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Estudos de Psicologia 2006, 11(1), 25-33

O modelo EEA para a investigação da emergência e


desenvolvimento da comunicação e do self:
bases conceituais e fundamentos teórico-metodológicos
Maria C. D. P. Lyra
Universidade Federal de Pernambuco

Resumo
A coerência entre os fundamentos teóricos e metodológicos é requisito de toda investigação científica. Com o
objetivo de ilustrar esta coerência, apresentamos, primeiramente, o modelo EEA, aplicado ao estudo do
processo de desenvolvimento da comunicação mãe-bebê e à emergência do bebê como self dialógico. Este
modelo integra uma seqüência de três padrões de organização denominados estabelecimento, extensão e
abreviação (EEA). Em seguida, descrevemos, discutimos e justificamos as bases conceituais e as duas pers-
pectivas teórico-metodológicas que fundamentam este modelo, Sistemas Dinâmicos e Dialogismo, sobretudo
na perspectiva de Bakhtin.
Palavras-chave: processo de desenvolvimento; mãe-bebê; sistemas dinâmicos; dialogismo; self

Abstract
The EEA model for the investigation of communication and self emergence and development: conceptual and
theoretical-methodological basis. Theoretical and methodological dimensions of scientific research need to be
coherent. To illustrate such requirement we first present the EEA model, applied to the study of the process
of development of mother-infant communication system and to the emergence of the dialogical self is studied.
This model integrates three developmental patterns of organization of the mother-infant communication
system: establishment, extension and abbreviation (EEA). Subsequently, we present, discuss and justify the
conceptual basis and the two theoretical-methodological perspectives that give support for this model,
Dynamic Systems and Dialogism according to Bakhtin.
Keywords: developmental process; mother-infant; dynamic systems; dialogism; self

O modelo EEA

D
estacamos, neste artigo, a importância das questões
de fundamento na área da Psicologia, em particular O modelo EEA, estudando o processo de desenvolvi-
na Psicologia do Desenvolvimento. Mais ainda, pro- mento da comunicação mãe-bebê, aborda as transformações
pomos que a coerência entre os fundamentos teóricos e a que ocorrem no sistema de relações composto pela trocas
metodologia adotada é requisito de toda investigação ci- mãe-bebê, ao longo da sua história de construção. Essas
entífica. Trata-se do que Valsiner (2006) chama de consis- transformações são analisadas como construindo padrões
tência vertical necessária à construção de todo conheci- sucessivos de organização desse sistema. O desenvolvimen-
mento científico. Com o objetivo de ilustrar tal requisito, to da comunicação, concebido como diálogo, permite identi-
apresentamos, primeiramente, o modelo EEA, aplicado ao ficar a emergência e diferenciação do bebê como self dialógico.
estudo do desenvolvimento do processo de comunica- Este modelo propõe uma seqüência de três padrões de
ção mãe-bebê e à emergência do self dialógico. Em segui- organização – ou períodos de quase-estabilidade – do siste-
da, discutimos e justificamos as bases conceituais e as ma de comunicação mãe-bebê, estabelecimento, extensão e
perspectivas dos Sistemas Dinâmicos e do Dialogismo abreviação (Lyra, 2000; no prelo a, b, c; Lyra & Chaves, 2000;
(para o uso do termo dialogismo, ver Holquist, 1990), Lyra & Rossetti-Ferreira, 1995; Lyra & Souza, 2003; Lyra &
segundo Bakhtin (1986, 1993). Essas duas concepções Winegar, 1997). Eles se distinguem pelas diferentes caracte-
nos fornecem os alicerces sobre os quais é construído o rísticas das trocas diádicas. Essas trocas, sem a mediação do
modelo EEA. objeto (face-a-face, ou FF) ou com esta mediação (mãe-obje-
26 M.C.D.P.Lyra

