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O desafio da inclusão
digital em Moçambique
Um aluno da Escola Primária FPLM usa da palavra durante as
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) discussões na Presidência da República em Maputo sobre
educação nos países em desenvolvimento. Políticas
estão a assumir uma importância crescente na governamentais sobre informação e comunicação devem
realização dos objectivos de desenvolvimento e na responder às necessidades das futuras gerações.
DAVID ROSE | PANOS PICTURES
promoção da participação do cidadão. Moçambique foi
um dos primeiros países africanos a ter uma política O foco principal é a ‘inclusão digital’. A inclusão
nacional destinada a maximizar a sua contribuição. digital não é apenas garantir que as pessoas
O presente texto resuma uma análise feita dos tenham acesso às TIC através de computadores
sucessos e dos pontos fracos da política, e faz nas suas comunidades ou sendo ensinadas a
considerações sobre os passos seguintes necessários utilizar o ‘software’ do computador. A inclusão
para satisfazer as necessidades de informação e digital significa também capacitar as pessoas na
utilização das TIC para melhorarem a sua vida
comunicação da próxima geração.
quotidiana através de conteúdo relevante e local
Moçambique foi um dos primeiros países em disponível em formatos apropriados. Desta
África a ter uma política global de tecnologias forma, as TIC podem contribuir para reduzir o
de informação e comunicação (TIC) e a fosso entre áreas urbanas e rurais e promover a
sua contribuição para o desenvolvimento. igualdade de acesso à informação, educação,
Desde a sua conclusão em 2002, a Política bens e serviços.
de Informática e respectiva Estratégia de A experiência de Moçambique oferece
Implementação têm fornecido o quadro para indicadores para outros governos e organizações
as iniciativas de TIC no país, visando alcançar africanas, que queiram maximizar o valor das TIC
resultados de desenvolvimento. Nem todos no desenvolvimento.
os objectivos foram atingidos, mas graças
ao comprometimento do governo nesta área
Este briefing apresenta uma revisão crítica da experiência
registaram-se resultados positivos de Moçambique no domínio de TIC para Desenvolvimento
significativos. (TIC4D) – Inclusão Digital em Moçambique: Um desafio
para todos. O estudo foi realizado pelo Centro de Informática
O estudo: da Universidade Eduardo Mondlane (CIUEM), como parte
de um projecto intitulado Fórum Regional de Discussão
analisa os êxitos e as fragilidades da política sobre TIC, coordenado pela Sangonet e financiado pela
e da implementação até à data ‘Open Society Initiative for Southern Africa’ e pela Embaixada
da Finlândia na África do Sul. O projecto visa proporcionar
examina os desafios, oportunidades um conjunto de experiências e um quadro para a discussão
de futuras políticas de TIC na região da África Austral.
e prioridades para as TIC4D em Moçambique O relatório completo pode ser visto em
hoje, e www.caicc.org.mz/images/stories/documentos/
finalmozambiquereport_portugues_100709.pdf
faz sugestões e recomendações para Esta publicação faz parte de uma série de briefings sobre
a actualização da política e estratégia para políticas produzida pelo Panos-Londres, com base no trabalho
responder às actuais circunstâncias e às do projecto Fórum Regional.
necessidades de amanhã.
O contexto de Moçambique
Moçambique, na África Austral, enfrenta
grandes desafios de desenvolvimento. Ocupa
o lugar 172° de entre 177 países no Índice
de Desenvolvimento Humano da ONU.
Setenta por cento dos seus 21 milhões de
habitantes vive nas áreas rurais e menos de
10 por cento trabalha na economia formal.
Agricultura de subsistência e trabalho informal
são as principais fontes de subsistência para
a maioria. Menos de metade da população
sabe ler e escrever.
Há também uma significativa desigualdade.
Embora os números estejam a melhorar,
as mulheres têm um nível mais baixo de
alfabetização, escolaridade e de renda que Centro de Saúde com equipamento informático.
os homens. O crescimento económico está Computadores continuam a ser relativamente escassos
em Moçambique.
fortemente dependente de um pequeno número FRED HOOGERVORST | PANOS PICTURES
de mega-projectos industriais, que têm pouco
impacto sobre o interior rural. Nas zonas rurais A rádio é também vibrante e está generalizada.
as infra-estruturas de transporte e de energia Dados recentes não estão disponíveis,
são muito limitadas, e são também vulneráveis mas em 2002–03 mais de 50 por cento dos
a calamidades naturais como inundações, lares dispunha de rádio, incluindo mais de
ciclones e secas. 40 por cento de agregados familiares nas áreas
rurais. Aí sobretudo, a rádio é o principal canal
As políticas do governo – resultado de uma
de informação sobre questões de importância
ampla consulta – definem uma visão nacional e
regional ou nacional. Como resultado da
um programa para o desenvolvimento a
desregulamentação e da legislação sobre a
médio prazo. As TIC desempenham um papel
liberdade de imprensa, existe uma considerável
importante dentro desta visão.
pluralidade de media, incluindo cerca de
As TIC em Moçambique 60 estações de rádio comunitárias.
