito numa
comunicação” e submetem-se constantemente à condição de “objeto
de análise”. A multidão existe, mas seus membros convivem em
estado de isolamento. As trocas que poderiam se processar através da
interação entre os indivíduos e que poderiam germinar as condições
para a revolta não acontecem. A analogia do poder disciplinar com o
Panóptico é uma retomada do conceito de que existem formas de
inibir a ação do indivíduo sem que haja um grande aparato coercitivo.
Ao introjetar a dominação nos indivíduos, estes passam a ser
impotentes diante da possibilidade de reação. O conjunto de
individualidades não representa uma multidão porque não é capaz de
se articular como tal através da interação. Trata-se de um processo
social de construção da dominação internalizada:
a multidão, massa compacta, local de múltiplas trocas, individuali-
dades que se fundem, efeito coletivo, é abolida em proveito de uma
coleção de individualidades separadas. Do ponto de vista do guar-
dião, é substituída por uma multiplicidade enumerável e controlável;
do ponto de vista dos detentos, por uma solidão sequestrada e olhada
(FOUCAULT, 2004, p. 166).
Com a coleção de individualidades separadas, imposta pelo
dispositivo, evita-se a interação entre os indivíduos. Sozinhos, eles
não têm coragem para desafiar o sistema, que teriam caso pudessem se
unir. Para Weber (2004), a disciplina é uma probabilidade; o indivíduo
Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 7, n. 8, p. 175-191, jul./dez. 2010 179
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Lisiane Priscila Roldão Selau Correio
2 O panóptico virtual
3 O sensemaking do “vigiado”
Considerações finais
Referências