Sie sind auf Seite 1von 20

Políticas Públicas: Definição, Evolução e o Caso Brasileiro

Antônio Sérgio Araújo Fernandes1

Definição
Quando pensamos em políticas públicas, logo nos vêm à cabeça as várias funções
sociais possíveis de serem exercidas pelo Estado, tais como saúde, educação, previdência,
moradia, saneamento básico, entre outras. Na prática se trata disso, entretanto para que sejam
implementadas as diversas políticas em cada área social é necessário definir e compreender a
estrutura institucional do Estado que contempla tais funções, ou seja, seu conjunto de órgãos,
autarquias, ministérios competentes em cada setor, além do processo de financiamento e
gestão.
Por conta disso, normalmente costuma-se pensar o campo das políticas públicas
unicamente caracterizado como administrativo ou técnico, e as
sim livre, portanto, do aspecto “político” propriamente dito, que é mais evidenciado na
atividade partidária e eleitoral. Esta é uma meia verdade, dado que apesar de se tratar de uma
área técnico-administrativa a esfera das políticas públicas também possui uma dimensão
política uma vez que está relacionada ao processo decisório. Isto é, ao Estado é imperativo
fazer escolhas sobre que área social atuar, onde atuar, por que atuar e quando atuar. Estas
escolhas, por parte do Estado, que se transformam em decisões são condicionadas por
interesses de diversos grupos sociais. Representam conquistas que se traduzem legalmente em
direitos ou garantias defendidos pela sociedade. O Estado terá que intermediar e negociar
estes interesses, na busca de estabelecer critérios de justiça social visando um discernimento
político sobre suas funções sociais e qual o alcance delas.
De acordo com Bolívar Lamounier a compreensão do significado das políticas
públicas corresponde a um duplo esforço: de um lado entender a dimensão técnico-
administrativa que a compõe buscando verificar a eficiência e o resultado prático para a
sociedade das políticas públicas; e de outro lado reconhecer que toda política pública é uma
forma de intervenção nas relações sociais em que o processo decisório condiciona e é
condicionado por interesses e expectativas sociais.
Para melhor entendimento observemos dois exemplos que vão procurar ilustrar a
convivência das dimensões técnico-administrativa e política na área de políticas públicas.
Tomemos como primeiro exemplo a área de saúde. Como sabemos a área de saúde no Brasil é

1
Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Políticas Públicas da UNESP/Campus Ararquara.
1
uma função social exercida de forma integral pelo Estado. Todos sabemos também que apesar
do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, legalmente fornecer cobertura integral de saúde
a todos os cidadãos do país, mostra na maior parte das vezes um péssimo funcionamento
evidenciado, por exemplo, na demora de atendimento para consultas e exames médicos. Quais
as razões que explicam este problema é uma questão que requer um tratamento tanto ligado à
compreensão das estruturas institucionais e de funcionamento administrativo do SUS quanto a
argumentos ligados à intermediação de interesses políticos inerentes ao processo da política
de saúde o Brasil.
Um outro exemplo pode ser notado no caso dos sistemas de previdência de qualquer
país do mundo. A previdência é uma função social normalmente assumida por qualquer nação
democrática. Evidencia-se no contexto atual que as expectativas de vida aumentam a cada
década e cada vez mais será difícil manter do ponto de vista atuarial, um sistema de
previdência em que mais pessoas se aposentam ficando muito tempo recebendo proventos, ao
mesmo tempo que, o número de contribuintes diminui por conta disso. Diante deste problema
o Estado deve criar mecanismos que visem sustentar o sistema previdenciário para as
gerações vindouras e se isso implicar em ruptura com direitos e garantias futuras que onerem
pesadamente o sistema, este é um custo político que o Estado terá de arcar. O interesse dos
aposentados da geração atual não pode inviabilizar o direito de todos os cidadãos receberem
aposentadoria no futuro. Este critério de justiça social deve ser negociado com a sociedade e
decidido pelo Estado e ele é político, porém tendo como base dados técnicos de
sustentabilidade financeira do sistema.
Podemos perceber até o momento que definir políticas públicas enquanto algo
simultaneamente político e técnico-administrativo é tarefa complexa. Segundo Bolívar
Lamounier isso pode ser melhor elucidado se consideramos dois conceitos clássicos muito
importantes que definem o significado da formulação e implementação de políticas públicas,
quais sejam: agenda e arenas decisórias. A agenda determina os objetos e agentes de conflito
no Poder Político2. O objeto da política que está em jogo em qualquer processo decisório
determina a participação ou não de vários indivíduos e grupos e a entrada de ou não de novos
participantes, formando a composição dos grupos de interesses. Tomemos como exemplo as
políticas de saúde, educação e assistência social no Brasil. Constitucionalmente está
estabelecido e regulamentado por leis ordinárias respectivas em cada uma das áreas que a

2
A noção clássica de agenda está contida em Shcattschneider. Sobre agenda o trabalho de Mario Fuks traz uma
importante síntese sobre esse conceito.