A difusão das TIC em Moçambique é limitada A disseminação das TIC mais complexas
pela infra-estrutura precária e pela pobreza. é limitada. As televisões são caras e precisam
Grandes áreas remotas do país não têm de energia que não está prontamente disponível
energia nem comunicações por telefone fixo. nas áreas rurais. Computadores e a Internet
são ainda menos comuns. Havia uma estimativa
Como em toda a África, a grande história de 100.000 usuários de computadores em
de sucesso das TIC tem sido os telefones todo o país em 2007 – na sua maioria homens
celulares. Até 2008, havia mais de quatro de renda mais alta, nas áreas urbanas. No
milhões de assinantes de telefonia móvel no entanto, havia apenas uma estimativa de
país, o equivalente a 21 por cento da população, 24.000 usuários de Internet nesse ano, e este
e o seu número foi crescendo cerca de 50 por número estava ainda mais concentrado nos
cento ao ano. Pessoas de todos os grupos grupos de maior estatuto social. Embora esses
sociais, incluindo os pobres, viram o valor dos números estejam a aumentar, a falta de acesso
telefones celulares nas comunicações com a computadores e à Internet coloca desafios
a família e de negócios, e na redução dos importantes para a sua utilização em iniciativas
custos de transacção e de viagens – e estavam de desenvolvimento.
dispostos a pagar por estes benefícios.
Metodologia de pesquisa
O estudo utilizou três métodos de trabalho: uma pesquisa
documental, entrevistas com actores-chave e discussão
de grupo e análise. Como tem havido uma série de estudos
recentes sobre as TIC em Moçambique, foi dada prioridade
à pesquisa documental. Entrevistas abertas foram realizadas
com pessoas-chave no sector de TIC em Moçambique,
e com utilizadores representando ONG moçambicanas.
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‘ Inclusão digital’:
repensando as TIC4D
Muito do pensamento sobre as TIC4D em África
tem enfatizado o acesso às infra-estruturas.
Isto, obviamente, é importante: sem infra- Construção da nova ponte sobre o Rio Zambeze perto de Caia.
Infra-estruturas físicas melhoradas são importantes para a
estruturas, as TIC podem oferecer muito pouco, inclusão digital, mas a capacidade de fazer uso da tecnologia
por isso deve ser dada grande prioridade. Mas e de pagar por ela também o é.
FRED HOOGERVORST | PANOS PICTURES
as infra-estruturas por si só, não são suficientes
para trazer o desenvolvimento. As pessoas
promover acesso mais igual e melhor
precisam ter acesso para que possam fazer
utilização de informação, educação, formação,
uso das TIC, e o acesso é muito mais do
negócios, entretenimento e possibilidades
que simplesmente redes e cabos. Acesso,
de participação
neste estudo, tem três elementos principais:
ajudar a reduzir as divisões entre as áreas
acesso à infra-estrutura física, incluindo
urbana e rural e, deste modo,
melhores transportes e energia eléctrica
contribuir para o desenvolvimento social
a capacidade de fazer uso delas –
e económico do país como um todo.
as habilidades, experiência e confiança
dos usuários O governo de Moçambique poderia fazer
mais para encorajar esta apropriação
a capacidade financeira de pagar pela utilização;
democrática das TIC na vida das pessoas,
melhores infra-estruturas e competências não
envolvendo mais os cidadãos na concepção
terão grande significado se as pessoas não
e implementação da estratégia e das políticas
tiverem acesso por falta de fundos.
de TIC. As organizações da sociedade civil
Sem estes três elementos estabelecidos, também poderiam fazer mais uso das TIC
a melhor das redes terá apenas um impacto e desempenhar um papel mais dinâmico
limitado na vida das pessoas. Contudo, na defesa das necessidades dos cidadãos
o acesso por si só, também é insuficiente. aquando do processo de tomada de decisões.
O que é necessário é a inclusão digital.
A inclusão digital é muito mais do que As ONG e as TIC
‘alfabetizar’ as pessoas em TIC, ou garantir
Entrevistas com quatro organizações da sociedade civil
que elas tenham acesso a preços acessíveis
mostraram que, embora a sua utilização das TIC tenha
às redes, serviços e dispositivos de TIC
aumentado, ainda estavam longe de usá-las em todo
(capacidade e acessibilidade). Para que
o seu pleno potencial. As ONG fazem uso de e-mail para
as TIC contribuam plenamente para o
se comunicarem com os parceiros e doadores, e a Internet
desenvolvimento, deverão ser vistas não
para pesquisar informação relevante. No entanto, alguns
apenas como veículos para uma melhor
constataram que sua conexão de banda larga não era fiável
governação ou melhores serviços de negócios,
(‘é como o vento, hoje vem, amanhã vai’), enquanto outros
mas como bens que são apropriados pelos
consideraram que, se enviam e-mail ‘também temos de
indivíduos e comunidades que os utilizam,
telefonar, uma vez que as pessoas não verificam o seu e-mail
a seu próprio modo, para ajudá-los a
ou consultam a Internet regularmente’.
satisfazer as suas necessidades diárias.