to-bebê, ou MOB), exibem níveis desenvolvimentistas que Discutimos também as possibilidades e os limites das duas
possibilitam incluir aspectos generalizáveis e particulares pre- posições teórico-metodológicas, Sistemas Dinâmicos e
sentes em cada díade mãe-bebê. São generalizáveis as formas Dialogismo, que ancoram o referido modelo, destacando as-
assumidas pelas trocas que compõem um tipo característico pectos básicos da posição de Bakhtin (1986; 1993) sobre o
de negociação entre os parceiros, o seu padrão de organiza- sujeito dialógico, ao mesmo tempo, relacional e único.
ção, e as particulares correspondem às ações específicas que
cada díade escolhe para realizar essas trocas (Molenaar & Bases conceituais
Valsiner, 2005). Ambos os aspectos resultam da história O termo modelo desperta diferentes expectativas. Segun-
construída por cada díade. Este conjunto de três conceitos do a concepção leiga, ele pode ser entendido como a “repre-
visa representar os processos subjacentes ao desenvolvi- sentação simplificada e abstrata de fenômeno ou situação
mento do sistema de comunicação mãe-bebê, particularmen- concreta, e que serve de referência para a observação, estu-
te durante os primeiros oito meses de vida do bebê. As carac- do ou análise” (Ferreira, 1999). Num contexto científico, parti-
terísticas do estabelecimento, da extensão e da abreviação cularmente na Psicologia, podemos utilizar a palavra modelo
estão descritas abaixo. tanto requerendo representações matemáticas (por exemplo,
Estabelecimento: através de sucessivas ou a álgebra booleana das estruturas cognitivas, segundo Piaget,
concomitantes ações dos parceiros, que “recortam” ou des- ou os algoritmos que caracterizam a inteligência artificial, apli-
tacam as atividades da díade, pelo menos um elemento das cados ao sistema binário computacional) como representan-
trocas diádicas é construído de forma partilhada pela díade. do analogias de cunho qualitativo (por exemplo, a estrutura
Este elemento se torna figura em relação a um fundo de ou- da personalidade, segundo Freud). Seja qual for a natureza
tras ações realizadas pela díade. Por exemplo, o olhar mútuo do modelo, o seu papel consiste em fazer compreender, de
entre os parceiros, considerando as trocas FF, ou o olhar dos forma simplificada, fenômenos que apresentam característi-
parceiros para o objeto, considerando as trocas que envol- cas complexas quando investigados nas suas variabilidades
vem objetos (MOB). particulares e únicas de ocorrência (Overton, 1998).
Extensão: o elemento ou os elementos previamente esta- Um modelo em qualquer ciência carrega, de forma explíci-
belecidos tornam-se um fundo em relação ao qual a díade ta ou implícita, posições ontológicas e epistemológicas, pre-
pode “recortar” e negociar, elaborando de modo mais prolon- sentes no que Pepper (1942) conceituou como hipóteses,
gado, outros elementos como figuras. Por exemplo, nas tro- metáforas ou posições sobre o mundo (world hypothesis).
cas FF, tendo estabelecido o contato de olhar mútuo, podem Essas posições, propostas por Pepper em 1942, ainda norteiam
ser negociados sorrisos, vocalizações, movimentos, etc., de as diferentes correntes dominantes atuais na Psicologia. São
forma elaborada e prolongada. Considerando o olhar conjun- quatro as posições por ele propostas: formismo, mecanicismo,
to dos parceiros para o objeto como fundo, os movimentos organicismo e contextualismo.
dos braços/mãos do bebê para o objeto podem ser negocia- O formismo se apóia na percepção que temos de um fe-
dos durante trocas prolongadas que focalizam estes movi- nômeno composto de aspectos distintos que se apresentam
mentos (nas trocas MOB). freqüentemente unidos. Este fato faz sugerir a existência de
Abreviação: trocas de curta duração executadas pela formas típicas. Em Psicologia, um exemplo clássico está na
díade através de um ajustamento mútuo rápido e fácil, em que caracterização da personalidade enquanto tipologias ou tra-
os elementos anteriormente negociados e trabalhados pela ços da personalidade – “introvertido versus extrovertido”,
díade, de forma prolongada, aparecem de modo reduzido ou por exemplo. Também, na tendência a diagnósticos que
condensado (abreviados). Por exemplo, considerando as tro- categorizam distúrbios ou desvios do comportamento ou do
cas FF, a díade utiliza um rápido contato de olhar acompanha- desenvolvimento humano, fornecendo a base para a aborda-
do ou não de alguns elementos anteriormente negociados gem das diferenças individuais enquanto classes estanques
(sorriso, movimentos, por exemplo). Dando outro exemplo, (Hermans & Kempen, 1993). O mecanicismo encontra sua
tanto a mãe como o bebê, de forma ajustada, rápida e suave, expressão nas perspectivas em Psicologia que compreendem
dirigem o olhar para um objeto, que é então oferecido pela a explicação do funcionamento humano através das relações
mãe e imediatamente segurado pelo bebê (nas trocas MOB). entre antecedentes e conseqüentes. Essas relações estão
Fundamentados na natureza construtiva do sistema de expressas na concepção de causalidade presente no que
comunicação e, sobretudo, nas idéias do Dialogismo de Aristóteles chamou de causa eficiente. O exemplo clássico é
Bakhtin (1986, 1993), propomos que na abreviação a díade o da bola de bilhar na qual a velocidade e a direção são cau-
exibe a emergência e diferenciação do bebê como sujeito ou sadas por outra bola que é concebida como causa eficiente.
self dialógico. Em Psicologia, são tantos os exemplos do mecanicismo que
A seqüência de argumentos que se segue expõe, primei- não se faz necessário discorrer sobre este aspecto (Valsiner,
ramente, as posições ontológicas e epistemológicas que são 2001). O organicismo focaliza a maturação ou crescimento do
as bases conceituais que fundamentam o modelo EEA. Des- organismo, destacando a direção, objetivo ou teleologia do
tacamos, assim, os requisitos inerentes à investigação do comportamento ou do seu desenvolvimento. Utiliza-se da
processo histórico de desenvolvimento de um sistema de metáfora da causa final, ou thelos, usando uma linguagem
relações que possibilita a emergência do sujeito dialógico. Aristotélica, podendo incluir também a idéia de causa eficien-
Modelos EEA: bases e fundamentos 27

