Marital Violence Against Women From the Point of View of the Men Who Were the Aggressors
Antonio Gomes da Rosa Resumo
Mestre em Saúde Pública. Doutorando do Programa de Pós-Gra- duação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Este artigo objetiva investigar as causas da agressão Catarina. conjugal contra a mulher a partir da ótica do homem Endereço: Campus Universitário, CEP 88040-970, Florianópolis, SC, Brasil. autor de violência. Para tanto, foi desenvolvida uma E-mail: angor.bl@terra.com.br pesquisa descritiva exploratória com abordagem qua- litativa. Os dados foram coletados por meio da técnica Antonio Fernando Boing de grupos focais com homens que se envolveram em Doutor em Odontologia. Professor do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade do Planalto Catarinense. violência conjugal e participavam voluntariamente do Endereço: Avenida Castelo Branco, 170, CEP 88509-900, Lages, SC, Programa de Atenção à Violência Doméstica e Intrafa- Brasil. miliar de um município de médio porte de Santa Cata- E-mail: boing@ccs.ufsc.br rina. Na análise das informações, evidenciaram-se três Fátima Büchele categorias: “Ela”, “Eu” e “Outros”. Nossos resultados Doutora em Enfermagem. Professora do Programa de Pós-Gradu- apontam comportamentos e atitudes que permitem ação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina identificar as causas da agressão contra a companheira Endereço: Campus Universitário, CEP 88040-970, Florianópolis, SC, evidenciada a partir da interferência de pessoas es- Brasil. E-mail: fbuchele@brturbo.com.br tranhas à relação conjugal; presença de ações inade- quadas da companheira; domínio da mulher sobre o Walter Ferreira de Oliveira companheiro; resposta à agressão física, verbal ou Doutor em Social and Philosophical Foundations of Education. Pro- fessor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Uni- psicológica da companheira; dependência química e versidade Federal de Santa Catarina. situação financeira. Os resultados mostram também Endereço: Campus Universitário, CEP 88040-970, Florianópolis, SC, que essas causas se mesclam no dia-a-dia, acumulam- Brasil. se sob a forma de conflitos e eclodem em atos que E-mail: walter@ccs.ufsc.br configuram a violência conjugal do homem contra a Elza Berger Salema Coelho companheira. Os sujeitos da pesquisa não demons- Doutora em Enfermagem. Professora do Programa de Pós-Gradu- tram compreensão ativa de que são agressores, ou seja, ação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina reconhecem os atos de violência que relatam, no en- Endereço: Campus Universitário, CEP 88040-970, Florianópolis, SC, Brasil. tanto, não identificam que essas ações os caracteri- E-mail: elzacoelho@gmail.com zam como autores de violência. Palavras-chave: Violência contra a mulher; Violência doméstica; Saúde da mulher.
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Abstract Introdução This article aims to analyze causes of marital aggres- A violência contra a mulher por parte do marido ou sion against women from the aggressors’ (men) pers- parceiro assume números significativos e configura- pective. It is based on an exploratory descriptive stu- se como relevante problema de saúde pública no Bra- dy using Focal Groups as a means of collecting infor- sil e no mundo. A partir de 48 estudos de base popula- mation. Research subjects were 11 (eleven) men who cional conduzidos em todo o mundo identificou-se que had been involved in domestic violence episodes and entre 10% e 69% das mulheres já foram agredidas who voluntarily participated in the Domestic and In- pelo seu parceiro (World Health Organization, 2002). trafamily Violence Assistance Program of a city in No Brasil, pesquisa conduzida em 2001 estima que 2,1 Santa Catarina. The analysis of the information yiel- milhões de mulheres já sofreram espancamentos gra- ded three categories: “She”, “I” and “Others”. The re- ves, havendo, ainda, uma média de 175 mil mulheres sults