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A infância é momento de descobertas, onde o mundo apresenta-se


misterioso e fascinante, mas não necessariamente feliz ou belo. Essa posição da criança
diante do mundo, livre de uma visão “corrompida” e quem sabe até cínica adulta serve de
ponto de partida para alguns escritores compartilhar uma visão deslumbrada, fugindo da
racionalidade, como no caso de Guimarães Rosa. Mas o fato da criança ser frágil
fisicamente e dependente dos outros e das relações familiares possibilitam que já na
infância apareça a violência das relações sociais, tema caro para um escritor de realismo
crítico como Graciliano Ramos. No conto Minsk presente no livro Insônia do escritor
alagoano, a menina Luciana encontra na figura do periquito Minsk um motivo de alegria. É
do animal que vem o entusiasmo e decepção que atingirão a menina. E é um pássaro
também que faz surgir um arrebatamento no Menino do conto As margens da alegria de
Guimarães Rosa.
Em Minsk, assim que Luciana ganha o periquito, ela o leva para a irmã Maria Júlia
e à cozinheira, mas estas nem prestam atenção em seu novo presente. Isso não a
entristece, pois ela esnoba a incompreensão das outras para evitar magoar-se. O fato de
não ser entendido, portanto, é motivo de tristeza para a personagem. É justamente na
falta de comunicação e na incompreensão do outro que Graciliano Ramos deposita sua
crítica social em Vidas Secas. Há aqui portanto um compartilhamento de pontos de vista
entre narrador e Luciana, assim como por vezes ocorre entre Fabiano e o narrador do
romance sobre a família de retirantes. Dessa incompreensão, surge o comportamento
violento da mãe da menina. Por não entender Luciana, ela a repreende:

“O instinto de mamãe é que não se modificava: de quando em quando lá vinham


arrelias, censuras, cocorotes e puxões de orelhas, porque Luciana era espevitada, fugia
regularmente de casa, desprezava as bonecas da irmã e estimava a companhia de Seu
Adão carroceiro.” (Pg. 91)

Aqui é possível constatar a diferença do tratamento familiar que recebe o Menino


do conto As margens da alegria, quando está no avião e é mimado por todos com as
“satisfações antes da consciência das necessidades”. Mas há uma semelhança entre
essas crianças que deve ser ressaltada: ambas são crianças poetas. Luciana monologava
“imaginando casos romanescos, viagens para lá da esquina, com figuras misteriosas que
às vezes se uniam, outras vezes se multiplicavam”. Já o Menino, renomeia e metaforiza
aquilo que o cerca. Ana Paula Pacheco interpreta essa vocação poética do Menino como
um esforço de aproximar o mundo de si, “humanizando (pela beleza) o que vê belo,
tornando-se no que há ao redor”1. E se o Menino se sente como o peru, não é diferente
com Luciana. Ela, com o periquito no ombro, “sentia-se novamente miúda, quase uma
ave, e tagarelava”. Mas ao contrário do Menino, ela não parece querer aproximar o
mundo de si, e sim aproximar-se do mundo, quer ser compreendida e escutada. A criança
busca contar suas “complicações que fervilhavam no interior”, mas a mãe e a criada não
lhe dão importância, ao contrário, a reprimem. Luciana também não consegue se
comunicar com Maria Júlia, o pai, tio Severino e Seu Adão carroceiro. E da repressão dos
outros e da necessidade de ser escutada, ela inventa interlocutores que depois são
substituídos pela figura de Minsk. O pássaro representa então a compreensão do outro, a
compreensão que Luciana buscava.
A morte de Minsk, causada acidentalmente por Luciana, é o fim do que para a
menina é a compreensão que seu eixo familiar não lhe proporcionava. E também por isso
que essa tragédia causa uma dor diferente, muito pior que aqueles “sofrimentos ligeiros
que logo se sumiam sob tiras de esparadrapo”. Junto com o pássaro, morre a
possibilidade de Luciana comunicar-se.

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Em As Margens da Alegria, a figura do pássaro tem efeito diferente sobre o
Menino. Antes mesmo de encontrar o pássaro, ele já se achava em um estado de
deslumbramento com sua viagem para a cidade em construção. “Era uma viagem
inventada no feliz; para ele, produzia-se em caso de sonho”. E o narrador está próximo do
Menino, captando pela visão dele o mundo e vivendo sua alegria. Essa criança busca em
cada instante, prolongá-lo, pois ele “queria poder ver ainda mais vívido – as novas tantas
coisas – o que para os seus olhos se pronunciava.” O encontro com o peru é o ápice
desse encantamento. É uma visão breve da ave, mas o suficiente para causar profunda
impressão no espírito do garoto. Logo depois o chamam para um passeio pela cidade e lá
ele continua sua apreciação de “Todas as coisas, surgidas do opaco”. Cabe ressaltar que
aquilo que impressiona o garoto é a natureza, os papagaios, as pitangas, as flores, o buriti
e não a cidade em construção propriamente. O Menino pensa no peru, mas “só um
pouco, para não gastar fora de hora o quente daquela lembrança”. A criança parece aos
poucos perceber que esse deslumbramento poético com o mundo se dá de forma fugidia
e instantânea e a lembrança desses momentos parecem distorcê-los com o tempo e até

