Sie sind auf Seite 1von 66

CULTURA AFRO-BRASILEIRA

EQUIPE DE ELABORAÇÃO

Direção Geral Prof. Ms. Hércules Pereira

Coordenação Pedagógica Prof. Ms. Luiz Annunziata


Diretoria Acadêmica

Coordenação Editorial Leeladhar


Diretoria de Marketing

Organização/Revisão Prof.a Celene Couto

Projeto Gráfico/Editorial Carla Salgado


Igor Lessa
Marcos Mello
Rosane Furtado
Wallace Lírio
Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento Institucional

Revisão Ortográfica Penha Faria

© 2008 Todos os direitos reservados


Av. Geremário Dantas, 1286 - Freguesia - Jacarepaguá
CEP: 22760-401 - Rio de Janeiro - RJ
INSTITUTO DE GESTÃO EDUCACIONAL SIGNORELLI
www.signorelli.srv.br

Cultura Afro-Brasileira 3
Cultura Afro-Brasileira

APRESENTAÇÃO

Prezado Cursista,
O guia de estudo que você recebeu foi formulado a partir de uma bibliografia
especializada sobre o tema, com o objetivo de orientar suas pesquisas, análises e
reflexões, bem como facilitar a fixação dos conteúdos propostos. Desse modo, a
metodologia empregada priorizou o estudo de casos como forma de aprendizagem,
na qual são apresentadas ao aluno algumas situações problematizando diversos
assuntos abordados, ao final de cada unidade, objetivando sua compreensão,
análise e solução. Tal abordagem faz com que o estudante avalie criticamente os
conteúdos enfocados, desenvolvendo habilidades necessárias ao bom desempenho
do profissional no mundo atual. Além disso, para contribuir ainda mais com seu
auto-estudo, são indicados sites para pesquisa e leituras complementares, bem
como propostas atividades práticas ao final de cada unidade, não sendo necessária
a correção do professor.
A disciplina é oferecida sob a forma de educação a distância, privilegiando o
auto-estudo e sendo mediado por material didático e apoio da Orientação Acadê-
mica a distância, com encontros e avaliações presenciais.
A metodologia do trabalho combina atividades teóricas e práticas com o
objetivo de possibilitar aos participantes articularem momentos de reflexão com
momentos de aplicação dos conhecimentos adquiridos à realidade. As técnicas
adotadas obedecem a uma seqüência de atividades na qual as análises sobre fato-
res, que contribuem ou dificultem a integração dos programas de EAD, resultem
na discussão e participação de todos.
A organização dos módulos define um núcleo temático consistente e atual,
diversificando as perspectivas de pesquisa e de análise históricas, sociológicas,
filosóficas, pedagógicas e éticas, tendo em vistas questões que a LDB, Lei 9394/96,
propõe, principalmente no seu Art. 64 sobre a formação de profissionais de edu-
cação.
Ao final do curso, você estará apto a realizar uma avaliação presencial como
parte do processo de avaliação global da disciplina.
Lembre-se que o serviço de Orientação Acadêmica está disponível para solu-
cionar possíveis dúvidas no decorrer de seus estudos.

PRODUÇÃO
4
Cultura Afro-Brasileira

SUMÁRIO

UNIDADE I
7 Conceitos sobre cultura

UNIDADE II
15 Manifestações Culturais I

27 UNIDADE III
Manifestações Culturais II

46 UNIDADE IV
Manifestações Culturais III

63 CONSIDERAÇÕES FINAIS

64 REFERÊNCIAS

PRODUÇÃO
5
Cultura Afro-Brasileira

APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

O oferecimento da disciplina Cultura Afro-Brasileira tem como macro-


objetivo proporcionar uma ampla e diversificada discussão acerca de al-
guns elementos da vivência histórica que se fazem presentes nas diversas
manifestações sócio, artístico e culturais no Brasil, procurando apontar as
marcas dessa miscigenação cultural afro-brasileira, sua preservação e difu-
são, conforme preconiza a Lei federal 10.639/2003, de 09 de janeiro de 2003,
que alterou as diretrizes e bases da educação (LDB), tornando obrigatório
o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no Ensino Fundamental e
Médio em todos os sistemas de ensino.
Para cumprirmos esse macro-objetivo a que nos propomos, precisamos
reconsiderar a importância do legado sócio-cultural africano para a Histó-
ria da Humanidade e, especificamente, para a História do Brasil, a fim de
exterminar preconceitos perenes e romper com mitos denegridores acerca
da passividade africana no período escravocrata, repetidos como verdade
absoluta até hoje.
A África, terra-mãe de tantas nacionalidades que convivem no berço da
constituição dos novos-mundos,inclusive do Brasil, no seio das Américas,
tem inquestionável importância para a compreensão do processo evolutivo
da humanidade. Atualmente, somos testemunha da reversão de valores
ultrapassados, como resultado de um movimento sócio-cultural que reco-
nhece e prestigia a herança negra na construção do cidadão brasileiro, na
constituição de uma afro-descendência, tendo alcançado, neste século XXI,
o apoio de forças políticas e governamentais, através de Leis que acabarão,
mais cedo ou mais tarde, por resgatar e dar visibilidade à História e à Cul-
tura africanas no Brasil e, por extensão, no mundo contemporâneo.
A expressão sócio-cultural afro-descendente constitui-se de códigos
de comportamento ideológicos, éticos, sociais, culturais, religiosos e esté-
ticos que, indiscutivelmente, fazem parte do pensamento formador e da
expressão identitária brasileiros. Uma revisitação às origens históricas e
a apreciação e o reconhecimento desses códigos formadores permitirão a
melhor compreensão e valorização da História nacional brasileira.

PRODUÇÃO
6
UNIDADE I
CONCEITOS SOBRE CULTURA

N esta Unidade, apresentaremos os aspectos a serem tratados ao longo


desta apostila de Cultura Afro-Brasileira, que versam sobre Cultura, em
sentido lato, sobre a vinda dos negros africanos para o Brasil, sobre a es-
cravidão e os primeiros momentos de convivência; sobre a construção de
uma Cultura Afro-Brasileira, a fim de, na Unidade seguinte, Manifesta-
ções Culturais, tratar, isoladamente, de diferentes manifestações culturais
brasileiras - Religião, Língua, Música, Dança, Culinária, Cinema, Teatro,
Televisão, Artes plásticas e artesanato -, na expectativa de destacar-lhes
marcas e traços identitários que as definam como expressões da Cultura
Afro-Brasileira, produto miscigenado de diferentes raças: a negro-africana,
a branco-européia e a indígena.

Cultura Afro-Brasileira 7
Cultura Afro-Brasileira

1.1 - Cultura diversidades culturais em um mesmo ambien-


te físico, em função de diferentes processos
Antes de tudo, vamos partir da perspec- de educação sócio-cultural, considerando-se
tiva de que Cultura é uma questão própria da os diferentes grupos étnicos que convivam
Antropologia (ciência que se ocupa do homem) no mesmo habitat.
ou, mais especificamente, numa expressão re- A Cultura deve ser vista como todo e qual-
dundante, da Antropologia Cultural (ciência quer comportamento aprendido pelo homem,
que se ocupa da cultura na construção histó- em convívio social, aquilo que independe de
rica do homem). uma transmissão genética. Assim, a Cultura
Desde a Antigüidade, desde os tempos pode ser objeto de estudo sistemático, pois
mais remotos, antes mesmo da contagem dos se trata de um fenômeno que possui causas e
anos no tempo cristão, os homens se preo- regularidades, permitindo um estudo objetivo
cupavam com a diversidade de modos de e uma análise capazes de 4 proporcionar a
comportamento existentes entre os diferentes formulação de leis sobre o processo cultural,
povos que se conheciam. Assim, para respon- ainda que, factualmente, as questões culturais
der a essa preocupação, surgiram inúmeras sejam mecanismos evolutivos e transbordantes
tentativas de explicar tais diferenças a partir, em relação a quaisquer conceitos estáticos.
primeiramente, das variações dos ambientes A Cultura, como a estamos pensando
físicos habitados pelos povos. nesse momento, surgiu quando o homem con-
Contudo, as diferenças de comportamento vencionou uma primeira regra, uma primeira
entre os homens, as diferenças entre seu modo norma em suas interrelações quotidianas.
de ser e de agir, não se podem apenas explicar Para o filósofo francês Lévi-Strauss, essa
pelas diversidades físicas, diversidades que primeira imposição à convivência sócio-cultu-
digam respeito ao corpo físico, ou a partir de ral do homem gregário teria sido a proibição
suas relações com o meio ambiente, de sua do incesto, padrão de comportamento comum
interação com o espaço físico em que vivem. a todas as sociedades humanas de que se tem
Tanto o determinismo geográfico quanto o notícia.
determinismo biológico não são suficientes Em seu processo evolutivo, em suas for-
para dar conta das diferenças entre os homens, mações comunitárias, o homem percorreu
entre os povos, entre as Culturas. gradativos caminhos, até se formarem os
O comportamento dos indivíduos e, por grupos étnicos originários. O conhecimento
extensão, das nações que eles, em grupo, científico a que se chegou neste século XXI
constituem, depende de um aprendizado, de permite afirmar que o salto da Natureza para
um processo de formação cultural interior à a Cultura foi contínuo e incrivelmente lento.
comunidade. Meninos agem diferentemente Em outras palavras, a Cultura desenvolveu-se
de meninas não somente em função de seus simultaneamente com o equipamento fisioló-
hormônios, mas também, e sobretudo, em gico do homem, ou seja, sua evolução genética
decorrência de uma educação diferenciada foi combinada entre os aspectos físicos e os
que recebem. É possível e comum existirem psico-intelectivos.
PRODUÇÃO
8
Cultura Afro-Brasileira

Os diferentes comportamentos sociais dos dos como escravos para uma terra estranha,
diferentes povos são produtos de uma herança habitada por pessoas de aspecto físico, de
cultural adquirida em convivência gregária, costumes e de línguas diferentes do referencial
ou seja, são o resultado da operação de uma que traziam, perdem toda a motivação para
determinada Cultura sobre o homem. Todos os continuar vivos. Isso explica, de certo modo,
homens são dotados do mesmo equipamento por que muitos escravos praticaram suicídio,
anatômico, dos mesmos organismos físicos enquanto outros morreram de saudade ou
naturais, mas a sua utilização, ao invés de ser “banzo” (termo que se refere especificamente
determinada prévia e geneticamente, depende à nostalgia que os negos africanos têm - ou ti-
de um aprendizado, que consiste na reprodu- veram - da África-mãe distante, da qual foram
ção de padrões comunitários que fazem parte retirados à força).
da herança cultural do grupo. A Cultura, com sua inegável importância
O fato de o homem ver o mundo através na formação e preservação dos indivíduos e
de sua Cultura, distinta de outras, diferentes, dos grupos, pode - e, de fato, pôde no nosso
conforme cada grupamento, pode levá-lo a passado -, até mesmo, decidir sobre a vida e
considerar o seu modo de ser e de ver(-se no a morte dos membros de um dado grupo,
mundo) como o mais correto e o mais natural. como aconteceu durante o longo e desastroso
Tal tendência, denominada etnocentrismo (ter período escravocrata luso-brasileiro, quando
a si, enquanto Homem, como centro de tudo), os porões dos navios negreiros singravam o
é responsável, em seus casos extremos e mui- Oceano Atlântico desde a costa africana até os
tíssimo comuns, pela ocorrência de numerosos portos brasileiros, abarrotados de mercadoria
conflitos sociais, pois os comportamentos et- humana. Muitos negros morriam na travessia
nocêntricos resultam em apreciações negativas e eram jogados ao mar com o desprezo da
dos padrões culturais de povos diferentes. Des- Cultura branco-européia etnocêntrica, muitos
se modo, práticas de outros sistemas culturais morriam ao chegar, muitos ainda
podem ser vistas como absurdas, agressivas, morriam nos primeiros contatos com a
ilegais, deprimentes ou imorais, dependendo nova terra e a nova gente. Dos que resistiam à
dos padrões sócio-culturais de quem as vê e viagem e aos primeiros contatos, ainda muitos
pensa. acabavam morrendo. Mas, com aqueles que
Numa dada situação de crise, os membros permaneceram vivos, a Cultura transporta-
de uma determinada Cultura abandonam a da imperceptivelmente nos porões das galés
crença nos valores de sua própria sociedade, de também mantinha-se viva, amalgamava-se às
sua marca identitária própria, e, conseqüente- Culturas locais - do branco europeu e do índio
mente, perdem a motivação que os mantinham da terra brasileira - e seguia, num percurso
unidos e vivos. Como exemplo claro e presente de séculos à frente, constituindo uma nova
disso, tem-se o caso dos negros africanos que, e plural Cultura: afro-brasileira - ou afro-
ao serem removidos violentamente de seu descendente.
continente - ou seja, de seu ecossistema e de
seu contexto cultural naturais - e transporta-
PRODUÇÃO
9
Cultura Afro-Brasileira

1.2 - A vinda dos negros africanos para o curvar-se ás doutrinas religiosas dos brancos
Brasil europeus.
Conforme observa Marco Aurélio Luz
A presença de negros africanos no Brasil (LUZ, 2000), tratando da relação entre a África
é conseqüência direta do tráfico de escravos pré-colonial e a continuidade transatlântica
que foram trazidos de diferentes regiões da dos princípios e valores na harmonia social,
África - da costa ocidental, entre Senegâmbia houve “uma linha de continuidade ininter-
e Angola, da costa oriental de Moçambique e rupta de determinados princípios e valores
da ilha de São Lourenço, nome dado na época transcendentes” (LUZ, 2000, P. 31) que engen-
a Madagascar - para os diferentes países das draram e estruturaram novas identidades e
Américas e das Antilhas. relações sociais.
Reuniram-se, no Brasil, negros africanos As lutas, públicas ou secretas, travadas
de etnias diferentes, de nações distintas, que contra a escravidão garantiram espaço para
não falavam a mesma língua e possuíam há- a afirmação da existência do homem negro
bitos de vida e religiões diversos. Tinham em africano nas terras do branco colono/coloni-
comum a infelicidade de estarem, todos eles, zador.
reduzidos à escravidão, longe das sua terra de No Brasil, as marcas da Cultura africana
origem, descolados de sua Cultura própria. se expandiram de tal forma que até hoje se
Já no século XVI, verifica-se a presença vivenciam princípios e valores daquela tra-
de negros bantos na Bahia, que deixariam sua dição civilizatória predadora, num contínuo
influência no vocabulário brasileiro. Pouco de convivências e amálgamas. O substrato
depois, registra-se a chegada de grande con- de construção de uma identidade brasileira
tingente de africanos, proveniente de regiões se nutre, prioritariamente, de traços vivos de
habitadas pelos daomeanos (jejes) e pelos uma cultura afro-descendente, latente no ser
iorubás (nagôs), cujos rituais de adoração aos nacional.
deuses parecem ter servido de modelo às et- Como bem salienta Marco Aurélio Luz,
nias já instaladas anteriormente na Bahia. “o legado dos valores africanos, que permitiu
Os navios negreiros transportaram, por uma continuidade transatlântica, está consubs-
quase quatro séculos, não apenas o contin- tanciado nas instituições religiosas. São dessas
gente de cativos destinados aos trabalhos de instituições que se irradiam os processos cul-
mineração, dos canaviais, das plantações de turais múltiplos que destacam uma identida-
fumo localizados no Brasil e no restante das de nacional.” (LUZ, 2000, p. 32) Isso porque,
Américas, mas também a sua personalidade, “desde a África, a religião ocupa um lugar de
a sua maneira de ser, de ver e de se comportar, irradiação de valores que sedimentam a coesão
as sua crenças: sua Cultura. e a harmonia social, abrangendo, portanto,
E as convicções religiosas dos negros que relações do homem com o mundo natural”.
chegavam eram, entretanto, colocadas a duras (LUZ, 2000, p. 32) E “os principais valores
provas, sendo batizados obrigatoriamente dessas tradições culturais se expressam através
“para a salvação de sua alma” e devendo da linguagem religiosa”. (LUZ,2000, p. 32)
PRODUÇÃO
10
Cultura Afro-Brasileira

Agenor Miranda Rocha (ROCHA, 2000) 1.3 - Cultura Afro-Brasileira


sintetiza bem o que até aqui tentamos destacar
como de relevante importância para o entendi- Aceitando-se que:
mento de uma Cultura Afro-Brasileira: 1º) a Cultura deva ser vista como todo o com-
O tráfico negreiro foi, no período colonial, portamento aprendido pelo homem, em
responsável pela transferência da África para convívio social,
o Brasil de um grande contingente de mão- 2º) os negros africanos trazidos para o Brasil
de-obra escrava. Esse verdadeiro movimento não eram oriundos de uma única mesma
migratório forçado trouxe, como conseqüên- comunidade, portanto, não falavam a mes-
cia, populações de procedências diversas que, ma língua, não tinham os mesmos hábitos
por meio de suas crenças e práticas religiosas, nem as mesmas crenças,
deram origem ao que se convencionou deno- 3º) na construção da Cultura Afro-Brasileira
minar genericamente de religiões africanas intervieram tanto as diferentes etnias
no Brasil. É evidente que esses grupos não negro-africanas, quanto a diversificada
formavam um conjunto único; havia povos de Cultura branco-européia, além das varia-
línguas, costumes e crenças diferentes. das Culturas indígenas autóctones,
Interessa-nos apenas tratar das nações Ao se falar da Cultura Afro-Brasileira,
africanas que foram diretamente responsá- tem-se que considerar uma ampla gama de
veis pela instalação do candomblé no Brasil. elementos que fazem parte de sua identidade,
Por outro lado, o termo candomblé é também dando especial atenção àqueles traços advin-
genérico, pois engloba “nações” diversas, tais dos da diversidade negro-africana.
como Angola, Kêtu, Congo, Jeje, Ijexá, Grunci, Para o africano, como apontou Marco
para citar somente as mais conhecidas. Aurélio Luz, “a religião ocupa(va) um lugar
Muitos africanos e seus descendentes se de irradiação de valores que sedimentam
instalaram e organizaram cultos em outros a coesão e a harmonia social, abrangendo,
estados, além da Bahia e do Rio de Janeiro. portanto, relações do homem com o mundo
Existe presença significativa de culto de origem natural” (LUZ, 2000, p. 32). O negro africano
africana ainda hoje no Maranhão, em Pernam- pautava seu dia-a-dia nos aconselhamentos
buco, em Alagoas, no Espírito Santo e no Rio colhidos em sua prática religiosa quotidiana,
Grande do Sul. e todos os eventos naturais eram nela e por
Cada uma dessas tradições se reporta a ela explicados. Para o negro africano, mais do
uma região da África e identifica práticas e que religião, sua crença era uma filosofia de
crenças religiosas específicas. (ROCHA, 200, vida, que pode, a grosso modo, ser comparada
p. 21) ao cristianismo, ao budismo, ao islamismo,
ao protestantismo, apenas como exemplos
emblemáticos de forma de o homem ser, ver
e estar no mundo.
Essa prática religiosa, não uniforme na
África, trazida para o Brasil nas muitas levas
PRODUÇÃO
11
Cultura Afro-Brasileira

de escravos importados de diferentes pontos, Na Unidade seguinte, Manifestações Cul-


produziu uma heterogenia local rotulada, turais, estudaremos variadas manifestações
genericamente, como bem apontou Agenor culturais brasileiras - Religião, Língua, Música,
Miranda Rocha, de “candomblé” (ROCHA, Dança, Culinária, Cinema, Teatro, Televisão,
200, p. 21). Foi das casas de candomblé, de Artes plásticas e artesanato - na expectativa
seus festejos, de suas relações comunitárias de destacar-lhes marcas e traços identitários
nas grandes “roças-de-santo” que partiram di- que as definam como expressões da Cultura
ferentes focos de manifestação sócio-cultural, Afro-Brasileira, produto miscigenado de di-
aos poucos ganhando independência do culto ferentes raças.
religioso e assumindo papel próprio na cons-
trução da Cultura Afro-Brasileira.
A língua, a música, a dança, a indumen-
tária (vestimentas e adereços), a culinária, a
teatralidade, enfim, modos de ser, ver e viver,
emergiram do espaço sagrado da religião e
tornaram-se, amalgamadas às outras Cultu-
ras da/na terra, no que agora se convenciona
chamar de Cultura Afro-Brasileira.
Chegamos ao final deste Módulo, no
qual apresentamos uma discussão acerca dos
conceitos de Cultura, privilegiando aqueles
que melhor se prestam à nossa proposta de
estudo; destacamos importantes aspectos
sobre a vinda dos negros africanos para o
Brasil, o comércio de escravos, a diversidade
étnica dos negros que vieram, as diferenças
sócio-culturais entre os povos, a escravidão e
os primeiros momentos de convivência; apre-
sentamos nossa visão acerca da construção
de uma Cultura Afro-Brasileira, oriunda da
miscigenação das culturas negro-africanas,
branco-européias e indígenas. Concluímos o
Módulo, admitindo que os traços das culturas
negro-africanas presentes na Cultura Afro-
Brasileira irradiaram-se a partir das práticas
e convivências religiosas, tendo o candomblé,
termo de larga e imprecisa significação - pois
abarca diferenças por vezes irreconciliáveis
- como centro de influências.
PRODUÇÃO
12
Cultura Afro-Brasileira

ATIVIDADES

1- Elabore uma produção textual sobre o conceito de cultura e seus possíveis


vínculos para a formação de uma identidade.