revealed behaviors and attitudes that allowed agredidas por mês ou quatro por minuto (Venturi e to identify the causes that had led the aggressors to col., 2001). A violência conjugal representa uma das attack the partner, such as: strange people’s interfe- principais ameaças à saúde das mulheres e a maioria rence in the conjugal relation; presence of partner’s dessas agressões reflete um padrão de abuso contí- inadequate actions; woman’s control over the partner; nuo. As conseqüências da violência doméstica para a reply to the physical, verbal or psychological aggres- pessoa agredida são severas e abrangem diversas di- sion of the partner; chemical dependence and financi- mensões, desde ocorrência de fraturas, luxações e al situation. The results also showed that these cau- hematomas até impactos psicológicos e comportamen- ses are mixed in the daily routine, accumulate in the tais, como depressão, ansiedade, dependência quími- form of conflicts and come out in acts that configure ca e farmacológica, ou, em casos mais severos, dese- the conjugal violence of the man against the partner. quilíbrios que levam a suicídios (World Health Orga- The research subjects do not demonstrate active un- nization, 2002). derstanding that they are aggressors, that is, they A violência entre parceiros engloba comportamen- recognize the violence acts that they report; however, tos dentro de uma relação íntima que podem causar they do not identify that these actions characterize morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico them as aggressors. e dano moral ou patrimonial (Brasil, 2006). Historica- Keywords: Violence Against Women; Domestic Violen- mente, a violência conjugal carrega tabu e medo e em ce; Women’s Health. diversos locais não tem sido tratada como crime real, o que acarreta evidente falta de consequências legais a tais atos. Segundo Guattari e Rolnik (1993), o modo como os agressores vivem essa condição de agressor oscila entre dois extremos: uma relação de alienação e de opressão, na qual o homem agressor se submete à subjetividade tal como ela se apresenta; ou uma rela- ção de criação e de expressão, na qual se reapropria dos componentes da subjetividade, criando um pro- cesso de singularização, ou seja, reconhecendo as di- ficuldades que traz consigo e que não dá conta de resolver a não ser por meio da violência. Para Machado (1998), as estatísticas em torno dos altos índices de violência dos companheiros contra as mulheres no mundo, e mais especificamente no Bra- sil, não deixam dúvidas quanto à necessidade do seu combate sistematizado, bem como quanto à necessi- dade de mudanças de comportamento e atitudes do homem e da mulher que vivem juntos e são vítimas e
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autores de violência conjugal. Schraiber e colaborado- dico e serviço judiciário, além das reuniões socio- res (2005) referem pelo menos três razões para trazer educativas (ação interdisciplinar). Conta, ainda, com a temática de homens e masculinidade para a pauta o apoio da casa-abrigo, disponibilizada às mulheres dos estudos de saúde e gênero. A primeira é por esti- que sofrem violência e aos filhos menores de 18 anos mular cientistas e formuladores de políticas a enfren- com risco à sua integridade física e que não possuam tar questões das inter-relações entre os gêneros; em familiares em condições de acolhê-los. Para receber e segundo lugar por trazer novas temáticas para os es- proteger as mulheres e seus filhos, a casa conta com tudos e políticas em saúde da mulher, além de propor- um gerente de proteção especial, uma coordenadora, cionar novos olhares para antigos objetos da saúde cinco orientadoras sociais, uma cozinheira e uma au- das mulheres e dos homens; e, finalmente, por ressal- xiliar de serviços gerais. tar o entrelaçamento entre saúde, cidadania e direi- Em relação ao atendimento a homens e mulheres tos humanos. pelo Programa de Prevenção e Combate à Violência Compreendemos