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UNIVERSIDADE DE COIMBRA Boletim Fala de Direito VOL. LX 1984 COIMBRA pect eee DISCURSO DO DIRECTOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, PROFESSOR DOUTOR PEDRO MANSO CABRAL ‘Aqui nos reunimos nesta tarde para que seja conferido a V. Ext, Dr. JoKo pe Matos Axrunes Vannta, 0 titulo de Doutor «Honoris Causa» da nossa Universidade, Alguns patricios de V. Ex.* jé receberam a mesina honraria anteriormente. Dentre eles dois que militaram na rca juridica com igual destaque 20 seu: 0s profestores Mancito GAETANO e Vaz Serra. © trio de juristas portugueses professores thonoris causa» que ora se completa nesta ceriménia é, porém, no meu cntendi- ‘mento, terminado em sua elaboragio, de mancira muito especial, pata no dizer tinica, Porque dos trés grandes mestres lusitanos, V. Ex! 60 que efetivamente se encontra ligado & Bahia, tendo agui desempenhado, em seus anos de exilio, um papel ‘muito singular ¢ muito especial. Dizem em Portugal que todo alentejano (e V. Ex.* 0 8), profundamente influenciado pela grande extensio uniforme e especial da paisagem que seus olhos alcangam, é de tempers- mento grave e sereno ¢, por vezes, algo melancélico. Os cinticos dos trabalhadores, 4 noite, depois da faina difria, & beira do fogo, elevam-se para 05 céus; as fisionomias dos camponeses que cantam, curtidas e marcadas pelo sol, pelos ventos, pelo fio € pelasintempéries, ficam sempre fixadas na retina da mem6ria dos que, como V. Ex.+, nasceram em Ervedal, perto de Aviz. Outras caracteristicas tipicas alentejanas sio a humildade ¢ a modéstia. E mais ainda deseacam-se pela capacidade de serena e constan- temente lutarem, com: maior denodo, ein busca da realizagio de seus ideais. V.Ex., tipico alentejano, de formagio juridica completada, Ministro da Justiga durante treze anos, Professor Catedritico da Universidade de Coimbra, vin-se de repente, tangido pela Revolugio dos Cravos, na Cidade de Salvador, Estado da Baia, que seria o lugar do seu exilio, A tio decantada pureza dos revolucionsrios exigia a sua auséncia, embora, na vida diria, continuassem a reger 0 seu comportamento pelas normas inspi- radas por V. Ex.* ¢ consubstanciadas no mais moderno monu- mento da técnica do dircito privado, que & 0 Cédigo Civil Portugués, Ngo mais queriam Ki aquele que, em esplrito, continuava a reger o que de mais sagrado existe no homem, que ¢a sua vida privada, E V. Ex.* teve de partir. E nés os bahianos tivemos a felicidade de ter V. Ex.* entre nds. Existem homens que se estiolam inteiramente quando esto fora da Pétria, Sto a maioria. Outros costumam-se divertr; foi 0 caso de Odiseo, na sua volta de Itaca, em que por veres perdia inteiramente a nogio do seu destino, como o fez nos bbragos da musa Calipso, V. Ex.* nem se estiolou, nem se divertiu. V. Ex.* trabalhou ¢ tabalhou muito. Difundin com a mais ampla generosidade tudo aguilo que aprendeu a0 longo dos anos. E tornou-se uma ponte cultural entre Coimbra e Salvador, ponte esa que durard pelos tempos afora, Na realidade, essa ponte foi mais uma dontre as indimeras que ligam Portugal ¢ Bahia, « mais portuguesa das cidades brasileira. V. Ex. deve terse sentido agradavelmente sur preendido quando chegou 3 Bahia, tala sta aparente semelhanga com as cidades da sua Patria. Mas depois, quando o seu conhe~ ento foi-se aprofundando, V. Ex.* deve ter tido um mundo de surpresas 20 constatar quo profundas sZo as dessemelhangas entre Bahia e Portugal E que a Bahia, como dizia uma vez o pocta e pintor Augusto Rodrigues, can uma linda manhi de sibado,—a Bahis é um verdadeiro caldeiio. Ali esto por certo os ingredients portugucses que constituem a maioria, O cozinhciro anénimo, porém, que ¢ 0 tempo, ali também colocou ervas © acepipes ‘05 mais estranhos. Outros espécimes se criaram «sponte sua, a0 terrivel calor do fogo. E o resultado somos nés, portugueses, sim, sem daivida, mas antes de tudo bahianos. ‘A marca que eu chamo de bahianidade impregna também profundumente os seus juristas. V. Ex.* trazia uma dlissica formagio de civilista europeu, cristalizada ao longo dos anos, em sua pureza formal e seu rigorismo tdonico. Vindo 3 Bahia, houve o seu ertcontto com Ontanvo Goms, 0 niaior dos juristas brasileros, que é sobretudo um jutista bahiano. E algo de rauito interessante deve ter surgido para ambos, nesse contacto quasc que diutumo que mantiveram durante cinco anos. © europeu, ao convivio do mestze bahiano, deve ter se chocado muitas vezes ¢ muitas vezes & sua propria revelia deve ter se reforinulado em seus conceitos. © jurista bahiano deve ter se aprimorado cada vez mais, no retorno ds suas origens, no contacto dirio coma inteligéncia privilegiada da qual V. Ex.