te, adotando ou não perspectivas construtivistas. Conside-


Processo histórico
rando as perspectivas desenvolvimentistas em Psicologia,
pode-se ter como exemplo a teoria dos estágios de Piaget Estudar o processo de desenvolvimento requer que se
(que não é a teoria da equilibração). Finalmente, o investigue como as aquisições, ou produtos do desenvolvi-
contextualismo põe em destaque a natureza histórica dos mento são integrados à dinâmica histórica que faz emergir
eventos. O fenômeno humano é analisado e compreendido a tais aquisições. No entender de Valsiner (2001), todo e qual-
partir de sua inserção no tempo e no espaço que compõem o quer estudo do desenvolvimento requer este tipo de compro-
contexto de sua realização (Hermans & Kempen, 1993). Trata- misso. Na literatura da Psicologia do Desenvolvimento este
se de uma posição que destaca o caráter relacional e dinâmi- enfoque focaliza as mudanças que caracterizam o desenvol-
co do funcionamento humano, sobretudo do seu desenvol- vimento (por exemplo, Fogel, 1993; Lee & Kamiloff-Smith,
vimento. Os conceitos de historicidade e de contexto estão 2002; Thelen & Corbetta, 2002; Valsiner, 2001). Torna-se, en-
intimamente ligados, pois a natureza espacial do contexto tão, imprescindível a inclusão do tempo como elemento inte-
fornece o caráter temporal da historicidade. A chamada se- grante deste fenômeno. Isto quer dizer que cada elemento
gunda revolução cognitiva (Bruner, 1990) é o exemplo mais nele envolvido tem que ser considerado como sendo modifi-
amplo e atual desta posição na Psicologia. A corrente cado – ou podendo ser modificado – porque é passível de
interpretativista (Polkinghorne, 1988) é um outro exemplo atual transformação durante o transcorrer desse processo. Por
na Psicologia. exemplo, considerando o desenvolvimento da memória, das
A filiação de um modelo a uma única dessas “posições emoções ou da inteligência, o elemento conceituado como
sobre o mundo” raramente é perfeita. Todavia, sempre existe contexto social, mesmo definido clara e “operacionalmente”,
uma ênfase na direção de uma dessas posições que se aplica pode não ter o mesmo papel em diferentes faixas etárias
às diferentes correntes da Psicologia nos nossos dias, com (Bornstein & Tamis-LeMonda, 2001) e mesmo em diferentes
implicações sobre uma ontologia e uma epistemologia acerca momentos da apresentação de um teste experimental
do ser humano. Todavia, raramente o próprio cientista explicita (Vygotsky, 1987).
a posição assumida acerca do fenômeno em estudo. Na sua Este tempo, constitutivo do processo de desenvolvimen-
maioria, o nosso sistema de formação de pesquisadores (as to, é considerado como um tempo histórico (Lyra, 2000). A
pós-graduações instituídas) toma por estabelecido que a pes- conceituação do caráter histórico do processo de desenvol-
quisa científica tenha um único, universal e eterno, por assim vimento implica que as transformações que ocorrem carre-
dizer, conjunto de pressupostos conceituais. Esses pressu- gam a abertura de possibilidades e o fechamento de outras
postos fornecem as bases para a aprendizagem e aplicação possibilidades (Lyra & Winegar, 1997). Esta abordagem pro-
do “método científico”. Desta forma, o discernimento, pelo cessual e histórica reconhece e destaca a existência de um
cientista, da sua “posição sobre o mundo” é estranho à for- tempo irreversível que “deixa suas marcas” no desenrolar do
mação científica estabelecida e consagrada presentemente. processo de desenvolvimento, criando a história deste de-
Todavia, esta posição guia a metodologia de coleta, análise e senvolvimento e confundindo-se muitas vezes com o concei-
interpretação dos dados empíricos. Por exemplo, conceber o to de gênese. Todavia, a nossa compreensão é que a
sujeito psicológico como resultado das relações entre ante- historicidade integra à concepção de gênese a projeção para
cedente e conseqüente retira deste sujeito a opção de ser o futuro necessária a todo sistema psicológico. Esta projeção
autor da sua própria história. Este aspecto é possível, de é ao mesmo tempo baseada no passado, mas inclui a dimen-
alguma maneira, ao assumir uma posição advinda do são do futuro desconhecido. Trata-se de uma perene consti-
contextualismo (mais especificamente, como nos propõe tuição do nosso presente com elementos do passado e tam-
Bakhtin, 1986, 1993). Por outro lado, um extremo bém de um futuro imaginado. Vivemos no infinitamente míni-
contextualismo pode dar margem à impossibilidade de gene- mo momento do presente. Este momento é composto da sele-
ralizar que reconhecemos como necessária a todo empreendi- ção de porções do passado que têm a função de fornecer
mento científico. A não explicitação das nossas hipóteses alguma previsibilidade para agir em um futuro desconhecido.
sobre o funcionamento do sujeito psicológico pode conduzir Esta concepção tem raízes nas idéias de Bergson (1911) e tem
a incoerências marcantes ao adotar uma metodologia para sido elaborada por Valsiner (2002). Pelo menos em ciências
coleta, análise e compreensão dos resultados de uma investi- humanas, temos que lidar com este aspecto inescapável, que
gação científica. se impõe, caracteristicamente, quando olhamos para a natu-
O modelo EEA filia-se a uma “posição sobre o mundo” reza semiótica do funcionamento humano (Valsiner, 2001, 2002;
que destaca o caráter histórico, relacional, dinâmico e cri- Vygotsky, 1986, 1987).
ativo do processo de desenvolvimento humano. Mais ain- A ênfase no estudo das características do processo his-
da, é o processo de comunicação que vai fazer emergir um tórico de desenvolvimento, com a inclusão mais ou menos
sujeito psicológico único, diferenciado mas também explícita desta projeção para o futuro, é um dos aspectos
relacional, capaz de assumir seu papel como autor da sua marcantes das abordagens que propõem que todo estudo da
identidade. Explicitamos, assim, os fundamentos matéria viva se constitui em mudanças que ocorrem ao longo
ontológicos e epistemológicos sobre os quais está basea- de um tempo irreversível (Baldwin, 1906; Edelman, 1987;
do o modelo EEA. Piaget, 1936/1953; Valsiner, 2002; Vygotsky, 1986).
28 M.C.D.P.Lyra