que ainda existem importantes Doméstica e Intrafamiliar, ocorrem ações socioeduca- lacunas e dúvidas com relação ao tema violência conju- tivas realizadas mensalmente e que incluem exercíci- gal. Investigações a partir da visão da pessoa agressora os de percepção corporal, estudo e troca de experiên- ainda são escassas, no entanto, podem contribuir subs- cias, atendimento coletivo e/ou individual e fortaleci- tancialmente para uma melhor compreensão desse mento do convívio. fenômeno e para desvelar nesse universo a percepção Para a realização do presente estudo, inicialmente de que a agressão exige mais do que a punição previs- expusemos os seus objetivos à coordenação do pro- ta em lei, ou seja, é importante que ocorra a instrumen- grama e sua aquiescência foi obtida. Assim, partici- talização de políticas públicas que incluam esse ho- pamos de uma reunião conduzida pela psicóloga do mem e que essa ação possa minimizar a violência pra- serviço, momento em que convidamos os participan- ticada contra a mulher. Consideramos que a solução tes a se inserirem no nosso estudo como voluntários. da agressão envolve aspectos complexos que vão além Onze homens autores de violência contra suas parcei- da penalização, uma vez que ela afeta não só o indivíduo ras aceitaram participar da pesquisa e, para serem e as vítimas diretas, mas também a família e a socieda- obtidos dados detalhados e aprofundados sobre o tema de como um todo. Assim, este artigo busca identificar violência conjugal, foram divididos aleatoriamente em causas da agressão conjugal contra a mulher a partir dois grupos, um com cinco pessoas e outro com seis. A da ótica do homem autor de violência. coleta de dados ocorreu nos meses de outubro e no- vembro de 2006. A técnica de grupo focal foi utilizada para coleta Material e Métodos dos dados. As entrevistas foram conduzidas por um Este estudo caracteriza-se como descritivo-explorató- dos autores deste texto e tiveram duração média, em rio, com abordagem qualitativa, e foi desenvolvido no cada grupo, de aproximadamente uma hora. Sendo as âmbito de um Programa de Atenção à Violência Domés- características sociodemográficas dos sujeitos de tica e Intrafamiliar. Esse programa, através de ações pesquisa dos dois grupos semelhantes, a mesma téc- socioeducativas, presta atendimento a homens auto- nica foi aplicada, havendo um encontro com cada gru- res de agressões e acompanha mulheres que foram víti- po. Dessa maneira, os dados foram analisados conjun- mas de violência em um município de Santa Catarina. tamente. No início dos encontros foram explicados os O Programa de Prevenção e Combate à Violência objetivos da pesquisa, garantindo aos sujeitos o direito Doméstica e Intrafamiliar é mantido pela Secretaria de participar ou não do grupo, e também garantindo o de Assistência Social da Criança e Adolescente do sigilo quanto à sua identidade. A focalização da dis- município e tem como objetivo acolher e apoiar famí- cussão se configurou a partir da pergunta: “O que te lias, buscando garantir seus direitos e propiciar con- levou a agredir tua companheira?” Os participantes dições de fortalecimento da auto-estima e autonomia eram assim incentivados a falar, sob sua ótica, sobre pessoal e social. São disponibilizados atendimentos os motivos da agressão à companheira e a responder psicológicos, familiares (casal e/ou filhos), apoio jurí- aos comentários dos outros membros do grupo.