2
gestão destas políticas será realizada por meio de conselhos estaduais e municipais paritários,
ou seja, compostos pelo Governo, pelos profissionais de cada área respectiva e por membros
da sociedade civil que representam os cidadãos. Ou seja, a definição da agenda da política de
saúde, educação e assistência social, pressupõe a presença destes três setores - governos,
profissionais e usuários ou cidadãos, que juntos vão discutir, fiscalizar o funcionamento da
política, estabelecer conflitos e chegar a consensos em torno da alocação de recursos e dos
mecanismos de gerência administrativa.
Os objetos de decisão do poder político compõem arenas decisórias que de acordo
com a noção clássica de Lowi, se dividem conceitualmente em três tipos: regulatória,
distributiva e redistributiva. A arena regulatória trata da limitação ou concessão de atividades,
como a privatização ou concessão direta de serviços públicos, por exemplo. A arena
distributiva trata de estimular ou desestimular setores e atividades já existentes e
regulamentadas, como é o caso da concessão de subsídios. A arena redistributiva intervem na
estrutura econômica da sociedade criando mecanismos que diminuam as desigualdades
sociais. Políticas sociais como educação e saúde são exemplos de arenas redistributivas
indiretas, pois influenciam no longo prazo a diminuição da desigualdade social. Programas
sociais como renda mínima ou bolsa escola são exemplos de arenas redistributivas diretas,
pois caracterizam transferência monetária direta para as pessoas mais pobres da sociedade.
Submetida à agenda e às arenas decisórias está a administração pública composta pelo
aparato técnico-administrativo e sua conseqüente estrutura burocrática necessária para a
gestão e funcionamento da política pública. O corpo tecno-burocrático vai variar em natureza
e dimensão, de acordo com a esfera de poder (União, Estados ou Municípios), ou ao tipo de
política (saneamento, infra-estrutura, combate a pobreza etc) que está sendo executada, porém
será sempre regido por critérios de legalidade, publicidade, impessoalidade, responsabilidade
e eficiência3.
A qualidade do processo político é que vai determinar o desempenho da administração
pública e será dependente do comportamento dos participantes das arenas de decisão política.
Se na gestão de um determinado bem ou serviço público os grupos que compõem a arena
decisória estabelecem relações onde predominam a irresponsabilidade na alocação de recursos
e na prestação de contas, o clientelismo e o favor individual, ao invés da responsabilidade
fiscal e financeira dos recursos, da universalidade de procedimentos e da eficiência

3
O artigo 37 da Constituição brasileira estabelece em seu caput: “A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
3
administrativa, a qualidade de funcionamento do bem ou serviço público oferecido estará
comprometida e vai trazer efeitos negativos no longo prazo para o conjunto da nação, e
sobretudo naquela área específica onde a política pública atua.
Como se viu definir políticas é entender o processo de produção por parte do Estado
de bens e serviços que geram bem-estar à população de um país. Estarão envolvidas nesta
tarefa vários campos de saber, compondo um área interdisciplinar, onde entretanto a dimensão
política é onipresente, uma vez que são tomadas decisões negociadas socialmente.
O consenso universal em torno do qual os estados nacionais deveriam ser
formuladores de uma série de políticas públicas capazes de produzir bem estar e promover
justiça social aos seus cidadãos é algo historicamente observado a partir do século XX. O
desenvolvimento do Estado formulador de políticas sociais é pleno a partir do pós-guerra até
o final do século XX, quando entre as décadas de 80 e 90, os Estados nacionais passam a
experimentar crises fiscais e financeiras que levam os governos a definir novos padrões de
gestão e financiamento de políticas públicas. Esta trajetória histórica é o que vamos observar a
seguir.

Origem, Evolução e Contexto Atual


O papel do estado enquanto provedor de uma série de bens e serviços públicos visando
promover justiça social é um consenso universal do século XX. Para entender historicamente
isso torna-se necessário observar dois movimentos da história: A mudança do papel do estado
na economia e o avanço da cidadania. Esses dois movimentos têm origem no período situado
entre as duas grandes guerras mundiais e se desenvolvem mais intensamente no pós-guerra, a
partir de 1945.
Pode-se considerar que entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do
século XX, o mundo experimentou um momento de avanço da industrialização e urbanização.
Junto com isso observa-se também que até a primeira guerra, nos países da Europa ocidental e
Estados Unidos sobretudo, predominava em suas economias nacionais um regime econômico
caracterizado como liberalismo de Estado mínimo. Nada era planejado e apenas a livre
competição das forças de mercado determinava o processo econômico. À frente de tudo
estavam as fábricas, que se localizavam nos melhores espaços, em geral próximas aos rios.
Em torno das fábricas construíam-se os grandes cortiços operários, locais com precárias
instalações hidráulicas e sanitárias onde se empilhavam os trabalhadores. Nos cortiços a
média era de uma privada para mais de duzentas pessoas. Além disso, a situação das grandes

4
cidades industriais à época mostrava uma carência de equipamentos e serviços urbanos. Não
havia saneamento básico ou iluminação pública, nem coleta do lixo que era entulhado na rua.
Sem falar que havia muita fumaça escura e sulfurosa da combustão do carvão que cobria toda
a paisagem. O efeito disso era uma péssima condição de vida da população nas grandes
cidades industriais que iam se formando pela intensa migração do campo. Vítimas de
enfermidades e epidemias das mais diversas a população possuía baixa expetativa de vida e
alto índice de mortalidade infantil. As cidades eram um verdadeiro inferno que era mais
sentido pelas classes trabalhadoras, embora as classes abastadas também sofressem, em menor
medida, os efeitos da poluição e das epidemias.
Neste contexto de opressão da vida das classes mais humildes as idéias socialistas
revolucionárias ganham corpo e os sindicatos organizados a partir de então fortalecem a luta
pela melhoria das condições de vida da classe trabalhadora. A saída para a alternativa de
revolução socialista foi a ampliação da democratização política, com a universalização do
sufrágio, até então restrito aos indivíduos do sexo masculino com um mínimo de renda. A
partir disso, as classes trabalhadoras passam a ser representadas politicamente e começam a
demandar do Estado moradia, saneamento, limpeza pública, iluminação, luz elétrica etc. A
criação e ampliação dos serviços públicos e as obras de infra-estrutura urbana vão afetar
profundamente a dinâmica de desenvolvimento econômico no mundo, pois provocarão um
maior aproveitamento das economias de transporte e aglomeração, necessárias ao avanço da
industrialização. Além disso, auxiliaram sobremaneira na ampliação do setor terciário da
economia (comércio e serviços).
O processo de aumento dos serviços públicos e obras urbanas se torna um componente
importante na atuação dos Estados a partir da crise na economia mundial dos anos trinta. Na
crise econômica dos anos 30, que ficou mais conhecida pelo seu marco inicial que foi a
quebra da bolsa de Nova York em 1929, chegou-se gradativamente a um consenso dentro da
comunidade internacional, sobretudo por parte dos governos dos países democráticos mais
ricos, tais como Estados Unidos, Inglaterra e França, que as forças livres do mercado não
eram suficientes para sustentar as economias das nações democráticas. Seria necessário um
papel mais ativo do Estado no qual o investimento público era variável chave. O investimento
público tornou-se um elemento fortemente responsável pela geração de emprego e renda nos
países. Aliado ao investimento público planejado tonaram-se fundamentais outros
mecanismos específicos de regulação da economia por parte do Estado tais como controle de
câmbio, juros e oferta de moeda visando estabilizar os preços para impedir aumentos

