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GLOBALIZAÇÃO EM QUESTÃO

A ideologia da globalização
11/Jul/98
Leda Maria Paulani

By: PAUL HIRST; GRAHAME THOMPSON

A palavra "globalização", apesar de já devidamente incorporada ao vocabulário


acadêmico, à mídia e mesmo ao corriqueiro linguajar do dia-a-dia, é capaz ainda de provocar
intensa polêmica. Seu objetivo? Dar nome a um processo de transformação, em curso desde meados
dos 70, que estaria alterando os marcos do movimento da economia mundial.
Posta assim, singelamente, a relação do termo (signo) com a coisa que ele quer
expressar (referente) não fugiria do padrão seguido pela imensa maioria dos signos de que se
compõe a linguagem. Não é assim, porém. Salvo engano, o primeiro economista a questionar a
suposta neutralidade da palavra foi François Chesnais. Traduzindo de modo mais claro um
sentimento difuso, mas inequivocamente presente em várias interpretações, Chesnais denuncia o
caráter apologético do termo, que expressaria, de um modo subliminarmente favorável, um
processo, em realidade, perverso para a humanidade.
Assim, Chesnais não hesita em descartá-lo, substituindo-o por "mundialização". Não
se trata, porém, de uma inócua operação de substituir seis por meia dúzia e que só se justificaria em
função do modo ressabiado com que os franceses normalmente recebem as novidades americanas
ou anglófilas. A mundialização, adverte, é "do capital", e ele faz questão absoluta do complemento
(não por acaso, "A Mundialização do Capital" é o título de seu hoje já famoso livro). Assim,
Chesnais troca o nome mas não questiona a existência do fenômeno concreto que ele designa.
Mas existe ainda uma terceira forma de encarar a "globalização". Em livro de 1996, agora
traduzido, Paul Hirst e Grahame Thompson vão argumentar que, por trás do famoso vocábulo,
existe efetivamente muito pouca coisa. Como já se adivinha, trata-se, igualmente, de questionar a
neutralidade do termo, mas por razões substancialmente diferentes daquelas levantadas por
Chesnais. Remando contra a corrente, os autores procuram mostrar que não há provas relevantes e
fortes o suficiente para demonstrar a tese de que a economia mundial se tornou ou está se tornando
"globalizada". Em outras palavras, a tão decantada globalização, não seria nada mais do que um
novo "turn", dentre os muitos que marcam a história recente do capitalismo.
Sendo assim, a insistência na tese de uma nova etapa, radicalmente distinta, e mesmo
revolucionária, em que as economias nacionais seriam inexoravelmente tragadas pela aldeia global,
só se tornaria compreensível em função de sua força mistificadora. Assim, se para Chesnais o termo
é apologético, para Hirst e Thompson ele é puramente ideológico. Mas quais as implicações dessa
posição? Muitas e, em sua maioria, incidem sobre a forma de enxergar os movimentos mais
recentes da economia mundial.
Todavia, a mais importante delas é menos de natureza "stricto sensu" econômica que
de natureza política: sendo a "globalização" nada mais do que uma mistificação que circula o
mundo em busca de consumidores incautos, ficam também colocadas em xeque as suposições a ela
correlacionadas a respeito da crescente irrelevância das economias nacionais, bem como das
estratégias domésticas de política econômica.
Para demonstrar sua tese, os autores constroem, à Weber, dois tipos ideais: uma
economia "internacional" e uma economia "globalizada". Na primeira, mesmo se crescentemente
interconectadas por comércio e investimentos, as entidades principais são ainda economias
nacionais, organizadas segundo algum esquema de divisão internacional do trabalho sob a
hegemonia e o aval de uma nação líder; na segunda, ao contrário, os atores principais são grupos
transnacionais suficientemente ágeis para escapar a qualquer tipo de regulação ou controle e que
provocam, por isso, o declínio de poder dos Estados nacionais, gerando um sistema ingovernável.
Partindo de uma reconstrução histórica, os autores mostram que: (a) a proporção do
comércio (exportação + importação) em relação ao PIB ainda não atingiu, em muitos países