Sistema de relações e indivíduo Assim, o sistema de comunicação focalizado pelo mo-


delo EEA é um sistema de relações de natureza histórica,
Um outro conceito que serve de base ao modelo EEA é o relacional, dinâmica e criativa que possibilita criar indivídu-
sistema de relações. A idéia de sistemas, definidos pelas rela- os ou selves. No seu estudo, fazemos uso de duas perspec-
ções entre seus elementos, não é nova em Psicologia (ver, tivas teórico-metológicas: a perspectiva dos Sistemas Di-
por exemplo, Sameroff & Chandler, 1975; Valsiner, 2001). To- nâmicos e a perspectiva que tem sido denominada
davia, esta idéia nem sempre carrega, necessariamente, como Dialogismo (Holquist, 1990).
unidade de análise a própria relação. Além do mais, qualquer
perspectiva construtivista precisa enfrentar o dilema relação Sistemas Dinâmicos e Dialogismo
versus indivíduo ao conceituar a sua unidade de análise. Exis- Como o sistema de comunicação faz emergir o ser huma-
te, de fato, uma forte tradição em Psicologia que situa o fenô- no? Mais especificamente, como faz emergir um sujeito psi-
meno do desenvolvimento como circunscrito, por assim di- cológico, dotado da capacidade de “duplicar e reconstruir” o
zer, “dentro” do indivíduo. Mesmo utilizando um discurso mundo através da sua capacidade semiótica? Faz-se neces-
“interacionista”, portanto relacional, a metodologia ou méto- sário abordar os primórdios das características processuais
do de pesquisa continua a ter um caráter ontológico indivi- que fazem emergir este sujeito. Este desafio também não é
dualista. Conceber as relações como unidade de análise é novo e não é específico às perspectivas referidas. Apenas
tarefa difícil. Marková (1987) relaciona esta dificuldade aos para citar alguns dos grandes teóricos da Psicologia do De-
nossos hábitos ocidentais de pensamento que nos fazem senvolvimento, podemos relembrar que Piaget atribui esta
encapsular a realidade em categorias distintas e estanques capacidade à interiorização das coordenações sensório-
que nos distanciam da real dinâmica das relações que a reali- motoras, cujo advento primeiramente observável ocorre quan-
dade nos oferece (Gould, 1995). do a criança começa a demonstrar uma imitação diferida,
Mais recentemente, a idéia de sistemas, particularmente isto é, começa a reproduzir não imediatamente aspectos de
dos Sistemas Dinâmicos em constante transformação, sobre- uma situação ocorrida anteriormente (Piaget, 1936/1953).
tudo no sentido da ênfase atribuída à natureza aberta desses Vygotsky atribui à aquisição da linguagem a capacidade de
sistemas (portanto, sujeitos a influências externas também), interiorizar e emergir como semiótica a realidade do mundo
colocou em destaque a concepção das relações como unida- que nos cerca. Assim, esta realidade é concebida como ne-
de de análise. Considerando o sistema de comunicação, o cessariamente social. Os períodos anteriores à linguagem são
trabalho de Fogel (1993) merece destaque especial. tratados por Vygotsky como característicos de uma “inteli-
No entanto, a tarefa de conceituar os sistemas em desen- gência prática” que não teria características diferenciadoras
volvimento não está completa. A idéia de sujeito, indivíduo, das outras espécies que nos são próximas. A ausência da
eu ou self continua a ser um requisito fundamental para a linguagem impossibilita, para Vygotsky, o funcionamento sim-
compreensão do ser humano. Ela está na base dos nossos bólico (Vygotsky, 1986, 1987).
papéis éticos e morais na sociedade que cria significado para
o nosso funcionamento psicológico. Conseqüentemente, pre- Por que Sistemas Dinâmicos? Processo de
cisamos considerar, ao mesmo tempo, tanto as relações como transformação, auto-organização e emergência do
os indivíduos, ambos emergindo de um mesmo processo de novo
desenvolvimento. A necessidade de conceber tanto relações A compreensão do desenvolvimento como processo de
como indivíduos não é estranha nem mesmo aos sistemas transformação constitui um dos pontos centrais das idéias
físicos. Trata-se de um requisito de natureza ontológica que advindas da perspectiva dos Sistemas Dinâmicos, como nos
está na base desta aparente dualidade: a idéia de relação re- destaca van Geert (1994). A partir dos anos 80 do século pas-
quer a existência de indivíduos em trocas dinâmicas, mesmo sado (ou, mais precisamente, a partir da segunda metade dos
se considerarmos a realidade física do movimento browniano anos 1980), nenhuma perspectiva se dedicou tão explicita-
de partículas individuais interagindo em um fluído (Império- mente ao estudo do processo de transformação – ou da dinâ-
Hamburger, Carvalho, & Pedrosa, 2003). mica que caracteriza o desenvolvimento – que aquela presen-
Todavia, a noção de indivíduos e relações necessita con- temente agrupada na Psicologia sob o rótulo de Sistemas
siderar a natureza do sistema que possibilita a emergência e Dinâmicos. A concepção do tempo como irreversível e a ca-
constituição de ambos de forma interdependente. Propomos racterização dos fenômenos como sistemas abertos, em cons-
que o sistema de comunicação seja o responsável pela cons- tante troca de energia com o meio externo, mostraram-se re-
trução de uma organização característica que possibilita a volucionárias no estudo de fenômenos físicos (Prigogine &
emergência de uma realidade virtual (Sinhá, 2004). O termo Stengers, 1984) e fenômenos biológicos (Edelman, 1987). Na
virtual aqui se aplica a um mundo, também real, mas que exis- Psicologia, as idéias decorrentes da perspectiva dos Siste-
te paralelo à nossa capacidade sensorial; uma duplicação mas Dinâmicos – também chamados de Sistemas Complexos
transformada desta. É justamente na construção desta reali- ou Sistemas Caóticos (Thelen & Smith, 1994) – progressiva-
dade dupla, por assim dizer, que emerge o indivíduo ou self. mente encontraram seu nicho (uma das primeiras propostas
Propomos que esta construção tenha lugar nas relações co- voltada para a Psicologia do Desenvolvimento acha-se em
municativas que se estabelecem desde o início da vida. Fogel & Thelen, 1987). Apesar de constituir uma abordagem
Modelos EEA: bases e fundamentos 29