5
inflacionários. Um dos marcos deste momento foi a conferência de Bretton Woods realizada
em 1944, que teve como resultado principal a criação das principais instituições multilaterais
de apoio ao investimento público e às finanças internacionais que foram o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional (FMI). Teve papel destacado em todo este período do
entreguerras na formulação do novo sistema mundial de comércio e finanças o proeminente
economista inglês John Maynard Keynes, que tornou-se o primeiro presidente do FMI.
O período entreguerras deixou como saldo para as décadas seguintes do século XX, no
campo estrito da economia a necessidade de atuação intensa do estado. Isso não foi diferente
na área social, uma vez que neste período houve um avanço significativo da cidadania,
sobretudo na área dos direitos sociais o que causou uma ampliação da esfera de atuação
estatal nesta área.
Toma-se aqui a definição clássica de Marshall de cidadania a qual se refere a
conquista e exercício de três conjuntos de direitos interligados: direitos civis; direitos sociais;
e direitos políticos. Os direitos civis se referem basicamente às liberdades individuais, como o
direito de dispor do próprio corpo, de locomoção, de segurança, de unir-se a qualquer pessoa
por livre escolha etc. Os direitos políticos dizem respeito à participação política: direito de
associar-se em organizações de qualquer natureza (sindicatos, grupos religiosos, associações
de bairro, clubes esportivos, artísticas etc), liberdade de expressão e pensamento ideológico,
liberdade de manifestação e protesto, além do direito de ser eleito ou de eleger representantes
(votar e ser votado). Os direitos sociais tratam das necessidades humanas básicas e são todos
aqueles direitos ligados à provisão de bens e serviços essenciais à vida que são oferecidos
pelo Estado de modo a promover justiça social: alimentação, saúde, educação, habitação,
saneamento, etc. De acordo com Marshall, estes direitos estão interligados e são
interdependentes, pois o exercício pleno de um vai requerer a existência de outro.
A consagração universal destes três direitos definindo a cidadania está contida na
Carta de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, que afirma em seu texto que a todos
cabem o domínio do seu próprio corpo e sua vida. Além disso, que é direito de todos poder
expressar-se livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, movimentos sociais e
políticos. E também que todo homem tem o direito de ter uma vida digna, ou seja, tem direito
a um emprego e a um salário suficiente para o sustento das necessidades básicas, tem direito a
saúde, a educação à habitação e ao lazer.
As primeiras constituições nacionais que concedem direitos ao homem foram: o Bill of
Rights de 1689 fruto da Revolução Inglesa; a Constituição dos Estados Unidos de 1776

6
quando na declaração de Independência; e a Declaração de Direitos do Homem oriunda da
Revolução Francesa de 1789. Em todas estas Cartas Constitucionais asseguram-se três
conjuntos de direitos ligados às esferas civil e política, quais sejam: liberdade individual,
igualdade de direitos e soberania popular. A Declaração de Direitos do Homem da
Organização das Nações Unidas (ONU) possui uma diferença em relação a estas outras duas
anteriores que é a entrada de um novo conjunto de direitos: os direitos sociais. A justiça social
passa a fazer parte das constituições da quase unanimidade dos países e é esta dimensão de
cidadania que compete ao Estado fornecer via formulação de políticas sociais.
E como definir justiça social, o que são necessidades básicas? Um primeiro aspecto a
ser observado é que justiça social não significa igualdade social, mas eqüidade social. Como
afirma Marshall a cidadania é um status social de igualdade que consegue diminuir as
desigualdades de classe, mas nunca eliminá-las. Para tanto o Estado garante um mínimo de
certos bens e serviços públicos essenciais para todos os cidadãos como assistência médica,
educação básica, moradia, previdência, seguro desemprego, entre outros, sendo que qualquer
pessoa capaz de ultrapassar este mínimo por sua própria conta pode fazê-lo. Daí a
preocupação residir na qualidade de oferta destes bens e serviços públicos que o Estado vai
prover para todos os cidadãos. Por exemplo, um país pode oferecer educação básica pública e
gratuita para todos os cidadãos, mas esta pode ser de tão baixa qualidade que faz com que a
maioria das famílias termine por escolher ou migrar para a educação privada, como é o caso
do Brasil. Por isso os direitos sociais do cidadão são complexos de serem exercidos em sua
plenitude visto que estes têm que ser administrados no seio das diversas políticas públicas
visando atingir uma qualidade que seja capaz de estabelecer justiça social, ou seja, diminuir
grandes desigualdades existentes. A situação ideal é aquela em que os bens e serviços
públicos ofertados pelo Estado se aproximem em qualidade o máximo possível dos similares
privados que as classes mais ricas são capazes de pagar, tornado a aquisição particular destes
apenas um luxo.
Durante mais de trinta anos do século XX desde o pós-guerra em 1945, o Estado
sobretudo, na Europa Ocidental e países baixos, foi capaz de diminuir grandes desigualdades
sociais e promover bem-estar à quase totalidade de seus cidadãos por meio de políticas
sociais. Apesar disso, fortes desigualdades ainda persistem em vários países do mundo e
mesmo nos países mais ricos ou considerados desenvolvidos, ainda existem desigualdades
sociais, mas são substancialmente menores em comparação aos países latino-americanos e
africanos, por exemplo. E isso é notado quando se observa o grau de desigualdade de renda