2- Elabore um texto que reflita o que é produção textual

SITES

http://www.apcab.net/

http://www.bibvirt.futuro.usp.br/index.php/especiais/cultura_africana_e_
afro_brasileira

PRODUÇÃO
13
Cultura Afro-Brasileira

METODOLOGIA DE CASOS:
APRENDENDO COM A REALIDADE

1 No dia 5 de maio de 2009, a Fundação Cultural Palmares do Minis-


tério da Cultura (FCP/MinC) divulgou Portaria que registra e certifica
mais 36 comunidades como remanescentes de quilombo, conforme as
declarações de auto-reconhecimento. Qual a importância desse acon-
tecimento pra a manutenção e perpetuação da cultura quilombola?

2 Conhecer o Brasil equivale a conhecer a história e a cultura de cada


um de seus componentes culturais, tentando cercar e captar suas con-
tribuições na sociedade brasileira. Não vejamos melhor caminho para
entender a história social e cultural deste país, a não ser começar pelo
estudo de suas matrizes culturais: indígena, européia, africana e asiá-
tica. Enfatizando a heterogeneidade do espaço. Porém, não é isso que
acontece na história do Brasil até hoje ensinada através da historiografia oficial.
Na maioria dos livros e materiais didáticos que “conhecemos”, as contribuições
dos africanos e seus descendentes brasileiros são geralmente ausentes dos livros
didáticos e quando são presentes são apresentadas de um ponto de vista este-
reotipado e prenconceituoso. Conseqüentemente, os brasileiros de ascendência
africana, contrariamente aos de outras ascendências (européia, árabe, asiática,
judia, etc.) ficam privados da memória de seus ancestrais no sistema do ensino
público oficial, além de acarretar uma baixa auto-estima e a construção de uma
identidade negativa.
Essa situação justifica a lei nº 10.639/3 promulgada pelo Presidente da Re-
pública em 2003, isto é, 115 anos depois da abolição da escravidão no Brasil,
para reparar essa injustiça causada não apenas aos negros, mas também a todos
os brasileiros, tendo em vista que essa história esquecida é um patrimônio de
todos os brasileiros sem discriminação de cor.
Como podemos analisar tal fato? É possível desenvolver um estudo sobre
a formação da cultura brasileira sem discutir esses aspectos?

PRODUÇÃO
14
UNIDADE II
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS I

N a Unidade anterior, Introdução, apresentamos uma discussão acerca


dos conceitos de Cultura, privilegiando aqueles que melhor se prestam à
nossa proposta de estudo; destacamos importantes aspectos sobre a vinda
dos negros africanos para o Brasil, o comércio de escravos, a diversidade
étnica dos negros que vieram, as diferenças sócio-culturais entre os po-
vos, a escravidão e os primeiros momentos de convivência; apresentamos
nossa visão acerca da construção de uma Cultura Afro-Brasileira, oriunda
damiscigenação das culturas negro-africanas, branco-européias e indíge-
nas. Concluímos a Unidade, admitindo que os traços das culturas negro-
africanas presentes na Cultura Afro-Brasileira irradiaram-se a partir das
práticas e convivências religiosas, tendo o candomblé, termo de larga e
imprecisa significação - pois abarca diferenças por vezes irreconciliáveis -
como centro de influências.

Cultura Afro-Brasileira 15
Cultura Afro-Brasileira

Nesta Unidade, Manifestações Culturais, e estar no mundo, em relação com as crenças


estudaremos variadas manifestações cultu- e os valores religiosos de uma gama diversifi-
rais brasileiras - Religião, Língua, Música, cada de povos africanos).
Dança, Culinária, Cinema, Teatro, Televisão, Conforme o mesmo adepto e estudioso
Artes plásticas e artesanato - na expectativa do candomblé, “do `Engenho Velho’ surgiram,
de destacar-lhes marcas e traços identitários devido a cisões internas, duas outras casas
que as definam como expressões da Cultu- que vieram a se tornar muito conhecidas: o
ra Afro-Brasileira, produto miscigenado de `Gantois’ e o `Axé Opô Afonja.” (ROCHA,
diferentes raças, a fim de que, no Módulo 2000, p. 23) Ainda conforme ele, “além dessas
seguinte, Considerações Finais, possamos quatro casas, existiram outros axés de Kêtu
concluir apresentando um quadro ilustrativo e também de outras nações que não podem
da Cultura Afro-Brasileira, tanto numa visão ser esquecidos, entre as quais o Ilê Ogunjá.”
sincrônica quanto numa visão diacrônica, que (ROCHA, 2000, p. 23)
justifiquem o estudo empreendido. Falar em Cultura baiana é, por imposição
natural, falar em Cultura Afro-Brasileira, a
2.1 - Religião Cultura do pelourinho - onde escravos, inclusi-
ve e principalmente por perseguição religiosa,
Agenor Miranda Rocha apontava, em eram castigados, muitas vezes até a morte -,
2000, que existem ainda hoje, na Bahia, terrei- falar dos oloduns - ritmo originário do batu-
ros fundados no século XIX, ou mesmo antes que nagô -, falar dos acarajés - talvez o mais
disso. prestigiado prato da cozinha afro-brasileira,
Dentre os mais antigos estão, pelo menos, trazido para o Brasil no conjunto das oferen-
duas casas de origem Kêtu: o Ilê Iyá Nassô das religiosas, sendo uma especiaria para o
(conhecido como “Casa Branca do Engenho orixá Oyá ou Iansã -, falar dos candomblés
Velho”) e o Ilê Mariolaje (mais conhecido como das ladeiras, das grandes festas do Senhor do
Alaketu). (ROCHA, 2000, p. 22)
Bonfim, ou de Nossa Senhora dos Navegantes,
Professor ou Pai Agenor, como costumava
com baianas a caráter, atabaques e águas-de-
ser carinhosamente chamado por seguidores,
cheiro, ou de saudosa Mãe Menininha, entoada
amigos e intelectuais, lembra que o “Engenho
nos cânticos de Maria Bethânia, Gal Costa,
Velho” teria sido fundado, no início do século
Caetano Velloso.
XIX, por “três mulheres, escravas libertadas
de muito valor e conhecimento, vinculadas à Não há como falar de aspectos da Cultura
Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, baiana sem fazer menção direta ou indireta às
da qual fazia parte a elite dos negros baianos.” tradições originárias das religiões africanas,
(ROCHA, 2000, p. 22) Desde logo, vemos, nas ordenadas no Brasil sob a égide do candom-
informações aqui prestadas, a miscigenação blé. As roupas e as indumentárias sintetizam
religiosa, realçando a convivência das filosofias esse elo incorruptível: são as “baianas” - saias
cristã e candomblecista (o termo aqui está sen- rodadas e armadas por anáguas de goma -, são
do empregado na acepção de grande conjunto os panos-da-costa - peça habitual do vestuário
heterogêneo de procedimentos e modos de ser feminino baiano -, os panos-de-cabeça - que
PRODUÇÃO
16
Cultura Afro-Brasileira

andam nas ruas como adereços, protetores do centrais da cidade, na Praça Onze, emanado
sol, complementos -, os abadas dos oloduns nos entornos das primeiras casas de candom-
- vestimenta africana comum nos cultos. A blé: Santo Cristo, Gamboa, Saúde. Obriga falar
Bahia inspira e transpira candomblé. do samba de terreiro, dos terreiros de samba
É novamente Agenor Miranda Rocha e dos terreiros de candomblé. Do samba de
quem destaca a implantação e a expansão dos roda, sempre presente ao final das grandes
candomblés no Rio de Janeiro: festas de santo no Rio de Janeiro. Do jongo e do
Ao longo da segunda metade do século maculelê, igualmente evocados nos momentos
XIX concentraram-se na cidade do Rio de Ja- de diversão dentro das roças-de-santo. Hoje,
neiro, em número significativo, negros baianos falar da Cultura do Rio de Janeiro obriga falar
que constituíam um grupo à parte na massa de do afoxé Filhos de Ghandi, com seus cânticos
ex-escravos e seus descendentes, que, na vira- africanos; das procissões em homenagem a
da do século, estavam dispersos pela cidade, Iemanjá, tanto no centro da cidade quanto no
cm ocupações variadas. A maioria deles vivia bairro de Sepetiba, com cortejo marítimo in-
nos bairros centrais da cidade: Saúde, Gamboa clusive; das oferendas e fim-de-ano nas praias,
e Santo Cristo (ROCHA, 2000, p. 23) inclusive na zona sul; das procissões de São
As casas surgidas no Rio de Janeiro “se- Jorge, sincretizando e sincretizado. Falar do
guiram uma ordem que remonta (...) às quatro monumento a Zumbi e seu culto. Dos acarajés
primeiras casas.” (ROCHA, 2000, p. 24) da Lapa, os antigos acarajés da Praça XV, e das
O adepto e estudioso afirma que as dé- baianas com seus tabuleiros cheios de quitutes,
cadas de 50/60 [do século passado] podem no saudoso “Tabuleiro da Baiana”, próximo ao
ser consideradas como os “anos de ouro” do largo da Carioca, imortalizado nos versos de
candomblé no Rio de Janeiro. Esse período é Ary Barroso.
sempre lembrado não apenas nas casas de Kêtu
mas em todas as tradições então instaladas na No tabuleiro da baiana
cidade. Com as roças estruturadas, muitas fes-
tas tornaram-se famosas. Um grande público, No tabuleiro da baiana tem
proveniente dos bairros de classe média e alta Vatapá, caruru, mungunzá, tem umbu
da cidade, freqüentava os subúrbios por oca- Pra Ioiô
sião dessas festas. As casas mais concorridas Se eu pedir você me dá
eram o Bate-folha, em Anchieta (nação Con- O seu coração, seu amor
go...), o Axé Opô Afonjá, em Coelho da Rocha De Iaiá
(nação Kêtu...), e principalmente a casa do mais
famoso pai-de-santo da cidade: Joãozinho da No coração da baiana também tem
Goméia, o chamado “rei do candomblé”, Ca- Sedução, canjerê, candomblé, ilusão
xias. (ROCHA, 2000, p. 26) Pra você
Falar da Cultura do Rio de Janeiro obriga, Juro por Deus, pelo Senhor do Bonfim
naturalmente, falar de samba, do samba nas-
cido no pé dos morros, difundido nas áreas
PRODUÇÃO
17
Cultura Afro-Brasileira

Quero você baianinha inteirinha pra mim tivando evangelizar os negros africanos e os
Mas depois, o que será de nós dois índios escravizados, registram-se as primeiras
Seu amor é tão cruel, enganador miscigenações da cultura negro-africana com
a cultura branco-européia. A fim de garantir
Tudo já fiz, fui até um canjerê proteção oficial, os escravos, tantos os índios
Pra ser feliz, meus trapinhos juntar com você da terra quanto os negros africanos, orienta-
Mas depois, vai ser mais uma ilusão dos pelos jesuítas, optaram por colocar, em
No amor quem governa é o coração. seus altares de veneração religiosa, imagens
(Ary Barroso) e ícones católicos, na expectativa de que os
colonos/colonizadores, imaginando sua con-
O contato, no Brasil, da filosofia religiosa versão à filosofia cristã, pusessem fim aos
do negro africano - o candomblé - com a filoso- castigos. Como os negros africanos, bem como
fia religiosa do branco europeu - o cristianismo os índios da terra, pertenciam a várias tribos/
- rendeu várias outras religiões espíritas que, etnias, com hábitos, crenças e rituais diferen-
com certa precisão nomenclatural, devemos tes, surgiram diversas facetas simultâneas da
chamar de afro-descendentes. manifestação religiosa, originando, assim, uma
Sob a designação genérica de “umbanda”, extensa gama de sincretismos religiosos afro-
reúnem-se diferentes manifestações religiosas descendentes no Brasil.
nacionais influenciadas pelos cultos afro-
brasileiros.
O sincretismo na umbanda remonta ao
tempo da escravatura no Brasil. Os negros
africanos queriam manter suas raízes reli-
giosas, seus costumes e tradições, enfim, sua
cultura, trazida nos porões dos navios negrei-
ros. Mas eles eram cerceados pelos colonos/
colonizadores, que não aprovavam qualquer
manifestação tradicional e religiosa africanas
em suas senzalas. Sofriam severas punições
com o objetivo de os desencorajar das práticas
e dos rituais recebidos de seus ancestrais nas
terras da África-mãe, de onde tinham sido
trazidos à força, em péssimas condições, para
serem vendidos como escravos e submetidos
a todo tipo de submissão e agressão aqui no
Brasil.
Em 1547, instala-se, no país, a Companhia
de Jesus, sob o comando dos padres jesuítas
Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, obje-
PRODUÇÃO
18
Cultura Afro-Brasileira

Um quadro apenas ilustrativo, e não definitivo, desses sincretismos, objeto sempre que será
de questionamentos e críticas, em função mesmo da heterogenia dessa miscigenação, deixando
de lado muitas das divindades africanas ainda hoje presentes nos cultos afro-brasileiros, pode
ser assim resumido:

SINCRETISMOS
ENTIDADES DOS CULTOS AFRICANOS
NACIONAIS
BANTO
(designação genérica REPRESENTAÇÕES DO IMA-
“UMBANDA” (designação
KÊTU das GINÁRIO DIVINO CATÓLICO-
genérica do Omolocô)
línguas nacionais ango- CRISTÃO
lanas)
Olodumare,
Zâmbi Nzambi ou Zambiapongo Deus
Olorun
Lembá Menino Jesus de Praga, Jesus
Oxalá Oxalá
ou Lembaranganga Cristo, e Senhor do Bonfim
Nossa Senhora da Conceição,
Oxum Oxun Dandalunda
Santa Luzia
Nossa Senhora da Glória, Nossa
Iemanjá Iemanjá Kaiala ou Kaiá
Senhora dos Navegantes
Santa Bárbara e Santa Joana
Iansã Oya, Iansã Kaiango ou Kaiangu
D’Arc
Senhora Santana, Santa Teresi-
Nanã Nanã Zumbá ou Zumbarandá
nha e Santa Edwiges
São Jorge, no Rio de Janeiro, e
Ogum Ogun Nkosi
São Sebastião, na Bahia
São Sebastião, no Rio de Janeiro,
Oxóssi Oxóssi Ngunzu,
e São Jorge, na Bahia
Ibeji - Ibejada Ibeji Vunji São Cosme e São Damião
Osanyin Katende
Oxumarê Hangolô São Bartolomeu
São João Batista, São Pedro, São
Xangô Xangô Zazi
Jerônimo
Omolu, Omolu,
Kavungu São Lázaro, São Roque
Obaluaiê Obaluaiye
Exu Exu Pambunjila (masculino) O diabo cristão
Pombagira Exu Mujilu (feminino) O diabo cristão, visto no feminino

PRODUÇÃO
19
Cultura Afro-Brasileira

PROPOSTA DE ATIVIDADE:
Pesquisar a diversidade das crenças e das representações divinas das diferentes tribos indígenas brasileiras,
procurando estabelecer comparações entre elas e tanto com as crenças e representações divinas das di-
ferentes etnias negro-africanas trazidas para o Brasil quanto com a crença e as representações divinas do
cristianismo, especial do catolicismo, construindo um quadro de aproximações, a partir das semelhanças, e
de distanciamentos, a partir das diferenças entre essas crenças e suas respectivas representações divinas.
A pesquisa pode ser realizada com o apoio de livros de história e de folclore, dicionários, enciclopédias e com
as ferramentas da internet, dependo dos suportes disponíveis em cada região. É importante diversificar as
fontes de pesquisa e manter uma visão crítica diante do material pesquisado, livre de preconceitos éticos,
morais e religiosos, para que se tenha um produto final confiável e aceito por todos.