Os entrevistados identificaram os maiores obstáculos para
Ao se apropriar da tecnologia, desta forma,
uma melhor utilização das TIC como sua própria ignorância
as comunidades podem seleccionar e
sobre o que as TIC podem fazer, falta de habilidades, falta
transformar as TIC e os conteúdos de que
de recursos e falta de fiabilidade. Todos sentiram que era
necessitam, resultando ao longo do tempo
importante que o governo estendesse o direito de comunicar
em novos padrões de comportamento,
e de estar informado aos grupos mais desfavorecidos para
maior escolha individual e liberdade, e novas
que eles não fossem excluídos.
oportunidades para o desenvolvimento.
Desta forma, as comunidades irão:
6 O desafio da inclusão digital em Moçambique
Renovando as políticas e estratégias para Aprovar legislação para garantir maior acesso
inclusão digital à informação a todos os níveis do governo,
e facilitar o livre acesso à informação pública
Rever e actualizar a política e estratégia
‘online’ do governo, Parlamento, da justiça
de TIC, adoptando uma abordagem centrada
e de outros sectores, bem como de redes
no cidadão
de pesquisa.
Melhorar a integração das abordagens
de inclusão digital nas estratégias de Capacitação de recursos humanos
desenvolvimento, assegurando a coordenação Utilizar o sistema nacional de educação como
por parte do governo das políticas nacionais factor-chave da inclusão digital das novas
e sectoriais de TIC e respectivos investimentos, gerações através da formação de professores,
e financiamento adequado equipando as escolas e adaptando os curricula
Estabelecer um sector TIC, e reestruturar Formar um novo tipo de técnico de
os órgãos reguladores à luz da convergência TIC polivalente e actualizar cursos para os
tecnológica electricistas e outros, em escolas técnicas e
Criar fóruns consultivos e espaços para institutos, Centros Provinciais de Recursos
a participação do público e das organizações Digitais (CPRD) e centros de formação privados
da sociedade civil na preparação das em todo o país
políticas de TIC Investir na capacitação massiva para a
Expandir o mandato do Fundo de Acesso utilização das TIC, incluindo no uso de software
Universal para apoiar iniciativas significativas livre (FOSS), para os pobres e mulheres
na área de conteúdos e comunicação Adaptar os currículos das TIC a nível
comunitários, assegurando uma participação universitário às necessidades de inclusão
e governação multi-sectorial digital e do mercado
Envolver as organizações da sociedade Promover software padronizado em Português,
civil na elaboração de estratégias de e conteúdo em línguas locais.
digitalização da rádio e TV que irão minimizar
os custos para o público, e nas campanhas Produzir mais e melhores serviços
de educação pública.
Expandir os serviços electrónicos do governo e
Aumentar a participação dos cidadãos do sector privado para o público, e implementar
as necessárias mudanças organizacionais
Desenvolver a capacidade das organizações e comportamentais nos organismos públicos
da sociedade civil para que possam
usar as TIC e para que possam ganhar Introduzir informação e outros serviços
sensibilização sobre as questões de políticas de apoio à agricultura, comércio, pequena
de TIC, permitindo-lhes que desempenhem um indústria, exportação e ao sector social
papel preponderante na promoção da inclusão Desenvolver plataformas especializadas para
digital, defendendo os direitos do consumidor a gestão de conhecimentos
e monitorando as decisões sobre políticas
Facilitar a produção e alojamento de websites
Promover o envolvimento dos media na locais e da comunidade, e o uso de serviços
promoção de debates e educação do público da Web 2.0.
sobre as implicações para a sociedade
de questões tecnológicas, tais como Melhorar a utilização das
a convergência, neutralidade tecnológica infra-estruturas planeadas
e protecção dos dados dos cidadãos
Planear a capacidade, tendo em conta as
Garantir o acesso a serviços providenciados políticas de inclusão digital e as novas
por via de TIC a preços acessíveis, tecnologias que irão aumentar as necessidades
especialmente para as áreas rurais e pobres,
Assegurar o acesso equitativo através de
através de políticas para a redução de custos
apoio aos centros multimedia comunitários
de investimento e funcionamento, subsídios
e a outras iniciativas
‘inteligentes’ e a produção doméstica de
equipamento barato Implementar e regulamentar uma política de
partilha de infra-estruturas e esforço conjunto
Reconhecer e apoiar o papel dos meios
para diminuir os custos e ampliar o alcance
de comunicação comunitários e de acesso
às TIC na promoção da livre circulação Melhorar a qualidade e reduzir os custos
de informação multilingue, e na expansão para todos os usuários das redes ampliadas
das capacidades dos cidadãos de energia e de telecomunicações.
8 O desafio da inclusão digital em Moçambique
Outra informação
Polly Gaster
Chefe do Gabinete de TIC4D
CIUEM
Campus Universitário
Av Julius Nyerere
Maputo
Mozambique
Tel/fax: +258 21 485779
Rede de telefonia movel: +258 82 3264540
Email: polly.gaster@uem.mz
www.caicc.org.mz
Projecto Fórum Regional de Discussão sobre
TIC coordenado por