7
atual nestes países, como pode ser visto no gráfico 1 abaixo que mostra a razão entre a renda
média dos 10% mais ricos e dos 40 % mais pobres em alguns países dos cinco continentes.
Observa-se que nos países europeus, mais Japão, Estados Unidos e Canadá, a razão entre a
renda média dos 10% mais ricos é em torno de seis vezes maior em relação aos 40% mais
pobres, enquanto nos países da América Latina e África a razão entre a renda média dos 10%
mais ricos é 10, 20, 25, e até mais de 25 vezes maior em relação aos 40% mais pobres. Este
último caso é o do Brasil, um dos campeões de desigualdade social no mundo. Durante o pós-
guerra ao mesmo tempo em que as nações mais ricas e modernas economicamente da Europa,
Ásia e América do Norte, experimentavam por meio de políticas sociais, uma redução das
desigualdades econômicas, nos países ainda em vias de modernização econômica, ou de
modernização econômica tardia, a ausência ou a má gestão das políticas sociais, onde
privilégios, favorecimento e corrupção prevaleceram, terminaram por não reduzir as
desigualdades sociais. Pode-se incluir neste caso o Brasil, que apesar de possuir um estado
que provêm uma série de políticas sociais a abissal desigualdade econômica não consegue ser
diminuída.

Gráfico 1
Grau de Desigualdade de Renda
Razão entre a renda média dos 10% mais ricos em relação aos 40% mais pobres

Finlâ ndia
Bé lgic a
Hola nda
Norue ga
Ale ma nha
S uiç a
J a pã o
Dina ma rc a
Re ino Unido
Espa nha
S ué c ia
Est a dos Unidos
Ca na dá
P or t uga l
Ta ilâ ndia
Ar ge nt ina
Cost a Ric a
Ve ne z ue la
Ne pa l
Colômbia
Zâ mbia
Mé xic o
Quê nia
Cost a do Ma r fim
Bot swa na
P a na má
P e ru
Br a sil

0 5 10 15 20 25 30

Fo nt e: Paes d e Barro s et al. (2 0 0 0 , p . 1 3 4 ), co m b as e em d ad o s d o


Pro g rama d as Naçõ es Unid as p ara o Des envo lviment o (PNUD) - 1 9 9 9

8
Ao tipo de Estado provedor de políticas sociais fortemente característico da Europa
usou-se a denominação de Estado do bem-estar (Welfare State). Especificamente na Europa
escandinava a forma de organização política que tomou o Estado tem a denominação de social
democracia. Nestes países os sindicatos ocuparam a maior parte das cadeiras no parlamento, o
gasto social é o mais alto entre os países do mundo e a economia tem uma forte participação
de cooperativas.
A partir do início da década de 70 do século XX os Estados nacionais vão
experimentar crises fiscais e de endividamento que passam a comprometer o financiamento
das políticas sociais. Neste período a economia americana entra em um processo de inflação e
endividamento público que vai provocar aumentos substanciais nos preços do petróleo. Os
dois choques do petróleo em 1973 e 1979, vão acabar desencadeando problemas de inflação e
endividamento crônico em vários países do mundo durante a década de 80, sobretudo nas
nações subdesenvolvidas. Além disso, o aprofundamento da globalização econômica, com a
desregulamentação dos mercados e a modernização tecnológica e gerencial da indústria e dos
serviços são processos que aumentam o desemprego, diminuem a capacidade de arrecadação
tributária e tornam os governos vulneráveis no que se refere a manutenção de seus gastos e
investimentos sociais. Isso passa a exigir dos Estados Nacionais uma redefinição na forma de
administrar as políticas sociais que agora vão experimentar processos de privatização. Em
vários países foram eleitos governos que terminaram por privatizar uma série de serviços
públicos como saúde, eletrificação, telefonia, saneamento, entre outros, passando o Estado
agora ao papel de regulador e, portanto de provedor indireto dos serviços, uma vez que a
gestão e funcionamento fica a cargo de empresas.
Apesar da crise econômica os gastos sociais dos governos tendem a aumentar mesmo
assim. E a maior preocupação dos governantes no momento contemporâneo é a constatação
de que cada vez mais que os gastos com previdência, transferências, subsídios, serviços e
obras aumentam os mecanismos de financiamento por meio de política fiscal tendem a
diminuir. Em todo caso os países vão encontrando saídas por meio de novos modos de gestão
na prestação dos serviços públicos com privatizações, além de reformas em seus sistemas de
pensão e aposentadoria, que tornem possível conservar direitos sociais futuros.
Na seção seguinte vamos observar como foi a origem e a evolução das políticas sociais
no Brasil, país que possui uma das maiores desigualdades de renda do planeta, mas que
também possui uma estrutura de política social definida e que tem origem na década de trinta
do século XX.

9
Políticas Públicas no Brasil
Um primeiro olhar sobre a estrutura social brasileira pode nos fazer pensar que o
Estado investe muito pouco na área social, dado que o grau de desigualdade de renda do país
é um dos maiores do mundo. Isso pode ser notado se observamos o comportamento do
coeficiente de gini do Brasil em comparação a outros países. O coeficiente de Gini é um
índice que mede a concentração de renda. Os valores do coeficiente de Gini variam entre 0 e
1,0; quanto mais próximo de 1,0, maior será a concentração de renda, acontecendo o contrário
à medida que esse coeficiente se aproxima de 0. O gráfico 2 abaixo mostra que numa pequena
amostra de países o Brasil é um dos com maior desigualdade de renda do mundo com um
coeficiente de Gini em torno de 0,6, só perdendo para alguns países africanos.