2.2 - Língua

A língua portuguesa, não só pela pre- Mungunzá - subst. masc. Iguaria preparada
sença dos escravos africanos no Brasil, senão com grãos de milho cozidos
com água, leite de coco ou de
que também pelo colonialismo português na vaca, e temperada com sal e
África - Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, açúcar; canjica. (Origem banto)
São-Tomé-e-Príncipe, Cabo verde - sofreu Umbu - subst. masc. Fruto da umbula,
fortes influências das línguas africanas, par- árvore de Caconda, região de
Angola. (Origem
ticularmente do banto, falado nas regiões do banto)
país angolano.
Ioiô - subst. masc. Fruto da umbula,
A letra de Ary Barroso - “No tabuleiro da árvore de Caconda, região de
baiana” - incorpora, advindos principalmente Angola. (Origem banto)
da culinária, com fortes raízes nos cultos reli-
Iaiá - subst. fem. Tratamento que, no
giosos afro-brasileiros, vocábulos de origem
Brasil, os escravos davam
banto, iorubá ou corruptelas da própria língua antigamente às suas senhoras.
portuguesa empregadas pelos negros escravos, (Corruptela do português “se-
nhora”, repetido.)
presentes no vernáculo nacional, com maiores
Canjerê - subst. masc. Reunião de pessoas
incidências na Bahia e no Rio de Janeiro. Disso
para a prática de feitiçarias;
são exemplo: feitiço, mandinga; cerimônias
religiosas africanas; dança
profana dos negros; iguaria
Vatapá - subst. masc. Iguaria que consis- preparada com camarão seco,
te em uma papa rala de fubá amendoim e castanha. (origem
de arroz ou de miolo de pão africana controvertida)
dormido, adubada com azeite-
de-dendê e pimenta, misturado Candomblé - subst. masc. Festas ritualísticas
tudo com carne ou peixe. (Ori- das seitas africanas no Brasil,
gem iorubá) mantidas pelos descendentes,
equivalente à macumba. (ori-
Caruru - subst. masc. Guisado de ervas e gem africana controvertida)
quiabo, a que se juntam cama-
rões, peixe etc., temperado
com azeite-de-dendê e pimenta.
(Origem iorubá)

PRODUÇÃO
20
Cultura Afro-Brasileira

Em geral, o português falado no Brasil se perceba sua origem transatlântica: “samba”,


acabou incorporando inúmeras palavras de “cachaça”, “dendê”, “fuxico”, “berimbau”,
origem africana. Tal fenômeno se deu devido à “quitute”, cuíca”, “cangaço”, “quiabo”, “sen-
forte e numerosa presença de negros africanos, zala”, “batucada”, “zabumba”, “bafafá” e
trazidos no período colonial como mão-de- “axé”.
obra escrava, empregue principalmente nas Mesmo em cenário opressor, desigual,
lavouras. Os africanos trouxeram consigo sua recheado de focos de resistência, de lutas arma-
cultura, que inclui sua língua, suas crenças e das e rebeliões, o negro conseguiu perpetuar
conseqüentemente sua religião, suas comidas, sua cultura. Provas disso estão na culinária
sua música, sua indumentária, seu modo de brasileira, no sincretismo, na dança, na música
ver a vida e muitos dos seus mitos e lendas. e nos costumes, entre tantos outros aspectos
Os povos bantos, que habitavam o litoral culturais nem sempre visíveis e identificáveis
da África, falavam diferentes línguas - quicon- enquanto produto dessa miscigenação. O
go, quimbundo, umbundo. Muitos vocábulos músico, compositor e pesquisador da cultura
que usamos têm origem nesses idiomas na- afro, Nei Lopes, estima que, atualmente, haja
cionais africanos. Por exemplos: “Bagunça”, cerca de doze mil palavras de origem africana
“curinga”, “moleque”, “dengo”, “gangorra”, em uso efetivo na língua portuguesa.
“cachimbo”, “fubá”, “macaco”, “quitanda”.
Outros povos africanos, os jejes e os nagôs,
que falavam o fon e o iorubá, por exemplo, PROPOSTA DE ATIVIDADE
participaram igualmente desse enriquecimen- Pesquisar a significação, a origem (eti-
to lingüístico miscigenado de que a língua mologia) e a evolução lingüística dos termos
portuguesa é hoje produto vivo. Palavras como apresentados a seguir, procurando explicar
“acarajé”, “(a)gogó”, “jabá” incorporaram-se seu uso e emprego em situações concretas do
no nosso vocabulário, na nossa cultura. Em dia-a-dia, e enriquecer, ampliando, a listagem,
geral, são nomes ligados à religião, à culiná- com a incorporação de novos termos de origem
ria, à família, a brincadeiras, à música e à vida africana, presentes na língua portuguesa, que
cotidiana como um todo. você vá descobrindo. É importante identificar,
A língua banta teria uma estrutura se- sempre que possível, a origem étnico-lingü-
melhante à do português, com o emprego ística dos termos, considerando-se as várias
excessivo de vogais e a ocorrência de sílabas e diferentes línguas africanas vindas para o
nasais e abertas, e isso teria facilitado bastante Brasil junto à diversidade étnica dos negros
a integração entre as duas línguas em uso no importados à força para o trabalho escravo.
Brasil, o que justifica os termos de origem A pesquisa deve ser realizada em diferen-
banto serem mais comuns no uso quotidiano, tes dicionários, preferencialmente brasileiros
mesmo fora dos ritos religiosos, sem que se dê e portugueses, e com o apoio de ferramentas
conta da presença significativa deles. da internet, dependo dos suportes disponíveis
É fato indiscutível que se falam tantas pa- em cada região. É importante diversificar as
lavras de origem africana no Brasil, sem que
PRODUÇÃO
21
Cultura Afro-Brasileira

fontes de pesquisa e manter uma visão crítica C


diante do material pesquisado, livre de pre-
conceitos éticos, morais e religiosos, para que cachaça :aguardente
se tenha um produto final confiável e aceito cachimbo: aparelho para fumar
por todos. cacimba: cova que recolhe água de terrenos
Lista parcial de palavras da língua portu- pantanosos
guesa que têm origem africana ou no uso dos Caculé: cidade da Bahia
negros africanos no Brasil: cafife: diz-se de pessoa que dá azar
cafuca: centro; esconderijo
cafua: cova
A
cafuche: irmão do Zumbi
abará: bolinho de massa de feijão fradinho, cafuchi: serra
assado no vapor cafundó: lugar afastado, de acesso difícil
acará ou acarajé: bolinho de feijão frito (feijão cafuné: carinho
fradinho) cafungá: pastor de gado
agogô: instrumento musical constituído por calombo: quisto, doença
uma dupla campânula de ferro, produzindo calumbá: planta
dois sons calundu: mau humor
angu: massa de farinha de trigo ou de man- camundongo: ratinho doméstico
dioca ou arroz Candomblé: religião dos negros iorubás
candonga: intriga, mexerico
canjica: papa de milho verde ralado
B
carimbo: instrumento de borracha
bangüê: padiola de cipós trançados na qual se catimbau: prática de feitiçaria
leva o bagaço da cana catunda: sertão
bangulê: dança de negros ao som da puita, caxambu: grande tambor usado na dança
palma e sapateados. harmônica
banzar: meditar, matutar, pasmar, surpreen- caxumba: doença da glândula falias
der-se cubata: choça de pretos; senzala
banzo: nostalgia mortal dos negros da África cumba: forte, valente
banto: nome do grupo de idiomas africanos
em que a flexão se faz por prefixos D
batuque: dança com sapateados e palmas
banguela: desdentado dendê: fruto do dendezeiro
berimbau: instrumento de percussão com o diamba: maconha
qual se acompanha a capoeira
búzio: concha

PRODUÇÃO
22
Cultura Afro-Brasileira

E M

efó: espécie de guisado de camarões e ervas, macumba: religião afro-brasileira


temperado com azeite de dendê e pimenta máculo: nódoa, mancha
Exu: deus africano de potências contrárias ao malungo: título que os escravos africanos da-
homem
vam aos que tinham vindo no mesmo navio;
irmão de criação
F maracatu: cortejo carnavalesco que segue uma
mulher que num bastão leva uma bonequinha
fubá: farinha de milho
enfeitada, a calunga
marimba: peixe do mar
G marimbondo: o mesmo que vespa
maxixe: fruto verde
guandu: o mesmo que andu (fruto do andu-
zeiro), ou arbusto de flores amarelas, tipo de miçanga: conchas de vidro, variadas e miúdas
feijão comestível milonga: certa música ao som de violão
mandinga: feitiçaria, bruxaria
molambo: pedaço de pano molhado
I
mocambo: habitação muito pobre
inhame: planta medicinal e alimentícia com moleque: negrinho, menino de pouca idade
raiz parecida com o cará muamba: contrabando
Iemanjá: deusa africana, a mãe d’ água dos mucama: escrava negra especial
iorubanos mulunga: árvore
iorubano: habitante ou natural de Ioruba munguzá: iguaria feita de grãos de milho cozi-
(África)
do, em caldo açucarado, às vezes com leite de
coco ou de gado. O mesmo que canjica
J murundu: montanha ou monte; montículo; o
mesmo que montão
jeribata: alcóol; aguardente
mutamba: árvore
jeguedê: dança negra
muxiba: carne magra
jiló: fruto verde de gosto amargo
jongo: o mesmo que samba muxinga: açoite; bordoada
muxongo: beijo; carícia
maassagana: confluência, junção de rios em
L
Angola
libambo: bêbado (pessoas que se alteram por
causa da bebida)
lundu: primitivamente dança africana

PRODUÇÃO
23
Cultura Afro-Brasileira

O T

Ogum ou Ogundelê: Deus das lutas e das tanga: pano que cobre desde o ventre até as
guerras coxas
Orixá: divindade secundário do culto jejêna- tutu: iguaria de carne de porco salgada, toici-
go, medianeira que transmite súplicas dos nho, feijão e farinha de mandioca
devotos suprema divindade desse culto, ídolo
africano U

P urucungo: instrumento musical.

puita: corpo pesado usado nas embarcações V


de pesca em vez fateixa
vatapá: comida
Q
X
quenga: vasilha feita da metade do coco
quiabo: fruto de forma piramidal, verde e xendengue: magro, franzino
peludo
quibebe: papa de abóbora ou de banana
quilombo: valhacouto de escravos fugidos
Z
quibungo: invocado nas cantigas de ninar, o
mesmo que cuca, festa dançante dos negros zambi ou zambeta: cambaio, torto das per-
queimana: iguaria nordestina feita de gerge- nas
lim zumbi: fantasma
quimbebé: bebida de milho fermentado
quimbembe: casa rústica, rancho de palha
quimgombô: quiabo
quitute: comida fina, iguaria delicada
quizília: antipatia ou aborrecimento

samba: dança cantada de origem africana de


compasso binário ( da língua de Luanda, sem-
ba = umbigada)
senzala: alojamento dos escravos
soba: chefe de trigo africana

PRODUÇÃO
24
Cultura Afro-Brasileira

ATIVIDADES

1- Desenvolva um texto apresentando as principais manifestações culturais


de sua região.

2- O processo de nacionalização da língua portuguesa no Brasil relaciona-


se diretamente à discriminação de inúmeras outras línguas indígenas,
africanas, asiáticas e européias. Hoje, é consenso que a política lingüística
não pode se restringir ao idioma oficial, havendo na Constituição de 1988
o reconhecimento da importância da proteção, respeito e preservação das
línguas indígenas e das variadas formas de comunicação e linguagem.
A valorização da diversidade depende do reconhecimento da condição
multilíngüe do Brasil. Em lugar da antiga perspectiva integracionista, os
principais desafios para as políticas de cultura nesse setor são os de mapear,
distinguir e salvaguardar a pluralidade lingüística.

Somente dessa forma será possível garantir o pleno funcionamento dos


sistemas de comunicação e trocas simbólicas, assim como sua relevância
para a cidadania.

Desenvolva um texto que reflita o importância de reconhecer e promover


as condições de produção e fruição das culturas populares.

3- Pesquisar a significação, a origem (etimologia) e a evolução lingüística


dos termos apresentados a seguir, procurando explicar seu uso e emprego
em situações concretas do dia-a-dia, e enriquecer, ampliando, a listagem,
com a incorporação de novos termos deorigem africana, presentes na língua
portuguesa, que você vá descobrindo. É importante identificar, sempre que
possível, a origem étnico-lingüística dos termos, considerando-se as várias
e diferentes línguas africanas vindas para o Brasil junto à diversidade étnica
dos negros importados à força para o trabalho escravo.

SITES

http://www.ibge.gov.br/brasil500/negros/hercultural.html

http://umquetenha.blogspot.com/2009/06/felixfonica-felixfonica-e-as.html

PRODUÇÃO
25
Cultura Afro-Brasileira

METODOLOGIA DE CASOS:
APRENDENDO COM A REALIDADE

1
A cozinha brasileira é formada pelo intercâmbio das práticas culturais de
vários segmentos da população. A formação de pratos como símbolos regionais e
nacionais reforça a dimensão da culinária como representação da diversidade. A
culinária de um país é o registro de sua história e da intensidade das trocas entre
diferentes culturas em um território. Os desafios centrais colocados para as polí-
ticas públicas de cultura são os de registrar e preservar a memória dos costumes
brasileiros, diagnosticar nacionalmente as diversas culinárias existentes, difundir
o conhecimento da culinária nacional e garantir condições de segurança alimentar por
intermédio de uma política de difusão da nossa culinária que garanta a apropriação,
real e simbólica, por parte da população. No caso de uma aldeia indígena como podem
manter e difundir sua cultura tendo por base a difusão de sua culinária?

2 Durante o período da revolução de 30, os próprios núcleos de cultura negra se


movimentaram para ganhar espaço. A criação das escolas de samba no final dos
anos vinte já representara um passo importante nessa direção. Elas, que durante
a República Velha foram sistematicamente afastadas de participação do desfile
oficial do carnaval carioca, dominado pelas grandes sociedades carnavalescas,
terminaram sendo plenamente aceitas posteriormente.
No rastro do samba, a capoeira e as religiões afrobrasileiras também ganharam
terreno. Antes considerada atividade de marginais, a capoeira seria alçada a autênti-
co esporte nacional, para o que muito contribuiu a atuação do baiano Mestre Bimba,
criador da chamada capoeira regional. Tal como os sambistas alojaram o samba em
“escolas”, Bimba abrigaria a capoeira em “academias”, que aos poucos passaram a
ser freqüentadas pelos filhos da classe média baiana, inclusive muitos estudantes
universitários.
Como podemos analisar a elitização do samba na atualidade?

PRODUÇÃO
26
UNIDADE III
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS II

M úsica é abstração cultural, e sua produção e seu entendimento diferem


entre os grupos humanos que a produção e a recebem, apreciando-a. Tom,
escala, ritmo, harmonia têm diferentes significados na teoria musical eu-
ropéia e em outros lugares e condições, em outras culturas.

Cultura Afro-Brasileira 27
Cultura Afro-Brasileira

A música afro-brasileira define-se por sua congadas até o samba, passando pelos afoxés e
tradição oral, ligada a acontecimentos públi- blocos afro. A presença de elementos musicais
cos, com a presença do canto associado aos e religiosos provenientes da África é marcante
movimentos do corpo. Para a musicalidade na nossa história musical, como ainda hoje se
africana, os movimentos do corpo são de suma evidencia nas escolas de samba.
importância, e são os movimentos possíveis O lundu seria, propriamente dito, o pri-
nos instrumentos que geram “tons” e uma meiro gênero musical efetivamente afro-bra-
escala acústica, diferentes da sonoridade da sileiro. A referência mais remota encontrada
música ocidental européia, dando identidade sobre a música lundu está na Viola de Lereno,
à música africana. Assim, na música africana coletânea de composições de Domingos Caldas
ou afro-brasileira, os movimentos do corpo Barbosa, publicada em Portugal em 1798.
humano, criados ou descobertos por cada mú- Composto em compasso binário e na
sico, perante determinado instrumento, cuja maioria das vezes no modo maior, o lundu
forma impõe limitações, resultam na estrutura é uma música alegre e buliçosa, de versos
musical e nos padrões de movimento atingidos satíricos, maliciosos, variando bastante nos
por virtuosismo e técnica. esquemas formais. Muitos de nossos com-
Entre os africanos e no Brasil, verificam-se positores populares do século XIX fizeram
padrões rítmicos semelhantes, como aqueles lundus, pertencendo a esse repertório peças de
executados por um instrumento para orientar grande popularidade como Lá no Largo da Sé
os outros músicos e dançarinos no tempo da (Cândido Inácio da Silva), Lundu da Marrequi-
música, elemento indispensável no ritual do nha (Francisco Manoel da Silva, autor do Hino
candomblé, onde o run, o maior dos três ata- Nacional, e Francisco de Paula Brito), Eu Não
baques que constituem o “terno de atabaques”, Gosto de Outro Amor (Padre Teles) e Onde Vai,
marca a diferenciação dos movimentos físicos Senhor Pereira de Morais (Domingos da Rocha
dos dançantes e, por extensão, das divindades Mussurunga).
incorporadas. Mas o grande nome do lundu só surgiria
Isso aponta, por exemplo, para a origem no final do século XIX na figura do ator, cantor
banto do samba-de-roda, com o qual a Capo- e compositor baiano Xisto Bahia (1841-1894),
eira tem ligações. A Capoeira é uma expressão mais afamado do que Laurindo Rabelo (1826-
da tradição afro-brasileira, baseada em movi- 1864), o Poeta Lagartixa, também cultor do
mentos grupais. Sua prática representa a con- gênero que o antecedeu nas rodas musicais do
jugação de diferentes manifestações culturais Rio de Janeiro. São de Xisto Bahia os lundus
que incluem dança, música, dramatização, O Camaleão, Canto de Sururina, O Homem, O
brincadeira, jogo e espiritualidade. Pescador, A Preta Mina e o célebre Isto É Bom,
Todos participam do jogo da capoeira e música gravada no primeiro disco brasileiro.
cada um é fundamental e único no processo. Com o aparecimento de outros gêneros afro-
As matrizes africanas, que integram a brasileiros mais expressivos, o lundu saiu de
música brasileira, não se reduzem ao jogo moda no começo do século XX.
dos capoeiristas. Delas fazem parte desde as A congada tem origem nos cortejos de “reis
PRODUÇÃO
28
Cultura Afro-Brasileira

do Congo”, (congadas, congados ou cucumbis, cando a origem histórica do termo, os antigos


do quimbundo kikumbi, festa ligada aos ritos afoxés procuravam “encantar” os concorren-
de passagem para a puberdade), que, influen- tes.
ciados pela espetacularidade das procissões Na década de 1980, no bojo do movimento
católicas do Brasil colonial e imperial, consti- pelos direitos dos negros, surgiram, em Salva-
tuíram o esplendor inicial dos maracatus, dos dor os blocos afro, com o objetivo explícito de
ranchos de reis (depois carnavalescos) e das re-africanizar o carnaval. Recorrendo a temas
escolas de samba - que nasceram para legitimar que estabelecem conexões com a África e a
o gênero que lhes forneceu a essência. afirmação da negritude, essas agremiações
O samba, termo de origem duvidosa, criaram uma nova estética e reinventaram as
poderia ter surgido a partir de dois verbos ricas tradições da cultura negra local. Além
do iorubá - san, pagar, e gbà, receber -, ou ter disso, foram responsáveis pela estruturação de
derivado de quiocos (chokwe) de Angola, verbo uma nova linguagem musical, que se expressa
que significa “cabriolar, brincar, divertir-se no estilo conhecido como axé music.
como cabrito”. Entre os bacongos angolanos e Com relação às escolas de samba cario-
congueses o vocábulo designa “uma espécie de cas - cujos terreiros (terreiros, semelhante aos
dança em que um dançarino bate contra o peito terreiros de candomblé, e não “quadras”, como
do outro”. E essas duas formas se originam da hoje) até os anos de 1970 obedeciam a um re-
raiz semba, rejeitar, separar, que deu origem gimento tácito semelhante ao dos barracões
ao quimbundo di-semba, umbigada - elemento de candomblé, com acesso à roda permitido
coreográfico fundamental do samba rural, em somente às mulheres, por exemplo.
seu amplo leque de variantes, que inclui, entre O samba-enredo é uma modalidade de
outras formas, batuque, baiano, coco, calango, samba que consiste em letra e melodia criadas
lundu, jongo etc. A etimologia imprecisa não a partir do resumo do tema elaborado como en-
elimina, contudo, a certeza de que o termo tem redo de uma escola de samba. Entre os enredos
origem africana, seja banto ou iorubá. apresentados pelas escolas de samba cariocas
O afoxé, cordão carnavalesco de adeptos da das várias divisões, a partir de 1948, muitos fa-
tradição dos orixás, e por isso outrora também zem referência mais direta à África, como, por
chamado “candomblé de rua”, apresenta-se exemplo: “Navio negreiro” (Vila Isabel, 1948,
cantando cantigas em iorubá, em geral rela- e Salgueiro, 1957), “Quilombo dos Palmares”
cionadas ao universo do orixá Oxum. Esses (Salgueiro, 1960, Viradouro, 1970, e Unidos de
cânticos são tradicionalmente acompanhados Padre Miguel, 1984), “Chico Rei” (União de
por atabaques do tipo “ilu”, percutidos com Vaz Lobo, 1960, Salgueiro, 1964, e Viradouro,
as mãos, além de agogôs e xequerês, no ritmo 1967), “Ganga Zumba” (Unidos da Tijuca,
conhecido como “ijexá”. A etimologia dos no- 1972), “Valongo” (Salgueiro,1976, e Unidos de
mes dos instrumentos citados remete sempre Padre Miguel, 1988), “Galanga, o Chico Rei”
ao iorubá (ìlu, agogo, sèkérè). Da mesma forma (Unidos de Nilópolis, 1982), “Ganga Zumba,
que o vocábulo “afoxé” se origina em àfose raiz da liberdade” (Engenho da Rainha, 1986).
(encantação; palavra eficaz, operante), justifi- Isso sem falar em outros tantos temas como
PRODUÇÃO
29
Cultura Afro-Brasileira