recente, o seu campo de aplicação tem se expandido para gem as novas formas ou novos padrões de organização. Exis-
diferentes áreas da Psicologia, dentre as quais destacamos, te, todavia, um jogo constante entre a determinação, proveni-
além da Psicologia do Desenvolvimento, a Psicopatologia e a ente da história de construção de um dado sistema, e a
Psicoterapia (Materpasqua & Perna, 1997). Na Psicologia do indeterminação, inerente ao momento de criação do novo (Lyra
Desenvolvimento, as concepções dos sistemas dinâmicos & Winegar, 1997).
têm sido utilizadas para explorar o desenvolvimento motor Embora os sistemas físicos e mesmo os sistemas biológi-
(Thelen & Smith 1994), o desenvolvimento cognitivo (Lewis, cos possibilitem o uso de modelos matemáticos (Haken, 1983),
1995; van Geert, 1994), o desenvolvimento do apego (Coleman na Psicologia a utilização dos conceitos provenientes da pers-
& Watson, 2000) e o desenvolvimento comunicativo e emoci- pectiva dos Sistemas Dinâmicos tem sido realizada, sobretu-
onal (Fogel, 1993; Fogel & Lyra, 1997; Lyra, 2000, no prelo, a, do, de forma analógica (Thelen & Smith, 1994). Uma exceção
b e c; Lyra & Rossetti-Ferreira, 1995; Lyra & Souza, 2003; Lyra é o trabalho de van Geert (1994, 2002) que tem aplicado fun-
& Winegar, 1997; Pantoja, 2001; Pantoja & Nelson-Goens, ções matemáticas para a simulação computacional do desen-
2000; Pantoja, Nelson-Goens, & Fogel, 2001; Pedrosa, Carva- volvimento da aprendizagem na relação professor-aluno, as-
lho, & Império-Hamburger, 1997). sim como para aspectos do desenvolvimento cognitivo e da
Um dos aspectos marcantes desta concepção está no linguagem. Outra exceção bastante inovadora encontra-se
conceito de auto-organização do sistema que possibilita a nas modelagens matemáticas propostas por Molenaar
emergência de novas formas ou novos padrões de organiza- (Nesselroade & Molenaar, 2003) para o processo de desen-
ção, cada vez mais complexos. Este mecanismo resulta das volvimento.
trocas entre os elementos que compõem o sistema de rela-
ções em estudo, possibilitando o desenvolvimento que é Por que Dialogismo? Sistema sócio-cultural de
evidenciado através da emergência desses novos níveis de comunicação, emergência do novo e do self
organização. A tarefa do investigador consiste no A idéia de diálogo está filiada a uma corrente de pensa-
discernimento dos padrões de co-ação que definem as trans- mento em ciências humanas que tem como requisito a exis-
formações e os níveis de organização de um dado sistema ao tência de um sujeito psicológico (Marková, 1987, 1990). Isto
longo do tempo. Esta investigação permite a compreensão quer dizer que o desenvolvimento ocorre, ao mesmo tempo,
tanto dos períodos de maior estabilidade do sistema como em um sistema de relações que adquirem níveis de organiza-
dos períodos de instabilidade, que caracterizam as fases de ção cada vez mais complexos (resultantes de um processo
mudança. Desta forma, na perspectiva dos Sistemas Dinâmi- de auto-organização). No entanto, este processo tem ne-
cos, torna-se impossível (e sem sentido) a identificação de cessariamente que incluir a noção de sujeito psicológico ou
variáveis independentes e variáveis dependentes, uma vez self. Esta característica requer que pensemos conjuntamen-
que os elementos do sistema interagem e se modificam ao te em um fenômeno relacional e sistêmico, mas também cons-
longo do tempo. trutor de indivíduos, sujeitos ou selves. O processo de dife-
Está no conceito de atrator um dos aspectos mais im- renciação do sujeito humano exige um mecanismo de cria-
portantes para compreender o processo de estabilidade e ção de uma realidade que se duplica e se reconstrói (uma
mudança dos Sistemas Dinâmicos. Um atrator – ou estado realidade virtual, Sinhá, 2004). Esta realidade interiorizada
atrator – é concebido como uma região do sistema na qual é o que chamamos de capacidade simbólica ou semiótica. O
existe uma tendência desse sistema para se estabilizar nesta sujeito psicológico humano é, ao mesmo tempo, um ser
região. O sistema apresenta, então, um comportamento de relacional e individual. Desta forma, o conceito de indiví-
quase-estabilidade (Fogel & Lyra, 1997; Lyra, 2000, Lyra & duo, sujeito ou self é um requisito fundamental para uma
Souza, 2003; Thelen & Smith, 1994). Surgem todavia, novos compreensão do funcionamento psicológico humano e de
atratores ao longo do tempo. Quando isto ocorre, o sistema seu desenvolvimento.
sofre um processo de mudança, permanecendo instável du- As concepções advindas da perspectiva dos Sistemas
rante certo período, até que, novamente, se estabiliza em um Dinâmicos não nos permitem abarcar esta dualidade neces-
novo padrão de organização. Nestes períodos de instabilida- sária expressa na existência de relações e indivíduos. Utiliza-
de, diferentes atratores atuam ao mesmo tempo. Cada atrator mos, da perspectiva dos Sistemas Dinâmicos, a investigação
representa uma opção de caminho – ou trajetória – que vai do processo de auto-organização do sistema em estudo. Por
caracterizar o desenvolvimento futuro deste sistema. Consi- outro lado, fazemos uso das idéias elaboradas pelo
derando o modelo EEA, cada um dos padrões de organização Dialogismo, particularmente, o Dialogismo desenvolvido por
propostos, que correspondem a períodos de quase-estabili- Bahktin (1986, 1993), porque elas nos oferecem um instru-
dade – estabelecimento, extensão e abreviação – podem ser mental que possibilita tratar o processo de emergência do
considerados como atratores que atuam no sistema de comu- sujeito psicológico ocorrendo no sistema de relações sociais
nicação aqui estudado: as trocas mãe-bebê. desde o início da vida.
O mecanismo de passagem de um nível de organização O trabalho do cientista que se propõe a investigar a emer-
para um outro padrão de organização guarda características gência do sujeito humano necessita, primeiramente, caracte-
de indeterminação (Fogel, Lyra, & Valsiner, 1997). É justamen- rizar qual a natureza deste sistema de relações que possibilita
te nessas passagens entre níveis de organização que emer- a emergência desse sujeito. Trata-se de um requisito advindo
30 M.C.D.P.Lyra