Grá fic o 2 - Gra u de de s igua lda de de R e nda


C o e fic ie nte de Gini

Espa nha
Uc r â nia
Ca na dá
Bé lgic a
Hungr ia
Hola nda
Romê nia
India
S ué c ia
Re ino Unido
J a pã o
Dina ma r c a
P ort uga l
Cost a do Ma rf im
J a ma ic a
Tunisia
EUA
Aust r á lia
Equa dor
Hong Kong
Filipina s
Ma lá sia
Mé xic o
Nigé r ia
P ort o Ric o
Ta ilâ ndia
Ve ne z ue la
Quê nia
Hondura s
Guiné Bissa u
P a na má
Chile
Gua t e ma la
Bra sil
Ma la wi
Áfr ic a do S ul

0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 0,4 0,45 0,5 0,55 0,6 0,65 0,7

Fo nt e: Paes d e Barro s et al. (2 0 0 0 , p . 1 3 4 ), co m b as e em d ad o s d o


Pro g rama d as Naçõ es Unid as p ara o Des envo lviment o (PNUD) - 1 9 9 9

Ao observarmos a questão da pobreza propriamente dita o quadro reflete exatamente a


forte desigualdade de renda do país com um número de pessoas pobres ou indigentes, ou seja,
sem capacidade suficiente para sustentar-se, em torno de 50 milhões de pessoas na última
década ou 44% da população, como mostra a tabela 1 abaixo. Pode-se observar nestes
números que a pobreza e indigência no Brasil tem um lamentável quadro de estabilidade,
tanto em termos absolutos como relativos, pois entre 1977 e 1998 o numero de pobres e

10
indigentes variou de cerca de 40 a 60 milhões de pessoas no país, ou de 40% a 60% da
população com momentos de pouco aumento ou diminuição destes intervalos médios, apesar
de em meados da última década, entre 1995 e 1998 o percentual ter diminuído para cerca de
30% e se estabilizado. Isto pode ser atribuído aos efeitos da queda da inflação e da conquista
de estabilização econômica que o país experimentou. A pobreza em grande quantidade no
Brasil é observada, apesar do país se constituir em uma das 15 maiores economias do mundo,
já tendo sido a oitava, e sua renda per capita se situar entre as 30% maiores do planeta, o que
prova que o Brasil não é um país pobre, mas um país como muitos pobres. Aliada à pobreza,
está o grave problema da educação no Brasil, onde o nível de analfabetismo atinge cerca de
12% da população, porém quando se estima o nível de analfabetismo funcional este número
chega a quase 30%, o que é muito alto para uma nação com um nível de produção de riqueza
como o Brasil, mas também completamente coerente com o nível agudo de má distribuição de
renda do país.
Tabela 1 – Evolução Temporal da Indigência e da Pobreza no Brasil
Ano % de pobres e indigentes Nº de pobres e indigentes (em milhões)
1977 39,6 40,7
1978 42,6 45,2
1979 38,8 42,
1981 43,1 50,6
1982 43,1 51,9
1983 51 62,7
1984 50,4 63,5
1985 43,5 56,9
1986 28,2 37,6
1987 40,8 55,4
1988 45,3 62,5
1989 42,9 60,6
1990 43,8 63,1
1992 40,8 57,3
1993 41,7 59,4
1995 33,9 50,2
1996 33,5 50,1
1997 33,9 51,5
1998 32,7 50,1
Fonte: Paes de Barros et al. (2000, p.125), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem
Domiciliar (PNAD) do IBGE.

Os números acima induzem o leitor em um primeiro momento a tentar relacioná-los


apenas com a ineficiência de governos sucessivos na atenção a área social, entretanto antes
disso estes dados mostram o déficit histórico de cidadania em um país que viveu sob regime
escravo por quatro séculos, onde direitos civis e políticos existiam apenas no papel. Um bom
exemplo são as eleições brasileiras tanto no período do império, quanto na república velha - a
chamada república dos coronéis. As eleições eram escrutínios caracterizados pela fraude e
11
truculência, onde os eleitores eram ameaçados por capangas ou trocavam seu voto por
qualquer utensílio ou objeto. Evidentemente que este comportamento refletia o perfil de atraso
da sociedade brasileira neste período onde cerca de 80% era analfabeta e em torno de 90%
vivia no campo.
De acordo com José Murilo de Carvalho o período inicial de concessão de direitos
sociais no Brasil tem como marco principal, o primeiro período da chamada “era Vargas”,
entre 1930 e 1945, que se inicia após a revolução de trinta. Nesta época no que se refere aos
direitos políticos e civis, estes foram concedidos entre 1930 e 1937, destacando-se aí o
sufrágio universal com a concessão do direito de voto à mulher, mas no período ditatorial,
entre 1937 e 1945 foram suspensos. Curiosamente no período de supressão de direitos
políticos e civis foi ao mesmo tempo o momento de avanço dos direitos sociais.
O período entre 1930 e 1945 ficou caracterizado como uma fase de modernização do
aparelho de Estado e também de incentivo à modernização econômica com o financiamento à
indústria nacional. No que se refere aos direitos sociais, em 1930 é criado o Ministério do
Trabalho, que entre outras coisas elaborou toda a legislação social e trabalhista do país, sendo
a mais importante a Consolidação das leis do Trabalho de 1943, vigente até os dias de hoje
com pequenas modificações. Em 1932 ficou decretada a jornada de oito horas para os setores
da indústria e comércio, foi regulamentado o trabalho dos menores, criou-se a carteira de
trabalho - documento de identidade do trabalhador, além do salário mínimo, adotado a partir
de 1940. Ainda em 1932 foram criadas as Comissões e Juntas de Conciliação e Julgamento
para arbitrar as disputas judiciais entre empregados e patrões, algo que seria o embrião da
Justiça do Trabalho que entra em funcionamento em 1941.
No que se refere à organização sindical, a legislação estabeleceu que os trabalhadores
e patrões em suas respectivas categorias profissionais poderiam ser representados por um
único sindicato de classe que seria reconhecido e tutelado pelo governo o qual indicava o
nome do presidente. Esta regra também se aplicava às federações e confederações de
trabalhadores e empresários. Além disso, em 1940 foi criado o imposto sindical vigente até
hoje, que é cobrado de todos os trabalhadores, mesmo que não sindicalizados, e também dos
patrões, o qual é responsável por manter os sindicatos, federações, confederações e a Justiça
do Trabalho. A Justiça do Trabalho foi aperfeiçoada. Além das Comissões e Juntas de
Conciliação e Julgamento foram criados os Tribunais Regionais do Trabalho e o Superior
Tribunal do Trabalho. Em todas as instâncias havia justiça paritária, isto é, ao lado dos juízes
concursados, havia os juízes classistas (representantes dos trabalhadores e dos patrões). A