“Porque Oxalá usa ekodidé”, “Oju Obá”, “Lo- sica refere-se à luta travada por Oxaguiã frente
gun, príncipe de Efan”, “O mito sagrado de à cidade de Elejibô, em busca de conquistar um
Ifé”, “Oxumará, a lenda do arco-íris”, “Alafin reino para si, tornar-se rei, completar o rito de
Oyó”, “Príncipe Obá, rei dos descamisados”, passagem que o leve de menino a homem. Oxa-
“Ngola Djanga”, “De Daomé a São Luiz, a guiã e seus guerreiros lutaram com “atoris”,
pureza mina-jeje”, “Império negro, um sonho longas varas de madeira, e derrotaram seus
de liberdade, “Kizomba, festa da raça”, “Preito inimigos. A festa, após a batalha, foi na flores-
de vassalagem a Olorum” etc. ta, com muito inhame amassado com azeite
Sobre a predominância de temas ligados ou mel. Esse ritual de luta é habitualmente
ao universo iorubano, observe-se que isso lembrado em toda festa religiosa da nação
ocorre pela maior visibilidade que essa matriz Kêtu, referente ao reino “Alaketu”, quando se
tem no Brasil, notadamente através da Bahia entoam os cânticos em homenagem ao Oxalá
e pelo prestígio que conquistaram no Rio de jovem, e há, ainda, no candomblé, uma festa
Janeiro. Entretanto, veja-se que personagens específica, em homenagem a esse orixá, em
como Chico Rei, Ganga Zumba, Zumbi e Rai- que se serve a todos a massa feita de inhame
nha Jinga, pertencentes ao universo banto, são e azeite ou mel.
também bastante freqüentes nos enredos que O nome do próprio orixá, Oxaguiã, sig-
relacionamos. nifica, a grosso modo, “aquele que é come
Há, inegavelmente, um leque de mani- inhame” (iyan). O inhame de que se fala, nesse
festações musicais, mesclando dança e reli- caso, não é o inhame chinês, mas o inhame
giosidade, portanto, plasticidade teatral, de cará, semelhante ao nosso inhame do norte.
origem africana, vindo a constituir o que se
convenciona chamar de música afro-brasileira. Elejibo
Em certos casos, a herança africana aparece Margareth Menezes
apenas no emprego de termos de origem afro; Ele... Ele... Elejibo...
em outros, na referência à cultura africana ori- Elejibo...
ginária, especialmente nas referências religio- Elejibo...
sas; em tantos mais, no emprego de um ritmo
característico; ou, ainda, valendo-se de toda Ele... Ele...
essa sorte de elementos de origem africana,
quando não, de aspectos que, por economia, Ele... Ele... Elejibo...
descuido ou desconhecimento, nem mencio- Elejibo...
namos aqui. Elejibo...
“Elejibo”, de Margareth Menezes, é um
exemplo de música afro-brasileira que mescla Cidade florescente
termos de origem africana, referências a luga- Elejibo...
res e coisas da África e ritmo afro tradicional, Cidade reluzente
o “bravun”, dos cânticos em homenagem ao Elejibo...
orixá Oxaguiã, o Oxalá novo e guerreiro. A mú-
PRODUÇÃO
30
Cultura Afro-Brasileira

Cidade florescente Os guerreiros lutavam entre si


Elejibo... Com golpes de vara
Cidade reluzente Era um ritual
Elejibo... Durante varias horas
Travou-se a batalha entre o bem e o mal
Elejibo... Depois retornaram com um rei
Cidade cantada Para a floresta sagrada
Elejibo... Onde comeram a massa de Inhamy bem
Sua majestade real passada...
Onde será comida por todos os Zeus
Araketu, ritual do candomblé. Negros homens em comunhão com Deus
Se exalta as cidades de Gueto e Sabéh
O menino que trouxe o homem Ele... Ele... Elejibo...
Utilizando seus poderes Elejibo...
Passaram se anos difíceis Elejibo...
Sofreram muitos seres
Ele... Ele...
Os pássaros ficaram sem pasto
A fauna e a flora não brotavam mais Ele... Ele... Elejibo...
Suas mulheres ficaram estéreis Elejibo...
A flor do seu sexo não se abrira jamais... Elejibo...

Ele... Ele... Cidade florescente


Elejibo...
Ele... Ele... Elejibo... Cidade reluzente
Elejibo... Elejibo...
Elejibo...
Cidade florescente
Ele... Ele... Elejibo...
Cidade reluzente
Ele... Ele... Elejibo... Elejibo...
Elejibo...
Elejibo... Os guerreiros lutavam entre si
Com golpes de vara
Cidade florescente Era um ritual
Elejibo... Durante varias horas
Cidade reluzente Travou-se a batalha entre o bem e o mal
Elejibo... Depois retornaram com um rei
Para a floresta sagrada
PRODUÇÃO
31
Cultura Afro-Brasileira

Onde comeram a massa de Inhamy bem mares, “maior ícone da luta negra contra o
passada... escravagismo no Brasil” e “símbolo da resis-
Onde será comida por todos os Zeus tência do negro africano frente à manutenção
Negros homens em comunhão com Deus do regime escravocrata”. Batuque, maracatu
Ele... Ele... e caxambu referem-se a danças típicas de ori-
gem africana, perpetuadas em comunidades
Ele... Ele... Elejibo... afro-descendentes. Nega-mina é uma erva
Elejibo... muito utilizada nos cultos afro-brasileiros e lar-
Elejibo... gamente referida nas tradições do candomblé.
Anastácia simboliza a negra escrava elevada à
Ele... Ele... categoria de “santo”, representante, semelhan-
te a Zumbi, das lutas de resistência do negro.
Ele... Ele... Elejibo... Clementina Jesus foi pagodeira consagrada no
Elejibo... mercado fonográfico. Reza e “ageum” dizem
Elejibo... respeito ao culto dos orixás, onde “ageun”,
termo iorubá, significa comida. Luanda é a
Ele... Ele... capital de Angola, na África. E “apartheid”
refere-se à crise sócio-político-cultural vivida
Cidade florescente pelos negros na África do Sul - então gover-
Elejibo... nada por brancos - onde eram submetidos a
Cidade reluzente políticas segregacionistas discriminatórias.
Elejibo... Nelson Mandela, foi o símbolo sul-africano
de resistência, tendo chegado à presidência do
Ele... Ele... Elejibo... país após o fim do regime opressor.
Elejibo... O samba, em seu sentido mais complexo,
Elejibo... reúne, nos desfiles carnavalescos, canto, letra,
Ele... Ele... dança, indumentárias, adereços, teatralidade
espetacular, e “Kizomba, a festa da raça”, foi,
Ele... Ele... Elejibo... em 1988, em exemplo vivo do esplendor da
Elejibo... Cultura Afro-Brasileira.
Elejibo...
Kizomba, Festa da Raça
No carnaval carioca de 1988, a Escola de Composição:
Samba Vila Isabel conquistou o título com o Rodolpho / Jonas / Luís Carlos da Vila
enredo “Kizomba, a festa da raça”. O samba- Valeu Zumbi
enredo é uma louvação dos povos africanos O grito forte dos Palmares
que compõem a base de construção do ser Que correu terras céus e mares
nacional brasileiro. Influenciando a Abolição
A letras inicia louvando Zumbi dos Pal- Zumbi valeu
PRODUÇÃO
32
Cultura Afro-Brasileira

Hoje a Vila é Kizomba Instrumentos africanos ou afro-brasileiros


É batuque, canto e dança mais comuns:
Jogo e Maracatu
Vem menininha pra dançar o Caxambu Berimbau
Vem menininha pra dançar o Caxambu
Ô ô nega mina O berimbau é um arco musical origina-
Anastácia não se deixou escravizar do de outros arcos de regiões africanas com
ocupação banto. A forma atual e o modo de
Nesse evento que com graça tocar são construções dos afro-descendentes
Gente de todas as raças brasileiros.
Numa mesma emoção O instrumento é composto pela verga de
Esta Kizomba é nossa constituição biriba, corda de aço, cabaça raspada, courão
Esta Kizomba é nossa constituição e caro. O courão impede que a corda rache
Que magia a biriba e o caro é o barbante que ajuda na
Reza ageum e Orixá amarração da corda.
Tem a força da Cultura É tocado com a baqueta e o dobrão (uma
Tem a arte e a bravura peça de metal, antigamente uma moeda), com
E um bom jogo de cintura acompanhamento do caxixi.
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
Caxixi
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua É um pequeno cesto com sementes. Tem,
Nossa sede é nossa sede possivelmente, influências africanas e dos in-
De que o Apartheid se destrua dígenas brasileiros em sua construção.
Vem a Lua de Luanda Usado com o berimbau, dá um segundo
momento no ritmo da baqueta no fio de aço.
Ô ô Clementina
O pagode é o partido popular
Atabaque
Sarcedote ergue a taça
Convocando toda a massa É um tambor de origem afro-brasileira
com uso tradicional em rituais de candomblé,
Para iluminar a rua na capoeira e nas agremiações afro-brasileiras.
Nossa sede é nossa sede Pode ser tocado só com as mãos ou com vari-
De que o Apartheid se destrua nhas, chamadas de “aguidavis”.
Valeu No candomblé, são utilizados três ata-
Valeu Zumbi baques, que compõem o “terno de ataques”,
sendo um menor de todos, chamado de “lé”,
um intermediário, chamado de “pi”e um maior
de todos, chamado de “run”.
PRODUÇÃO
33
Cultura Afro-Brasileira

Agogô A pesquisa deve ser realizada em diferen-


tes dicionários, preferencialmente brasileiros
Instrumento metálico, de uma, duas ou e portugueses, livros de folclore, história
três “bocas”, de origem africana, que tem a cultura da África e do Brasil, e com o apoio de
função de ser um contraponto rítmico aos ferramentas da internet, dependo dos suportes
berimbaus, na capoeira, e aos atabaques, no disponíveis em cada região. É importante di-
candomblé. versificar as fontes de pesquisa e manter uma
visão crítica diante do material pesquisado,
Reco-reco livre de preconceitos éticos, morais e religiosos,
para que se tenha um produto final confiável
Instrumento de percussão fina enrique- e aceito por todos.
ce um conjunto com detalhes e variedade
sonora. Na Capoeira, o reco-reco acrescenta Sincretismo Religioso
variedade às vibrações únicas do agogô. O
reco-reco parece ter origem africana, pois é Composição: Martinho da Vila
encontrado em várias manifestações culturais Saravá, rapaziada! - Saravá !
afro-brasileiras. Axé pra mulherada brasileira! - Axé!
Êta, povo brasileiro! Miscigenado,
Ecumênico e religiosamente sincretizado
Ave, ó, ecumenismo! Ave!
PROPOSTA DE ATIVIDADE Então vamos fazer uma saudação ecumênica
Partindo das duas letras de música a se- Vamos? Vamos!
guir apresentadas, pesquisar: Aleluia - aleluia!
a. palavras de origem africana que apareçam Shalom - shalom!
nelas, indicando sua etimologia e seu sig- Al Salam Alaikum! - Alaikum Al Salam!
nificado, tanto originariamente quanto no Mucuiu nu Zambi - Mucuiu!
texto em questão; Ê, ô, todos os povos são filhos do senhor!
b. alusões a fatos da cultura africana em geral Deus está em todo lugar.
e a lugares da África, contextualizando-os Nas mãos que criam, nas bocas que cantam,
no texto em questão; nos corpos que dançam, nas relações amoro-
c. o ritmo das músicas, buscando relaciona-lo sas,
aos ritmos tradicionais africanos. no lazer sadio, no trabalho honesto.
d. outras letras de música que estabeleçam Onde está Deus? - Em todo lugar!
relações semelhantes a estas com a cultura Olorum, Jeová, Oxalá, Alah, N`Zambi. . . Je-
afro-brasileira; sus!
e. outras músicas cujos ritmo, semelhante ao E o espírito Santo? É Deus!
de alguma dessas, remonte a ritmos origi- Salve sincretismo religioso! - Salve!
nários da cultura africana. Quem é Omulu, gente? - São Lázaro!
Iansã? - Santa Bárbara!
PRODUÇÃO
34
Cultura Afro-Brasileira

Ogum? - São Jorge! É samba, é batuque, é reza


Xangô? - São Jerônimo! É dança, é ladainha
Oxossi? - São Sebastião!
Aioká, Inaê, Kianda - Iemanjá! 1. DANÇA
Viva a no Nossa Senhora Aparecida! - Padro-
eira do Brasil! Negro joga capoeira
Iemanjá, Iemanjá, Iemanjá, Iemanjá E faz louvação à rainha
São Cosme, Damião, Doum, Crispim, Crispi- Hoje, negro é terra
niano, Radiema. . . Negro é vida
É tudo Erê - Ibeijada Na mutação do tempo
Desfilando na avenida
Salve as crianças! - Salve! Negro é sensacional
Axé pra todo mundo, axé É toda festa do povo
Muito axé, muito axé É dono do Carnaval
Muito axé, pra todo mundo axé
Muito axé, muito axé Dança afro-brasileira se diz de todas as
Muito axé, pra todo mundo axé manifestações, festejos e religiões de herança
Energia, Saravá, Aleluia, Shalom, africana que trazem em suas representações cê-
Amandla, caninambo! - Banzai! nicas estruturas corporais que lembram as dan-
Na fé de Zambi - Na paz do senhor, Amém! ças africanas, exemplo: lundu, semba, calundu,
umbigada, capoeira, afro-orixás (danças dos
Ilu Ayê orixás), samba de roda, jongo, frevo, danças
Composição: Cabana / Norival Reis de maracatu, moçambiques, congos, catopés,
que possuem a incorporação da mestiçagem
como destilador de suas formas.
Ilu Ayê, ilu ayê, odara
As danças africanas foram introduzidas
Negro cantava na nação Nagô
no Brasil colonial e imperial pelos escravos,
Depois chorou lamento de Senzala
que trouxeram com eles sua música, sua dan-
Tão longe estava de sua Ilu Ayê
ça, seus instrumentos e um universo cultural
Tempo passou, ô ô
riquíssimo. Suas principais características
E no terreirão da casa grande são a sensualidade e o ritmo rico e sincopa-
Negro diz tudo que pode dizer do, marcado no chão com os pés. Apresenta
postura corporal inclinada, ondulações da
coluna, movimentos soltos e independentes
da cabeça, ombros, braços e, principalmente,
do quadril. O ritmo e a movimentação são
fortes e vibrantes.
Aliando movimento e canto, sua prática
desenvolve a expressão corporal, ritmo e co-
ordenação motora, amplia as possibilidades de
PRODUÇÃO
35
Cultura Afro-Brasileira

criação e improviso, além de aliviar tensões, pelos negros que vieram para as fazendas ca-
proporcionar liberação de energia e o contato feeiras da região centro-sul do Brasil. Ninguém
com os diversos aspectos da cultura afro- sabe dizer ao certo o local exato no qual teria
brasileira. se desenvolvido em terras brasileiras, mas as
A capoeira, de que aqui já se falou ao tra- cidades em que se tem noticias das primeiras
tar da música, evoluiu, em sua manifestação manifestações de jongo estão entre os estados
cultural, de luta marcial para dança artístico- de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Os
negros de Angola já tinham tradicionalmente
folclórica, ocupando lugar de destaque sempre
as danças de umbigada, muito comuns na re-
que se fala de dança afro-brasileira.
gião Congo-Angola, uma das mais conhecidas
Ela mantém uma relação direta com o
é o semba, aqui já referido ao se tratar da músi-
samba-de-roda, tanto por sua musicalidade
ca, que, em dialeto quimbundo, como também
quanto por sua característica corporal, “joga-
já se disse, significa umbigada. A umbigada é
da” sempre em rodas, as rodas-de-capoeira. uma característica do jongo, e também se faz
Para o jogo de capoeira, os capoeiristas no semba, no samba-de-roda, no tambor-de-
formam uma roda que faz a representação do crioula, no lundu, na pernada, no batuque, no
mundo, com elementos de sustentação e or- coco e em outras danças que provavelmente
denação: os instrumentos, a música, a palavra podem ter sido trazidas e/ou transformadas
cantada, os fundamentos e a ética do jogo. No aqui pelos escravos angolanos.
espaço da roda há uma dramatização de luta, Os escravos, na maioria das vezes, reu-
que transforma possíveis golpes poderosos niam-se nas noites de festa dos santos católicos,
em gestos contidos no momento do toque no provavelmente pelo fato de, na mesma data,
adversário. A movimentação individual nesta os senhores seus participarem de festejos em
dança guerreira está fortemente relacionada igrejas. E isso explica, de certo modo, porque
aos movimentos do outro capoeirista no jogo, muitas de suas comemorações religiosas pró-
em processos reflexivos, de valorização da prias coincidem com comemorações católicas,
além, é claro, de justificar amplamente os
auto-estima e de superação de estigmas.
sincretismos.
A capoeira é um processo de auto-
No jongo, apenas aos mais velhos era dado
conhecimento que não se limita à atividade
o direito à participação, pois os jongueiros
físico- corporal, buscando a reestruturação do
disputavam sabedoria através dos cantos ou
indivíduo a partir de experiências coletivas. pontos tirados, usando para isso uma lingua-
Assim, ao praticar a capoeira, propomo-nos gem cifrada, ou seja, uma gíria própria apenas
a interagir individual e coletivamente com ao grupo, dificultando o desvendar do ponto.
o mundo, participando de suas dinâmicas Hoje em dia, essa tradição tem sido quebrada
sócio-culturais. aos poucos para que a cultura do jongo não
Outra dança tipicamente afro-brasileira, acabe. Os pontos do jongo são divididos em
sempre lembrada quando se referem às danças pontos de abertura, de louvação, de visaria, de
de origem africana no Brasil, é o jongo ou o demanda, de enredo, jongo canção e ponto de
caxambu, como também é conhecido, que tudo despedida.
indica ter vindo da região de Angola, trazido
PRODUÇÃO
36
Cultura Afro-Brasileira

Nos terreiros como é chamado o espaço dário fixo, embora seja praticada especialmen-
onde acontece a roda, igualmente aos candom- te em louvor a São Benedito. É dançado apenas
blés, ao samba-de-roda e ao samba em geral, por mulheres, que fazem uma roda, em cujo
acendia-se uma fogueira, que servia para es- centro evolui apenas uma delas. O momento
quentar os jongueiros, esquentar o couro dos alto da evolução é a “punga” ou umbigada.
tambores quando ficavam frouxos e também A punga é uma forma de convite para que
para assar batatas e amendoim. outra dançarina assuma a evolução no centro
As letras dos cantos ou pontos de jongo da roda. O Tambor de Crioula é ritimado por
relatam principalmente o cotidiano desse povo 3 tambores, que recebem os nomes de grande
negro. Usam, para começar o jongo, ponto de ou roncador (faz a marcação para a punga),
abertura, saudando em geral o santo do dia meião ou socador (responsável pelo ritmo) e
e outras entidades; em continuidade, o can- pequeno ou crivador (faz o repicado).
tador segue louvando o lugar, os jongueiros O lundu surgiu da fusão de elementos
antepassados, o anfitrião (trata-se do jongueiro musicais de origens branca e negra, tornan-
mais velho do lugar, geralmente o mais sábio do- se o primeiro gênero afro-brasileiro da
também) e a todos que ali se encontram. No canção popular, ainda que nem sempre seja tão
decorrer da noite, os jongueiros entoam cantos lembrado quanto o jongo e a capoeira, sequer
para alegrar e descontrair as pessoas, mas, de como os sambas. Realmente, essa interação de
vez em vez, um deles manda um ponto a ser melodia e harmonia de inspiração européia
decifrado, e os demais vão repetindo o canto, com a rítmica negro-africana constituir-se-
até que algum jongueiro decifre e desate o ia em um dos mais fascinantes aspectos da
ponto. Em outros casos, acontece também o música afro-brasileira. Situado nas raízes de
momento de encantamento, magia ou feitiço formação dos nossos gêneros afro, processo
que algum jongueiro lançava sobre outro a que culminaria com o advento do samba, o
quem ele queria enfeitiçar. Muitos contam lundu foi originalmente uma dança sensual
que, se o jongueiro enfeitiçado não decifrasse praticada por negros e mulatos em rodas de
o ponto, ele poderia desmaiar, passar mal ou batuque, só se fixando propriamente como
até mesmo morrer; contam também que plan- música no final do século XVIII.
tavam bananeiras que, ainda na mesma noite, No geral, as demais danças afro-brasi-
dava fruto e alimentava aos jongueiros dali. leiras, excluindo-se apenas as evoluções do
Ao final da roda de jongo, quando o dia já ia samba, estão intimamente ligadas ao culto
amanhecendo, despediam-se uns dos outros religioso, à dança de e para os orixás. É o caso,
e também saudavam a chegada do novo dia, por exemplo, do batuque, fruto de religiões dos
retornando à sua jornada de trabalho escravo povos da Costa da Guiné e da Nigéria, com
nas fazendas de café. as nações Jeje, Ijexá, Oyó, Cabinda e Nagô de
A tradição do tambor de crioula vem dos culto aos orixás, encontrada principalmente
descendentes africanos. É uma dança sensual, no estado do Rio Grande do Sul, de onde se
excitante, que apresenta variantes quanto ao estendeu para os países vizinhos tais como
ritmo e a forma de dançar, e não tem um calen- Uruguai e Argentina.
PRODUÇÃO
37
Cultura Afro-Brasileira