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Através da observação participante, característi- ‘Ela’: Quando o motivo da agressão é atribuído ca do grupo focal, foi possível ao pesquisador obter à companheira conhecimento direto dos comportamentos, atitudes, Explícita ou implicitamente, os sujeitos do grupo fo- linguagem e percepções do grupo. Além disso, as en- cal centralizam na companheira o motivo da agressão. trevistas focais foram gravadas, transcritas e exami- Os que se inseriram na subcategoria ‘Presença de nadas. Realizou-se leitura flutuante e identificaram- ações ou atitudes inadequadas da companheira’ justi- se as categorias a serem investigadas no estudo. A ficaram que foram as ações dela que levaram o casal à análise dos dados seguiu a orientação proposta por situação caracterizada como violenta. Assim, transfe- Minayo (1998), compreendendo a ordenação dos da- rem para a companheira a culpa pela situação, não se dos, a classificação e a análise final. reconhecendo como agressores; ao contrário, raciona- O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Éti- lizam a ação agressiva como comportamento desenca- ca da Universidade Federal de Santa Catarina, sob pa- deado pela mulher. Essa atitude vai ao encontro do recer n°. 221/05. que descreve Schraiber (2002): o agressor credita o êxito do relacionamento ao comportamento do(a) Resultados e Discussão companheiro(a). Assim, se a relação não dá certo, o A violência conjugal justificada na fala dos motivo é do outro. Para Goleman (2003), a racionaliza- ção é uma das estratégias mais comuns de negação agressores: categorias identificadas dos verdadeiros motivos do sujeito, cobrindo e blo- Na análise dos dados coletados, a partir da leitura e queando o verdadeiro impulso que provocou o ato releitura das falas dos homens autores de violência agressivo, substituindo-o por outro, inventado. participantes dos dois grupos focais, evidenciamos, Um dos motivos de agressão apontado pelos sujei- inicialmente, ‘quem’, segundo os autores da violência, tos é que a companheira não estava tendo com os fi- eram os responsáveis pela agressão, o que resultou lhos os cuidados que consideravam adequados, dei- nas seguintes categorias: ‘Ela’, ‘Eu’ e ‘Outros’. xando transparecer que essas atitudes, na opinião A categoria ‘Ela’ foi relacionada com a identifica- deles, não deveriam ocorrer, conforme relato a seguir: ção de atitude inadequada por parte da mulher que, segundo o homem, agia de maneira autoritária para Eram duas horas da manhã e eu estava lá na janela, com o companheiro. Essa categoria gerou três os filhos não tinham vindo. Eu chamava ela, e ela não subcategorias: ‘Presença de ações ou atitudes inade- dava bola [...]; às vezes não cuida muito bem nem dos quadas da companheira’, ‘Domínio da mulher sobre o filhos; os filhos, ela deixava os filhos... à vontade. companheiro’ e ‘Resposta à agressão física, verbal ou Evidenciamos que conflitos frequentes em rela- psicológica da companheira’. ção a assuntos familiares, como o cuidar dos filhos, A categoria ‘Eu’ evidenciou-se quando o homem podem ser componentes importantes na gênese da agressor explicitava irritação com a companheira e/ violência doméstica. O cuidado com os filhos pode ser ou considerava ofensa quando ela reclamava, geral- utilizado como desculpa para o homem ou a mulher mente por ele estar bebendo no bar. Essa categoria agredir o(a) companheiro(a) e como justificativa para gerou duas subcategorias: ‘Dependência química’ e violência na família (Schraiber, 2002). Para Dantas- ‘Situação financeira’. Berger e Giffin (2005), uma ordem social de tradição Na categoria ‘Outros’ os sujeitos atribuíram a res- patriarcal por muito tempo “consentiu” num certo ponsabilidade de suas ações a alguém externo ao ca- padrão de violência contra mulheres, designando ao sal, levando-os à atitude que se caracterizava como homem o papel “ativo” na relação social e sexual entre agressão. Por exemplo, quando o sujeito relatava que os sexos, ao mesmo tempo em que restringiu a sexua- a discussão ocorria por conta da presença de uma lidade feminina à passividade e à reprodução. Com o amiga, entendemos que se referia ao ‘outro’ como domínio econômico do homem enquanto provedor, a desencadeador ou responsável pela agressão. Essa dependência financeira feminina parecia explicar a categoria gerou a subcategoria ‘Interferências de pes- aceitação de seus “deveres conjugais”, que incluíam o soas alheias à relação conjugal’. “serviço sexual”.