12
justiça trabalhista foi endossada na Constituição de 1946 e permanece quase itnacta até hoje,
com exceção da extinção da figura do juiz classista em 1999.
Na área da previdência a partir de 1933 foram criados os Institutos de Aposentadoria e
Pensões (IAPs), em várias categorias profissionais (bancários, industriários, trabalhadores da
estiva, servidores do estado, comércio, marítimos, transportes e cargas). Os recursos dos IAPs
provinham do governo, dos patrões e dos trabalhadores. O sistema não era estendido aos
trabalhadores rurais, domésticos e autônomos. Tratava-se, portanto de uma política social
como privilégio, pois se fosse um direito seria extensa a todos os trabalhadores o que
caracteriza nos termos de Wanderley Guilherme dos Santos uma cidadania regulada, ou seja,
limitada por restrições políticas.
Para José Murilo de Carvalho duas questões surgem do período de 1930-1945 acerca
dos direito sociais. A primeira é: por que a cidadania era regulada, ou seja, os benefícios dos
trabalhadores urbanos não eram estendidos aos trabalhadores do campo? e a segunda é: por
que o modelo de sindicalismo corporativo estatal?
Os benefícios dos trabalhadores urbanos não eram extensivos aos trabalhadores do
campo, pois os proprietários rurais ainda possuíam muita força política no país e de algum
modo se comportavam como uma importante base de apoio para o governo. só para lembrar a
principal fonte de riqueza do país até a década de 1960 foi o café. Assim, o governo não
ousava interferir nos domínios dos produtores rurais levando até eles uma legislação
trabalhista protetora dos trabalhadores como era e ainda é a nossa.
A legislação trabalhista era corporativa e estatal, com sindicalismo único, imposto
sindical e justiça do trabalho porque o objetivo estratégico era criar uma arena unicamente de
conciliação de interesses e não de conflito e por isso é que a lei é extremamente protetora a
classe mais fraca naquele momento que eram os trabalhadores. Se a intermediação de
interesses no campo do trabalhista ficasse a cargo da justiça civil talvez ocorresse o inverso,
com uma desvantagem nítida para os trabalhadores. Com uma distinção de classes pouco
definida no país até aquele momento a legislação trabalhista teve dois efeitos. O primeiro é
que ajudou de algum modo a formar uma classe trabalhadora e o outro é que por um longo
tempo o fenômeno do peleguismo foi nítido, onde a cooptação dos sindicatos pelo governo
teve influência na política parlamentar inclusive na formação de um partido, o PTB.
Estes direitos serão todos mantidos no período democrático entre 1945 e 1964, e
aprofundados durante a ditadura militar. Destaca-se apenas na democracia de 1946-1964 a

13
criação ainda no período do estado da Justiça Eleitoral, o que auxiliou muito no exercício dos
direitos políticos, visto que contribuiu para a lisura do processo eleitoral.
No período da ditadura militar, mais uma vez se verifica a suspensão de direitos
políticos e civis ao mesmo tempo que se ampliam direitos sociais. Neste período, em 1966 foi
criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que acabava com os IAPs e
unificava o sistema com exceção do funcionalismo público civil e militar. Ainda em 1966 é
criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que funcionava como seguro
desemprego além de principal fonte de financiamento das políticas de desenvolvimento
urbano nos setores de habitação, saneamento básico e infra-estrutura. Nesse mesmo ano
também foi criado o Banco Nacional da Habitação (BNH) cujo objetivo era o financiamento
de casa própria para os trabalhadores. Em 1971, é criado o Fundo de Assistência Rural
(FUNRURAL), previdência do trabalhador rural formada com recursos de impostos sobre
produtores rurais e das folhas de pagamento dos trabalhadores urbanos tendo os sindicatos
rurais como responsáveis pela sua gestão. Em 1974 é criado o Ministério da Previdência e
Assistência Social, englobando também a assistência social e a saúde.
No que se refere ao desempenho dos programas sociais, houve uma melhora em todas
as áreas. Na área de moradia o BNH foi extinto em 1986 e concedeu entre 1964 e 1984, 4,5
milhões financiamentos habitacionais beneficiando mais de 20 milhões de famílias. Apesar
disso, devido ao alto valor das prestações os financiamentos que deveriam ter os mais pobres
como público alvo, terminaram por ser destinados à classe média. O efeito deste déficit
habitacional foi a crescente favelização nas capitais e grandes cidades do país. O setor de
saneamento apresentou uma grande expansão no abastecimento de água, após a criação a
partir da década de 1960 das companhias estaduais de abastecimento e saneamento e também
da implementação pelo Governo Federal do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA).
Entre 1970 e 1984, a participação dos domicílios particulares com rede geral de
abastecimento de água passou de 56% para 86% do total de domicílios particulares. Na área
de distribuição de alimentos, setor onde mais se destacou o uso clientelista e corrupto de
política social, apesar disso, alguns programas como o Programa nacional da Merenda Escolar
(PNAE) atendia anualmente a 17 milhões de crianças em idade escolar. Houve uma evolução
na taxa de escolarização, saltando de 45% em 1960 para 85% em 1980. Na saúde entre 1970 e
1980 houve aumento do número de internações hospitalares, de consultas médicas, além do
aumento do número de exames laboratoriais, odontológicos e radiológicos. Ainda verifica-se