da própria perspectiva adotada pelos teóricos dos Sistemas interage com o bebê (Lyra, 1998). Todavia, enfatizamos que,
Dinâmicos: conhecer e delimitar a natureza do sistema em quaisquer que sejam estes limites e possibilidades, eles só se
estudo (Thelen & Smith, 1994; van Geert, 1994). A nossa res- integram ao sistema de comunicação enquanto concretamen-
posta para esta caracterização é de que este sistema diz res- te co-atuam nas trocas efetuadas entre os parceiros – no
peito ao processo de desenvolvimento da comunicação soci- nosso caso o bebê e sua mãe – ao longo do tempo. Propo-
al humana desde os primeiros momentos de vida do bebê mos, como caminho frutífero na análise sócio-genética, a in-
(Lyra, 2000; Lyra & Rossetti-Ferreira, 1995; Lyra & Winegar, vestigação cuidadosa das características do processo de auto-
1997). Assim, o modelo EEA se aplica ao estudo do desenvol- organização do sistema de comunicação (períodos de quase-
vimento da comunicação humana fazendo uso tanto de con- estabilidade e mudança) visando discernir os mecanismos
ceitos da perspectiva dos Sistemas Dinâmicos como daque- processuais que fazem emergir as primeiras manifestações de
les que decorrem do Dialogismo proposto por Bakhtin. uma mediação anterior ao símbolo lingüístico.
Três aspectos, de natureza conceitual, caracterizam o sis- Desde o nascimento, o bebê acha-se inserido em uma
tema das relações sócio-culturais ou sócio-genéticas que dinâmica relacional, histórica, interdependente e criativa. Isto
compõe a comunicação – ou a troca dialógica – desde o início é o diálogo. Cada troca comunicativa é entendida como per-
da vida: a participação da história cultural através da história tencente a ambos os parceiros, impossibilitando a separação
ontogenética nas trocas dialógicas, o caráter relacional, his- de um emissor, de um receptor e da própria mensagem. Ado-
tórico, interdependente e criativo do diálogo, e a diferencia- tamos dessa forma uma perspectiva processual, dinâmica e
ção do indivíduo, eu ou self a partir deste diálogo. contínua do processo de comunicação, que se opõe a uma
Um dos pressupostos básicos das teorias sócio-genéti- visão discreta da comunicação (Fogel, 1993). Marková (1990)
cas, incluindo a maioria das interpretações ou conceituações propõe que a unidade conceitual mínima de todo diálogo se
atribuídas à perspectiva dialógica, é a sua dependência da circunscreva a três turnos: (1) a comunicação inicial de um
linguagem (Marková, 1990), ou de um sistema simbólico, con- dos parceiros, (2) a resposta do outro parceiro e (3) a respos-
cebido como mediando as trocas do sujeito com o mundo ta à resposta deste segundo parceiro, efetuada pelo primeiro.
social e físico que o cerca (Vygotsky, 1986). Este sistema de Este conceito de três turnos como unidade mínima do diálo-
mediação simbólica, que resultou da história cultura1 da hu- go, condizente com o caráter criativo e transformador do diá-
manidade, constitui o sujeito psicológico humano, tal como o logo, destaca a participação de cada parceiro no turno do
fez a filogênese em relação à espécie humana (Vygotsky & outro, e a emergência de um produto sui generis como resul-
Luria, 1994). Assim, quando falamos em comunicação dialógica tado do diálogo. Todavia, este conceito de três turnos deve