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Além de apontar ações inadequadas da companhei- nente cultural seu sustentáculo e fator de perpetua- ra enquanto mãe, os sujeitos referiram-se ao ‘Domínio ção (Carreira e Pandjiarjian, 2003). da mulher sobre o companheiro’, definindo outra Apesar do crescimento no número de pesquisas subcategoria. Constatamos que os sujeitos menciona- sobre violência contra a mulher e das estatísticas já ram insistentemente o comportamento dominador da apresentadas, ainda há a dificuldade de se precisar a companheira, demonstrando insatisfação com isso e/ real magnitude da violência, pois a relação conjugal, a ou se sentiam irritados, humilhados e magoados, con- familiar e o ambiente doméstico ainda são considera- forme destacado a seguir: dos aspectos privados e particulares, naturalizando e Ela me incomoda. Às vezes não dá pra aguentar; banalizando este fenômeno social cotidiano. Para ela que quer tá certa; ela humilha, magoa a gente. A Giddens (2000), as relações podem ser ordenadas por minha mulher não se preocupa em fazer a comida meio do diálogo, e não do poder arraigado. pra quando eu chego em casa e ainda por cima às A violência pode também ser vista como uma ação vezes quando vou comer se foi ela que comprou me que envolve a perda de autonomia, de forma que as provoca dizendo que eu vou comer a comida dela. pessoas são privadas de manifestarem sua vontade, submetendo-se à vontade e ao desejo dos outros. As- Segundo Ferrari (2002), a necessidade de dominar sim, a violência passa a ser utilizada como uma maneira e controlar o parceiro é a força principal que alimenta de manifestação das relações de dominação, expres- a violência entre casais. Esse autor vê a violência den- sando uma negação da liberdade do outro, da igualda- tro da família como um fenômeno multicausal que de, da vida. Essa desigualdade se manifesta como engloba experiência de socialização, características assimetria de poder, a submissão do mais fraco pelo patológicas, fatores situacionais de estresse e fato- mais forte traduzindo-se em maus-tratos (Vecina, 2002). res culturais. Esse ponto de vista parece ser ilustrado Os sentimentos expressos pelos sujeitos deste na colocação que segue: estudo evocam a necessidade de mudanças de compor- Ela quer mandar em casa!!! Quer dominar, quer sem- tamento e atitudes de homens e mulheres que convi- pre que a gente faça... Seja a perfeição ... o que é a vem em situação de violência conjugal, conforme já perfeição.... não ir com os amigos depois do traba- apontado por Santana e Ribeiro (2000) e Fukuda e cola- lho no armazém, não fazer nada. boradores (2002). Para esses autores, normalmente A violência pode ser pensada do ponto de vista de ocorrem, ao mesmo tempo, na vida conjugal, vários relações de força expressas enquanto relações de do- tipos de violência, às vezes tornando difícil atribuir minação. Nessa ótica, pode-se especular que as dife- de forma peremptória os papéis de vítima e algoz. Do renças na sociedade são convertidas em relações de ponto de vista do agressor há alternância de papéis, desigualdade, que são por sua vez convertidas em re- mesclando-se o de agressor (enquanto protagonista na lações assimétricas de hierarquia, que implicam em ação agressiva) e o de vítima (ao responsabilizar a mu- que a vontade de uns seja subordinada a de outros lher quanto à motivação do comportamento agressivo). (Ferrari, 2002). Os variados tipos de violência, de acor- Camargo (2002) já apontava essa alternância, que des- do com Boulding (1981), se ligam a esta forma de creve o aprisionamento do sujeito nesses dois papéis. estruturação social e formam uma rede intrincada e Além de os sujeitos terem mencionado domínio da complexa em que todos, cada um a seu modo, tornam- mulher, afirmaram ainda que ela os agredia verbal ou se ao mesmo tempo vítimas e autores. fisicamente, o que permite evidenciar a subcategoria Como em uma epidemia, todos são atingidos pela ‘Resposta à agressão física, verbal ou psicológica da fonte comum de uma estrutura social desigual e injus- companheira’. A agressão decorre de vários motivos, ta, que não só alimenta, mas também mantém ativos mesmo quando eles não admitem que sejam agresso- os focos específicos de violência que se expressam, res. Os sujeitos deixaram evidente que “houve uma inclusive, nas relações conjugais. Esse fato relaciona- agressão, sim [...]” e explicam como segue: “ela me se à violência de gênero, manifestada de maneira per- avançou. Como é que eu não vou me defender? Ela me versa a partir das relações de poder historicamente avançou com arma, vou me defender [...] empurrei ela desiguais entre homens e mulheres, sendo o compo- em cima da cama, mas não bati nela.”