14
durante a década de 1970 e 1980 na área da saúde um crescimento significativo do número de
hospitais e de leitos.
Apesar de uma melhoria nos números em duas décadas, os programas sociais na época
do regime militar eram marcados pelo clientelismo e favorecimento pessoal, ineficiência e
corrupção. Estas eram as razões pelas quais as políticas sociais no Brasil não conseguiam
atender à maioria de sua população, uma vez que os recursos existiam, mas eram desviados ou
roubados no caminho. Isto foi sendo sentido pela população e trouxe como efeito principal a
criação de um sistema privado, sobretudo nas áreas de saúde e educação, que começou a
competir com o público e fez com que a classe média brasileira em sua maioria migrasse para
ele. A principal explicação que se encontrou para este processo de clientelismo, corrupção e
ineficiência das políticas sociais tinha duas variáveis chave de resposta: a primeira era uma
forte centralização da gestão e dos recursos, e a segunda era a ausência de participação e
controle da sociedade sobre os serviços4.
Devido a isso a Constituição de 1988 terminou por descentralizar para Estados e
Municípios as políticas sociais e estabelecer a participação e controle social como critério de
gestão. A Carta Constitucional de 1988 consagrou os princípios da descentralização,
municipalização e da participação, ganhando os municípios o status de unidades autônomas
da federação junto com os estados, algo inédito no mundo no que se refere a repartição de
poderes em países federados.
Os municípios a partir de 1988 ganharam uma série de encargos, como a gestão das
políticas sociais de saúde, educação básica - incluindo merenda escolar, e assistência social. A
participação social na gestão das políticas de saúde, educação e assistência social é
contemplada na Constituição de 1988 e regulamentada por leis complementares que prevêem
o estabelecimento de conselhos deliberativos, para a municipalização dos serviços de saúde e
assistência social, bem como na área de educação5. O Governo Federal vinculou a
transferência de recursos nas áreas de saúde e educação para Estados e Municípios e os
distribui diretamente para estes que vão desenvolver a gestão dos programas nestas áreas por

4
O importante trabalho de Sônia Draibe discute a centralização de recursos e da gestão das políticas sociais no
regime militar.
5
No caso da saúde, a Lei 8.142/90, artigo 1, § 2º do inciso II. Na área da assistência social, a Lei 8.742/93 – a
Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), cap. III. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) em
seu artigo 132. Na área da educação, a Lei 9.424/96, que regulamenta o FUNDEF (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino e Valorização do Magistério), em seu art. 4º prevê a obrigatoriedade de existência
de Conselhos em cada esfera de competência federativa (União, estados e municípios) para acompanhar e
controlar a repartição, transferência e aplicação dos recursos.

15
meio por meio dos conselhos estaduais e municipais. Apesar disso o desempenho dos serviços
públicos após mais de quinze anos de descentralização esbarram numa variável que é a
capacidade financeira, administrativa e de recursos humanos instalada nos municípios para
assumir estes serviços o que traz como efeito uma sobreposição de atribuições permanente
entre Estados e Municípios. Disso decorre que a descentralização das políticas sociais no
Brasil que passa a existir a partir de 1988, ainda ser algo gradual e que requer uma complexa
engenharia institucional de funcionamento.
Além dos serviços sociais, o maior problema que o Brasil vive em termos de política
social é a previdência. A previdência no Brasil possui dois sistemas: Um deles é o chamado
Regime Geral de Previdência Social (RGPS) gerenciado pelas contribuições dos trabalhadores
da iniciativa privada ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). A partir de 1995
como mostra a tabela 2 abaixo, observa-se um contínuo crescimento do déficit previdenciário
do INSS. Além disso, a relação contribuinte/beneficiário caiu de 2,4 contribuintes para cada
beneficiário para 1,6.
Tabela 2 – Evolução do saldo Previdenciário – INSS (em R$ bilhões)
Ano Arrecadação Líquida Pagamento de benefícios previdenciários Saldo previdenciário
1988 30,79 17,83 12,959
1989 30,49 19,04 11,450
1990 31,50 19,52 11,981
1991 28,32 20,47 7,850
1992 27,93 22,28 5,657
1993 31,74 29,97 1,772
1994 33,88 33,07 0,809
1995 40,69 41,02 -0,325
1996 44,36 44,48 -0,124
1997 45,89 49,06 -3,177
1998 46,74 53,49 -6,752
Fonte: Ornélas (1999, p. 11), com base em dados do Ministério da Assistência e Previdência Social
O outro sistema é o regime jurídico único do qual fazem parte os funcionários
públicos. Até 1993 os funcionários públicos não contribuíam para a previdência, saindo os
recursos para as aposentadorias e pensões do tesouro nacional. A partir deste ano começaram
a contribuir com alíquotas variáveis entre 9% a 12% sobre a remuneração total com faixas de
isenção. Em 1998 as contribuições dos servidores públicos federais financiaram apenas 12,6%
do dispêndio total com inativos. A partir de 1999 o Governo limitou a 12% de sua receita
corrente líquida com inativos o que vai dar uma relação de 2/1 na contribuição do Estado
(patrão) em relação ao servidor (funcionário). Com isso o déficit da Previdência do serviço
público é bem maior do que a do INSS, como pode ser observado na tabela 3 abaixo.

16
Tabela 3 – Evolução do saldo Previdenciário – Servidor Público da União (em R$ bilhões)
Ano Contribuição dos servidores Despesa com benefícios Déficit var. % do déficit
1995 2,10 15,46 -15,59
1996 2,58 17,39 -15,87 2%
1997 2,58 19,68 -17,53 11%
1998 2,63 20,95 -18,32 5%
1999 5,4 24,9 -19,5 4%
Fonte: Ornélas (1999, p. 15), com base em dados do Ministério da Assistência e Previdência Social
Alguns dos principais fatores que influenciam os crescentes déficits na previdência
brasileira, sobretudo no setor público, foram: concessões de aposentadorias especiais para
vários cargos (no caso do setor público) e várias categorias profissionais (no caso do INSS); a
falta de um teto delimitado de aposentadoria para cada esfera de poder no setor público;
ausência de idade mínima relacionada ao tempo de contribuição dos servidores e
trabalhadores; exigência de um tempo mínimo de permanência no cargo e na função para
requerer aposentadoria no caso do setor público muito curto (era de 10 anos antes da
reforma); aposentadoria gozada pelos servidos se dava pela remuneração do último cargo
exercido e não pela média de contribuição durante toda a vida ativa. Todas estas distorções
foram abolidas na última reforma da previdência que vem ocorrendo no país desde 1998 e que
teve foi continuada até o momento.
E um último dado importante sobre a distorção do sistema previdenciário é que no
Brasil a maior parte das pessoas aposentadas não se encontram em faixas de idade adequadas
para usufruir benefícios previdenciários, ou seja, não são as mais idosas que estão em idade de
aposentar-se. Como pode ser observado no gráfico 3 a seguir a maior parte dos aposentados
brasileiros encontram-se em idades que se situam entre 40 e 60 anos. Este aspecto é
preocupante, pois com o decorrer do tempo as expectativas de vida aumentam e mesmo para
pessoas com faixa etária para se aposentar, ou seja 60 anos acima, estas ainda viverão
bastante, pelo mais 13 anos no caso dos homens e 14 anos no caso das mulheres segundo a
expectativa de vida do brasileiro. As distorções têm que ser contidas para que as gerações
futuras possam desfrutar do direito de aposentadoria.