1
PACHECO, ANA PAULA. Descobertas do mundo. In: O lugar do mito: narrativa e processo social nas Primeiras
Estórias de Guimarães Rosa. São Paulo: Nankin, 2006..
destruí-los (como ocorre no conto-poema Nenhum, Nenhuma do mesmo livro), daí a
necessidade de tentar congelá-los. Depois, em Os cimos, o conto final de Primeiras
Estórias e que também aparece o mesmo menino, ele chega a constatar:

“que a gente nunca podia apreciar direito, mesmo, as coisas bonitas ou boas, que
aconteciam. Às vezes, porque sobrevinham depressa e inesperadamente, a gente nem
estando arrumado. Ou esperadas, e então não tinham gosto de tão boas, eram só um
arremedado grosseiro. Ou porque as outras coisas, as ruins, prosseguiam também, de
lado e do outro, não deixando limpo lugar. Ou porque faltavam ainda outras coisas,
acontecidas em diferentes ocasiões, mas que careciam de formar junto com aquelas, para
o completo. Ou porque, mesmo enquanto estavam acontecendo, a gente sabia que elas
já estavam caminhando, para se acabar, roídas pelas horas, desmanchadas...” (Pg. 227-
228)

Nesse momento, o menino encontra-se em outro estado de espírito. Com a doença


da mãe, ele vive a expectativa da morte. Está então desconfiado do mundo. A morte do
pássaro para o aniversário do doutor em As Margens da Alegria causa efeito semelhante
no menino. A princípio vem a incompreensão: “Como podiam? Por que tão de repente?”,
mas essa incompreensão é diferente daquela do conto de Graciliano Ramos, aqui não é
uma incompreensão que o outro tem dele e sim do garoto para com o mundo, que até
então se apresentava maravilhoso e alegre e de repente mostra-se também cruel. O
Menino então se fecha para o mundo, uma contraposição com seu estado no início do
conto quando estava aberto a tudo e queria paralisar cada momento apreciado. Agora ele
parece ter medo de novas adversidades: “Cerrava-se, grave, num cansaço e numa
renúncia à curiosidade, para não passear com o pensamento.” Mas apesar disso, o
Menino sofre novas desilusões. A morte do pássaro coloca o peso do mundo sobre a
criança, a descoberta da desgraça e a destruição da infância em detrimento do mundo
adulto. E nesse mundo ele percebe a destruição da natureza que até então lhe
encantava. As árvores e animas estão morrendo para que aquela cidade possa ser
levantada. E o que se destrói, vai além disso. Junto com a natureza, esvai-se o espaço
mito-poético do Menino e também de Guimarães Rosa.
De acordo com Ana Paula Pacheco, a urbanização arrebatadora, nociva ao sertão,
legitima uma poesia da ausência, que além de ser um refúgio idílico, ressalta o que foi
perdido: “mesmo nessas instâncias epifânicas, a positividade não deixa de trazer um
fundo do qual ressalta: trata-se da consciência do perdido”.
A morte do peru poderia representar então o fim da poesia para o Menino e a
derrota do sertão como espaço poético. Mas o que ocorre quando ele volta do passeio é o
encontro com outro ser da natureza que lhe devolve a alegria, o vaga-lume. E mais que
devolver a alegria é a compreensão de que ela também surge em meio às adversidades,
e estas próprias não impedem seu viver poético. No final de Os Cimos, o Menino chega,
inclusive, a sentir falta daqueles dias tensos na cidade em construção em que vivia na
expectativa da morte da mãe.

3
Em uma comparação sobre a morte desses pássaros nesses contos, pode-se
afirmar que no caso de Minsk, a morte do periquito representa um encerramento, o fim da
compreensão. Ao passo que em As Margens da Alegria, a morte do peru é um início, o
começo de uma visão de mundo, ciente das adversidades e da necessidade da poesia. A
própria forma que se dá essas mortes é esclarecedora nesse sentido. No conto de
Guimarães Rosa, o peru é sacrificado para o aniversário do doutor, um representante da
cidade, espaço que se constrói pela destruição da natureza. Nessa morte já está presente
o conflito entre:
− urbano X sertão
− razão X emoção
− adulto X criança

A partir desse conflito, surge no menino a percepção da importância da poesia


como busca do essencial, aquilo que possibilita o prolongamento de certos momentos e
relevação ou até fuga de outros.
Já no conto de Graciliano Ramos, a morte ocorre de forma mais brutal. O animal
morre pelas mãos da própria criança, acidentalmente, quando esta fazia mais uma de
suas brincadeiras, que eram incompreensíveis para aquelas pessoas que viviam ao redor
dela. Nesse momento, não há como não se lembrar do fim que teve a cachorra Baleia em
Vidas Secas, que também é morta pelas mãos do dono, mas por um sacrifício necessário
em um ambiente de total barbárie. Mas ambos os animais, em seu momento final, quando
vão aos poucos perdendo os movimentos e sentidos, não deixam de adorar seus donos,
embora a dramaticidade no romance seja maior que a do conto.
Se Luciana tinha no periquito a figura da compreensão e sentia-se com ele à
vontade para exercer essa sua atividade de criança de exceção, é pelo mesmo ato
reprimido pelo núcleo familiar que Minsk morre. O pássaro se extingue pela própria
projeção de entendimento que a criança atribui a ele. A menina passa “do céu desejado
ao inferno real”, usando uma expressão de Alfredo Bosi. A comunicação de Luciana faz-se
algo impossível.

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