tendemos a equipara-la à linguagem ou ao uso de um sistema ser guiado pela particular construção comunicativa, ou
simbólico já constituído. dialógica, em estudo. Neste sentido, os períodos de quase-
Considerando, todavia, o início da vida, a questão que estabilidade e mudança do sistema comunicativo, entendi-
nos colocamos é, justamente, como o sistema de comunica- dos como produtos dialógicos, devem ser investigados à luz
ção faz emergir e se desenvolver o sujeito psicológico hu- de uma unidade de análise que faça compreender a história
mano que dispõe da linguagem e dos símbolos. Dois pres- de construção destes períodos. Esta unidade pode incluir
supostos nos guiam ao procurar investigar essa questão. turnos passados não contidos nos três referidos turnos su-
Em primeiro lugar, concebemos que o bebê seja capaz de geridos por Marková. Desta forma, é a natureza da aquisição
estabelecer uma relação dialógica anterior a qualquer lin- comunicativa que guia o quanto se faz necessário retornar na
guagem (Bråten, 1988; Fogel, 1993; Fogel & Lyra, 1997; Lyra, história passada particular de cada díade. Para compreender
2000; Lyra & Winegar, 1997; Trevarthen, 1998). Propomos a natureza criativa do diálogo, os turnos entre os parceiros
também que a história cultural da humanidade, refletida nos são considerados como contidos em um todo histórico maior,
diversos níveis do ambiente físico e cultural–simbólico que cuja dimensão é guiada pela natureza da construção específi-
circunda o bebê (espaço físico, normas, valores, atitudes, ca que é focalizada (Lyra, 1999).
etc.), só se concretiza na relação comunicativa ou diálogo Tanto a perspectiva dos Sistemas Dinâmicos, porque
ao longo do tempo. aceita a mútua transformação dos elementos que compõem o
Começando com o segundo desses pressupostos, en- sistema em desenvolvimento, como a perspectiva Dialógica,
tendemos que a história cultural é necessariamente integrada concebem a coexistência de contradições como inerentes aos
e reconstruída ao criar o sujeito psicológico humano, através sistemas em desenvolvimento. Marková (1987) faz uma exce-
do sistema de comunicação ou diálogo, desde o início da lente análise da dificuldade enfrentada pelos estudiosos do
vida. O sistema de comunicação aqui focalizado, aquele que desenvolvimento da interação por se apegarem ao princípio
compreende as trocas mãe-bebê, vai guardar limites e possi- da não-contradição. Este princípio, remontando ao pensa-
bilidades culturalmente construídos que são inerentes a dife- mento de Aristóteles e posteriormente de Kant, reza que um
rentes instâncias da história cultural. Alguns são mais gerais dado fenômeno não pode ser, ao mesmo tempo, A e não-A.
– por exemplo, aqueles característicos da linguagem – e al- Por exemplo, analisando o desenvolvimento como resultante
guns mais específicos – por exemplo, valores da nossa cultu- da interação do organismo com o meio, o princípio da não-
ra ocidental; outros, ainda mais específicos, dizem respeito à contradição tanto não permite que se considere como coexis-
história do grupo social, da família e da mãe/adulto que tindo fatores inerentes ao organismo e ao ambiente como
Modelos EEA: bases e fundamentos 31

