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Em As Margens da Alegria, a figura do pássaro tem efeito diferente sobre o
Menino. Antes mesmo de encontrar o pássaro, ele já se achava em um estado de
deslumbramento com sua viagem para a cidade em construção. “Era uma viagem
inventada no feliz; para ele, produzia-se em caso de sonho”. E o narrador está próximo do
Menino, captando pela visão dele o mundo e vivendo sua alegria. Essa criança busca em
cada instante, prolongá-lo, pois ele “queria poder ver ainda mais vívido – as novas tantas
coisas – o que para os seus olhos se pronunciava.” O encontro com o peru é o ápice
desse encantamento. É uma visão breve da ave, mas o suficiente para causar profunda
impressão no espírito do garoto. Logo depois o chamam para um passeio pela cidade e lá
ele continua sua apreciação de “Todas as coisas, surgidas do opaco”. Cabe ressaltar que
aquilo que impressiona o garoto é a natureza, os papagaios, as pitangas, as flores, o buriti
e não a cidade em construção propriamente. O Menino pensa no peru, mas “só um
pouco, para não gastar fora de hora o quente daquela lembrança”. A criança parece aos
poucos perceber que esse deslumbramento poético com o mundo se dá de forma fugidia
e instantânea e a lembrança desses momentos parecem distorcê-los com o tempo e até
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PACHECO, ANA PAULA. Descobertas do mundo. In: O lugar do mito: narrativa e processo social nas Primeiras
Estórias de Guimarães Rosa. São Paulo: Nankin, 2006..
destruí-los (como ocorre no conto-poema Nenhum, Nenhuma do mesmo livro), daí a
necessidade de tentar congelá-los. Depois, em Os cimos, o conto final de Primeiras
Estórias e que também aparece o mesmo menino, ele chega a constatar:
“que a gente nunca podia apreciar direito, mesmo, as coisas bonitas ou boas, que
aconteciam. Às vezes, porque sobrevinham depressa e inesperadamente, a gente nem
estando arrumado. Ou esperadas, e então não tinham gosto de tão boas, eram só um
arremedado grosseiro. Ou porque as outras coisas, as ruins, prosseguiam também, de
lado e do outro, não deixando limpo lugar. Ou porque faltavam ainda outras coisas,
acontecidas em diferentes ocasiões, mas que careciam de formar junto com aquelas, para
o completo. Ou porque, mesmo enquanto estavam acontecendo, a gente sabia que elas
já estavam caminhando, para se acabar, roídas pelas horas, desmanchadas...” (Pg. 227-
228)
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Em uma comparação sobre a morte desses pássaros nesses contos, pode-se
afirmar que no caso de Minsk, a morte do periquito representa um encerramento, o fim da
compreensão. Ao passo que em As Margens da Alegria, a morte do peru é um início, o
começo de uma visão de mundo, ciente das adversidades e da necessidade da poesia. A
própria forma que se dá essas mortes é esclarecedora nesse sentido. No conto de
Guimarães Rosa, o peru é sacrificado para o aniversário do doutor, um representante da
cidade, espaço que se constrói pela destruição da natureza. Nessa morte já está presente
o conflito entre:
− urbano X sertão
− razão X emoção
− adulto X criança