avançados, os marcos alcançados no início do século; (b) os fluxos de capital, apesar de
significativos em termos absolutos, representam ainda parcelas muito pequenas do produto bruto,
do investimento total e dos estoques de capital das economias avançadas; e (c) as empresas
multinacionais não são capitais sem raízes e nem podem ignorar os mercados e as determinações de
política econômica de seus países de origem, não se justificando, portanto, a imagem de grupos
transnacionais absolutamente fora de qualquer controle.
Sendo assim, no posfácio especialmente escrito para a edição brasileira, concluem os
autores: "A globalização não tira de cena as economias nacionais. As elites empresariais e políticas
das nações ocidentais avançadas tomaram a globalização como um pretexto conveniente para as
políticas domésticas que elas escolheram seguir", ao que poderíamos nós acrescentar "determinando
também, com isso, o comportamento das elites usualmente fracas e omissas dos países não-
desenvolvidos".
Contudo, essas evidências empíricas, indicando que a realidade da economia mundial
está mais para "internacional" do que para "globalizada", são apenas parte da estratégia escolhida
pelos autores na defesa de sua tese. Eles derivam parcela igualmente significativa da força de sua
argumentação da forma como desenham o segundo tipo ideal: uma vez que ele representa uma
situação que leva inexoravelmente ao caos e à destruição e que é, no limite, inteiramente
"irracional, fica fácil descartá-lo como algo que não corresponde à realidade.
Em função disso, não raro aparecem no discurso dos autores frases do tipo: "Isto
seria o capitalismo 'desorganizado' de Lash e Urry elevado á enésima potência"; "(com uma
competição comercial desenfreada) o comércio não se equilibrará e haverá uma escassez maciça de
demanda efetiva. Isso é um pandemônio econômico em escala mundial e não pode ser levado a
sério". Tudo isso, evidentemente, facilita o enquadramento da globalização como pura ideologia,
um mito bastante distante da realidade efetiva do capitalismo contemporâneo, realidade essa que
não estaria ainda inteiramente dominada pelas forças cegas e irracionais de um processo de
objetivação que se tece à revelia do arbítrio dos agentes, elites empresariais e políticas inclusive.
Num único aspecto, porém, os autores cedem. No mesmo posfácio e respondendo à
pergunta sobre a influência dos mercados financeiros na determinação das políticas monetárias e
fiscais, os autores admitem que os interesses necessariamente de curto prazo das instituições
financeiras acabam por se tornar "a sabedoria econômica suprema". Dada a escala atual das
operações de curto prazo, lembram eles, as reservas dos bancos centrais nunca serão suficientes
para a defesa de uma determinada taxa de câmbio, se os mercados tiverem decidido o contrário.
Assim, concluem, o mundo estaria trocando empregos e crescimento por inflação
baixa. Insistem, porém, em que os mercados financeiros mundiais não são necessariamente
ingovernáveis e, ainda que admitam que não há hoje grande probabilidade de as coisas mudarem,
acreditam que o problema é a vontade de governá-los, não a carência dos meios para tal.
Não por acaso, é também a escala e o curto horizonte dos mercados financeiros que
constituem, para Chesnais, um dos elementos fundamentais da "mundialização do capital". Tudo
somado, a conclusão final parece ser que, no capitalismo contemporâneo, as forças cegas e
irracionais do "mercado deixado a si mesmo" expressam seu potencial destrutivo por meio da
dominância financeira da valorização. A diferença é que alguns analistas ainda acreditam no
afloramento de uma espécie de instinto natural de sobrevivência da humanidade que, por meio das
elites empresariais e políticas do mundo, impediria a continuidade do processo e reintroduziriam
nele um componente "racional", antes que se chegue a uma situação calamitosa. Outros, porém, não
são tão crédulos assim. A história dirá com quem está a razão.

Leda Maria Paulani é professora da Faculdade de Economia e Administração da USP.


Folha de São Paulo

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