É o caso também do tambor de mina, “abebe”, e exibindo-se meigamente; Oba, a


denominação mais difundida das religiões mulher apaixonada que perdeu uma orelha na
Afro-brasileiras no Maranhão e na Amazônia. oferenda de encantamento que deu a Xangô na
A palavra tambor deriva da importância do expectativa de conquistar-lhe seu amor, dança
instrumento nos rituais de culto. Mina deriva cobrindo com a mão o lado do rosto em que
de negro da Costa da Mina, na atual República não teria orelha.
do Gana, trazidos da região das hoje Repúbli- Cada um dos orixás tem gestos e movi-
cas do Togo, de Benin e da Nigéria, que eram mentos que lhe garantem a identidade, bem
conhecidos principalmente como negros mina- como ritmos distintos, para cada um deles ou
jejes e mina-nagôs. para um grupo reunindo-os por características
O candomblé é outro e o mais destacado aproximativas. Para Oxalufã, o velho Oxalá,
desses casos, em que música, dança e plastici- sempre apoiado em seu cajado, o “opaxoro”,
dade teatral convivem no esplendor da cultu- toca-se o “igbi” (caracol), ritmo lento, que
ra afro-brasileira. Cada orixá do candomblé corresponde à lentidão dos movimentos pos-
tem um conjunto próprio de movimentos síveis para um idoso, além de, segundo alguns
que se ligam à sua identidade, simbolizando, pesquisadores, simbolizar os “itan” que falam
metonimicamente, as características que lhes dos banhos que, por diversos motivos ligados
são atribuídas a partir de sua humanização, à sua história em tempos de vida na terra,
representados como homens e mulheres com Oxalá se deu nos rios. Aliás, a festa das “Águas
vida e história pregressas. de Oxalá” é uma rememoração dessas lendas,
Uma breve seleção de exemplos pode estendida à lavagem, com águas de cheiro,
ilustrar aqui o que ora se afirmou. Ogum, o das escadarias da Igreja de Nosso Senhor do
guerreiro, senhor do ferro, da espada, dança Bonfim. Nana, a velha senhora, também dança
guerreando, simbolizando rituais de luta, re- “igbi”.
lembrados em seus “itans”, ou seja histórias
lendárias do tempo em que teria vivido na
terra, o “aye”;
Oxossi, o deus da caça, dança caçando; PROPOSTA DE ATIVIDADE
Xangô, o deus do trovão, dos raios e do jogo, Pesquisar:
dança atirando seus raios contra a terra e os ini- a. manifestações folclóricas no Brasil que se
migos; Oxaguiã, o guerreiro conquistador de apóiem, principalmente no canto e na dan-
Eleijô na batalha dos atoris, dança lutando com ça, procurando identificar suas origens;
as varas na mão; Iansã, a rainha dos Eguguns b. rituais indígenas brasileiros nos quais a
(espíritos, semelhantes às almas dos mortos), dança é elemento fundamental, e
dança com as mãos à frente, espantando-os, compará-los com os rituais africanos e afro-
o que pode ser feito com um “eru-exin”(rabo descendentes;
de cavalo) nas mãos; Oxum, a deusa vaidosa, c. os gestos e movimentos dos orixás do can-
senhora do ouro, das jóias e da beleza, dança domblé com suas características identitá-
olhando-se no espelho que traz na mão, o rias;
PRODUÇÃO
38
Cultura Afro-Brasileira

d. outras manifestações de dança afro-brasi- África sub-saariana, tradicionalmente é uma


leira religiosas, diferentes do candomblé, massa cozida em água que acompanha - ou
comparando-as ente si e com o próprio é acompanhada - por diferentes guisados
candomblé. e grelhados. No entanto, o arroz e a batata
A pesquisa pode ser realizada com o apoio aclimataram-se bem em várias regiões africa-
de livros de história e de folclore, dicionários, nas e, atualmente, pode-se dizer que metade
enciclopédias, fitas de vídeo, DVDs, programas das refeições tem esses vegetais como fonte
de televisão e com as ferramentas da internet, de energia.
dependo dos suportes disponíveis em cada Na África meridional e oriental, princi-
região. É importante diversificar as fontes de palmente junto à costa, é o milho, moído em
pesquisa e manter uma visão crítica diante do grandes pilões ou nas modernas moagens,
material pesquisado, livre de preconceitos éti- que serve para fazer o substrato da culinária
cos, morais e religiosos, para que se tenha um africana. Nas regiões mais afastadas da costa,
produto final confiável e aceito por todos. é o sorgo - uma espécie de milho - o cereal in-
dígena que é utilizado, enquanto que na África
2. CULINÁRIA ocidental, o fufu - originalmente, farinha de
fubá peneirada e cozida em água - é feito com
Se alguma vez existiu uma culinária pu- os tubérculos do inhame e de outras plantas
ramente africana - o que é pouco provável, típicas da região. A mandioca, que se radicou
devido às suas enormes dimensões, tanto na África, é uma das fontes de energia utilizada
geográficas como humanas - essa culinária nas regiões mais secas.
perdeu-se ao longo da história. Os africanos, Uma refeição “tipicamente africana” -
como os povos de outros continentes, recebe- normalmente consumida ao fim da tarde,
ram “frutos”, assim como as próprias técnicas, depois do dia de trabalho - é formada por um
de todo o mundo, que incorporaram na sua grande prato de arroz ou massa de um dos
culinária. vegetais mencionados, normalmente dividido
Se quisermos encontrar algum fator co- criteriosamente pelos membros da família, e
mum na alimentação dos africanos, temos uma panela com um guisado ou uma salada
primeiro que dividir o continente em duas que acompanha um peixe ou pedaço de carne
regiões: o norte de África, onde se tornou ha- grelhada. Em relação a este “caril” - como se
bitual o cultivo do trigo (incluindo a Etiópia chama o acompanhamento mais ou menos
e o norte do Sudão) - esta culinária é desen- protéico da refeição em Moçambique -, a
volvida na culinária mediterrânica - e a África divisão já tem regras mais rígidas, relaciona-
sub-saariana (abaixo do Saara) onde, em geral, das com a divisão de trabalho na sociedade
não é o trigo, mas outros vegetais farináceos tradicional: o chefe da família tem direito ao
que constituem a base da alimentação. melhor pedaço, vindo logo a seguir o restante
Ao contrário do norte de África, onde a dos restantes adultos e, depois, as crianças fi-
base da alimentação é uma espécie de pão, na cam praticamente com os restos, uma vez que
durante as suas brincadeiras elas sempre vão
PRODUÇÃO
39
Cultura Afro-Brasileira

comendo frutos ou mesmo pequenos pássaros foi durante algum tempo o maior produtor
que lhes apareçam pela frente. mundial de cravo da Índia, aparentemente
Essa dinâmica alimentar se refere às famí- originário da Indonésia. A África, em geral,
lias que vivem nas zonas rurais - nas cidades, adotou igualmente as receitas culinárias dos
apesar da maior disponibilidade e variedade povos que a visitaram ou que ali se radicaram,
de alimentos, só uma pequena parte da po- e um bom exemplo dessa mestiçagem culiná-
pulação tem acesso a uma alimentação melhor ria é a feijoada.
do que no campo. A maior diferença entre a No universo da culinária afro-brasileira,
refeição do africano rural e do pobre das cida- destaca-se a culinária baiana, composta
des é o conjunto dos utensílios usados para praticamente de pratos de origem africana,
cozinhar e servir os alimentos à mesa, além do diferenciados pelo tempero mais forte à base
combustível utilizado para cozinhar; e, mesmo de azeite de dendê, leite de coco, gengibre,
assim, as famílias rurais que têm ou tiveram pimenta de várias qualidades. As iguarias da
um dos seus membros trabalhando num país vertente africana estão reservadas, pela tra-
diferente por algum tempo, têm, normalmente, dição e pelos hábitos locais, às sextas-feiras
utensílios de cozinha e de mesa próprios das e às comemorações das datas institucionais,
cidades, diferentemente das demais famílias religiosas ou familiares. No dia-a-dia, o baiano
que tiveram essa “oportunidade”. se alimenta dos pratos herdados da vertente
O “caril”, acima mencionado, é um guisa- portuguesa, englobados no que se costuma
do de vegetais, geralmente reforçado com uma chamar de “culinária sertaneja”. São receitas
pequena quantidade de peixe ou carne seca, que não levam o dendê e demais ingredientes
porém, devido às condições de pobreza, na típicos de origem africana, como ensopados,
maior parte das vezes, a proteína é essencial- guisados e vários outros pratos encontrados
mente não é a carne, mas o vegetal. É comum, também nos demais estados brasileiros, em-
em várias regiões, usar amendoim pilado bora com toques evidentemente regionais,
como base do “caril”. O feijão também é uma como a utilização mais ou menos acentuada
importante fonte de proteínas empregada na de determinados temperos numa dada receita,
culinária africana. As famílias de pescadores e por exemplo.
as pessoas que, em geral, vivem junto à costa A predominância, no imaginário do
comem mais peixes, mas, os agricultores, ao brasileiro e nos meios de comunicação, da
contrário, consomem mais a carne em sua ali- culinária “afro-baiana”, ou afro-brasileira,
mentação diária. A carne, mesmo a de galinha, deve-se muito ao fato de Salvador, a capital
é muitas vezes a “proteína do domingo” ou da Bahia, situar-se no litoral do Recôncavo, o
das celebrações especiais - casamentos, culto que confere maior poder de divulgação para o
dos mortos etc. saboroso legado africano da culinária regional.
Para além dos produtos naturais da terra, Na Bahia existem duas maneiras de se prepa-
os africanos passaram a cultivar um grande rar os pratos “afros”. Uma mais simples, sem
número de especiarias provenientes do resto muito tempero, que é feita nos terreiros de
do mundo - a ilha de Zanzibar, na Tanzania, candomblé para serem oferecidos aos orixás,
PRODUÇÃO
40
Cultura Afro-Brasileira

e a outra, de fora dos terreiros, onde as comi- pelos negros africanos, assim como a pimenta
das são preparadas e vendidas pela baiana do malagueta e a galinha de Angola.
acarajé, nos restaurantes, nas residências, que Eles também trouxeram para o Brasil o
são mais carregadas no tempero. gosto por novos temperos e a habilidade de
Basta um pouco de atenção em relação ao improvisar receitas, misturando ingredientes
que comemos em nosso dia-a-dia e de curiosi- europeus e indígenas às suas tradições origi-
dade acerca de sua origem para percebermos nárias. Na falta do inhame, usavam a mandio-
que muitos dos pratos que nos são servidos em ca; na falta da pimenta africana, abusavam do
nossas mesas vieram das terras africanas, ou azeite de dendê, e assim por diante.
seja, são, hoje, comidas afro-brasileiras. Da costa da Guiné, por exemplo, vieram,
Entre vários aspectos da Cultura, a culi- principalmente, fulas e mandingas, islamitas
nária tem sua importância reconhecida e é e gente de bem comer. Os fulas eram de cor
tomada como um dos traços distintivos da opaca, o que resultou no termo “negro fulo”
identidade cultural de um grupo humano. A (entrando depois na língua a expressão “fulo
sua variedade revela os recursos naturais de de raiva”, para indicar a palidez até do bran-
que o homem dispõe na região onde vive e, co). Os mandingas também entraram na língua
também, a Cultura que desenvolve. como novo sinônimo para encantamentos e
O africano introduziu, em terras brasi- artes mágicas. Mas os iorubanos ou nagôs, os
leiras, o leite de coco e o azeite de dendê e jejes, os tapas e os haussás, todos sudaneses
confirmou a excelência da pimenta malagueta islamitas e da costa oeste também, fizeram
sobre a do reino; dou ao Brasil o feijão preto, mais pela nossa cozinha porque eram mais
o quiabo; ensinou a fazer vatapá, mungunza, aceitos como domésticos do que a gente do sul,
acarajé, angu e pamonha. A culinária africana o povo de Angola, a maioria de língua banto,
fez valer os seus temperos, os seus verdes, a ou do que os negros cambindas do Congo, ou
sua maneira de cozinhar. Modificou os pratos os minas, ou os do Moçambique, gente mais
branco-europeus, substituindo ingredientes. forte, mais submissa e mais aproveitada para
Fez a mesma coisa com os pratos indígenas da o serviço pesado.
terra. Disso, finalmente, surgiu uma cozinha Nos restaurantes típicos, nas rodas de
verdadeiramente brasileira, rica em pratos fundo de quintal, nos terreiros de samba, nas
com macarrão seco e sabendo usar as panelas grandes festas, nos ritos religiosos, em cada
de barro e a colher de pau: era a cozinha afro- lugar em que se servem comidas neste Brasil,
brasileira que nascia. Deliciosas comidas típi- está sempre presente a culinária afro-brasileira,
cas, como cuscuz e carne de carneiro, produtos que, por conseqüência, confunde-se, natu-
dessa nova culinária, são servidas em quase ralmente, com a culinária nacional. Culinária
todos os lugares deste vasto país. cantada por ilustres vozes da música brasileira
Os africanos contribuíram com a difusão e imortalizada em letras de grandes composi-
do inhame, da cana de açúcar e do dende- tores, como aquela aqui já referida mais atrás,
zeiro, do qual se extrai o azeite-de-dendê. O “No tabuleiro da baiana”, composta por Ari
leite de coco, de origem polinésia, foi trazido Barroso e depois revitalizada pelo canto har-
PRODUÇÃO
41
Cultura Afro-Brasileira

monioso da baiana Gal Costa. e um pouco de camarão seco. Pode ser servido
São alguns exemplos de pratos afro-brasi- quente, morno ou frio, como prato principal ou
leiros, mais comuns em nosso dia-a-dia, são: como acompanhamento. O bobó de inhame e
do de vinagreira são os mais antigos, prepara-
Aberém dos desde o século XVII. Depois, foram sendo
sofisticados com o acréscimo, à massa básica,
Bolinho de origem afro-brasileira, feito de frutos do mar (camarão fresco, caranguejo
de milho ou arroz moído, macerado em água, desfiado, mexilhão, bacalhau, etc.), previamen-
salgado e cozidoa no vapor, em folhas de ba- te refogados. O atual bobó de camarão, prato
naneira secas. No candomblé, é utilizado como típico de renome, também tem, entre seus
comida-de-santo, sendo oferecido aos orixás ingredientes, mandioca e leite de coco.
Omulu e Oxumaré.
Canjica
Acaçá
Seus principais ingredientes são o milho
Comida ritual do candomblé e da culinária (geralmente milho branco), amendoim e o
baiana, feita fubá de milho branco ou verme- leite. Cozinha-se o milho em água ou leite-
lho, que deve ser cozida em uma panela com de-coco. Sem temperos, é a iguaria ofertada
água ou leite-de-coco, sem parar de mexer, até a Oxalufã.
ficar no ponto. Ainda quente, a massa deve
ser embrulhada em folha de bananeira. Todos Caruru
Orixás recebem o acaçá como oferenda.
Guisado de quiabo, cebola ralada, cama-
Acarajé rão, sal, azeite de dendê, castanha-de-caju
torrada e moída, amendoim torrado sem casca
Bolinho feito de massa de feijão fradinho e e moído. É o prato ritualístico oferecido ao
camarão seco moído, frito no azeite-de-dendê e orixá Ibeji.
servido com molho de pimenta, camarão seco,
vatapá e caruru. O acarajé é um prato típico Cuscuz
da culinária baiana e um dos principais
produtos vendidos no tabuleiro da baiana. Ele Prato originado do Maghreb, região do
é o prato oferecido ao orixá Iansã. Norte de África, (couscous) e popularizado na
culinária brasileira e portuguesa. Consiste num
Bobó preparado de sêmola de cereais, principal-
mente o milho, mas também pode ser à base
Consiste em um creme pouco consistente de farinha ou polvilho de mandioca. Além
feito de inhame, vinagreira etc., cozidos e do Brasil, o cuscuz também é consumido em
amassados com azeite-de-dendê, pimenta, sal outros países da América Latina.

PRODUÇÃO
42
Cultura Afro-Brasileira

Efó

Comida ritual e da culinária baiana, pode ser feita com folha de


mostarda ou da folha chamada língua de vaca. Primeiro, aferventa-se
a língua-de-vaca, escorre-se na peneira, estende-se na tábua e bate-se
bem com a faca, até ficar informe. Enxuga-se e estende-se na peneira
para secar toda a água. Cozinha-se no azeite-de-dendê puro, temperado
com todo o resto. E a panela fica tampada, para suar. Come-se com
arroz. É uma oferenda dada a Nana.

Sarapatel

É feito com tripas e outras vísceras de porco, além do sangue coa-


lhado e cortado em pedaços. Uma das características do prato é seu teor
de gordura, bastante acentuado por causa da presença de pedaços de
toucinho e da tripa. Durante o cozimento acrescenta-se folha de louro
e uma ou duas grandes pimentas-de-cheiro, inteiras. Serve-se o prato
acompanhado de farinha e/ou de arroz.

Vatapá

Em seu preparo entram gengibre, pimenta-malagueta, amendoim,


leite de coco, azeite-de-dendê. Pode ser servido com camarões frescos
inteiros, com peixe, com bacalhau ou com carne de frango, acompa-
nhados de arroz.

PRODUÇÃO
43
Cultura Afro-Brasileira

ATIVIDADES

1. Pesquisar, na culinária nacional, a origem de pratos típicos, principal-


mente aqueles que levem, em seu preparo:

a. leite-de-coco;

b. azeite-de-dendê;

c. feijão-fradinho;

d. canjica ou fubá de milho branco;

e. mandioca ou farinha de mandioca;

f. miúdos de animais.

2. Buscar estabelecer correlação entre os pratos que compõem a culinária


e pratos das cozinhas:

a. européia em geral;

b. africana em geral;

c. indígena nacional.

A pesquisa pode ser realizada com o apoio de livros de culinária, de história


e de folclore, dicionários, enciclopédias, programas de televisão e com as
ferramentas da internet, dependo dos suportes disponíveis em cada região.
É importante diversificar as fontes de pesquisa e manter uma visão crítica
diante do material pesquisado, livre de preconceitos éticos, morais e reli-
giosos, para que se tenha um produto final confiável e aceito por todos.

SITES

http://www.pime.org.br/mundoemissao/religafrobras.htm

http://www.cibersociedad.net/textos/articulo.php?art=33

PRODUÇÃO
44
Cultura Afro-Brasileira

METODOLOGIA DE CASOS:
APRENDENDO COM A REALIDADE

1 Entre os negros que foram trazidos ao Brasil durante o período da escravi-


dão, un grupo significativo provinha das culturas Bantos (área angolo-congolesa
da Costa Ocidental e da Costa Oriental). Religiosamente, os Bantos conheciam
o Ser-Supremo, denominado Zambi, mas suas práticas religiosas eram voltadas
principalmente para o culto dos ancestrais, seres mortos que se comunicavam
com os vivos através do processo da “possessão”. Como a religião e a culinária pode
ser abordada como fatores conjugados dos afro descendentes?

2 O mundo da umbanda é povoado de espíritos e entidades espirituais que


regulam a vida quotidiana e permitem que o fiel se relacione facilmente com o
universo das realidades sagradas. Essa maneira de ver o mundo não é prerrogativa
do universo umbandista, mas é facilmente encontrada em toda forma de religio-
sidade popular. A religiosidade dos católicos de origem rural tem seu mundo
povoado de almas e santos que interferem constantemente na vida diária. Como
podemos abordar a formação do sincretismo brasileiro?