17
Gráfico 3 - Aposentadoria por faixa de idade
distrbuição %

acima de 70 anos
66 a 70 anos
61 a 65 anos
56 a 60 anos
51 a 55 anos
46 a 50 anos
41 a 45 anos
até 40 anos
%

0 10 20 30

Fonte: Ornélas (1999, p.17), com base em dados do Boletim Estatístico de Pessoal
do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE)

Considerações Finais
Tentou-se aqui dar uma visão geral sobre o significado conceitual do campo das
políticas públicas, bem como a evolução do Estado enquanto formulador de políticas públicas
no Brasil e no mundo. Evidentemente que não foram abordados todos os aspectos conceituais
e histórico-analíticos, tarefa esta que exigiria uma coletânea apenas relacionada a este tema.
Alia-se a isso o fato do campo de análise de políticas públicas ser complexo uma vez que é
uma área interdisciplinar.
Apesar disso, a área de pesquisa em políticas públicas no Brasil é grande e cresceu
muito na última década onde se observa a criação de vários centros e núcleos de estudo no
país, que buscam analisar a questão político-institucional do estado brasileiro na formulação e
gestão de políticas sociais sob vários aspectos. Tem-se como destaque alguns centros de
pesquisas tais como, entre outros, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fundação Osvaldo Cruz
(FIOCRUZ), Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), Instituto Pólis, Centro Josué de Casto e
o Núcleo de Estudos sobre Políticas Públicas (NEPP) da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Além dos institutos de pesquisas, destacam-se também as Escolas de Governo
que capacitam pessoal para atuarem como gestores de políticas públicas em diversos níveis de
gestão e carreiras, como por exemplo, entre outros a Escola Nacional de Administração
Pública (ENAP), a Fundação João Pinheiro em Minas Gerais e o Instituto Brasileiro de
Administração Municipal (IBAM).
Dentro desse vasto campo, existem alguns trabalhos de destaque, entre outros que
procuram refletir e avaliar a questão da relação entre o federalismo brasileiro pós-constituição

18
de 1988 e o desempenho das políticas sociais, como é o caso, entre outros de Rui Affonso e
Pedro Luís Barros e Silva (1996), Maria Hermínia Tavares Almeida (1995), Marta Arretche
(2000); e Marcus André Melo (1993). Grosso modo estes trabalhos e vários outros
contribuem de modo relevante na tarefa de entender a complexidade das instituições e seus
processos de gestão bem como seus campos de intermediação de interesses, buscando
identificar os seus atores principais, suas estratégias políticas, além de observar os pontos de
estrangulamento dos processos administrativos.
Em suma, trabalhar com políticas públicas exige muita investigação para se chegar aos
motivos mais próximos da verdade que ajudem a explicar porque apesar do Brasil possuir
uma rede de políticas sociais ainda permanece com tanta desigualdade social, com tantas
pessoas passando necessidades diversas que podiam ser atendidas pelo Estado. A estas
pessoas que sofrem isso só restam o sentimento de não cidadãos, pois a elas nada parece que
nada é oferecido. Por isso é que a pergunta não quer calar e as questões continuam sem
resposta, too many questions...

Referências Bibliográficas
Affonso, Rui de Britto Álvares & Silva, Pedro Luís Barros e (orgs.). Descentralização e
Políticas Sociais. São Paulo: FUNDAP/UNESP, 1996.
Almeida, Maria Hermínia B.Tavares. “Federalismo e Políticas Sociais”. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, 28 (10), junho: 88-108, 1995.
Arretche, Marta. Estado Federativo e Políticas Sociais: Determinantes da Descentralização.
São Paulo: Revan/FAPESP, 2000.
Carvalho, José Murilo. Cidadania no Brasil: um longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001.
Draibe, Sônia. “As Políticas Sociais no regime militar brasileiro: 1964-84” In: Glaucio Soares
e DÁraujo, Maria Celina. 21 Anos de Regime Militar. Balanços e Perspectivas. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
Fuks, Mario. “Definição de agenda, debate público e problemas sociais: uma perspectiva
argumentativa da dinâmica do conflito social”. BIB – Revista Brasileira de Informação
Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de janeiro, n.49, 1º semestre de 2000, pp.79-94.
Lamounier, Bolívar. Análise de políticas públicas: quadro teórico-metodológico de
referência. Mimeo. São Paulo, s.d.
Lowi, Theodore. “American Business, Public Policy, Case-Studies and Political Theory”.
World Politics, vol. XVI, n.4, 1964.
Marshall, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
Melo, Marcus André B. C. “Anatomia do Fracasso: Intermediação de Interesses e reforma da
Política Social na Nova República”. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de
Janeiro, vol. 36, n.3, pp 119-164., 1993
Ornélas, Waldeck. “O Novo Modelo Previdenciário Brasileiro: Uma fase de Transição”.
Conjuntura Social, Brasília, 10, 2: 7-26, abr/mai/jun, 1999.

19
Paes de Barros, Ricardo. “Desigualdade e Pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade
inaceitável”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 15, n. 42, fevereiro/2000, pp.
122-142.
Santos, Wanderley Guilherme. Cidadania e Justiça. A Política Social na Ordem Brasileira.
Rio De Janeiro: Campus, 1979.
Shattschneider, E. E. The Semi-Sovereign People. New York: Holt, Rineheart and Wilson,
1960.

20

Das könnte Ihnen auch gefallen