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Durante esse relato do sujeito, observou-se compor- agressor tende a ver apenas o que precisa ver, a saber, tamento corporal de suspensão de ombros, talvez sen- apenas o que precisa saber, tem consciência apenas do colocada uma conotação de justificativa e de natura- daquilo que está preparado para ter. Minayo e Desla- lidade, como a única atitude a ser tomada, ato comple- des (1998) chamam atenção para o fato de drogas e mentado pela fala “é... as coisas são assim né!!!”. A agres- álcool poderem ser usados tanto antes como depois de são é assim justificada como ato de legítima defesa; eventos violentos. havendo apenas o empurrão e não o espancamento. A Sujeitos deste estudo revelaram que “hoje também minimização e a negação da agressão, por parte dos não bebo mais”, referindo-se à dependência como do agressores, são características na dinâmica da violên- passado, definindo-se, assim, a subcategoria ‘Hábito cia. O registro a seguir corrobora esta afirmação: de beber’. Em algumas falas a seguir, os sujeitos ex- Às vezes com palavras de baixo escalão ela me puseram que: chateia... [...] acaba agredindo a gente quando não eu sou uma pessoa que nunca cheguei... vamos di- tem dinheiro’; ‘ela, às vezes, acaba perdendo o equi- zer... bêbado em casa; nunca falei, nem mesmo com líbrio e vem agredindo o homem’; ‘a própria língua a esposa... com ela nunca briguei por causa da be- delas desestrutura o homem, daí o cara não tem bida, teve porque ela não queria que eu bebesse [...] como, começa a rebaixar, daí vai indo, daí uma por causa da bebida teve os maiores problemas, hora não tem limite, daí ele já está no ponto’; entrei em confusão com os empregados, confusão Às vezes com palavras de baixo escalão ela me nos bares. chateia... [...] acaba agredindo a gente quando não Segundo Dalgalarrondo (2000), o sujeito, ao justi- tem dinheiro; ficar suas ações sob uma perspectiva simplista e que Ela, às vezes, acaba perdendo o equilíbrio e vem não lhe pertence mais, pode estar demonstrando, ao agredindo o homem; mesmo tempo, uma incapacidade de experimentar culpa e de aprender com a experiência, tornando-se Estes relatos chamam a atenção em dois aspectos: vulnerável à reincidência, uma vez que não se diferen- primeiro, quando os sujeitos afirmam explicitamente ciou enquanto sujeito das atitudes que revela. que bateram, deixam subentendido que, nessa situa- O ato de beber foi reconhecido enquanto problema ção, a paciência chegou ao limite máximo, criando as pelos sujeitos dos grupos focais sem, no entanto, re- condições para a agressão. O segundo aspecto é que lacionarem esse problema às situações de violência se usou na narração a primeira pessoa – eu – como com a companheira. Para Minayo e Deslades (1998), o participante do fato, mas também se usou a terceira uso de álcool pelo homem mostra-se como um pessoa – ele – como se estivessem falando de outra significativo fator de risco para a violência do parcei- pessoa. Assim, por vezes colocaram-se como narrado- ro contra sua mulher, enquanto para Gomes e colabo- res de uma situação vivenciada por outros, o que per- radores (2002), o álcool é a substância mais ligada às mite especular que os sujeitos não admitem explici- mudanças de comportamento, provocadas por efeitos tamente sua condição de agressores. psicofarmacológicos que desencadeiam a violência. ‘Eu’: Quando o motivo da agressão é atribuído Diferentemente da maneira indireta com que os sujeitos relacionaram o álcool com a violência, referi- ao próprio agressor ram-se à ‘Situação financeira’ como causa direta, cons- Alguns sujeitos, nos grupos focais, mencionaram o tituindo-se a subcategoria seguinte a ser analisada. uso de ‘bebida’ em suas vidas, sugerindo que o álcool Os desentendimentos surgiram quando: pode ter contribuído como um dos motivos de desen- tendimento e/ou agressão. Foi comum o uso de expres- Ah, ela me disse que eu tinha que trabalhar mais... sões amenizadoras, como ‘só uma cervejinha’, diminu- que faltava coisas em casa... ué, mais ainda?! [...] indo a culpa pela utilização desse elemento. O agres- ela acha que eu sou vadio. sor, dessa forma, se expressa através de um filtro que É complicado quem tá acostumado a ter e depois o sustenta dentro de uma racionalização e justifica o não tem como se virar. Daí você é obrigado a dar meio que utilizou. Como nos alerta Goleman (2003), o um jeito, você é o responsável, daí às vezes com