PRODUÇÃO
45
UNIDADE IV
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS III

1. ARTES CÊNICAS E VISUAIS

No conjunto heterogêneo das artes cênicas e visuais, vamos abordar


aqui, metonimicamente, o cinema nacional, o teatro e a televisão, procu-
rando destacar, de maneira panorâmica, momentos em que representaram
aspectos relevantes de uma possível Cultura afro-brasileira, contribuindo
para a compreensão da temática negro- africana na constituição da Cultura
nacional brasileira.

Cultura Afro-Brasileira 46
Cultura Afro-Brasileira

1.1 - Cinema que, diante desse fato historicamente compro-


vado com documentos, fica difícil associá-la ao
Sustentado em uma reflexão em torno estereótipo de sensualidade que a imaginação
das possíveis trocas entre academia e cinema dos historiadores criou.
na capacidade de criar representações sobre a O pai do desembargador João Fernandes
sociedade brasileira e as rupturas que a lin- de Oliveira, que dera o seu nome completo ao
guagem cinematográfica e acadêmica fizeram filho, era natural de Santa Maria de Oliveira,
neste diálogo sobre a presença negra no país, termo da Vila de Barcelos, no arcebispado de
o cinema nacional apresenta uma diversidade Braga. Já maior de idade, ainda na primeira
muito fértil. década do século XVIII, partira em direção ao
Na década de 1970, no auge da sexualidade Brasil, seguindo boa parte de seus conterrâ-
no cinema brasileiro, resultado da revolução neos, na maioria solteiros e sem perspectivas,
sexual que libertava a mulher dos estereótipos já que, à época, a economia à beira do Minho,
que a mantinham presa à imagem do recato e baseada principalmente na agricultura, estava
do confinamento no lar, Cacá Diegues dirigiu em crise.
o filme “Xica da Silva”, com base em livro que Do Rio de Janeiro, logo João Fernandes
João Felício dos Santos escrevera naquele mes- seguiu para Vila Rica, atual Ouro Preto, e,
mo ano. Talvez por isso a Chica da Silva que depois, para a Vila do Ribeirão do Carmo,
aparece no filme, na pele da atriz Zezé Mota, atual Mariana, atraído pelas notícias acerca
seja apresentada como uma mulher, acima de das descobertas auríferas. Dedicou-se à mi-
tudo, sedutora e “devoradora” de homens, que neração e, quando a fortuna começou a lhe
inspirava sexo a quem a via debaixo de uma acenar, comprou a fazenda da Vargem. Logo,
peruca loira e roupas deslumbrantes. tornou-se homem de negócio, expressão que
Nascida escrava no arraial do Milho Ver- designava aqueles que, donos de grandes capi-
de, no Tijuco, de pai português e mãe africana, tais, investiam no setor atacadista, o comércio
em data incerta, entre 1731 e 1735, Chica da por grosso, emprestavam dinheiro a juros e
Silva viveu em concubinato por 17 anos com arrematavam o direito de cobrar em nome da
o desembargador João Fernandes de Oliveira, Coroa impostos de entradas de mercadorias,
contratador de diamantes, e levou uma vida dízimos, de passagem de rios e outros.
próxima das mulheres brancas da elite mineira. À sombra protetora do Estado, esses ne-
Quando foi arrematada por João Fernandes gociantes construíam fortunas, já que sempre
de Oliveira, que lhe daria alforria em 1753 e repassavam menos do que arrecadavam e,
lhe deixaria imensa fortuna em propriedades quando pressionados, conseguiam, na base
e escravos, já havia sido mãe de Simão Pires da corrupção, a conivência do governador e
Sardinha, personagem que aparece nos autos capitão-general, do ouvidor e do procurador
da devassa da Inconfidência Mineira. da Real Fazenda, as maiores autoridades
Com João Fernandes, teve mais treze filhos numa capitania da América portuguesa.
entre 1755 e 1770, o que significa que passou a Já pessoa importante no Tijuco, casado
maior parte do tempo grávida. Convenhamos com uma senhora natural do Rio de Janeiro,
PRODUÇÃO
47
Cultura Afro-Brasileira

João Fernandes de Oliveira, em 1739, habi- Para um homem jovem e rico como o
litou-se a esse tipo de atividade, participando desembargador, não faltariam pretendentes
da concorrência para a exploração no Distrito entre as filhas das famílias da elite do Tijuco. O
Diamantino. João Fernandes saiu vencedor ouvidor Caetano da Costa Matoso, que deixou
da arrematação, mas diziam que não passava famoso códice que leva o seu nome, já dizia à
de um testa-de-ferro do governador Gomes época que a história da região sempre esteve
Freire de Andrade. ligada às negras e mulatas forras que, como
Um dos homens mais ricos de seu tempo,
Chica da Silva, submetiam os homens brancos
o agora sargento-mor João Fernandes de Oli-
aos seus desejos. Com idade que variava de 18
veira mandou seu primogênito, com 13 anos
a 22 anos, Chica, quando conheceu João Fer-
de idade, nascido em 1727 no Tijuco, estudar
nandes, então com 26 anos, certamente, exibia
em Portugal, primeiro no seminário de São
a beleza das mulheres oriundas da Costa da
Patrício, em Lisboa, e depois em Coimbra.
Ele formou-se em 1748, mas, embora tenha Mina, com pele mais clara por causa do sangue
requerido licença para advogar, nunca exerceu português.
a profissão. Em 1754, Chica era proprietária de casas
Em 1751, seu pai, já viúvo, levara os de- e escravos, “vivendo na maior ostentação, e
mais filhos para residir em Lisboa. O sargento- senhora de uma grossa casa, à lei da nobreza e
mor batalharia politicamente para continuar à com muita riqueza”, como se lê no processo de
frente do Distrito Diamantino e, ao arrematar habilitação de seu filho, Simão Pires Sardinha,
o quarto contrato que entraria em vigor em à Ordem de Cristo, feito em Lisboa. Ao que
janeiro de 1753, preferiu continuar na Corte tudo indica, o casamento entre João Fernandes
e mandar o filho para cuidar diretamente da e Chica da Silva só não foi convencional por-
exploração dos diamantes no Tijuco. Assim, que a sociedade hierárquica do século XVIII
teria tempo de sobra para exercitar o tráfico impedia a legalização de matrimônio entre
de influências no Paço. pessoas de origens e condições tão desiguais.
Foi em 1753, pouco depois de chegar ao
Em 1770, quando o sargento-mor morreu,
Tijuco e assumir suas funções, que o desem-
João Fernandes teve de retornar a Portugal
bargador João Fernandes de Oliveira adquiriu
porque Isabel Pires Monteiro com quem o pai
de Manuel Pires Sardinha, por 800 mil réis, a
casara no Reino teria se aproveitado da saúde
escrava parda Chica, sem que se saiba os mo-
tivos que o levaram a fazer o negócio. debilitada do marido para praticar uma série
Se a comprou com o objetivo de torná-la de atos lesivos ao primogênito. João Fernandes
sua companheira, não se sabe, mas, poucos nunca mais veria Chica da Silva, mas a deixa-
meses depois, provavelmente já amantes, o ria numa situação extremamente confortável.
desembargador registrou a carta de alforria Havia sido um administrador excepcional,
de Chica, uma atitude pouco comum à época aumentara bastante a fortuna iniciada pelo
entre os proprietários mineiros. Desde então, pai, mas sempre foi considerado homem de ex-
ela passou a assinar-se Francisca da Silva de trema confiança de Sebastião José de Carvalho
Oliveira. e Melo, o futuro marquês de Pombal.

PRODUÇÃO
48
Cultura Afro-Brasileira

Em Lisboa, já casado com Isabel Pires O mito negativo de mulher megera,


Monteiro, dois anos depois do terremoto de perdulária, bruxa, “devoradora” de homens
1755, o sargento-mor mandou levantar um nasceria muito depois, em meados do sécu-
grande sobrado, de construção magnífica, lo XIX, quando Joaquim Felício dos Santos,
com onze janelas com suas sacadas de ferro em suas Memórias do Distrito Diamantino,
batido no segundo piso, na rua de Buenos descreveu-a, sem qualquer base documental,
Aires, à Lapa, em local privilegiado, de onde como uma mulher de “feições grosseiras, alta,
se podia ver as águas do Tejo. Hoje totalmente corpulenta”, que trazia “a cabeça rapada e
reformada, a casa da Lapa é ainda um teste- coberta de uma cabeleira anelada em cachos
munho do poder econômico do sargento-mor pendentes”. No Tijuco do século XVIII, porém,
e seu filho. nem era costume que as mulheres usassem
Na Corte, João Fernandes contou com a perucas. Dos inventários de mulheres, forras
colaboração do ministro Sebastião José de Car- ou livres, nunca constaram perucas, embora
valho e Melo, amigo de seu pai, para colocar a entre homens houvesse quem usasse esse or-
madrasta num convento. Mas, com a morte de namento.
dom José I e a derrocada política do marquês João Felício dos Santos, sobrinho-neto de
de Pombal, veio a viradeira: a madrasta saiu Joaquim, ao escrever o romance Xica da Silva,
do convento e continuou a exigir uma grande em 1976, sem se preocupar com pesquisas mais
participação na fortuna deixada pelo marido. aprofundadas, voltaria a cometer o mesmo
João Fernandes morreu em 1779, na morada erro, equívoco que haveria de continuar na
da rua de Buenos Aires. adaptação feita pela antiga Rede Manchete
Havia instituído o morgado de Grijó para para uma telenovela em 1997, sem nenhum
os seus filhos com Chica da Silva e a contenda compromisso com a realidade do século
pelo inventário seguiria entre seu filho João XVIII.
Fernandes Grijó e a filha de Isabel Pires Mon- “Quilombo”, do mesmo Cacá Diegues,
teiro, que morrera em 1788. com a participação de Antonio Pompeo, Zezé
Francisca da Silva de Oliveira faleceu em Motta, Vera Fischer, Maurício do Valle, Grande
sua casa senhorial, no arraial do Tijuco, em Otelo, Daniel Filho, Jofre Soares, representa um
1796. Cercada de todas as pompas, foi enterra- marco de qualidade do que se pode, a grosso
da na igreja da Irmandade de São Francisco de modo, rotular de cinema afro-brasileiro.
Assis, que congregava a elite branca do local. Ambientada em meados do século XVII, a
Como observa a autora, havia seguido à risca história fala de escravos fugidos das plantações
os modelos cristãos de devoção e transmitiu canavieiras do Nordeste, que organizaram
aos filhos ensinamentos sobre os atos essen- uma república livre, o Quilombo dos Palmares.
ciais dessa fé, encaminhando as filhas para um O quilombo sobreviveu por mais de 70 anos,
convento e filiando-se às irmandades cristãs, até a destruição final.
onde atuou nas mesas diretoras, depois da Tratam-se do ano de 1630 e da região
partida de João Fernandes. que se estendia do norte do curso inferior do
rio São Francisco, em Alagoas, até as terras
PRODUÇÃO
49
Cultura Afro-Brasileira

vizinhas do Cabo de Santo Agostinho, em Baseado na peça “Orfeu da Conceição”, de


Pernambuco, numa área aproximadamente de Vinícius de Moraes, problematizando a paixão
27.000 quilômetros quadrados: Palmares. Suas entre Orfeu e Eurídice, seus encontros e desen-
terras contavam com grande quantidade de contros, suas alegrias e tristezas, tem-se outro
palmeira pindoba e era uma região de difícil filme de Cacá Diegues, “Orfeu”. O filme man-
acesso, onde os negros fugitivos se espalha- tém pontos de aproximação e distanciamento
vam, dificultando as investidas dos brancos, com a peça que lhe inspira, sem, contudo, ser
que exigiam das autoridades alguma ação. uma transposição dessa para a tela.
Nesse período, a economia colonial baseava- O contexto em questão é um morro do
se no cultivo da cana-de-açúcar, produzida no Rio de Janeiro, que não precisa ser nomeado,
Nordeste com mão-de-obra escrava predomi- pois há, no filme, uma constância que se repe-
nantemente africana. te e que habita todos os morros da cidade. O
A formação de quilombos foi a principal morro é o plano no qual a multiplicidade de
forma de resistência negra frente a escravidão. estratégias, tipos, recursos, sonhos, anseios,
Os quilombos eram aldeamentos de negros possibilidades, impossibilidades, hábitos, re-
que fugiam dos latifúndios, passando a viver gras, etc., são retratados.
comunitariamente, em grupos de fugitivos O Orfeu desse morro é um Orfeu “mo-
reunidos. O maior e mais duradouro de todos derno”, cheio de bugingangas eletrônico-
foi Palmares. Ele se desenvolveu através do tecnológicas - celular, lap-top etc. -, tudo
artesanato e do cultivo do milho, do feijão, que se sonha possuir. Essas coisas revelam
da mandioca, da banana e da cana-de-açúcar, exatamente isso: que elas fazem sonhar. É no
além do comércio com aldeias indígenas vizi- jogo entre o supérfluo e o necessário, muito
nhas, bem como com comunidades de bran- bem representado pelo tênis desejado por
cos. A colaboração de brancos com Palmares Maicol, jogo que habita todos nós, moradores
foi freqüente, pois seus excedentes agrícolas literais ou não dos morros, que os contrastes
interessavam aos mascates e lavradores que são amplificados, criando um espelho onde
os trocavam por utensílios e armas. cada um de nós, consumidores, podemos nos
O primeiro líder de Palmares foi Ganga reconhecer. Na realidade, todos querem reali-
Zumba, substituído depois de morto por zar seus sonhos, mesmo através de um tênis.
seu sobrinho Zumbi, o maior líder negro da Nós, seres humanos, sofremos dessa errância
História do Brasil, assassinado covardemen- metonímica. O que muda são as maneiras e
te por Domingos Jorge Velho em 1695, que objetos que buscamos.
um ano antes havia comandado a destruição A forte rivalidade entre Orfeu e Lucinho é
do quilombo. Como Palmares simbolizava a um dos grandes destaques do filme. Eurídice é
liberdade, acabou tornando-se uma atração apenas um dos ingredientes desta rivalidade.
constante para novas fugas de escravos. Por É uma relação de amor, que existia desde a
sua organização econômica, política e social, infância, que degenerou em ódio em função
constituiu-se num verdadeiro “Brasil negro” dos caminhos opostos que os dois tomaram.
dentro de um “Brasil branco”. Orfeu, pelos seus dons musicais, realiza seus
PRODUÇÃO
50
Cultura Afro-Brasileira

sonhos e desejos de forma legítima. Lucinho Dioniso, o princípio divino-arquetípico que


teve de buscar um dom para realizar os seus, celebra a vitória da vida sobre a morte, ou,
mesmo se este dom for considerado “ilegíti- falando de outro modo, mesmo com toda a
mo”. Dentro das possibilidades que a socie- morte, diz que a vida é indestrutível. Dioniso
dade concede, Lucinho fez sua escolha: líder é a pequena planta que brota em meio ao
do tráfico de drogas, aquelas substâncias sem muro, de onde nada deveríamos esperar. Vida
as quais as vidas de muitas pessoas ficariam e morte, morte e vida, vida-morte, morte-vida.
insuportáveis, revelando, por sua vez, o lado As várias mortes de Dioniso. As várias vidas de
insuportável da vida. Por isso, todos nós, as- Dioniso. O velho e obscuro Heráclito já havia
sim como Maicol, em nossa frágil e persistente nos ensinado: Dioniso e Hades são o mesmo.
busca pela felicidade, precisamos daquele É no centro deste furacão de forças anta-
tênis especial, igual ao daquele artista ou jo- gônicas, que Orfeu e Eurídice se encontram e
gador. Somos todos antropófagos, comemos e se apaixonam de maneira exclusiva. Finalmen-
ingerimos o outro, ou partes do outro. A única te, alguém consegue prender Orfeu, aquele
diferença está na qualidade da comida, ou em que havia amado quase todas as mulheres
quem julga a qualidade da comida. do morro. Seu Inácio sentencia: todo mundo
Eurídice fugindo do Acre, outra grande quer ser amado sem nenhuma concorrência. E
metáfora nacional de abandono e injustiça; acrescenta: “Até Deus”. Para a mãe de Orfeu,
Lucinho e seu bando de poderosos; Orfeu com é exatamente aí que mora o perigo. Grandes
sua música sedutora; Orfeu e Eurídice com sua paixões podem gerar grandes ódios, grandes
paixão desenfreada; Inácio, o pai de Orfeu, ciúmes, grandes invejas. Orfeu, numa típica
que, para fugir de um vício exclusivo, trocou-o atitude infantil de apaixonado, para impres-
por outro igualmente exclusivo; o sargento Pa- sionar Eurídice, desafia Lucinho e o íntima a
checo e seu bando de poderosos; Maicol e seu deixar o morro. É a atitude heróica que faltava
tênis; Mira e seu sonho de ser o grande amor para conquistar de vez sua amada. É a atitude
de Orfeu; Conceição com sua suave e passiva insensata que faltava para colocar Orfeu e Lu-
aceitação e conformação. A estas estratégias cinho em posições extremas opostas.
podemos acrescentar uma outra: a Escola de Num encontro casual entre Eurídice e
Samba Unidos da Carioca. É fácil perceber a Lucinho, este, irritado, atira para o chão. A
situação paradoxal, em meio a tanta pobreza, bala ricocheteia e atinge Eurídice. Orfeu, neste
sofrimento e conflito, grande quantidade de momento, está em pleno desfile de carnaval
tempo e dinheiro ser gasto com fantasias, comandando, junto com Joãozinho Trinta, sua
carros alegóricos e desfiles. Um certo discur- escola. Personagens e pessoas reais se mistu-
so racional condena, veementemente, esta ram, assim como ficção e realidade.
estratégia e a chama de alienação. Mas não. Morta por uma bala perdida, uma das
Somos apaixonados. Em meio à tragédia, há que passam zumbindo pelos céus da cidade,
espaço para a vida. É isso que nos move. É isso fazendo-nos lembrar do Aristeu grego e o
o que nos ajuda a suportá-la. Nem devemos zumbido de suas abelhas, Eurídice é jogada
esquecer que o santo padroeiro do carnaval é do alto do morro no mundo dos mortos: o
PRODUÇÃO
51
Cultura Afro-Brasileira

