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Resumo: Este trabalho pretende socializar uma experiência com o gênero cordel em
sala de aula com duas turmas do 6º semestre de Letras. Imerso em preconceitos
que envolvem os textos denominados como populares, o cordel tem o seu espaço
negado no trabalho com gêneros textuais, apesar de constar inclusive nos PCN. O
curso de Letras propõe-se a capacitar profissionais para atuar em sala de aula de
modo a apresentar possibilidades viáveis para o trabalho com leitura e escrita a
partir do enfoque de gêneros textuais diversos, buscando a formação de leitores
eficientes. De posse das informações acima, busca-se a inserção do cordel no
trabalho com gêneros textuais, o que pode ser feito em diversos contextos, mas que
ganha um gostinho especial por abordar uma produção tipicamente nordestina, onde
os sujeitos podem reconhecer elementos que caracterizam seu contexto sócio-
cultural.
INTRODUÇÃO
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O escritor Rodolfo Coelho Cavalcante, alagoano radicado em Salvador, escreveu o cordel Origem da literatura
de cordel e a sua expressão de cultura nas letras do país, em 1980, propondo-se a estabelecer as diferenças entre
o cordel europeu e os folhetos nordestinos.
Sempre fomos como ilhas cercadas de gêneros por todos os lados, já que
a interação humana se estabelece a partir do uso dos gêneros disponíveis em cada
contexto. Presentes desde as sociedades mais primitivas, a partir do advento da
escrita e, principalmente da imprensa, tiveram um crescimento surpreendente, já
que as possibilidades interativas criadas por meio tecnológicos extrapolaram os
limites estabelecidos até então e atribuíram novos contornos e formas aos já
existentes, além de criarem outras possibilidades.
Esses três aspectos básicos — sobre o que se fala, quem fala e como se fala
— são definidores do contexto, ao mesmo tempo que dependem do contexto
em que uma determinada atividade humana se desenvolve mediada pela
linguagem. A consciência desses três aspectos nos possibilita ser mais ou
menos articulados no uso da linguagem para alcançar determinados
objetivos e nos apropriarmos e expandirmos o repertório de gêneros
discursivos disponíveis em nossa cultura.
(MEURER; MOTTA-ROTH, 2002, p. 11)
O professor que lida com textos e depende dos textos para ensinar os
conteúdos das respectivas disciplinas precisa conscientizar-se de que,
também ele, ensina o aluno a ler e a escrever. Compete-lhe, portanto,
independentemente da área de conhecimento em que atue, alertar e orientar
seus alunos para a adequação e a justeza da expressão verbal, pelo menos
no que se refere à consistência do raciocínio e à propriedade de sua
formulação no texto. Esta propriedade envolve os recursos de incorporação /
apropriação da fala alheia (citações, referencias, retextualizações), o
vocabulário, a pontuação, os meios de conexão e de encadeamento das
orações, períodos e parágrafos, entre outras coisas.
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Cada grupo tinha entre 07 e 10 componentes para viabilizar a proposta anterior de fazer apresentações em praça
pública.
por se tratar de um mesmo personagem. Enquanto O sertão é o meu lugar
apresenta o contexto sertanejo e a valorização da identidade nordestina, A história
de um tabaréu buscando a vida na capital mostra as peripécias de alguém que vem
do interior e tenta se adaptar à vida numa metrópole. Em O pai que forçou a filha na
sexta-feira da paixão o autor apresenta a história de um incesto praticado por um
homem que violenta sua enteada, tema que aborda um comportamento que fere os
conceitos morais supostamente constituintes de qualquer sociedade, além do apelo
aos valores cristãos, dada a importância da data do ocorrido para o contexto
religioso católico. Justiça macabra discute o fato ocorrido há alguns anos em
Eldorado de Carajá e que resultou no assassinato de militantes do MST (Movimento
dos Sem Terra), enquanto Cuíca de Santo Amaro, o tal poeta desbocado aproveita a
comemoração do centenário deste poeta baiano para reverenciar sua figura
polêmica, assim como sua importância na configuração do cordel brasileiro. Pedro
Malasarte, figura do imaginário brasileiro, aparece em mais um de suas tão
divulgadas artimanhas para tirar vantagem de todas as situações, correspondendo à
imagem estereotipada do malandro. O texto O homem que engoliu as letras do
alfabeto situa o lugar da leitura e da escrita na sociedade brasileira, destacando a
importância do desenvolvimento destas no universo do cordel.
Cada grupo buscou apresentar o cordel escolhido de modo a retratar a
narrativa de cada texto. Para isto, alguns optaram por sua encenação, numa
tentativa de reconstituir as situações descritas, enquanto outros tentaram apenas
fazer a leitura do cordel. Uma vez que a declamação deste gênero e a configuração
de sua estrutura estão pautadas no desenvolvimento da memorização, observou-se
que, incapazes de decorar o texto, por diversos fatores, entre eles a falta de tempo,
os alunos recorreram à escrita como suporte, o que fez com que projetassem no
retroprojetor ou no datashow o próprio texto, muitas vezes atrelando-o a imagens
que compõem a paisagem nordestina. A análise das imagens escolhidas permite
perceber a reprodução do discurso do outro sobre o nordeste, mais precisamente
sobre o sertão, e um apagamento ou neutralização do seu olhar como nordestino e
sertanejo. Esta atividade foi desenvolvida em Xiquexique, cidade do sertão baiano,
mas em nenhum momento as apresentações utilizaram imagens da região. Ao
retratarem o sertão, procuraram mostrá-lo com ares de alteridade, como se não
estivessem inseridos no contexto descrito, numa demonstração de distanciamento
que indica a negação de uma filiação que os representa. Ao compor o figurino dos
personagens optaram por uma caracterização estereotipada, utilizando elementos
que por vezes sequer correspondiam ao imaginário popular. Vale ressaltar que,
quando do trabalho teórico, muitas vozes referiam-se ao sertão como o lugar do
outro. Entretanto, o desenvolvimento deste trabalho trouxe à tona a relação estreita
que alguns alunos têm o cordel, a ponto de descobrir-se que dentre os alunos há
quem escreva, quem tenha neste gênero um referencial familiar e até quem já
esteve no posição de leitor autorizado na sua comunidade.
Acostumados ao olhar da literatura tida como erudita, que coloca as
produções tidas como populares numa posição marginal, os sujeitos envolvidos no
desenvolvimento deste trabalho não demonstraram dificuldade para reconhecer no
cordel elementos que permitem a sua classificação como representante da literatura
e da poesia brasileiras, sempre citando os canônicos como poetas e os demais
como apenas cordelistas, o que evidencia o preconceitos criado em torno de um
gênero que alguns sequer conheciam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FREITAS, Jotacê. Cuíca de Santo amaro, o tal poeta desbocado. Salvador: Tapera:
2007.
______. O homem que engoliu as letras do alfabeto. 2. ed. Salvador: Tapera, 2006.
LIMA, João Severiano. O pai que forçou a filha na sexta-feira da paixão. s.d.
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos.. Memória das vozes: cantoria, romanceiro e
cordel. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado da
Bahia, 2006.