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palavras que parece faca ela leva o homem à loucu- Considerações Finais ra... agredindo o homem. Diante da violência do homem contra a companheira, A dificuldade financeira foi claramente colocada não há neutralidade possível. É preciso romper o pac- como razão de desentendimentos e, portanto, motivo to que protege a vazão dos impulsos sob várias justi- para agressão. Ainda assim, a responsabilização é ficativas que vão desde uma ofensa à atitude da com- conferida à mulher, sendo a ação agressiva resultado panheira que ele considera inadequada. da interferência da mulher. Morrison e Biehl (2000) Os sujeitos dos grupos focais apontaram compor- afirmam que o baixo nível socioeconômico não é, em tamentos e atitudes que sinalizaram para a possibili- essência, causa direta de violência conjugal, mas está dade de identificarmos causas da violência conjugal associado ao estresse nas relações interpessoais, cau- sob a ótica do homem autor da agressão, quais sejam: sado também por outros motivos, como insegurança interferência de pessoas estranhas à relação conju- econômica. Ou seja, frustração e estresse podem ser gal; presença de ações e comportamentos inadequa- gatilhos situacionais para o desencadeamento de uma dos da companheira; domínio da mulher sobre o com- condição psicológica que desestabiliza o homem, panheiro; resposta à agressão física, verbal ou psico- propiciando a ação agressiva. lógica da companheira; hábito de beber e situação fi- Quando o motivo da agressão é atribuído a nanceira. Em relação às causas, constatamos que se mesclam no dia-a-dia, acumulam-se sob a forma de ‘Outros’ conflitos e eclodem em atos que configuram a violên- Para os sujeitos dos grupos focais a interferência de cia conjugal do homem contra a companheira. Obser- ‘outras’ pessoas contribuiu sobremaneira para a situ- vamos, ainda, que os sujeitos não demonstraram com- ação de conflito conjugal. Deixaram transparecer que preensão ativa de serem agressores, ou seja, ao mes- a situação os incomodava, que os fazia perder o con- mo tempo em que não negavam os atos que relatavam, trole sobre si mesmos. Entretanto, alguns sujeitos não não os compreendiam como ações que os caracterizas- admitiram ter agredido a mulher, como segue: sem como autores da agressão. Não cheguei a bater... não... fisicamente... é que a Os sujeitos não deixaram transparecer arrependi- minha mulher escutava muito os outros lá de fora... mentos, haja vista a insignificância que deram ao com- Daí eu virava num bicho. portamento violento, justificando suas ações como atitudes de defesa ou de reação ao comportamento da Ela não se dá com minha família. [...] depois que ela companheira, como demonstramos na categoria ‘Ela’. foi morar com a mãe, daí a gente não conseguia ter Segundo Gelles (1997), para tratar da violência con- aquele diálogo, porque a mãe dela se metia [...] a jugal é necessário que se adote uma abordagem minha família é que ficou com muita raiva dela e empática, o que não significa endossar ou minimizar a bateram. responsabilidade do agressor, mas significa, sim, com- Ao indicar que “Ela não se dá com minha família”, preender o ato violento como resultado de elementos o sujeito sugere que o problema de relacionamento associados à condição do homem autor da agressão. está com a mulher, e não na família dele. Dalgalarrondo Os sujeitos tiveram a oportunidade de expressar (2000) alerta para a propensão de determinadas pes- sentimentos, crenças, justificativas, valores e infor- soas em culpar os outros como forma de explicar seu mações sobre o que os levou a agredir ou, mesmo, a comportamento. Os sujeitos que reconheceram a situ- não concordar que agrediram a companheira. Eviden- ação de conflito conjugal, mas não se reconheceram ciamos aspectos que consideramos importantes para agressores, tipicamente procuram ‘culpados’ para a compreender as causas da violência conjugal, com a situação. Deslades (1994) nos diz que é comum o finalidade de contribuir com informações sobre o as- agressor se justificar buscando a culpa em outras sunto. É preciso que o homem autor da violência não pessoas. Isto é, de forma consciente ou não, considera se configure unicamente como caso de polícia, que a que não é culpado pelos acontecimentos, que nada do Lei Maria da Penha seja efetivamente implementada que acontece está relacionado a ele. nos estados e municípios, para que os envolvidos em