lixão. Fantasias velhas, corpos, mesas, carros portava a bagagem mental de sua formação
velhos, pedaços de alegorias, etc., compõem metropolitana européia, imbuída de conceitos
este sinistro mundo. É lá que Orfeu, um Orfeu pseudo-científicos sobre a inferioridade da
enlouquecido, vai buscar o corpo morto de sua raça negra. Propunha-se o TEN a trabalhar pela
amada. A intensidade dramática desta última valorização social do negro no Brasil, através
parte do filme é bastante elevada. Orfeu, com da educação, da cultura e da arte.
o corpo de Eurídice no colo, sobe o morro. Pela resposta da imprensa e de outros
Diante de Mira e de outras passistas da escola setores da sociedade, constatei, aos primeiros
de samba, pronuncia o nome de Eurídice inin- anúncios da criação deste movimento, que sua
terruptamente. Mira, envenenada pela inveja, própria denominação surgia em nosso meio
perfura Orfeu com um ferro que mantém como um fermento revolucionário. A men-
levantadas as janelas do botequim. Várias pes- ção pública do vocábulo “negro” provocava
soas se aproximam. Maicol grita desesperado. sussurros de indignação. Era previsível, aliás,
Seu Inácio, em uma cena muito comovente, esse destino polêmico do TEN, numa socie-
assopra seu apito do tempo em que era mes- dade que há séculos tentava esconder o sol da
tre de bateria. Ao mesmo tempo, a televisão verdadeira prática do racismo e da discrimi-
anuncia: a Escola de Samba Unidos da Carioca nação racial com a peneira furada do mito da
foi a campeã do carnaval. Era quarta-feira de “democracia racial”. Mesmo os movimentos
cinzas. O filme termina com Orfeu e Eurídice culturais aparentemente mais abertos e pro-
dançando alegremente no desfile de carnaval gressistas, como a Semana de Arte Moderna,
da Unidos da Carioca. de São Paulo, em 1922, sempre evitaram até
A trajetória de Cacá Diegues aqui apre- mesmo mencionar o tabu das nossas relações
sentada ilustra a própria trajetória do cinema raciais entre negros e brancos, e o fenômeno
afro-brasileiro, se se podem distinguir esses de uma cultura afro- brasileira à margem da
exemplares de sua produção como tal, e per- cultura convencional do país.
mite que se veja, claramente, como desde a Polidamente rechaçada pelo então feste-
caricatura de Xica da Silva, passando pela jado intelectual mulato Mário de Andrade,
força de Zumbi, chega-se à leitura de Orfeu, de São Paulo, minha idéia de um Teatro
encarnado em um negro dos morro cariocas Experimental do Negro recebeu as primeiras
nos dias de hoje. adesões: o advogado Aguinaldo de Oliveira
Camargo, companheiro e amigo desde o Con-
1.2 - Teatro gresso Afro-Campineiro que realizamos juntos
em 1938; o pintor Wilson Tibério, há tempos
Em 1944, no Rio de Janeiro, surgiu o Te- radicado na Europa; Teodorico dos Santos e
atro Experimental do Negro, ou TEN, que se José Herbel. A estes cinco, se juntaram logo
propunha a resgatar, no Brasil, os valores da depois Sebastião Rodrigues Alves, militante
pessoa humana e da cultura negro-africana, negro; Arinda Serafim, Ruth de Souza, Marina
degradados e negados por uma sociedade Gonçalves, empregadas domésticas; o jovem e
dominante que, desde os tempos da colônia, valoroso Claudiano Filho; Oscar Araújo, José
PRODUÇÃO
52
Cultura Afro-Brasileira

da Silva, Antonieta, Antonio Barbosa, Natalino Cerca de seiscentas pessoas, entre homens
Dionísio, e tantos outros. e mulheres, se inscreveram no curso de alfa-
Teríamos que agir urgentemente em duas betização do TEN, a cargo do escritor Ironides
frentes: promover, de um lado, a denúncia dos Rodrigues, estudante de direito dotado de um
equívocos e da alienação dos chamados estu- conhecimento cultural extraordinário. Outro
dos afro-brasileiros, e fazer com que o próprio curso básico, de iniciação à cultura geral, era
negro tomasse consciência da situação objetiva lecionado por Aguinaldo Camargo, persona-
em que se achava inserido. Tarefa difícil, quase
lidade e intelecto ímpar no meio cultural da
sobre-humana, se não esquecermos a escra-
comunidade negra. Enquanto as primeiras
vidão espiritual, cultural, socioeconômica e
noções de teatro e interpretação ficavam a meu
política em que foi mantido antes e depois
cargo, o TEN abriu o debate dos temas que
de 1888, quando teoricamente se libertara da
interessavam ao grupo, convidando vários
servidão.
A um só tempo o TEN alfabetizava seus palestrantes, entre os quais a professora Maria
primeiros participantes, recrutados entre ope- Yeda Leite, o professor Rex Crawford, adido
rários, empregados domésticos, favelados sem cultural da Embaixada dos Estados Unidos, o
profissão definida, modestos funcionários poeta José Francisco Coelho, o escritor Rai-
públicos - e oferecia-lhes uma nova atitude, mundo Souza Dantas, o professor José Carlos
um critério próprio que os habilitava também Lisboa.
a ver, enxergar o espaço que ocupava o grupo Após seis meses de debates, aulas e exercí-
afro-brasileiro no contexto nacional. Inaugu- cios práticos de atuação em cena, preparados
ramos a fase prática, oposta ao sentido acadê- estavam os primeiros artistas do TEN. Estáva-
mico e descritivo dos referidos e equivocados mos em condições de apresentar publicamente
estudos. Não interessava ao TEN aumentar o nosso elenco. Revelou-se então a necessidade
o número de monografias e outros escritos, de uma peça ao nível das ambições artísticas
nem deduzir teorias, mas a transformação e sociais do movimento: em primeiro lugar, o
qualitativa da interação social entre brancos
resgate do legado cultural e humano do afri-
e negros. Verificamos que nenhuma outra si-
cano no Brasil. O que então se valorizava e di-
tuação jamais precisara tanto quanto a nossa
vulgava em termos de cultura afro-brasileira,
do distanciamento de Bertolt Brecht. Uma teia
batizado de “reminiscências”, eram o mero
de imposturas, sedimentada pela tradição, se
impunha entre o observador e a realidade, folclore e os rituais do candomblé, servidos
deformando-a. Urgia destruí-la. Do contrário, como alimento exótico pela indústria turística
não conseguiríamos descomprometer a abor- (no mesmo sentido podemos inscrever hoje a
dagem da questão, livrá-la dos despistamen- exploração do samba, criação afro-brasileira,
tos, do paternalismo, dos interesses criados, pela classe dominante branca, levada nos
do dogmatismo, da pieguice, da má-fé, da últimos anos ao exagero do espetáculo carna-
obtusidade, da boa-fé, dos estereótipos vários. valesco luxuoso e, pela carestia, cada vez mais
Tocar tudo como se fosse pela primeira vez, eis longe do alcance do povo que o criou).
uma imposição irredutível. O TEN não se contentaria com a repro-
dução de tais lugares-comuns, pois procurava
PRODUÇÃO
53
Cultura Afro-Brasileira

dimensionar a verdade dramática, profunda e Desde esse empreendimento fundador,


complexa, da vida e da personalidade do gru- por assim dizer, registra-se, no teatro, um
po afro-brasileiro. Qual o repertório nacional discurso contundente e uma estética singular,
existente? Escassíssimo. Uns poucos dramas baseada no rigor pela forma, problematizando
superados, onde o negro fazia o cômico, o pi- as desigualdades raciais no contexto da exclu-
toresco, ou a figuração decorativa: O demônio são social do mundo contemporâneo.
familiar (1857) e Mãe (1859), ambas de José de
Alencar; Os cancros sociais (1865), de Maria Ri-
1.3 - Televisão
beiro; O escravo fiel (1858), de Carlos Antonio
Cordeiro; O escravocrata (1884) e O dote (1907),
Na televisão brasileira, merece especial
de Artur Azevedo, a primeira com a colabo-
destaque o Canal Futura, com uma progra-
ração de Urbano Duarte; Calabar (1858), de
mação que se detém, por exemplo, sobre a
Agrário de Menezes; as comédias de Martins
Cultura afro-brasileira, como mecanismo de
Pena (1815-1848). E nada mais. Nem ao menos
formação do cidadão e auxílio às iniciativas
um único texto que refletisse nossa dramática
educacionais.
situação existencial.
É exemplo disso, o projeto “Cor da Cul-
Sem possibilidade de opção, O imperador
tura: Orixás abençoam a música brasileira”. A
Jones se impôs como solução natural. Não
“Cor da Cultura” é um projeto educativo de
cumprira a obra de O’Neill idêntico papel nos
destinos do negro norte-americano? Tratava- valorização da cultura afro-brasileira, fruto de
se de uma peça significativa: transpondo as uma parceria entre o Canal Futura, a Petrobras,
fronteiras do real, da logicidade racionalista o Cidan - Centro de Informação e Documen-
da cultura branca, não condensava a tragédia tação do Artista Negro, a TV Globo e a Seppir
daquele burlesco imperador um alto instante - Secretaria especial de políticas de promoção
da concepção mágica do mundo, da visão da igualdade racial. O projeto teve seu início
transcendente e do mistério cósmico, das em 2004 e, desde então, tem realizado pro-
núpcias perenes do africano com as forças dutos audiovisuais, ações culturais e coletivas
prístinas da natureza? O comportamento mí- que visam práticas positivas, valorizando a
tico do Homem nela se achava presente. Ao história deste segmento sob um ponto de vista
nível do cotidiano, porém, Jones resumia a afirmativo.
experiência do negro no mundo branco, onde, Em 2006, o projeto deu início à capacitação
depois de ter sido escravizado, libertam-no e de professores e distribuição de materiais es-
o atiram nos mais baixos desvãos da socieda- peciais sobre as influências africanas em nossa
de. Transviado num mundo que não é o seu, cultura, e as relações raciais no Brasil. É o passo
Brutus Jones aprende os maliciosos valores mais relevante para tirar do papel a lei 10.639,
do dinheiro, deixa-se seduzir pela miragem de 2003, que tornou obrigatório o ensino de
do poder. Além do impacto dramático, a peça História e Cultura Afro-Brasileira nos ciclos
trazia a oportunidade de reflexão e debate em fundamental e médio da rede pública.
torno de temas fundamentais aos propósitos Pela primeira vez, escolas de diversos es-
do TEN. tados brasileiros recebem grande quantidade
PRODUÇÃO
54
Cultura Afro-Brasileira

de informação, em mídias variadas (vídeos, afro-descendência. As novelas temáticas e de


músicas, jogo, dicionário, apostilas), para en- época, como “A Moreninha”, “Escrava Isaura”
sinar às crianças e adolescentes toda a riqueza ou “Sinhá-Moça”, refletem o tema reincidente
da cultura afro-brasileira e suas contribuições da escravatura, já desgastado no romance ro-
para o país. mântico brasileiro. Quando não, recolocam a
A Tevê Globo, de 29 de junho a 6 de setem- questão da marginalidade ou marginalização
bro de 1985, levou ao ar, no horário nobre da dos negros na sociedade nacional.
noite, trinta capítulos da minissérie de Agui-
naldo Silva, “Tenda dos milagres”, baseada em PROPOSTA DE ATIVIDADE
romance homônimo de Jorge Amado. “Tenda
dos milagres” é um grito contra o preconceito Pesquisar, procurando identificar a pre-
racial e religioso. Narra a história de Pedro sença de marcas da identidade afro-descen-
Arcanjo e sua luta pela afirmação da cultura dente:
popular, durante a ditadura Vargas, momento a. textos e/ou espetáculos teatrais;
que coincidia com o crescimento e ascensão b. roteiros ou fitas cinematográficas;
das casas-de-santo na capital baiana. c. roteiros ou programas televisivos;
A extinta Tevê Manchete, de 9 de outubro A pesquisa pode ser realizada com o apoio
a 2 de novembro de 1990, também no horário de livros de história e de folclore, dicionários,
nobre da noite, exibiu dezesseis capítulos da enciclopédias, fitas de vídeo, DVDs, programas
minissérie “Mãe de santo”, sob a direção de de televisão e com as ferramentas da internet,
Paulo César Coutinho. Os capítulos da minis- dependo dos suportes disponíveis em cada
série tinham como personagem principal uma região. É importante diversificar as fontes de
mãe de santo, e se estruturavam a partir das pesquisa e manter uma visão crítica diante do
orientações que ela dava aos filhos que a pro- material pesquisado, livre de preconceitos éti-
curavam com algum problema. Na tentativa de cos, morais e religiosos, para que se tenha um
explicar as causas do problema e propor uma produto final confiável e aceito por todos.
solução, ela contava a história do orixá que
regia a vida daquele filho. Assim, a televisão
1.4 - Artes plásticas e artesanato
brasileira deu lugar á história do panteão das
divindades afro-brasileiras. Nesse item, nossa seleção será nominal e
O canal GNT, em homenagem aos 100 arbitrária, admitindo, desde já, que inúmeras
anos de nascimento de Pierre Fatumbi Ver- personagens relevantes das artes plásticas e
ger, também levou ao ar um amplo docu- do artesanato de expressão cultural afro-bra-
mentário sobre sua vida e obra, fotográfica e sileira deixarão de ser aqui mencionadas, mas
antropológica, dedicada à cultura africana e a economia do espaço disponível e o caráter
afro-brasileira. indicativo desta apostila, objetivando motivar
As telenovelas, em geral, não têm contri- pesquisas e complementações posteriores,
buído muito para a discussão da cultura afro- justifica e abona o vazio deixado.
brasileira nem para o resgate e valorização da
PRODUÇÃO
55
Cultura Afro-Brasileira

Emanoel Araújo, filho de Vital Lopes de constituição de sua família. Estes três
Araújo, cafuzo, e de Guilhermina Alves de Je- fatores são evidentes e em sua obra
sus, mestiça, nasce em 15 de novembro de 1940, estão acentuadas pelo seu interesse,
Emanoel Alves de Araújo, em Santo Amaro num passado multiétnico e simultâneo
da Purificação, tradicional cidade da Bahia. que vai do Atlântico à Europa e da
Descende de três gerações de ourives, tendo América à África. Um agitador cultu-
sido, à princípio, aprendiz de marceneiro e ral, portanto.
trabalhador, ainda criança. Aos 13 anos, passou Em 1998, quando ministrava um curso
a trabalhar na Imprensa Oficial do Estado da de desenho e gravura no City College da Uni-
sua cidade, em linotipia e composição gráfica. versidade de Nova Iorque, desenvolveu outra
Esta experiência foi fundamental na sua for- técnica para obter peças gravadas, usando
mação, tanto no domínio da técnica quanto da superfícies de plástico laminado e fórmica.
expressão. Após completar o curso secundário, Trabalha o papel imprimindo-o em, no míni-
mudou-se para Salvador com a intenção de mo, três etapas:
cursar arquitetura, mas começou a freqüentar a) os fragmentos criam o que ele chama - en-
exposições e a visitar museus e ateliês, que o viroment;
fez mudar de idéia, ingressando então na Es- b) estrutura a imagem criando linhas de força
cola Federal da Bahia, onde tornou-se aluno e tensão;
de gravura do mestre Henrique Oswald, que c) acabamento: após a forma estar definida e as
o admirava e o queria como seu substituto no tensões resolvidas, faz a opção cromática.
ensino universitário. Sua obra contém duas correntes: a posição
O desenvolvimento de seu estilo e da for- histórica de sua arte com a moldura ideoló-
mação de seu material cultural, passa pelos gica do final do século XX e a importância da
seguintes estágios: África e dos africanismos brasileiros na sua
▪ O mundo da Bahia, descrevendo a lo- estética. Duas correntes que se unificam na
calidade baiana tipicamente tropical, relação do estilo neo-africano de alguns de
flora e fauna. seus contemporâneos no Brasil, no Caribe e
▪ A história sócio-cultural da região: os na América do Norte.
índigenas e a imposição da escravidão Agnaldo dos Santos, nascido em dezem-
pelos portugueses com a chegada dos bro de 1926, no povoado da Gamboa, em Mar
africanos, que resulta virtualmente, Grande, litoral norte da ilha de Itaparica, lo-
num período africano. calidade plena de manifestações das religiões
▪ A sua ancestralidade, ameríndia e de seus ancestrais (Candomblé), jamais teve
iorubá, seu pai, seu avô e seu bisavô, contato com tais cultos - conforme depoimen-
eram ourives, artesãos de grande de- tos de seu pai, João Taparica, de sua irmã, e de
senvolvimento criativo. Mantivemos Dona Ernestina, viúva de Agnaldo. Por outro
os adjetivos cafuzo e mestiça, respei- lado, Clarival do Prado Valladares, em seu
tando a fala do artista que ressaltou “Origem e Revelação de um escultor primiti-
a presença africana e indígena na vo” (Revista Afro-Ásia, no. 14, 1983), apontava
PRODUÇÃO
56
Cultura Afro-Brasileira

a familiaridade de Agnaldo com o Candomblé. seus 90 anos, nascido na Amoreira e criado na


Descoberto casualmente por Mário Cravo Jr., Gamboa, que trabalhava na roça o dia inteiro,
Agnaldo foi contratado para executar serviços sob uma temperatura média de 40 graus.
gerais em seu estúdio do Rio Vermelho, onde Com seus 1,90m, falou das poucas lem-
passou a conhecer o instrumental necessário branças de Agnaldo, já que este fora criado por
ao ofício de escultor. outras pessoas. O mais impressionante, porém,
Os antigos que sustentam que Agnaldo, é a altivez com que se expressava e se deno-
embora nascido para a arte na casa de Cravo minava “Formador de Roça”, enfrentando seu
Jr., nada deve do ponto de vista da lingua- destino com o fatalismo de uma personagem
gem, a este último, também afirmam (Caribê, trágica. Dizia que “Sou do campo e só paro
Mirabeau Sampaio, Antonio Rebouças) que quando morrer”. “A vida é a enxada”, era sua
Agnaldo era o mais leal e gentil companheiro, máxima. Agnaldo expressava-se, igualmente
o mais nobre e honrado dos homens, e de uma de maneira singela, mas altiva e orgulhosa.
elegância e polidez naturais absolutamente in- Valladares assim se refere a Agnaldo: “Me-
comuns. Mirabeau exemplifica tal nobreza de recia viver porque era homem bom, era uma
sentimentos relatando uma visita de Agnaldo à pessoa que dignificava a espécie humana, era
sua casa. Conversavam junto à célebre coleção um grande artista. Tudo transmite esta gran-
de imagens de Dr. Mirabeau, quando Agnal- deza no homem e no artista”.
do sobressaltou-se: divisou subitamente uma Agnaldo Manoel dos Santos morreu no
imagem recém adquirida por Mirabeau - uma dia 26 de abril de 1962, aos 35 anos de idade.
peça do século XVII, uma conceituação incrus- Rubem Valentim (1933-1992) lida com o
tada numa ogiva. Agnaldo tinha de executar machado duplo, o oxê de Xangô, o xaxará de
algumas peças com a mesma solução formal, Omolu, o ibiri de nãnã, o abebê de Ogum, os
sem jamais ter visto obra análoga. Apressou- símbolos de ferro de Ossanhe e de Ogum, o
se então a assegurar a Mirabeau, ou melhor, pachorô de Oxalá em textura lisa num espaço
suplicou que Mirabeau lhe assegurasse jamais construtivista. Todos presentes no painel dos
ter havido a possibilidade de ter visto a santa orixás que construiu para o Ministério de
antes. O episódio ilustra bem o senso ético e Relações Exteriores, no Palácio dos Arcos, em
a lisura de procedimento de um homem de Brasília. Todo branco em relevo salientando os
origem, sem sombra de dúvida, nobre. emblemas da entidade, constitui uma dedução
O perfil traçado completa-se por uma das colunas que Oscar Niemayer desenha para
elegância impecável, tanto que amigos mais o Palácio do Planalto (sede do poder executi-
íntimos brincavam chamando-o “Príncipe vo), o edifício do Supremo Tribunal Federal
dos Hauçás”. Quanto à noção geral de que e o Palácio da Alvorada, índice da fluidez
Agnaldo teria origem nobre, por seu porte e estrutural, patente em toda a produção do ar-
comportamento, o que pode-se apenas vislum- quiteto. O painel dá a impressão de respaldar
brar através dos depoimentos e das raras foto- não apenas o edifício, mas toda a diplomacia
grafias encontradas, parte de uma entrevista brasileira, menos pela força tectônica que pela
com seu pai: João Taparica - um homem já com telúrica que emana de cada emblema.
PRODUÇÃO
57
Cultura Afro-Brasileira

