Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
A ressignificação da Experiência
Osnir Pereira2
[...] a percepção não deve nada àquilo que nós sabemos de outro
modo sobre o mundo, sobre os estímulos tais como a física os descreve
e sobre os órgãos dos sentidos tais como a biologia os descreve.
Em primeiro lugar, ela não se apresenta como um acontecimento
no mundo ao qual se possa aplicar, por exemplo, a categoria de
causalidade, mas a cada momento como uma re-criação ou uma
reconstituição do mundo (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 279).
1 Título utilizado para o registro das discussões filosóficas ocorridas nas seguidas interlocuções com Jorge Larrosa, professor
Ttitular de Filosofia da Educação, no Departamento de Teoria e História da Educação da Universidade de Barcelona.
Doutor em Pedagogia, com Pós-Doutorado no Insitute of Education da Universidade de Londres e no Centro Michel Foucault
da Sorbonne. Esteve na Universidade Federal de Mato Grosso--UFMT, em 26/09/2005, em colóquio com o Grupo de
Pesquisa Movimentos Sociais e Educação, GPMSE.
2 Mestrando em Educação no Programa de Pós-gGraduação da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, linha de
pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular. Pertence ao GPMSE.
3 MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. 2.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 2.ª parte, cCap. I O Sentir, pg.
279-325.
A ressignificação
Recordo-me de uma importante
Experiência = “aquilo que nos acontece”, com ênfase ao nós como o lugar
da experiência, estabelecendo a relação entre experiência e subjetividade.
Assim definida, a palavra nos remete à idéia de situar como experiência ape-
nas aquilo que acontece conosco, no sentido de produzir alteração de estado, de
sensibilização da subjetividade.
Passamos por situações e eventos que absolutamente não nos sensibilizam ou
produzem algo distinto em nós de forma suficiente para provocar alteração de
movimento, tal qual a participação em um curso que coloque a pessoa em conta-
to com determinado conhecimento, mas que em seu final se constate que nada,
nenhuma influência tenha exercido sobre ela, ou que ela nada tenha agregado do
curso para si.
É importante pensar numa alfabetização que tenha relação com essa expe-
riência, para não fazer analfabetos no único sentido importante, observando a
existência de determinadas características de sonoridade com base em 6 (seis)
princípios que auxiliem a entender a ressignificar a experiência como algo exterior
ao sujeito e não uma projeção dele.
não tenho inconsciente, que sou alguém sem inconsciente, afinal procuro-o
há muito tempo e não o encontro. Recuso-me, portanto, a me curvar diante do
imperativo de ser regulado ou determinado por um. Existem outros imperativos
culturais, tais como alma, signo e inconsciente etc. A própria cultura é algo
“implantado” em nós.
A experiência poderia ser implantada em nós? Alguns colegas profes-
sores tentam isto levando os alunos a fazer diário de experiências...
7. Neutralizar a palavra experiência, ressignificando-a sem, no entanto,
banalizá-la, para que não seja usada para definir qualquer coisa. Valorizá-
la, dada a sua importância na constituição da singularidade que reveste
ou traduz o ser humano.
Resenha
Exclusão é tema pulsante nas discussões contemporâneas. É objeto de preocu-
pação, porque não ser reconhecido dentro do pacto social pode acionar o motor
da violência, como bem fundamenta o texto de Wilce de Fátima Calazans Birck,
cuja leitura produziu em nós certa cumplicidade de idéias diante da problemática
abordada.
Partindo da inquietação resultante de sua experiência profissional no atendi-
mento psicoterápico aos “meninos na rua” que trabalhavam como flanelinhas
em uma rua de Cuiabá, Wilce Birck propõe uma reflexão sobre o fracasso escolar
desses meninos. No decorrer do atendimento, ficou evidenciada a dicotomia que
existia entre o desejo que tinham em aprender a ler e escrever e o fato de não
conseguirem freqüentar as aulas até o final de cada ano letivo. Assim, não conse-
guiam realizar seus “desejos” porque continuavam “analfabetos”. Eram os então
rotulados como evadidos, repetentes e fracassados do sistema escolar.
“Por que os que mais precisam da escola não se sustentam dentro dela?” Esta
é a problemática levantada por Wilce Birck neste trabalho.
Em sua pesquisa a autora colhe a fala dos “excluídos” e extrai dela elementos
significativos que nos permitem identificar as práticas determinantes que ocorrem
dentro da escola neste processo de exclusão, negando-lhes melhores condições e
empurrando-os à lista dos fracassados, evadidos e repetentes. O direito universal
de escolarização, traduzido em acesso, permanência e sucesso na aprendizagem,
garantido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, fica, portanto, total-
mente alijado. A escola, por sua vez, presa a um sistema educacional hegemônico e
monoculturalista, não consegue implantar políticas que contemplem a pluralidade
étnico-cultural do país.
Levando-se em conta a educação como fazer social, a diversidade constitui-
se em dimensão problemática do fenômeno educativo. A educação, enquanto
transmissão de cultura, é um processo de modelagem. A tradição e o seu culto
constituem um imaginário de ser um modelo identificatório que a escola mono-
culturalista torna obrigatório como referência, excluindo outros.
Ameaçando as conquistas em favor da eqüidade, da educação inclusiva e da
cidadania, a instituição da diferença como desigualdade tem se tornado uma
forma resistente de corporificação da violência nas instituições escolares. Nesse
sentido, o texto de Wilce Birck abre uma série de reflexões para quem trabalha
nessas instituições.