impossibilita a consideração do processo de mudança. A não- ta realidade emergente, o bebê ocupa um único lugar possível,
contradição admite apenas a passagem de um ponto estático evidente a partir da análise da história de construção do diálo-
para outro, no qual o movimento se reduz a uma sucessão de go. Deste lugar, ele responde ao outro, mesmo que nada faça, e
estados estáticos. O processo é assim excluído como possi- este outro, de forma inescapável, lhe responde também.
bilidade ontológica.
Fundamentado neste princípio ontológico, os estudio-
Conclusão
sos do desenvolvimento da comunicação excluem a possibi-
lidade de que a relação comunicativa seja a condição na qual A necessidade de uma integração explícita entre aspec-
as aquisições do desenvolvimento pertencem, ao mesmo tem- tos teóricos e metodologia é uma exigência para a avaliação
po, a cada sujeito e à relação dialógica que, necessariamente, da natureza, do valor e do papel da nossa contribuição à
inclui o parceiro. Este caráter de interdependência de cada ciência e à sociedade mais ampla em que vivemos. Partindo
parceiro social na relação dialógica é o primeiro aspecto que dos seus objetivos e da proposta inicial, procuramos apre-
define a natureza específica dos sistemas de relações sociais sentar, discutir e justificar as bases conceituais e teórico-
que caracterizam o diálogo e seu desenvolvimento. Vamos metodológicas que fundamentam o modelo EEA. Estamos
agora descrever a coexistência da relação e dos parceiros a propondo uma integração das contribuições provenientes
partir das idéias de Bakhtin. da perspectiva dos Sistemas Dinâmicos e do Dialogismo, que
se apóia no caráter histórico, relacional, dinâmico e criativo
O sujeito dialógico segundo Bakhtin do processo do desenvolvimento humano. Propomos tam-
Dois aspectos do Dialogismo proposto por Bakhtin (1986, bém que o processo de comunicação seja o locus de onde o
1993) são extremamente relevantes para o modelo EEA, no indivíduo, sujeito ou self é criado como parceiro do diálogo
que se refere à emergência e constituição do self: a existência que o constitui.
de um único lugar – no tempo e no espaço – possível de ser As características empíricas do modelo EEA, incluindo
ocupado pelo sujeito e a característica de responsividade as definições e ilustrações dos padrões de organização de-
(answerability). nominados de estabelecimento, extensão e abreviação, a apre-
Nessa perspectiva, a idéia de indivíduo está baseada em sentação da unidade de análise e algumas aplicações
um axioma que estabelece a existência de um único lugar no sugeridas, compõem um outro trabalho que apresenta a apli-
mundo onde existe um sujeito. Este lugar – espacial e tempo- cação deste modelo para o estudo do desenvolvimento do
ral – só é ocupado por uma única pessoa no transcorrer da processo de comunicação mãe-bebê e da emergência do self
autobiografia da sua vida. Esta autobiografia é escrita por (Lyra, no prelo b).
cada indivíduo como autor. O sujeito é autor de sua própria
história, simplesmente porque não há outra possibilidade para
que ele exista. Sem autoria não há diálogo possível no senti- Agradecimentos
do genuíno da troca criativa que caracteriza o diálogo. Ape- Agradecimentos ao CNPq – projeto integrado de pes-
nas desta perspectiva o diálogo é constitutivo da pessoa quisa/bolsa de produtividade, processo 523550/96-0, e aos
humana. Assim é que se distingue e se aplica o Dialogismo. colegas, colaboradores e amigos, Maria Clara F. Batista, Síl-
Bakhtin também propõe uma idéia complementar. Do lu- vio R. A. Salinas, Vilma A. M. de Queiroz, Letícia S. Galembeck
gar único que cada um ocupa, só existe uma possibilidade de e Emmanuelle C. Chaves, que fizeram sugestões valiosas a
existência, a inescapável necessidade de responder ao mun- partir da leitura de versões preliminares deste artigo.
do que nos cerca (responsividade). Bakhtin utiliza a expres-
são “não temos álibi possível”, porque responder ao mundo
que nos cerca não é uma escolha, mas uma condição para Referências
existir (Bakhtin, 1989, citado por Holquist, 1990, p. 29). Ainda, Bakhtin, M. (1986). Speech genres and other late essays (C. Emerson & M.
este mundo ao qual respondemos é um mundo de outros que Holquist, Orgs.; V. W. McGee, Trad.). Austin: University of Texas Press.
nos respondem também porque o diálogo é absolutamente Bakhtin, M. (1993). Toward a philosophy of the act (M. Holquist & V. Liapunov,
pervasivo. Tornando mais claro, este mundo é o mundo soci- Orgs.; V. Liapunov, Trad.) Austin: University of Texas Press.
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Maria da Conceição Diniz Pereira de Lyra, doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São
Paulo, é professora e pesquisadora na Universidade Federal de Pernambuco. Endereço para correspondência:
Rua Muniz Tavares, 147/1001, Jaqueira, 52050-170, Recife, PE. E-mail: marialyra2005@yahoo.com.br

Recebido em 01.mar.05
Revisado em 06.dez.05
Aceito em 20.fev.06

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