A obra de Valentim é uma procissão dos parte substantiva da obra. Na sequência ele
símbolos para as formas. O símbolo funciona passou a utilizar a cor, a destacar linhas cur-
como um operador dentro de um sistema en- vas de fundo e a eliminar a base, o chão. Suas
quanto que a forma surge a partir de si mesma, figuras passam a movimentar-se no espaço na
instituindo o próprio fundo. Disso resulta a série Capoeira Sideral.
observação pertinente do crítico de arte Paulo Em seguida Lizar começou a sintetizar
Herkenhoff, que na construção de seu corpus formas, a afastar-se de uma caracterização
divino, Valentim evita a atmosfera de magia explícita da figuração e a aproximar-se do
cara a Wifredo Lam, e opta pela ordem e cla- movimento descrito pelas figuras no espaço.
reza, pela simetria como projeto ordenador do Em outras palavras, acentuou o processo de
trânsito entre o homem e o mundo. abstração e de espiritualização destas formas
Na pintura, o branco surge como um sorri- e combinou-as com cores expressivas. Suas
so que descortina as trevas, às vezes organizan- formas derivam dos vários movimentos da
do um malabarismo de luzes disciplinado por capoeira, como o de armada, da esquiva, do
formas geométricas. Já o painel é inteiramente martelo, de meia lua de compasso, da tesoura
luz medida sobre o cheio e o vazio. de cintura e outros.
Lizar é pintor, desenhista, escultor, gra- Que fique claro que Lizar não pretende
vador e ativista cultural em São Paulo há com sua obra documentar a capoeira, seus
trinta anos. Consciente das dificuldades de golpes, sua ginga, sua manha. Ele a toma como
materialização de uma obra com originais ponto de partida para a criação de uma obra
particularidades negras na atualidade, já que nova, que embora referenciada numa manifes-
a simbologia recorrente desta caracterização é tação da cultura negra, não a reproduz.
por demais utilizada, Lizar vem desenvolven- Ele produz, sim, uma nova obra, ágil e
do um trabalho em que o conteúdo espiritual, vigorosa, na qual estão presentes as duas gran-
a vibração, a emoção e a pulsão, sobrepõe-se ao des paixões humanas - a alegria (laetitia) e a
puramente formal e ao simbólico-formal. tristeza (tristitia) - com características incon-
Isto não quer dizer que seu trabalho pres- testáveis e universais da negritude.
cinda do símbolo. Às vezes ele recorre as for- Marcelo Vieira Técnico em cerâmica, o jo-
mas que evocam, representam ou substituem vem Marcelo Vieira começou a realizar peque-
outras coisas, sobretudo quando estas são de nas pinturas em pratos de porcelana utilizando
natureza religiosa. massa epóxi como base de relevo.
O fulcro da obra plástica atual de Lizar é Isto no final do ano de 1997. Nesse perío-
uma africanidade brasileira de ampla inserção do freqüentava uma oficina de artes plásticas
na cultura do país: a capoeira. Aproximando- em Diadema, sua cidade natal. Inicialmente,
se do tema da capoeira no início dos anos 70, Marcelo não tinha pretensões de expor seus
Lizar recriou-a por três anos, em desenho trabalhos. Contentava-se em poder exercitar
monocromático, na série que denominou de sua negritude, através da arte.
Capoeira Mecânica. Foi a fase de preparação Convidado a participar do projeto “Arte
em que o artista adestrou-se no desenho, na nos Terminais”, da EMTU (Empresa Metro-
PRODUÇÃO
58
Cultura Afro-Brasileira

politana de Transportes Urbanos) onde suas O que define a literatura infantil? Ser escri-
obras foram selecionadas para participar de ta por crianças? Ter uma linguagem infantil?
um circuito de exposições pelos terminais da Tratar de temas próprios das crianças? Todos
região do ABCD, Marcelo teve a grata surpresa esses aspectos juntos? Ou algum outro além
de cair no gosto do público, que se identificou deles? Enfim, a literatura infantil se define
com as cores, o movimento, a dança e a forma como tal em função do público ao qual se
guerreira que a raça negra possui e que são o dirige, presente que está, na própria estrutura
tema de seus trabalhos. textual, através de marcas interiores aos pró-
Atualmente, com muitos planos e metas prios textos em que ela se expressa.
a cumprir, Marcelo Vieira busca patrocínio Sendo isso verdade, nem Machado de
para desenvolver trabalhos sociais e poder Assis, nem Cruz e Souza, nem Lima Barreto
viajar para exibir sua arte em outros países, escreveram literatura afro-brasileira. Nem
principalmente africanos. mesmo aquele texto escrito para a coleção de
O artesanato popular, comum nas ruas e paradidáticos da educação básica, que apre-
praças públicas de todo o Brasil, é, em muito senta personagens negras, é, por si mesmo
tributário da arte popular e religiosa africanas. e somente por isso, literatura afro-brasileira.
A palha-da-costa das pulseiras e dos braceletes Para o ser, deveria prever, como leitor, no
bem como as miçangas dos colares ligam-se próprio universo textual, indicado por marcas
às indumentárias e à adereçaria dos orixás e discursivas, um afro-brasileiro.
dos adeptos do culto, assim como os búzios e Grande incoerência, então, afirmar isso.
as conchas. Muitos dos entalhes em madeira Que leitor nacional, assumidamente, não se
mantêm, também, estreitas relações com o enquadra no padrão étnico da afro-brasilidade?
imaginário dos “erês” africanos - estátuas en- Qual de nós não é, de fato, afro-descendente?
talhadas na madeira. Por parte de pai ou por parte de mãe? Em que
veia de um brasileiro não correm traços genéti-
1.5 - Literatura cos de um ancestral negro, ainda que distante?
Ser brasileiro é ser afro-descendente.
Será possível classificar a obra de Macha- Assim, o que podemos, nesse caso, para
do de Assis, escritor mulato, com ascendência procurar, de maneira didática, orientar na di-
negra, de literatura afro-brasileira? E Cruz e reção de uma literatura afro-brasileira aceitável
Souza escreveu poesias que expressassem uma sob o ponto de vista crítico-teórico, é falar de
afro-brasilidade? Lima Barreto, o grande escri- textos em que a presença de referências diretas
tor brasileiro negro, fez literatura com marcas à constituição de uma Cultura afro-brasileira,
afro-descendentes? Talvez, por problemas com personagens e temas concernentes à afro-
intrínsecos à teoria e à crítica literárias, a litera- descendência, seja notada de maneira bastante
tura seja, das manifestações artístico-culturais, evidente pelo leitor.
a que implica maiores dificuldades para classi- É necessário, contudo, apontar que nem
ficação com a locução adjetiva que lhe indique todos os textos em que aparecem personagens
a propriedade de ser afro-brasileira. negras ou que tratam de temas relativos à cul-
PRODUÇÃO
59
Cultura Afro-Brasileira

tura ancestral africana ou à afro-brasilidade, em sentido lato, e a Cultura Afro-brasileira,


podem ser taxados de literatura afro-brasileira, em sentido estrito.
segundo os parâmetros que acima conven- Todas as referências que fizemos à Cultu-
cionamos ter como paradigma de análise e ra afro-brasileira versou, efetivamente, sobre
definição. a Cultura brasileira, destacando nela traços
Há inúmeros textos em que se verificam, remanescentes da Cultura africana, trazida
na verdade, expressões de preconceito ou para o Brasil nos porões dos navios negreiros,
racismo, ratificando e reiterando uma fobia durante o período escravocrata. Assim, falar
étnica branco-européia, mantenedora do de Cultura brasileira é, forçosamente, falar de
etnocentrismo do período colonial-imperial Cultura afro-brasileira, e vice-versa.
brasileiro. Distinguir, no bojo da Cultura nacional
Não ousamos, por precaução, apresentar aquilo que se possa reunir sob a adjetivação de
um corpus textual nem um elenco de autores afro-brasileiro requererá, sempre, senso crítico
afro-brasileiros. Preferimos, preliminarmente, aguçado e conhecimento das raízes históricas
apontar, apenas e tão somente, uma diretriz dos povos africanos que participaram da for-
norteadora, que, de certa maneira, permitirá mação do ser nacional.
seleções apropriadas, em cada e dado ambiente
e momento, conforme as peculiares do público
leitor.
Há programas de pós-graduação que têm
por objeto de estudo a literatura de expressão
afro-descendente, e coleções editoriais que se
destinam, especificamente, à temática e à esté-
tica afro-brasileiras. Cabe uma leitura crítica e
criteriosa do conjunto que estudam ou publi-
cam a fim de que se possa, em um futuro breve,
desfazer o nó que ata e desata a especificidade
de uma possível literatura afro-brasileira frente
ao conjunto da literatura brasileira.
Tendo chegado ao final deste módulo, Ma-
nifestações Culturais, em que abordamos um
leque diversificado de manifestações artístico-
culturais rotuladas de afro-brasileiras, pelo
que vimos até aqui, resumida e panoramica-
mente, tanto pela amplitude e diversidade do
tema quanto pela economia necessária frente
ao espaço reduzido, não há, de fato, umadis-
tinção tão clara e que se possa apontar sem
questionamentos, entre a Cultura brasileira,
PRODUÇÃO
60
Cultura Afro-Brasileira

ATIVIDADE

Pesquisar, no artesanato popular local, peças desenvolvidas com matéria


prima própria das artes plásticas ou do artesanato africano ou que repre-
sentem aspectos/temas ou estratégias estéticas da cultura africana ou afro-
brasileira:

A pesquisa pode ser realizada com o apoio de livros de história e de folclore,


dicionários, enciclopédias, fitas de vídeo, DVDs, programas de televisão
e com as ferramentas da internet, dependo dos suportes disponíveis em
cada região. É importante diversificar as fontes de pesquisa e manter uma
visão crítica diante do material pesquisado, livre de preconceitos éticos,
morais e religiosos, para que se tenha um produto final confiável e aceito
por todos.

SITES DE REFERÊNCIA

http://www.apcab.net/

http://www.bibvirt.futuro.usp.br/index.php/especiais/cultura_africana_e_
afro_brasileira

PRODUÇÃO
61
Cultura Afro-Brasileira

METODOLOGIA DE CASOS:
APRENDENDO COM A REALIDADE

1 Pesquisar, entre títulos de coleções de paradidáticos, a presença de referências


diretas à constituição de uma Cultura afro-brasileira, com personagens e temas
concernentes à afro-descendência, seja notada de maneira bastante evidente pelo
leitor.
A pesquisa pode ser realizada com o apoio de livros de história e de folclore,
dicionários, enciclopédias, fitas de vídeo, DVDs, programas de televisão e com as fer-
ramentas da internet, dependo dos suportes disponíveis em cada região. É importante
diversificar as fontes de pesquisa e manter uma visão crítica diante do material pesqui-
sado, livre de preconceitos éticos, morais e religiosos, para que se tenha um produto
final confiável eaceito por todos.

2 Pesquisar, no artesanato popular local, peças desenvolvidas com matéria


prima própria das artes plásticas ou do artesanato africano ou que representem
aspectos/temas ou estratégias estéticas da cultura africana ou afro-brasileira:
A pesquisa pode ser realizada com o apoio de livros de história e de folclore,
dicionários, enciclopédias, fitas de vídeo, DVDs, programas de televisão e com
as ferramentas da internet, dependo dos suportes disponíveis em cada região. É impor-
tante diversificar as fontes de pesquisa e manter uma visão crítica diante do material
pesquisado, livre de preconceitos éticos, morais e religiosos, para que se tenha um
produto final confiável e aceito por todos.

PRODUÇÃO
62
Cultura Afro-Brasileira

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Cultura, conforme nos propusemos a pensar ao longo desta apostila,


surgiu quando o homem convencionou sua primeira regra de convivência
em grupo. Assim, nossa perspectiva, durante todo o tempo em que pensa-
mos as diferentes manifestações culturais estudadas, foi a de entender que
a Cultura deva ser vista como todo e qualquer comportamento aprendido
pelo homem, em convívio social, ou seja, tudo aquilo que, independente-
mente de uma transmissão genética, ele aprende na experiência gregária
a que é submetido desde o nascimento. A Cultura pode, portanto, ser es-
tudada de maneira sistemática, enquanto fenômeno que possui causas e
regularidades.
A Cultura afro-brasileira, segundo esse ponto de vista norteador do
qual partimos, corresponderia à parcela da Cultura brasileira que apresente
marcas do aprendizado que os negros africanos trouxeram, desde a África-
mãe para o Brasil, e que, num amálgama de estratos, onde nenhum deles é
sub- ou super- em relação ao outro, constituem uma miscigenação de povos,
de culturas: do branco-europeu, do negro-africano e do índio da terra.
Independentemente do autor, do produtor, do emissor, do agente cul-
tural, o que interessa é o conjunto híbrido do produto, da peça, da obra, em
que coexistam elementos advindos do aprendizado dos negros africanos
ou dos afro-descendentes e de outras origens culturais, branco-européias
ou indígenas da terra, mas que, acima de tudo, falem de uma brasilidade
mestiça, na qual os negro-africanos apareçam com destaque.
Diante do fenômeno cultural, é necessário ter senso crítico e dispor de
uma enciclopédia pessoal que permitam identificar a presença de tais traços,
dessas marcas africanas que permanecem, a despeito do tempo passado
desde o início, ainda no Quinhentos do milênio que há pouco se findou.
Serão as marcas, esses traços, que indicarão se estamos diante, ou não, de
uma autêntica manifestação da Cultura afro-brasileira.
Para tanto, é importante, ainda, estar livre de preconceitos de qualquer
ordem: étnico, moral, religioso, social, político, histórico, cultural.
Assim preparados, podemos enfrentar a empreitada de refletir sobre
a Cultura afro-brasileira, sobre aspectos que dizem respeito à identidade
nacional brasileira.

PRODUÇÃO
63
Cultura Afro-Brasileira

REFERÊNCIAS
Textos impressos
ALMEIDA, Gercilga de. Bruna e a galinha d’Angola. Rio de Janeiro: Pallas.
AMARAL, Rita. Xirê, o modo de crer e de viver do candomblé. Rio de Janeiro: Pallas.
ASSUNÇÃO, Luís. O reino dos encantamentos - a tradição da Jurema na umbanda nordestina. Rio de Janeiro: Pallas.
AUGRAS, Monique. Todos os santos são bem-vindos. Rio de Janeiro: Pallas.
BACELAR, Jéferson et CAROSO, Carlos (orgs.). Brasil, um país de negros. Rio de Janeiro: Pallas.
______. A hierarquia das raças - negros e brancos em Salvador. Rio de Janeiro: Pallas.
BARCELLOS, Mário César. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas.
______. Os orixás e o segredo da vida - lógica, mitologia e ecologia. Rio de Janeiro: Pallas.
BARROS, José Flávio Pessoa de. A fogueira de Xangô - introdução à música sacra afro-brasileira. Rio de Janeiro:
Pallas.
______. Olubajé: o banquete do rei Omolu - introdução à música sacra afro-brasileira. Rio de Janeiro: Pallas.
BEATA DE YEMONJÁ, Mãe. Caroço de dendê: A sabedoria dos terreiros - como ialorixás e
babalorixás passam conhecimentos a seus filhos. Rio de Janeiro: Pallas.
BERNARDO, Terezinha. Negras, mulheres e mães - lembranças de Olga de Alaketu. Rio de Janeiro: Pallas.
BOLA SETE, Mestre. Capoeira angola - do iniciante ao mestre. Rio de Janeiro: Pallas.
______. A capoeira angola na Bahia. Rio de Janeiro: Pallas.
BRANDÃO, André Augusto. Miséria da periferia - desigualdades raciais e pobreza na metrópole do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Pallas.
CAPONE, Stefania. A busca da África no candomblé. Rio de Janeiro: Pallas.
CARVALHO, Marcos Antônio L. de. Gaiaku Luíza e o jeje-mahin. Rio de Janeiro: Pallas.
COSTA, José Rodrigues da. Candomblé de Angola. Rio de Janeiro: Pallas.
D’ADESKY, Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo - racismos e anti-racismos no
Brasil. Rio de Janeiro: Pallas.
ELIAS, Cosme. O samba de Irajá. Rio de Janeiro: Pallas.
FARELLI, Maria Helena. Comida de santo. Rio de Janeiro: Pallas.
FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro-descendente - identidade em construção. Rio de Janeiro: Pallas.
GASPAR, Eneida Duarte. Guia de religiões populares do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas.
JOAQUIM, Maria Salete. O papel d liderança religiosa feminina na construção da identidade negra. Rio de Janeiro:
Pallas.
LINS, Anilson. Xangô de Pernambuco - a substância dos orixás segundo os ensinamentos contidos “Manual do sítio”
de Pai Adão. Rio de Janeiro: Pallas.
LODY, Raul. Pierre Fatumbi Verger - Múltiplos olhares sobre o fotógrafo-babalaô. Rio de Janeiro: Pallas.
______. O povo de santo - religião, história e cultura dos orixás, vóduns, inquices e caboclos. Rio de Janeiro: Pallas.
______. Santo também come. Rio de Janeiro: Pallas.
______. Tem dendê, tem axé - etnografia do dendezeiro. Rio de Janeiro: Pallas.

PRODUÇÃO
64
Cultura Afro-Brasileira

______. Dicionário de arte sacra & técnicas afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas.
LOPES, Nei. O negro no Rio de Janeiro e sua tradição musical. Partido-alto, calango, chula e outras cantorias. Rio de
Janeiro: Pallas.
______. Novo dicionário banto do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas.
LUZ, Marco Aurélio. Do tronco ao opa exim - memória e dinâmica da tradição afro-brasileira. Rio de Janeiro: Pallas.
______. Agadá - dinâmica da civilização africano-brasileira. Salvador: Edufba, 2000.
MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (org.). Candomblé - religião do corpo e da alma. Rio de Janeiro: Pallas.
______. Culto aos orixás, voduns e ancestrais. Rio de Janeiro: Pallas.
OLIVEIRA, Rafael dos Santos de (org.). Candomblé - diálogos fraternos conta a intolerância
religiosa. Rio de Janeiro: DP&A.
OXALÁ, Adilson de. Igbadu - a cabaça da existência. Mitos da tradição nagô revelados. Rio de Janeiro: Pallas.
PRANDI, Reginaldo (org.).Encantaria brasileira - o livro dos mestres, caboclos e encantados. Rio de Janeiro: Pallas.
RAMOS, Sílvia (org.). Mídia e racismo. Rio de Janeiro: Pallas.
ROCHA, Agenor Miranda. Caminhos de Odu. Rio de Janeiro: Pallas.
______. As nações kêtu - origens, ritos e crenças. Os candomblés antigos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad,
2000.
RODRIGUES, João Carlos. O negro brasileiro e o cinema. Rio de Janeiro: Pallas.
ROSA, Sônia. Capoeira - lembranças africanas. Rio de Janeiro: Pallas.
______. Maracatu - lembranças africanas. Rio de Janeiro: Pallas.
______. Jongo - lembranças africanas. Rio de Janeiro: Pallas.
______. Feijoada - lembranças africanas. Rio de Janeiro: Pallas.
SALLES, Nívio Ramos. Rituais negros e caboclos. Rio de Janeiro: Pallas.
SANSONE, Lívio. Negritude sem etnicidade. Rio de Janeiro: Pallas.
SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do se negro - um percurso das idéias que naturalizam a inferioridade
dos negros. Rio de Janeiro: Pallas.
______. Mulher negra, homem branco. Rio de Janeiro: Pallas.
SIQUEIRA, José Jorge. Entre Xangô e Orfeu. Rio de Janeiro: Pallas.
VOGEL, Arno; MELLO, Marco Antonio S. et BARROS, José Flavio Pessoa de. Galinha
d’Angola - iniciação e identidade na cultura afro-brasileira. Rio de Janeiro: Pallas.

Sites
http://www.ufrgs.br/iletras/links/afrobras.htm
http://www.ditudo.etc.br/diretorio/artes_e_cultura/tematica.html
http://www.portalafro.com.br/
http://pt.wikipedia.org/
http://ospiti.peacelink.it/zumbi/home.html
http://www.nzinga.org.br/
http://wara_olode.vilabol.uol.com.br/comp.htm

PRODUÇÃO
65
Cultura Afro-Brasileira

http://www.quilombhoje.com.br/
http://www.cultura.gov.br/programas_e_acoes/index.php?p=969&more=1&c=1&pb=1
http://www.oluwa.com.br/
http://www.mundonegro.com.br/
http://www.letras.ufmg.br/literafro/frame.htm
http://www.terrabrasileira.net/folclore/origens/africana/
http://www2.uol.com.br/afrobrasil/
http://pretosnovos.com.br/
http://www.ritosdeangola.com.br/
http://kwe.ceja.neji.vilabol.uol.com.br/
http://www.abadacapoeira.com.br/
http://www.jongodaserrinha.org.br/

PRODUÇÃO
66

Das könnte Ihnen auch gefallen