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situações de violência sejam institucionalmente aco- FERRARI, D. C. A. Atendimento psicológico a casos lhidos. E que a sociedade se indigne e assegure à pes- de violência intrafamiliar. In: FERRARI, D. C. A.; soa agredida segurança e dignidade, uma vez que, so- VECINA, T. C. C. (Org.). O fim do silêncio na violência zinha, não possui instrumentos capazes de romper familiar: teoria e prática. São Paulo: Agora, 2002. p. com essa realidade para vencer o medo e denunciar as 160-173. situações de violência. FUKUDA, C. C.; RIBEIRO, M. A.; FERRO, V. S. Crianças e adolescentes em situação de risco: quem são suas Referências famílias? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE TERAPIA FAMILIAR, V., 2002, Salvador. Anais... Salvador: BOULDING, E. Las mujeres y la violencia social. In: ABRATEF, 2002. p.18-20. UNESCO. La violencia y sus causas. Paris, 1981. p. 265-79. GELLES, R. J. Intimate violence in families. Beverly Hills: Sage Publicacions, 1997. BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e GIDDENS, A. Conversas com Anthony Giddens: o familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a GOLEMAN, D. Mentiras essenciais, verdades simples: Eliminação de Todas as Formas de Discriminação a psicologia da auto-ilusão. Rio de Janeiro: Rocco, contra as Mulheres e da Convenção Interamericana 2003. para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de GOMES, R. A. et al. Por que as crianças são Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; maltratadas?: explicações para a prática de maus- altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a tratos infantis na literatura. Cadernos de Saúde Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 707-714, 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 maio 2006. GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias Seção 1, p. 1. do desejo. Petrópolis: Vozes, 1993. CAMARGO, C. N. M. F. Agressor ou vítima: a falta MACHADO, L. Z. Matar e morrer no feminino e no básica e as duas faces da mesma moeda. In: masculino. In: OLIVEIRA, D.; GERALDES, E. C.; LIMA, FERRARI, D. C. A.; VECINA, T. C. C. (Org.). O fim do R. B. Primavera já partiu: retratos de homicídios silêncio na violência familiar: teoria e prática. São femininos no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 96- Paulo: Agora, 2002. p. 131-140. 121. CARREIRA, D.; PANDJIARJIAN, V. Vem pra roda! Vem MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, para rede!: guia de apoio à construção de redes de método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1998. serviços para o enfrentamento da violência contra a MINAYO, M. C. S.; DESLADES, S. F. A complexidade mulher. São Paulo: Rede Mulher de Educação, 2003. das relações entre drogas, álcool e violência. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artes p. 35-42, 1998. Médicas, 2000. MORRISON, A. R.; BIEHL, M. L. A família ameaçada: DANTAS-BERGER, S. M.; GIFFIN K. A violência nas violência doméstica nas Américas. Rio de Janeiro: relações de conjugalidade: invisibilidade e FGV, 2000. banalização da violência sexual? Cadernos de Saúde SANTANA, M. C. P.; RIBEIRO, M. A. A violência Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 417-425, 2005. intrafamiliar e suas conseqüências no DESLADES, S. F. Prevenir a violência: um desafio para desenvolvimento de crianças e adolescentes. Brasília, profissionais da saúde. Rio de Janeiro: Centro Latino- DF: UnB, 2000. Americano de Estudos de Violência, 1994.
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