* é possuidor, E de todos — perdoe-me o auditério a imodéstia, de todos quem mais Iucrou foi 0 orador que vos fala; tive a inigualivel honra a felicidade impar de ser aluno de ambos. ‘Nem tudo o que V. Ex.* trouxe de Portugal como certo foi por nés aceito incondicionalnente. © jurista bshiano, a0 contritio de V. Ex.*, nfo costuma ser um homem com o dom da 8, Ele se caracteriza mais pela esperanga de que é portador ¢ que transmite como um farol colocado no futuro distante de seus diseipulos. Nem tudo— repito, foi accito; mas tudo foi ouvido e tudo foi e continua a ser meditado. Para o aprimo- ramento do nosso saber ¢ para a ampliago dos nossos horizontes intelectuais, 3a vhnua, V. Bx.* foi cecebido na Bahia — por certo 0 mais doce dos cexilios — como a Bahia tem recebido a influéncia portuguesa. Os tragos culturais da nagio amiga marcaram-nos — éimpossivel negar, profandamente. Mas a sobranceria, a rebeldia, a coragem eo orgulho bahianos, muitas e muitas vezes tem se manifestado a0 Jongo dos tempos, em uma série de conflitos, sempre inevitéveis, ‘entre 0 conquistado e o conquistadot. Set4 a Bahia conguistivel? Nao sei até que ponto ¢ por quanto tempo. Por vezes ela parece débil ¢ subserviente, mas de repente cla se transforma ¢ & capaz de atitudes surpreendentes, boas ou mis. O seu destino (dela Bahia) estava tragado no Regimento que Bl-Rey fez pars Toméde Souza, quando tordenou de mandar nas ditas terras, fazer uma fortaleza € povoagio grande e fortes ‘Cumpriu-se 0 vaticinio de El-Rey. A Bahia transformou-se em uma cidade grande e forte. No mais, como desejava El-Rey, cm proveito dos seus Reinos e Seahorios. Mas o vineulo entre Bahia e Portugal continuov; e reforou-se muito, especialmente no campo das letras juridicas, com a presenga de V. Bx.° entre 6s. Fomos capazes, nés 0s babianos, — fomos capazes de todas as rebeldias contra a nagdo irma que nos colonizava. Na guerra de independéncia militou um ascendente direto met, cujos relat6rios 20 seu comandante foram encontrados hé anos atrés. Nestes, por ‘vezes ele comentava: detivemos tres ou quatfo portugueses os qe se bio de ter por mortos, porque nfo fazemos prisioneiros. , professor, naguele tempo @ Bahia era toda rebeldia. Fla era realmente inconquistével... Nao nos conquistou o Conde dos Arcos, que fSra’ sua época © mais empreendedor dos nossos_governantes, a0 tempo de D. Jodo Vino Brasil. A ele se devem a nosss primeira biblioteca piblica, 0 forte da Jequitaia, 0 término do Teatro conhecido como a Casa da Opers; promoveu o desenvolvimento do wa 33 extremo sul, a modernizagio de nosios engenlos, construiu 0 hoje prédio da Associagio Comercial e disseminou a instrugio. piblica por toda a provincia, Deixado 0 govemo da Bahia, feito Ministro no Rio de Janciro, indisposse, foi demitido e ‘embarcou no brigue Treze de Maio para Portugal. Q brigue Treze de Maio arribou 4 Bahia. Deixemos que Braz do Amaral conte 0 resto: «© benemerito conde dos Arcos chegou, pois, quasi como um proseripto a esta mesma terra onde fora, hi bem pouco tempo, tio elagiado, que o se. de Tollenare teve pena dos discursos que elle supportou, quando 0 corpo do commercio the offerecen um baile. E diriginse & junta governativa, que substitu o conde da Palma, pedindo licenca para desembarcar, ou consultando-a sobre este desejo. Entristecamo-nos com a decisio e o mais que ocorreu. {A junta, em resposta, nZo s6 prohibiu que desembarcasse na Bahia 0 seu maior ¢ melhor reformador, como intimou o brigue a conduzil-o em custodia ¢ a entregal-o preso em Lisboa! E pessoas houve que percorreram a cidade baixa eo caes, ameacando 0 ex-governador, se chegasse a desembarcar, com impropretios ¢ insultos; e deste mesmo do edificio da praga do commercio, que elle havia auxiliado a construir, que havia inau- gurado © onde tantas homenagens recebera, com bailes ¢ presentes, protestos de dedicasio, onde se havia pretendido constituir em seu beneficio um vinculo de 100 contos de rtis, sem gratidio da grande pradencia, dogura ¢ exemplar justiga da sua administragios, foi o seu retrato retirador. Que mistério existe nesta terra, que por vezes renega os seus benésitores, acolhe aventurciros, derrama-se em clogios ficeis e & capaz das piores impiedades? Como descobrir a sua linha mestra, aquele fio que nos une inegavelmente a Portugal, 4 quem somos 20 mesmo tempo to semelhantes e de quem somos também to diferentes?

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